Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
67/14.4TAMDL.G1
Relator: ALCINA MARIA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
VEÍCULO COM MOTOR DESLIGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Comete o ilícito do artº 3º, nº 2, do Decreto-Lei 2/98 de 3 de Janeiro, o condutor que sem habilitação legal, segue na via pública, ao volante de um veículo automóvel BMW, com o motor desligado, com as 4 rodas no chão, definindo a direcção do mesmo, guinando para a direita e para a esquerda conforme se lhe apresentava a estrada e accionando a travagem se necessário.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

1 - Por sentença datada de 1 de Outubro de 2014, foi condenado o arguido, Francisco A., solteiro, nascido a 7 de Setembro de ,,,, residente na Rua de S., …, pela prática, como autor material e na forma consumada de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do Decreto Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro e art. 121º do Código de Estrada, na pena de um ano de prisão.

2 – Inconformado com a condenação apenas no que respeita à pena aplicada, interpôs o arguido o presente recurso, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

– O veículo automóvel marca BMW, de cor branca, referenciado nos autos, não pode, em rigor, ser caracterizado como veiculo a motor, face á circunstância deste estar avariado e de a lei equiparar o não funcionamento à sua falta.

– Se conduzir significa que alguém assume o controle de uma viatura, guiar, dar rumo ou direcção, transportar de um lugar para o outro, ter a direcção efectiva do veículo, então o arguido, de facto, não conduzia o veículo em causa, não tinha a sua direcção efectiva e não determinava, nem podia determinar, a sua direcção de marcha ou velocidade.

– A circunstância de as rodas estarem no chão, de a pessoa sentada ao volante poder rodá-lo para a esquerda ou para a direita, e até travar, não permitem se conclua que determina o sentido de marcha e velocidade e que tem a direcção efectiva do veículo.

– Seria esta, com todo o respeito, uma conclusão apressada, que as próprias regras da experiência comum contrariam

– Com efeito, a pessoa colocada ao volante roda este para a esquerda ou para a direita em função da trajectória seguida pelo rebocador. Nada mais

– É este, rebocador, que determina a direcção de trânsito, já que sempre o veículo rebocado seguirá o trajecto que aquele seguir, de pouco valendo rodar o volante em sentido diferente.

– A propulsão ou tracção é toda e só do veículo que reboca, não tendo, por isso, o veículo rebocado qualquer possibilidade de contrariar a direcção seguida e quando muito poderá dificultar a tarefa de rebocar.

8ª. O veículo a que os autos se reportam, nas circunstâncias de tempo e lugar descri-tas na sentença estava a ser rebocado por outro veículo, pelo que era o condutor deste que determinava a direcção de trânsito e tinha a direcção efectiva do veículo.

– Não se encontram, assim, preenchidos os elementos do tipo legal de crime porque foi condenado, pelo que deve o arguido ser absolvido.

– Para a hipótese de assim não se entender sempre a pena aplicada tem de considerar-se exagerada, tendo em conta todo o condicionalismo que rodeou a prática dos factos.

– De ponderar seria ainda a comprovada imaturidade e juventude do arguido, a sua inserção familiar, devendo a pena ser substituída por outra não privativa da liberdade, por isso que, além do mais, não é a cadeia que favorece a reinserção social.

12ª A sentença recorrida violou os artigos 3º, nºs 1 e 2 do Dec. Lei nº 2/98 de 03 de Janeiro e 114º e 121º e seguintes do Código da Estrada

3 – O Ministério Público, em primeira instância, respondeu à motivação do Recorrente, concluindo pela manutenção da sentença recorrida.

4 – Igualmente, a Digna Procuradora-Geral-Adjunta nesta Relação defende a improcedência do Recurso, com fundamento, além do mais, em jurisprudência já firmada sobre esta matéria, designadamente, pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Novembro de 2009, pelos Acórdãos da Relação do Porto de 25 de Setembro de 2002; 6 de Dezembro de 2006 e 3 de Outubro de 2007 e Relação de Lisboa.

