Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
350/17.7T8PRG.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
CULPA EXCLUSIVA DO LESADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Na reapreciação da decisão da matéria de facto, a Relação, como tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, deve formar a sua própria convicção, pelo que não está limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, devendo avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos, valorando-as e ponderá-las, com recurso às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas.

II - Cabendo em exclusivo ao lesado a culpa do acidente, tem de se excluir a responsabilidade da seguradora de indemnizar os danos dele resultantes, mesmo considerada a responsabilidade pelo risco, atento o disposto nos art.os 483º., nº. 2; 506.º; e 570.º ex vi do art.º 505.º, todos do C. C., já que a culpa do lesado faz quebrar o nexo de causalidade entre os riscos do veículo e o dano, excluindo, deste modo, a responsabilidade objetiva do detentor do veículo, porque o dano deixa de ser um efeito adequado do risco do veículo.

III – É de atribuir a culpa exclusiva do acidente ao condutor que, vindo de um largo, e vendo aproximar-se um veículo automóvel ligeiro de mercadorias a circular em sentido contrário, num troço da estrada que, por ser muito estreito, não permitia o cruzamento de ambos os veículos, não imobilizou o seu veículo por forma a deixar espaço suficiente para aquele passar sem perigo de colisão, devendo ter-se por inobservadas as prescrições constantes da alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 33.º do Código da Estrada.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- R. F., identificado nos autos, intentou a presente acção de condenação com processo comum contra a Companhia de Seguros “X Seguros, Seguradoras ..., S.A.”, com sede em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 4.972,73 a título de indemnização pelos danos patrimoniais que sofreu, acrescida de juros moratórios sobre € 4.222,73 desde 20 de Dezembro de 2016 e sobre € 750,00 desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.

Fundamenta este pedido num acidente de viação ocorrido no dia 17/12/2016, no lugar da ..., freguesia de ..., concelho de Peso da Régua, no qual interveio quando conduzia o seu veículo automóvel de matrícula UT juntamente com o veículo ligeiro de mercadorias marca Nissan, com a matrícula PP, pertencente a S. F. e, aquando do acidente, conduzido pelo seu filho J. F., cabendo a este a culpa do referido acidente por circular a mais de 60 Km./hora e a ocupar parte considerável da faixa de rodagem contrária. Do referido acidente resultaram danos no seu veículo, cuja reparação foi orçada em € 4.222,73, tendo o tempo da reparação sido calculado em 15 dias.

A Ré contestou, impugnando os factos alegados, quer os relativos à dinâmica do acidente, quer os atinentes aos danos invocados.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção totalmente improcedente, absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo Autor.

Inconformado, traz o Autor o presente recurso pretendendo que seja revogada a supra transcrita decisão, e em sua substituição seja proferida outra que julgue a acção procedente e condene a Ré nos termos peticionados, ou, pelo menos, seja a acção julgada parcialmente procedente, com a condenação da Ré a pagar-lhe o valor correspondente a metade dos prejuízos que sofreu.
Contra-alegou a Ré propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi admitido como de apelação com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.-

II.- O Apelante/Autor formulou as seguintes conclusões:

1. Conforme demonstrado nos autos a rua (e não avenida, "Avenida da ...", como é referida na sentença, referência essa para a qual se encontra como única razão o facto de a R. a utilizar na sua contestação - v. arts 25, 27, 30, 31, 32 e 33, mas que não tem características que a justifiquem pois, como também consta da sentença, é uma via estreita ladeada de edifícios - v. ponto 9 e 10 dos factos provados - de acentuada inclinação descendente - v. 2° parágrafo de fls.3 da sentença) em que circulava o veiculo segurado da R. termina ou desemboca num largo, o largo da ..., por isso não podendo considerar-se que a respectiva confluência forma um entroncamento, em termos de o A. estar obrigado a ceder prioridade, até porque, diversamente do que foi considerado na sentença e como se verifica pelas fotografias do local, o veiculo segurado da R. não se apresenta pela direita em relação ao veiculo do A..
2. Mas, ainda que assim fosse e porque a regra da prioridade não actua em termos absolutos, o condutor do segurado da R. estava obrigado a tomar as cautelas necessárias à segurança do trânsito, tanto mais que circulava numa via estreita e de acentuada inclinação descendente.
3. Mas assim parece não ter entendido a Mma Juiz recorrida, impondo todos os deveres ao A. e nenhum ao condutor do segurado da R. pois, apesar de até crer que o mesmo "circularia pelo meio da via" (v. parte final do último parágrafo de fls.3v da sentença) e mesmo que, como alegado pelo A., circulasse todo encostado à esquerda, nada disso estaria errado, antes reforçaria o dever de o A. ter que esperar pela sua passagem (v. parte final do 2°parágrafo da sentença) o que, com o devido respeito, nos parece de todo incorrecto.
4. Sendo essas considerações uma clara manifestação de uma posição de princípio ou sentido da decisão isso mesmo nos parece ter viciado toda a decisão da matéria de facto pois, como ressalta da respectiva motivação, a Mma Juiz a quo desvalorizou e desconsiderou tudo o que poderia ser favorável à versão do A .. Não apenas as suas próprias declarações, como os depoimentos das outras duas testemunhas por ele arroladas.
5. Mas o que mais se estranha e de forma alguma se pode aceitar é que se tenha ignorado a parte mais importante do depoimento do condutor do segurado da R. e que versou a forma como, segundo ele, o acidente aconteceu. Se tivesse sido devidamente analisado (mas como se referiu, foi totalmente ignorado) conclusões bem diversas se imporiam quanto à culpa do acidente. Na verdade essa testemunha, J. F., condutor do veículo segurado da R., ao relatar como o acidente aconteceu deu claramente a entender que conduzia distraído. Nem outro significado têm as expressões por ele repetidamente utilizadas "quando dou por mim" e "quando dou conta" (v.mins 2.20, 15.12 e 15.50). Além disso, também ignorado na sentença, não só reconheceu expressamente que o A. estava completamente encostado à sua direita (v. mins 6.10 e 15.12), como também reconheceu que, estando o A. assim encostado, dava espaço para ele passar, o que só não aconteceu porque "quando dou conta ele está em cima de mim" (v.min. 15.50). Ou seja, se dava para passar e estando o A. completamente encostado à direita é porque ele, condutor do segurado da R., além de vir distraído vinha contra a mão. A última parte do seu transcrito depoimento ("... quando dou conta ele está em cima de mim", por manifestamente contraditória, é que não pode corresponder à verdade, pois a conclusão que se impõe é que foi ele a cair/embater sobre o veículo do A. e não ao contrário.
6. Diversamente do entendido na sentença, tanto pela sua coerência intrínseca, como pela forma segura e clara com que foram prestadas, as declarações do A. deviam ter merecido toda a credibilidade. Desde logo porque o A. sempre teve a mesma versão quanto ao avistamento da carrinha, veículo segurado da R.: "que quando olhou para o espelho e viu a carrinha parou" (v. min.s 1.05 e 2.26), isso mesmo tendo reafirmado ao ser confrontado pela mandatária da R. com uma alegada contradição: "não foi assim que eu expliquei"; "eu ia a meter para a rua e olhei para o espelho e quando me apercebo da carrinha eu parei" (v. mino 25.03).
7. De resto, no essencial, essas declarações não são incompatíveis com o depoimento do condutor do segurado da R. e foram confirmadas pela testemunha C. C. que, como mediador de Seguros do A., por este foi chamado ao local e logo lhe relatou que o acidente tinha acontecido precisamente de acordo com o que declarou em audiência (v. mino 3.19). Além disso, foi sempre de forma clara e segura que asseverou ter parado logo que viu a carrinha por a ver a grande velocidade e contra a mão (v. min.s 03.15, 21.14 e 25.03). Bem demonstrando a preocupação de só dizer a verdade, cumpre salientar que o A., não hesitou em dizer que apesar de o condutor do segurado da R. circular contra a mão, não ocupava o espaço todo (v. mino 14.19).
8. Por outro lado, a outra testemunha arrolada pelo A. M. A., demonstrando perfeito conhecimento do local (por ser da freguesia onde mora - v.min. 1.30), não hesitou em assegurar que a via em que circulava o segurado da R. permite o cruzamento de dois veículos (v. 1.30) e que quem vier de baixo (como vinha o A.) e se encostar à parede da casa (como o condutor do segurado da R. reconheceu que estava o A.) quem vier de cima passa à-vontade (v.min. 3.30) como também reconheceu o condutor do segurado da R.. Perante isso, não se entende e de modo algum se pode aceitar que também este depoimento não tenha merecido credibilidade e para tal se tenha aduzido como única justificação o facto de favorecer a posição do A.. Como nos parece evidente, trata-se de uma justificação sem qualquer consistência ou fundamento, bastando ter em conta que sempre poderia ser utilizada para desvalorizar ou descredibilizar qualquer depoimento porque, normalmente, todos são sempre a favor de qualquer das versões em confronto.
9. Portanto, com base numa correcta, objectiva e completa (com a consideração da transcrita e ignorada parte do depoimento do condutor do veiculo PP, segurado da R.) análise da prova produzida, impunha-se dar como não provada a matéria dos pontos 4 e 9 dos factos provados e, de acordo com o constante da conclusão 1ª, ser eliminado o que consta do ponto 11 e ainda provada a matéria das als. a) ainda que sem a indicação da respectiva velocidade, c) e d) e acrescentar-se ao ponto 19 dos factos provados "o que lhe acarretou um prejuízo não inferior a 750€, esta última factualidade com base no depoimento do mediador do A., a testemunha C. C., que de forma clara e descomprometida assegurou que o aluguer de um veículo com características semelhantes ao do A. teria um custo diário não inferior a 50€ - v. mino 16.50.
10. Com essas alterações da matéria de facto e porque da mesma resulta como indiscutível a culpa total e exclusiva do condutor do segurado da R., a acção devia ser julgada procedente com a condenação desta a pagar ao A. a quantia correspondente ao custo da reparação do seu veículo (4.222,73€) e 750€ como indemnização pela privação do seu uso.
11. Para o caso de assim não se entender, pugna-se pela eliminação da a1. e) dos factos não provados e pela inclusão nos factos provados de um ponto em que conste que o veículo segurado da R. era conduzido por um filho do respectivo proprietário no âmbito de uma autorização genérica, com a finalidade principal de fazer transportes necessários para o cultivo dos terrenos dos pais, como ele próprio o reconheceu (v.19.58).
12. Com essa alteração, resultaria integrada a previsão do nº 3 do art. 503° do C. Civil, em termos de funcionar a presunção de culpa aí estabelecida, oportunamente invocada pelo A. - v. art.s 12 e 13 da p.i. - e com base nela e porque, como defendemos, mesmo a manter-se inalterada a decisão da matéria de facto, a mesma não permite concluir pela culpa de qualquer dos condutores, a acção dever ser julgada procedente.
13. Mesmo que nenhuma das duas posições já expostas mereça acolhimento e mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto, a acção devia ser julgada parcialmente procedente de acordo com o disposto no nº 1 do art. 506° do C. Civil, em virtude de a factualidade demonstrada quanto à forma como o acidente aconteceu, nada permitir concluir quanto à culpa dos condutores dos dois veículos intervenientes. Tanto pelo facto do local do acidente não constituir qualquer cruzamento e por isso não se poder aplicar a regra da prioridade como por não poder concluir que o condutor do segurado da R. não tivesse avistado o veículo do A. a uma distância que lhe permitisse parar no espaço livre e visível à sua frente, como é obrigação de qualquer condutor.
14. Assim não se tendo entendido e decidido, a sentença recorrida, para além de enfermar de errada análise e valoração da prova, também traduz incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos arts. 30°, nº. 1 e 24°, nº. 1 do C.E., assim como dos arts 483°, 503°, nº 3 e 506° nº.1do C. Civil.-