5 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

II – FACTOS PROVADOS

A primeira instância deu como provados os seguintes factos:

1. No dia 12 de Fevereiro de 2014, cerca das 23:27 horas, o arguido Francisco A. conduzia um veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca BMW, cor branca, na Rua das C., em …, sem que, contudo, estivesse devidamente habilitado para o efeito com a necessária licença/carta de condução.
2. O referido veículo circulava com o motor desligado, sendo rebocado por outra viatura, tendo o arguido sempre a direção do mesmo, na medida em que o veículo circulava com as quatro rodas no chão, seguindo o arguido ao seu volante e definindo a direção do mesmo, guinando para a esquerda ou para a direita conforme se lhe apresentava a estrada e acionando a travagem quando necessário.
3. O arguido sabia, porém, que não podia conduzir o referido veículo na via pública sem a respetiva e imprescindível habilitação legal, bem como, que este seu comportamento era proibido e punido por lei, mas apesar de o saber quis atuar da forma descrita, e conduzir este veículo nas condições em que o fez.
4. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente.
Condições pessoais e socioeconómicas e caraterísticas de personalidade do arguido
5. O arguido é solteiro e vive em união de facto desde os 16 anos de idade.
6. Tem dois filhos menores de idade, com 2 e 4 anos.
7. O arguido não exerce qualquer atividade laboral estável e a companheira é doméstica.
8. Beneficiam do Rendimento Social de Inserção, no valor mensal de €320,00, e não têm quaisquer encargos mensais fixos.
9. Com início em 19 de novembro de 2012 e terminus em 16 de agosto de 2014, o arguido cumpriu uma pena de 1 ano e 9 meses de prisão, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.
10. A imaturidade e impulsividade caraterizam a personalidade do arguido.
11. De habilitações literárias, o arguido tem a 4.ª classe.
Antecedentes criminais
12. No processo sumaríssimo n.º…, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial de Mirandela, por sentença de 26/11/2008, transitada em julgado em 26/11/2008, foi o arguido condenado pela prática, em 06/02/2008, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, do Decreto-lei n.º2/98, de 03/01, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de €5,00, substituída por 80 horas de trabalho.
13. No processo comum n.º…, do 2.º Juízo, do Tribunal Judicial de Mirandela, por sentença de 29/06/2009, transitada em julgado em 29/07/2009, foi o arguido condenado pela prática, em 18/09/2009, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, do Decreto-lei n.º2/98, de 03/01, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
14. No processo comum n.º…, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial de Mirandela, por sentença de 04/11/2009, transitada em julgado em 24/11/2009, foi o arguido condenado pela prática, em 24/12/2008, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, do Decreto-lei n.º2/98, de 03/01, na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a obrigação de entregar, em idêntico prazo, a quantia de €500,00 à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Mirandela.
15. No processo comum n.º…, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial de Mirandela, por sentença de 03/11/2010, transitada em julgado em 13/09/2012, foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos identificado em 12-14, e condenado nas penas únicas de 70 dias de multa, à taxa diária de €5,00, e de três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a obrigação de entregar, em idêntico prazo, a quantia de €500,00 à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Mirandela.
16. No processo comum n.º…, do 1.º Juízo de Competência Criminal, do Tribunal Judicial da Maia, por sentença de 17/03/2011, transitada em julgado em 20/09/2011, foi o arguido condenado pela prática, em 17/10/2007, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º1, do Código Penal, na pena de sete meses de prisão substituída por 210 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
17. No processo sumário n.º…, do Tribunal Judicial de Valpaços, por sentença de 21/03/2011, transitada em julgado em 01/10/2012, foi o arguido condenado pela prática, em 12/03/2011, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, do Decreto-lei n.º2/98, de 03/01, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova.
18. No processo abreviado n.º…, do 2.º Juízo, do Tribunal Judicial de Mirandela, por sentença de 21/09/2011, transitada em julgado em 03/11/2011, foi o arguido condenado pela prática, em 25/12/2010, de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, do Decreto-lei n.º2/98, de 03/01, na pena de quatro meses de prisão, a cumprir por dias livres, em 24 períodos de prisão, correspondentes a fins de semana e feriados que antecederem ou sucederem imediatamente ao fim de semana.
19. No processo comum n.º…, do Tribunal Judicial de Valpaços, por sentença de 17/07/2012, transitada em julgado em 01/10/2012, foi o arguido condenado pela prática, em 04/02/2011, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, n.º1, alínea b), do Código penal, e de um crime de condução sem habilitação legal do artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-lei n.º2/98, de 03/01, na pena única de um ano e dois meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
20. No processo comum n.º… do Tribunal judicial de Valpaços, por sentença de 24/01/2013, transitada em julgado em 25/02/2013, foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos identificado em 16-19, e o arguido foi condenado na pena única de um ano e nove meses de prisão, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.