III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

De acordo com as conclusões acima transcritas cumpre:

- reapreciar a decisão de facto;
- reapreciar a decisão de mérito.-

B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- 1.- Como se extrai das conclusões acima transcritas, o Apelante impugna a decisão da matéria de facto, identificando, inequivocamente, os pontos de facto visados pela impugnação. Indica os meios de prova que impunham decisão diversa, e apresenta o seu projecto de decisão.

Identifica os tempos da gravação onde se situam os trechos dos depoimentos pessoais que, a seu ver, impunham a decisão nos termos pretendidos.

Têm-se, pois, por cumpridos todos os ónus mencionados no n.º 1 e o referido na alínea a) do n.º 2, do art.º 640.º do C.P.C., não havendo, assim, obstáculo legal à reapreciação da decisão de facto pretendida.

2.- Na reapreciação desta decisão cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., tendo presente que, como consta da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 113/XII, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.

Com efeito, é agora mais evidente que a Relação se deve assumir como um verdadeiro tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, tendo o poder, que é vinculado, de introduzir na decisão as modificações que se justificarem, seja nas situações em que o possa fazer oficiosamente, seja decidindo a impugnação do recorrente.

Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.

De acordo com o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
As regras sobre o ónus da prova que constam dos art.os 342º. a 346.º do C.C. devem ser complementadas pelo princípio de direito adjectivo consagrado no art.º 414.º do C.P.C., que rege sobre a interpretação da dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, dúvida que se resolve contra a parte à qual o facto aproveita.-

V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

1. No dia 17 de Dezembro de 2016, no Lugar da ..., Freguesia de ..., Concelho de Peso da Régua, o autor conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a marca Peugeot, modelo 307, com a matrícula UT (doravante designado «UT»), e J. F. conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a marca Nissan e a matrícula PP (doravante designado «PP»).
2. Circulava o autor com o UT nas circunstâncias descritas em 1 no sentido … – ... quando, saindo do Largo da ..., de ... para …, e ao descrever uma curva acentuada à direita, apresentou-se de frente e circulando em sentido contrário o veículo PP.
3. O UT circulava a uma velocidade não superior a 30 km/hora.
4. Quando o PP entrou na área do entroncamento entre o Largo da ... e a Avenida da ..., o UT encontrava-se na área desse entroncamento, ocupando parcialmente a via de circulação onde já se encontrava a circular o PP.
5. O PP e o UT embateram com as respectivas partes frontais esquerdas.
6. Com o embate, o PP foi projectado para a direita e colidiu com a sua parte frontal direita na habitação existente após o limite direito da sua via de circulação.
7. O local do embate tem pouca visibilidade.
8. A Avenida da ..., por onde descia o PP, apresenta uma inclinação descendente acentuada e é nela permitido circular nos dois sentidos de trânsito.
9. Não é possível que um veículo proveniente do Largo da ... vire à direita para a Avenida da ... e a suba quando nessa avenida circule, em sentido descendente, outro veículo, por a sua largura ser reduzida.
10. A via indicada em 6 é ladeada por edifícios de habitação.
11. A mudança de direcção do Largo indicado em 2 para a Avenida da ... implica percorrer uma curva apertada à direita.
12. Por causa das referidas difíceis condições de visibilidade, foi colocado um espelho do lado direito da via, atento o sentido de marcha do PP, o qual permite aos condutores dos veículos que circulem no referido Largo verem a avenida da ... no sentido … – Lugar da ..., por forma a que possam aceder à dita avenida no sentido Lugar da ... – … em segurança.
13. Quando se aproximou do entroncamento, o autor viu pelo referido espelho o PP a descer a Avenida da ....
14. À data, o PP era objecto de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil de acidentes de viação celebrado entre o respectivo proprietário e a ré pela apólice n.º ….
15. Em consequência do embate, o UT sofreu os danos que constam do documento elaborado pela Seguradora …., datado de 20 de Dezembro de 2016.
16. A reparação do UT tem um custo global de € 4.222,73.
17. O autor não mandou efectuar a reparação do UT, tendo adquirido outro veículo e dado em pagamento o veículo sinistrado, valorizado em € 500,00, pelo menos, quinze dias após o embate.
18. O UT era diariamente utilizado pelo autor para fins pessoais e profissionais.
19. Os danos resultantes para o UT do embate impediram o autor de utilizar aquele veículo nos quinze dias seguintes.
20. De acordo com peritagem en...da pela ré, o custo da reparação dos danos sofridos pelo UT em virtude do embate seria de € 5.950,94 e o tempo de reparação de seis dias.
21. O UT tem a marca Peugeot, modelo 307 Break Diesel, versão 1.4 HDi, de 15 de Março de 2003, contando na data do embate com 186.275 km.
22. A ré concluiu que o UT tinha um valor de mercado de € 3.950,00. 23. Ao salvado foi atribuído o valor de € 499,00.
24. A ré comunicou ao autor, em 6 de Fevereiro de 2017, que o UT tinha sido considerado perda total.

ii) julgou não provado que:

a. O PP circulava a mais de 60 km por hora e ocupava uma parte considerável da hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário.
b. Foi apenas no momento em que o UT descrevia já uma curva acentuada à direita que foi surpreendido pela presença do PP.
c. O embate entre o UT e o PP deveu-se ao facto de o condutor do PP não ter conseguido controlá-lo.
d. Quando se apercebeu da velocidade excessiva do PP e de que ele circulava fora da sua mão de trânsito, (o Autor) imobilizou o seu veículo.
e. O condutor do PP transportava a mando do pai produtos e materiais para a actividade agrícola a que habitualmente se dedica.
f. O tempo de reparação do UT foi estimado em quinze dias.-

VI.- Pretende o Apelante que a facticidade transcrita nos n.os 4; 9; e 11 seja julgada não provada, e que a facticidade transcrita nas alíneas a); c); e d) seja julgada provada, mais pretendendo que ao n.º 19 seja aditado que o valor do prejuízo da perda de uso do seu veículo foi de € 750; e em substituição da alínea e) seja julgado provado que “O condutor do PP conduzia o veículo propriedade do pai com base em autorização genérica que tinha como razão principal as finalidades próprias do cultivo das propriedades dele, seu pai”.

No essencial fundamenta a sua pretensão numa valoração divergente da do Tribunal a quo quanto à credibilidade dos depoimentos – de parte e testemunhais prestados em audiência.

Foram revisitados os depoimentos de parte, do Apelante, e das testemunhas através das gravações, devendo ainda acrescentar-se que, como ficou a constar das referidas gravações, o Tribunal a quo visualizou o local do acidente através do “Google Maps” que, como se sabe, proporciona imagens de satélite. Na tentativa de obter uma imagem mais aproximada, socorremo-nos do “Google Earth”, que tem imagens captadas em Setembro de 2014, mais próximas da data do acidente, que ocorreu em 17/12/2016, localizando-se o sítio em ….