III – QUESTÕES A DECIDIR

Perante as conclusões do Recorrente, são 3 as questões a decidir, consistem em saber:

- se o arguido cometeu o ilícito previsto e punido no artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei 2/98 de 3 de Janeiro;

- se a pena concretamente aplicada se mostra exagerada;

- se é de substituir a pena de prisão por outra pena não detentiva

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Qualificação jurídico-penal da conduta do recorrente

A questão essencial que importa decidir traduz-se em saber se o recorrente cometeu o crime previsto e punido pelo artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, atendendo a que vinha ao volante de um veículo, com o motor desligado, sendo rebocado por um outro.

Antes de mais, importa salientar, que a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de Mirandela se encontra definitivamente fixada: O recorrente não a impugnou, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal Diploma a que, de ora em diante nos referiremos, sem menção do contrário., o texto da decisão sindicada não evidencia nenhum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, de conhecimento oficioso, e inexiste renovação da prova.

Está, pois, esta instância impedida de modificar a decisão que fixou a factualidade provada (c.f. o artigo 431º).

Vale isto para dizer que não podem aqui ser considerados, alguns dos pressupostos factuais donde parte do recorrente para sustentar a sua tese: a) o motor do BMW não funcionava, por se encontrar avariado, b) o arguido rodava o volante para a esquerda ou para a direita em função da trajectória seguida pelo rebocador e c) o arguido não detinha a direcção da viatura.

Os dois primeiros porque não constam no elenco dos factos apurados.

Neste particular, apenas se apurou que o motor do veículo se encontrava desligado, sendo que o condutor guinava para a direita ou para a esquerda conforme se lhe apresentava a estrada.

Já quanto ao último – direcção efectiva do veículo – diga-se que foi o contrário o julgado provado pela primeira instância.

Resta-nos, pois, subsumir jurídico-penalmente a conduta do recorrente, partindo dos factos que o tribunal recorrido julgou provados e que constam nos pontos de facto nºs 1, 2, 3 e 4, da sentença recorrida, o que faremos de seguida.

O artigo 3º, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro pune no seu nº 1, «quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada», com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Quando se trate de um automóvel ou motociclo conduzido na via pública por quem não possua habilitação legal para o efeito, a punição eleva-se para prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (nº 2, do mesmo artigo e diploma).

A punibilidade deste crime depende, assim, da verificação de 3 elementos objectivos: a) a existência de um veiculo a motor que pode ser um automóvel, b) a circular na via pública, c) por um condutor que para, esse efeito não está habilitado.

A noção de automóvel é-nos dada pelo artigo 105º do Código de Estrada, como sendo o veículo com motor de propulsão, dotado de pelo menos quatro rodas, com tara superior a 550 kg, cuja velocidade máxima é, por construção, superior a 25 km/h, e que se destina, pela sua função, a transitar na via pública, sem sujeição a carris.

Perante as características do BMW ao volante do qual seguia o recorrente, nenhuma dúvida se suscita sobre a sua natureza de veículo automóvel a motor ligeiro de passageiros (cf. artigo 106º, nº1, al. a), do Código de Estrada), na medida em que possui um motor de propulsão, com 4 rodas, que se destina, pela sua função a transitar na via pública sem sujeição a carris.