O confronto destas imagens com as fotografias juntas aos autos, constantes de fls. 57 e 58, permite constatar não ter havido alteração no traçado das vias nem nas suas características essenciais – grau de inclinação, largura, traçado, e piso, que é em betuminoso.

As referidas imagens e fotografias retratam, de facto, um entroncamento à direita se se considerar o sentido de marcha do Apelante.

Com efeito, quer se considere o termo referido com a significação que lhe dá a linguagem corrente, quer na definição constante da alínea g) do art.º 1.º do Código da Estrada: “zona de junção ou bifurcação de vias públicas” torna-se óbvio que o dito “Largo da ...”, não é mais que um espaço alargado da zona em que a via de onde provinha o Apelante se junta com aquela em que seguia o outro condutor, cujo traçado prossegue em linha praticamente recta, depois de passada aquela zona. Para o Apelante a estrada bifurca, permitindo-lhe virar à esquerda ou à direita - como pretendeu fazer -, e para o outro condutor, apenas lhe era possível seguir em frente ou virar à esquerda.

Ambos os condutores falaram de forma concordante: “ninguém mexeu nos veículos após o embate”, o que significa que as posições em que ficaram são as retratadas a fls. 57 e 58.

Ora, destas fotografias e das imagens do local, tomando como ponto de referência a tampa que se crê que seja dos esgotos, e a posição da roda da frente do lado esquerdo do veículo do Apelante, considerando ainda que este mesmo afirma que «a carrinha bateu-me e arrastou-me p’ra tráz», é presumir que quando ocorreu o choque entre os dois veículos o do Apelante estava a ocupar com a sua parte dianteira pelo menos a metade da estrada, e sensivelmente na zona quase paralela à esquina da casa.

Não há, pois, motivo para alterar o que consta do n.º 4, sendo certo que designar a via por onde circulava o veículo PP como “Avenida da ...”, é totalmente irrelevante porque não há a mais ténue dúvida na identificação, no terreno, da referida via.

Relativamente aos factos n.os 9 e 11 são inequivocamente demonstrados pelas imagens referidas assim como pelas fotografias, ganhando maior acuidade o afirmado em 9 na zona que fica entre a casa de habitação, do lado direito, considerando o sentido seguido pelo Apelante, e o muro de suporte do páteo que fica fronteiro à casa (mais) antiga do lado esquerdo, por onde se faz a entrada, quer para a habitação quer para a garagem, o que a fotografia superior de fls. 58 (Doc. 4) perfeitamente ilustra – a estrada fica ocupada em praticamente toda a sua largura pela viatura da G.N.R. e pelos dois Agentes. De resto, a largura que tem esse páteo ou “acesso” permitirá que, numa emergência, possa servir de “escapatória” ou desvio para quem desce a rua, como o fazia o PP, permitindo, nessa zona da estrada, o cruzamento de veículos.

Impõe-se ainda referir que a G.N.R. mediu a largura da via numa zona que fica já depois de terminada a casa que fica do lado direito, considerando o sentido do Apelante, e, de muro a muro, mediu 4,20 metros. Ora, considerada a largura de ambos os veículos, e a necessidade de guardar uma distância lateral quer entre eles, quer entre cada um deles e o muro/parede que ladeia a estrada, pode concluir-se que nem ali seria possível o cruzamento do PP – uma pick up já antiga, de caixa aberta, e um Peugeot 307.

Sem embargo, é inequívoco que na zona que fica entre a casa do lado direito e o muro de suporte do jardim, do lado esquerdo, e ainda o muro de suporte do páteo acima referido, a via não tem largura suficiente para permitir o cruzamento de dois veículos – um a saír para o largo da ... e o outro a entrar na referida via.

Isto mesmo foi referido pela testemunha M. A., quando lhe foi perguntado: “vindo uma carrinha, mesmo à mão, deixa ou não deixa espaço p’ra passar um pelo outro?”, tendo respondido: «Talvez não deia p’ra passar entre casas…», e à insistência (dirigida pela Meritíssima Juiz) “Dá p’ra dois carros se cruzarem?”, respondeu «se for dois carros pequenos é um bocado justo, mas se for grandes, não sei. Só experimentando».

Quem, como o ora Apelante, pretenda virar à direita tem de fazer uma curva “apertada à direita”, como se refere em 11, dado que a via por onde aquele circulava é perpendicular àquela por onde seguia o PP (seguro na Ré), formando praticamente um angulo recto.

Atenta a largura do PP e a largura da estrada na zona do embate, e na que imediatamente lhe antecede, era fisicamente impossível este veículo deixar de ocupar mais de metade da estrada, tanto mais que, como muito acertadamente referiu o Tribunal a quo, ela é ladeada por uma valeta em “meia cana” ou, usando a sua expressão, que tem o mesmo significado, por “uma berma em depressão” junto ao muro (que fica do lado direito, considerando o sentido do PP).

Se, como afirmam o ora Apelante e a testemunha C. C., a quem aquele deu a versão do acidente, o veículo PP «é projectado contra a parede», que lhe fica do lado direito, «ao mesmo tempo» que ocorre o choque entre ambos os veículos, são as leis da dinâmica que tiram consistência à versão do Apelante, que afirma estar parado, já que só uma força exercida pelo seu veículo sobre o lado esquerdo do PP é que poderá ter projectado este contra a parede do lado direito, sendo certo que os danos no seu veículo estão localizados na frente e no lado esquerdo (e não, como afirmou, no lado direito,), como inequivocamente o demonstram as fotografias de fls. 60 a 62, e o orçamento de avaliação dos danos, constante de fls. 8 a 10, que refere o “guarda-lamas” frente esquerdo e a cava da roda “CPL” frente esquerda e já não as peças “gémeas” do lado direito – cfr. fls. 9 -, sendo certo que a fls. 8 refere que o mencionado orçamento “inclui” a substituição do painel frente esquerdo, o reforço da chapa “INT G-LAMAS” frente esquerdo, a “PEÇA FR CHAPA INT G-LAMAS” frente esquerda, etc..
De resto, se se atentar na afirmação produzida pelo supramencionado C. C., que «a carrinha é muito mais forte» que o veículo do Apelante, haverá fundamento para presumir que o embate ocorreu com os dois veículos em movimento, admitindo-se que com o Apelante a tentar forçar a direcção para se encostar à direita, na tentativa de evasão.
Decidiu, assim, bem o Tribunal a quo julgando não provada a facticidade que consta das alíneas a.; c., e d..

Relativamente ao aditamento ao n.º 19, quanto ao montante do prejuízo decorrente da privação do veículo ser “não inferior a € 750”, a resposta da testemunha C. C.: «É superior a € 50/dia a um particular, se for a Companhia de Seguros tem o rent-a-car fica mais barato um bocado» não é base suficiente para fundamentar a convicção da realidade da sua afirmação porque não indicou a razão de ciência do facto que afirma.

Relativamente à redacção que o Apelante propõe para a alínea e., para além de o condutor do PP, a testemunha J. F., ter afirmado apenas que «lá em casa» não há entraves à utilização de qualquer dos veículos por quem deles precise, o que em nada coincide com o que o Apelante pretende ver consignado, acresce que é de todo despido de interesse para a decisão que o referido condutor circulava com o PP “com base em autorização genérica” do seu pai, proprietário do veículo, “que tinha como razão principal as finalidades próprias do cultivo das propriedades dele seu pai”. O que relevava para a decisão era saber se aquela viagem em concreto (e não qualquer outra ainda que ocorrida no mesmo dia) foi feita no cumprimento de uma ordem dada pelo pai do condutor, circulando este seguindo as suas instruções.

Não há, pois, fundamento consistente em alterar a decisão de facto que, consequentemente, se mantém e confirma.-

VII.- Vejamos se a facticidade que foi julgada provada, permite imputar a culpa do acidente exclusivamente ao condutor do veículo segurado da Ré, como pretende o Apelante ou, em último termo, se há concorrência de culpas, como igualmente pretende.

a) A culpa é um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, como se retira do artº. 483º., nº. 1, do Código Civil (C.C.) – para que a violação do direito (absoluto) de outrem ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios gere a responsabilidade civil é necessário que o agente tenha actuado com culpa, ou seja, com dolo ou com negligência.

Com efeito, como ensina ANTUNES VARELA, “a culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (Cfr. “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Ed., págs. 566).

Podendo, como se disse, a culpa revestir a forma de dolo ou a forma de negligência (também dita mera culpa), cabem no dolo os casos em que o agente quis realizar o facto ilícito (dolo directo), ou, não o querendo realizar directamente, o previu como uma consequência necessária da sua conduta (dolo necessário) ou ainda, não querendo realizar directamente o facto ilícito, previu-o como uma consequência possível (dolo eventual), mas, mesmo assim, aceitou-o.
A negligência, que é a regra em matéria de acidentes de viação, caracteriza-se, essencialmente, por o agente não ter usado da diligência no grau que lhe é exigível, cabendo aqui os casos em que prevê a produção do facto ilícito como possível, mas, “por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”– culpa consciente -, assim como aqueles em que o agente, “por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão” não chega, sequer, a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação se usasse da diligência devida – negligência inconsciente (vide Prof. Antunes Varela, in ob. cit., pág. 573).