A circunstância do motor do BMW se encontrar desligado não lhe retira aquela natureza. O BMW caracteriza-se como um veículo automóvel a motor, independentemente de ter ou não o motor desligado. Se, assim, não fosse, todos os automóveis que estão parados deixariam de ser veículos a motor.

Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Outubro de 2007 (processo nº 0714061) Acessível em www.dgsi.pt , sitio onde poderão ser localizados os arestos que mencionaremos, sem indicação de outro local., onde se lê:

O facto de um veículo ir com o motor desligado não o transforma, obviamente, num veículo sem motor. Essa circunstância não descaracteriza minimamente o veículo, pois ele mantém todas as características de veículo motorizado».

Reitere-se que a falta de aptidão do motor, por avaria, para o fazer transitar na via pública, não se coloca nos autos, já que não ficou demonstrada nos factos provados.

Vale isto para dizer, que a discussão não se centra sobre caracterização do veículo, mas antes, acerca das condições legais em que pode transitar na via pública: com um condutor (artigo 11º do Código da Estrada), com habilitação legal para o efeito.

O que nos leva a apreciar o segundo elemento objectivo do tipo: condução do automóvel na via pública.

Como bem refere a Digna Procuradora Geral Adjunta, no seu parecer de fls. 188 a 190, a caracterização do acto de conduzir um veículo já foi apreciada nos nossos tribunais superiores, nomeadamente, os arestos que cita e, que, assim decidiram:

«Conduzir é assumir o controlo de um determinado veículo, enquanto o mesmo se desloca, quer tenha o respectivo motor em funcionamento quer o não tenha em tal situação, quer se encontre em posição de marcha por meios próprios ou por meios alheios.

Fundamental para a verificação da condução é que o veiculo circule e que o agente tenha a sua direcção efectiva, podendo determinar, ainda que não exclusivamente, a direcção da sua marcha e velocidade Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6.12.2006.».

Também o Acórdão da Relação de Coimbra de 04 de Novembro de 2009 Processo nº 206/08.4GBTNV.C1 decidiu:

«Existe actividade de condução automóvel a partir do momento em que se coloca o veículo em movimento, dirigindo-se a sua marcha para o espaço de circulação público.

Assim, só pode falar-se de condução se o veículo com motor transitar nas vias do domínio público ou nas do domínio privado - quando abertas ao trânsito público, onde a lei estabelece a liberdade de trânsito, ainda que com restrições (artigos 2.º e 3.º do Código da Estrada) -, não bastando, por conseguinte, a mera entrada no veículo e colocação ao volante. A noção de condução de veículo abrange apenas processos de movimento no trânsito, uma vez que um veículo parado não produz qualquer ameaça abstracta para a segurança rodoviária e, consequentemente, para bens singulares, quer pessoas quer patrimoniais. Neste sentido, cf. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, págs. 1064, § 4.º, e 1094, § 4.º.. Só está a transitar o veículo que se movimenta, ainda que sem o motor ligado, como nas situações em que o veículo segue de empurrão ou a reboque - Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 25-09-2002, proc. n.º 0240610, in www.dgsi.pt..

(…) conduzir significa guiar, dar rumo ou direcção. Fundamental para a verificação da condução é que o veículo circule e que o agente tenha dele a direcção efectiva, podendo determinar, ainda que não exclusivamente, a direcção da sua marcha e velocidade, sendo irrelevante que o motor se encontre ou não ligado.

Um veículo está a transitar na via pública - lê-se no Acórdão da Relação do Porto de 25 de Setembro de 2002 - «quando se movimenta, ainda que com o motor desligado, como quando uma máquina segue de empurrão ou de reboque».

No caso em apreço, dúvidas não há que o recorrente seguia ao volante do veiculo automóvel BMW, com as 4 rodas no chão, definindo a direcção do mesmo, guinando para a direita e para a esquerda conforme se lhe apresentava a estrada e accionando a travagem se necessário (ponto de facto nº 2).

Donde, assumiu a condução daquele veículo na via pública (Rua das C. em …), colocando-o no lugar da estrada por onde entendia que devia seguir.