Como refere ainda ANTUNES VARELA, a “mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime, assim, uma ligação da pessoa com o facto”, sendo, por isso, um dos elementos do nexo de imputação do facto ao agente, sendo reprovável ou censurável, em grau que “será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo e mais forte ou intenso o dever de o ter feito”.

O C.C. consagrou o critério da culpa em abstracto - artº. 487º., nº. 2.

A significação do conceito do “bom pai de família” não é, porém, a do puro homem médio, mas antes a do “bom cidadão”, como refere ainda ANTUNES VARELA, que acrescenta, “o que significa que o julgador não estará vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento” (ob. cit. pág. 575/576, nota 3).

De acordo com DARIO DE ALMEIDA “em matéria de acidentes de viação, está sobretudo em causa a omissão daquelas regras ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa como é a da circulação rodoviária e mecânica; estará também em causa uma perícia e uma destreza mínimas, absolutamente necessárias a essa actividade.

Consequentemente, o dever de diligência terá de atingir então um grau maior em face das circunstâncias ou das exigências do caso concreto” (in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª. ed., pág. 78).

b) Cabendo ao lesado provar a culpa do autor da lesão – artº. 487º. -, ele deixará de ter este ónus se houver uma presunção legal de culpa.

Invoca o Apelante a presunção de culpa do condutor por conta de outrem, consagrada no nº. 3 do artº. 503º., do C.C..
Ficou provado que o veículo PP, no momento em que ocorreu o acidente, era conduzido por J. F., filho do proprietário do mesmo veículo, S. F..

O preceito legal acima referido, assim como o artº. 500º., pressupõem que entre o dono do veículo e o condutor exista uma relação de comissão, cabendo neste conceito “qualquer serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo esta actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso …”, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 480).

Como vem sendo entendido, é necessário que o comitente disponha da faculdade de controlar a actuação do comissário, através de ordens e instruções, e que o comissário se encontre numa situação de subordinação ou dependência em relação àquele.

O S.T.J., no Acórdão de 30/04/1996, uniformizou jurisprudência no sentido de caber ao lesado a alegação e a prova dos factos que tipifiquem a relação de comissão, “na medida em que será ele a beneficiar da existência dessa relação” (in D.R., II Série, nº. 144, de 24/06/1996, pág. 8411 ou em www.dgsi.pt).

Ora, na situação sub judicio, o Apelante alegou que o referido J. F. conduzia o PP “no interesse, por conta e sob a direcção efectiva do respectivo proprietário, seu pai, executando a mando deste transporte de produtos e materiais para a actividade agrícola a que habitualmente se dedica”.

Não conseguiu, porém, o Apelante provar estes factos.

E se se reconhece haver situações em que um filho conduz o veículo do seu pai cumprindo ordens e instruções deste, também as há e não serão em menor número, em que o veículo é simplesmente disponibilizado pelo progenitor para o filho se deslocar, na satisfação de interesses seus próprios (terá sito este o caso já que o referido condutor disse que aquando do acidente ia visitar um primo).

Assim, não se havendo provado qualquer facto que indicie, sequer, que a viagem em causa, e é só esta que releva, foi ordenada pelo dono do veículo ao seu filho, e que este conduzia o mesmo veículo PP obedecendo às instruções do seu pai, fica afastada a presunção constante da 1ª. parte do nº. 3 do artº. 503º., do C.C..

c) A culpa do acidente há-de, pois, basear-se exclusivamente nos factos que ficaram provados.
Da facticidade apurada, constante dos n.os 4 a 13, no essencial, extrai-se que quando o veículo segurado na Ré, o PP, circulava por uma via muito estreita, que, pelo menos naquele troço, não permitia o cruzamento com o veículo do Apelante, o UT, este, apesar de avistar o referido veículo, e dispor de espaço suficiente para deixar livre a passagem daquele, abeirou-se da parte estreita, ocorrendo aí o embate entre as zonas frontais esquerdas de ambos os veículos.
A estrada tem, no referido local, uma inclinação acentuada, e o PP vinha a descer enquanto que o UT ia no sentido ascendente.

O Apelante, para entrar na via por onde circulava o PP, se quisesse fazê-lo o máximo possível encostado à direita, tinha que descrever uma curva apertada (embora tivesse muito espaço para a sua esquerda, que lhe permitia, desviando um pouco a trajectória, vencer com maior facilidade o ângulo recto que formam a via por onde circulava o PP e aquela – o largo da ... - por onde seguia o Apelante).

Em matéria de circulação rodoviária vigora o prinípio da confiança, segundo o qual quem emprega o cuidado necessário na condução pode confiar que os demais condutores se comportam do mesmo modo, não lhe sendo exigível que conte com uma manobra inopinada e imprudente dos outros, salvo se o contrário se revelar claro ou se houver razões especiais para o prever.