Ao guinar o volante para a direita ou para a esquerda conforme a estrada se apresentava e ao recorrer a mecanismos de travagem, quando necessário, o arguido detinha a direcção efectiva do automóvel, cuja tracção advinha do veículo que o rebocava.

Ou seja, na esteira do que decidiu o Acórdão do Tribunal do Porto de 6 de Dezembro de 2006, «o arguido conduzia um veículo, cuja propulsão, tracção ou impulso lhe era fornecida por um outro veículo.

E, não pelo motor do veículo, como é vulgar acontecer.

Como poderia ser fornecida pelo declive da rua, em que não carecia de motor a trabalhar»

Do que precede, podemos afirmar que o recorrente conduzia um veículo a motor (automóvel) na via pública, preenchendo, assim, o segundo elemento objectivo típico do ilícito previsto no art. 3º, nº2, do Decreto-Lei nº 2/98, já citado, improcedendo, assim, as conclusões nºs 1 a 9.

Não tendo o recorrente habilitação legal para conduzir aquele veículo e, tendo agido livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei, cometeu o crime em que foi condenado.

2 – Dosimetria da pena

O tribunal de Mirandela condenou o recorrente, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art. 3º, nº 1 e 2, do Decreto Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro e art. 121º do Código de Estrada, na pena de 1 ano de prisão, com os seguintes fundamentos:

«Pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal do artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01, incorre o arguido na pena abstrata de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.
Atento o exposto, respetivamente, nos artigos 41.º e 47.º, ambos do Código Penal, a pena de prisão tem uma duração mínima de 1 mês e a pena de multa o limite mínimo de dez dias.
Em face do caráter alternativo entre a pena de prisão e a pena de multa, cumpre nesta sede proceder à escolha da pena abstratamente aplicável, atendendo à preferência que o legislador dá à pena de multa sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, garanta a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – cfr. artigos 70º e 40º n.º 1, ambos do Código Penal.
O Tribunal terá em conta à luz destes preceitos, que se adotou um modelo de punição que comete à culpa a determinação do limite máximo da pena e inultrapassável por respeito à dignidade da pessoa humana. Na prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) o limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa, e o limite mínimo é determinado pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (vide Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pág.240), o indispensável para manter a crença da comunidade na validade e vigência da norma incriminadora e, por essa via também, o sentimento de segurança e confianças nas pessoas e instituições. Na prevenção especial deve ponderar-se a socialização e reintegração do agente na sociedade.
A imposição das penas deve visar, em primeiro lugar, a realização de objetivos de prevenção geral positiva devendo funcionar, dentro dos limites por esta consentida, os critérios de prevenção especial.
Na tarefa da escolha e determinação da medida da pena o julgador está submetido aos critérios definidos por lei: a culpa e a prevenção, constituindo a primeira o limite que o julgador não pode ultrapassar em nome do princípio da dignidade humana, e até onde jogam as considerações relativas à prevenção geral e especial.
O juízo de prevenção reflete-se ao nível da necessidade da pena a aplicar em função da maior ou menor exigência de reafirmação da vigência da norma proibitiva violada, tendo em atenção os bens jurídicos protegidos por esta e o seu reflexo ao nível da comunidade a que aquela se destina.
No caso, atentas as particularidades do caso concreto ressaltam prementes as razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e mesmo de prevenção especial (carência de socialização do arguido), mostrando-se mais conveniente e adequada às finalidades da punição a opção pela moldura abstrata da pena de prisão em detrimento da alternativa da pena de multa.
Importa restabelecer a confiança na validade da norma violada (reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida), no caso em análise a mesma não se satisfaz apenas com a pena de multa, desde logo, tendo em atenção por um lado a necessidade de uma eficaz e tutela do bem jurídico violado e, por outro, a própria reinserção do arguido.
Isso mesmo resulta dos antecedentes criminais do arguido, uma vez que as seis condenações anteriormente sofridas pela prática do crime de condução sem habilitação legal não serviram de suficiente advertência para o inibir da prática de novos ilícitos criminais da mesma natureza. Na verdade, não obstante as condenações anteriores, o arguido voltou a delinquir, quando cometeu o crime destes autos, o que é revelador de o arguido possuir uma personalidade desconforme o direito.
É, pois, grande a necessidade de defesa do ordenamento jurídico e de tutela dessas expetativas, a reclamar a tomada de respostas firmes e rigorosas.
A nível das exigências de prevenção especial – quer na vertente da socialização, quer na vertente do ponto de vista admonitório, não pode deixar-se de concluir que as mesmas se manifestam de uma forma premente, nomeadamente pelo facto de o arguido revelar propensão para delinquir e um desrespeito pelas advertências contidas nas anteriores condenações.
O arguido voltou a cometer novo ilícito criminal, mostrando que as penas aplicadas – de multa e de prisão, esta suspensa na execução e por dias livres - não foram suficientes para o afastar da prática de novos crimes, nem para o reeducar e que existe um desencontro da sua personalidade com os valores legais e sociais.
Por conseguinte, entendemos que a opção no caso, pela aplicação ao crime praticado pelo arguido de uma pena de prisão se mostra indispensável para que não sejam postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contracfática das expetativas comunitárias. É também de considerar as exigências de prevenção especial, uma vez que são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.
Feita a opção pela pena de prisão, há que procurar determinar agora a sua medida concreta, dentro dos limites estabelecidos pelas molduras penais concretamente aplicáveis.
A determinação concreta da pena, dentro da “moldura de prevenção”, terá como limite máximo inultrapassável a medida da culpa, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal – é o Princípio da Culpa –, fundado nas exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade da pessoa humana. O limite mínimo corresponderá ao mínimo da pena que, em concreto, ainda protege com eficácia os bens jurídicos tutelados, o mínimo imprescindível a assegurar as expectativas de proteção da comunidade.
Para além de que, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um caráter ressocializador e pedagógico.
Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Por seu turno, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

O Recorrente, não questionando nenhum destes fundamentos, limita-se a concluir (fls. 170 e 172) que, perante o circunstancialismo provado, a pena aplicada se mostra exagerada.

Ora, se no caso concreto, ponderarmos, como ponderou a primeira instância:

Ø O grau de ilicitude da conduta do arguido é elevado, tendo presente o modo de atuação, as caraterísticas do veículo conduzido e as consequências do crime (ao colocar em causa a segurança da circulação rodoviária).
Ø A intensidade do dolo, o arguido agiu com dolo direto.
Ø A forma reiterada do seu comportamento, voltando a delinquir, de igual modo, revelador, por um lado, de uma total indiferença pelas consequências penais da sua conduta, havendo, assim, uma maior necessidade de prevenir a prática de futuros crimes e, por outro, de que o arguido tem uma personalidade desconforme ao direito e adequado ao facto típico que cometeu, verificando-se, por isso, uma necessidade de maior intervenção ressocializadora através da pena.
Ø A elevada censurabilidade ético-jurídica do comportamento do arguido: praticou o crime em apreço nestes durante no período em que se encontrava em cumprimento de pena de prisão, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.
Ø A ausência de consequências graves provenientes do comportamento do arguido.
Ø As exigências de prevenção geral, conforme já supra se referiu, são muito elevadas, atendendo à frequência com que este tipo de ilícito é praticado no nosso país.
Ø O passado criminal do arguido anterior e posterior aos factos em análise nos presentes autos.
Ø A imaturidade e impulsividade que caraterizam a personalidade do arguido.
Ø A sua frágil inserção social.
Ø A sua inserção familiar - circunstância que milita a seu favor.
Ø A sua modesta situação económica – circunstância que milita a seu favor».
Mais não nos resta do que confirmá-la, entendendo como adequada a pena de um (1) ano de prisão.

3- Penas de substituição

Defende o recorrente a substituição da pena de prisão por outra não detentiva.

Sobre a suspensão da execução da pena de prisão, a decisão recorrida, julgou da seguinte forma:

«Determina o artigo 50º, n.º1 do Código Penal que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso, face aos antecedentes criminais do arguido, tendo este já sido condenado em penas de prisão substituídas por multa, suspensas na sua execução, a cumprir por dias livres e em regime de permanência na habitação, mesmo assim voltou a delinquir quando cometeu o crime dos autos, não se vislumbra uma esperança sobre a capacidade de o arguido inverter positivamente o seu posicionamento, de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça de prisão serão paliativos suficientes para o afastar provavelmente da prática de novos crimes.
Com efeito, o arguido já antes dos factos em apreço nestes autos, revelara insensibilidade pelas advertências que lhe haviam sido feitas nas condenações anteriores, pois, as condenações que sofrera não o afastaram, nem o inibiram da prática de igual crime de condução sem habilitação legal. Ou seja, aquelas condenações não produziram o efeito dissuasor que era de esperar, o que mostra que, em relação ao concreto tipo legal em questão, o arguido tem uma personalidade adequada ao facto cometido.
O arguido revelou, pois, ter uma personalidade que não se deixa influenciar positivamente por aquele tipo de penas que anteriormente lhe foram impostas, uma vez que voltou a delinquir, mesmo quando se encontrava a cumprir pena de prisão, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.
Assim, não pode deixar de se concluir que o recurso à suspensão da execução da pena de prisão se revela insuficiente para o afastar no futuro, da prática de novos crimes, sendo certo que a confiança da comunidade na validade da norma jurídica infringida deixa de ser restabelecida.
Pelas razões aduzidas, entende este Tribunal não ser de suspender a pena de prisão aplicada».

E, quanto às outras penas de substituição, decidiu
«Afastada a suspensão da execução da pena de prisão, há que analisar, as penas de substituição.
Dispõe o artigo 43º, n.º1 do Código Penal que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de novos crimes.
Ora, atendendo à personalidade do agente, que mostrou que tem propensão para delinquir e aos seus antecedentes criminais, já tendo inclusivamente sido condenado em prisão, suspensa na sua execução, a cumprir por dias livres e em regime de permanência na habitação, conclui-se que a pena de prisão não pode ser substituída por multa e outra pena não privativa da liberdade, pois só esta realiza as finalidades da punição.
Na verdade, o arguido mostra uma grave falta de preparação para manter uma conduta lícita o que revela uma personalidade desconforme o direito e ao padrão do homem médio suposto pela ordem jurídica, porquanto patenteia propensão para praticar atividades delituosas da mesma natureza e um desrespeito pela advertência contidas nas anteriores condenações pelo tribunal, atendendo ao seu passado criminal.
O arguido revela pois, ter uma personalidade que não se deixa influenciar positivamente por aquele tipo de penas que anteriormente lhe foram impostas, uma vez que voltou a delinquir.
Face a todo exposto, entende este Tribunal não ser de substituir a pena de prisão aplicada e a pena imposta deverá ser cumprida de forma contínua, isto porque, por um lado, o arguido não se encontra a desenvolver qualquer atividade profissional de forma estável, sendo a sua personalidade caraterizada pela imaturidade e impulsividade e, por outro, o cometimento do crime que ora nos ocupa verificou-se no período em que o arguido se encontrava a cumprir uma pena de prisão, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, e após o cumprimento da pena de prisão, por dias livres, em que foi condenado no processo n.º280/10.3GBMDL, do 2.º Juízo, do Tribunal Judicial de Mirandela, o que não foi suficiente para o dissuadir da prática de novos factos ilícitos típicos».

Quanto a nós subscrevemos estes argumentos, no que toca ao afastamento da suspensão da execução da pena de prisão e das demais penas de substituição não detentivas que ao caso, cabiam, improcedendo, assim, a pretensão do recorrente.

V – DECISÃO

Nestes termos, os Juízes desta Relação acordam em julgar não provido o recurso interposto por Francisco A..

Custas pelo recorrente, com 3UCS de taxa de justiça.

Notifique.

Processado por computador e revisto pela primeira signatária (art. 94º nº 2 CPP).

Guimarães, 21 de Setembro de 2015