Sabendo-se, embora, que a regra da prioridade de passagem não é um direito incondicional e absoluto, que dispense o condutor do veículo de tomar as precauções indispensáveis a evitar acidentes, cumpre ter presente o que dispõe a alínea b) do n.º 1 do art.º 33.º do Código da Estrada: “Se não for possível o cruzamento entre dois veículos que transitem em sentidos opostos … quando a faixa de rodagem for demasiadamente estreita … deve ceder a passagem o condutor do veículo que chegar depois ao troço ou, se se tratar de via de forte inclinação, o condutor do veículo que desce”.

E dispõe o n.º 2 do mesmo preceito legal que “Se for necessário efectuar uma manobra de marcha atrás, deve recuar o condutor do veículo que estiver mais próximo do local em que o cruzamento seja possível” ou, se as distâncias forem idênticas, e se ambos os veículos forem da mesma categoria, recua “aquele que for a subir”, a não ser que seja manifestamente mais fácil a manobra para o condutor do veículo que desce.

Ora, na situação sub judicio, foi o Apelante quem chegou depois ao início do troço da via onde não era possível o seu veículo se cruzar com o veículo PP, e encontrava-se ainda praticamente no limite do Largo da ..., estando, consequentemente, mais próximo do local em que era possível o cruzamento de ambos os veículos, acrescendo ainda que, sendo o PP e o UT (o conduzido pelo Apelante) da mesma categoria (são ambos veículos ligeiros) era a este que cumpria recuar já que ia a subir.

Não será ainda de excluir que o princípio da confiança tivesse levado o condutor do PP a confiar que o Apelante, atento o espaço de que poderia dispor para se desviar, aguardaria que ele acabasse de percorrer aquele troço estreito da via, deixando-lhe espaço suficiente para que o cruzamento de ambos os veículos se fizesse sem perigo de colisão.

Não saindo provada a invocada velocidade excessiva do PP, o acidente só pode imputar-se à falta de cuidado do Apelante que, tendo-se apercebido, através do espelho, da aproximação daquele veículo, e sabendo que as dimensões dele e as do seu próprio veículo, e a pouca largura da via, naquele local, não permitia o cruzamento de ambos, não imobilizou o seu veículo por forma a deixar espaço suficiente para aquele passar sem perigo de colisão.

A culpa do acidente cabe, pois, em exclusivo ao Apelante, já que foi apenas a sua conduta negligente que originou o embate.

Cabendo em exclusivo ao Apelante a culpa do acidente, tem de excluir-se a responsabilidade da Ré de o indemnizar dos danos resultantes do sinistro, mesmo considerada a responsabilidade pelo risco, atento o disposto nos art.os 483º., nº. 2; 506.º; e 570.º ex vi do art.º 505.º, todos do C. C., já que a culpa do lesado faz quebrar o nexo de causalidade "entre os riscos do veículo e o dano, excluindo, deste modo, a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, porque o dano deixa de ser um efeito adequado do risco do veículo" - Cfr. ANTUNES VARELA, (in “Direito das Obrigações”, vol. I, 4ª. Ed., pág. 596).

Com efeito, mesmo a admitir-se a concorrência entre a culpa e o risco, como defende o CALVÃO DA SILVA (in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 137º, págs. 49 a 64), se o acidente for unicamente devido a actuação culposa do lesado, a responsabilidade pelo risco deve considerar-se excluída, nos termos do art.º 505.º do C.C. - cfr. neste sentido, v.g., os Acs. do S.T.J. de 9/09/2014 (ut proc.º 121/10.1TBPTL.G1.S1) e de 3/12/2009 (ut proc.º 81/08.9TBFLG.G1.S1, ambos em www.dgsi.pt) e de 20/01/2009 (in C. J., Acórdãos do S.T.J., ano XVII, tomo I, págs. 62-66).

O Acórdão do S.T.J. de 15/01/2013 dá exemplos de situações em que “a circulação automóvel cria um especial risco de acidente, mesmo com estrita obediência às regras estradais”, concluindo que não revelando a situação (aí julgada) nenhuma situação de especial risco criado pela circulação das viaturas “não tem cabimento a apreciação da concorrência da culpa com o risco.” (ut proc.º 21/1998.P1.S1, in www.dgsi.pt).

De quanto se expõe resulta não haver fundamento legal para impor à Ré satisfazer ao Apelante qualquer indemnização pelos danos por este sofridos, na decorrência do acidente de viação cuja responsabilidade é de atribuir exclusivamente a si, o que impõe lhe seja recusado provimento ao recurso, confirmando-se, também quanto a esta parte, a decisão impugnada.-

C) DECISÃO

Considerando quanto acima fica exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas da apelação pelo Apelante.
Guimarães, 02/05/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho