Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1812/12.8EAPRT.G2
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO ADMINISTRATIVA
OMISSÃO DE ELEMENTOS DA SITUAÇÃO ECONÓMICA
NÃO VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) No âmbito do processo contra-ordenacional a jurisprudência tem sido unânime em considerar que a decisão administrativa, embora apresente alguma homologia com a sentença condenatória penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, possui um nível de exigência e de compreensão inferior, devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas.

II) Por isso que, no caso dos autos, a omissão de elementos concretos e pormenorizados referentes à real situação económica do arguido e ao benefício retirado da prática da infracção, não afecta as garantias de defesa nem dificulta o exercício do direito de impugnação judicial.

III) É que, sem qualquer inversão do ónus ou violação do direito ao contraditório, a arguida pode apresentar os elementos de facto e de direito susceptíveis de permitirem ao tribunal a apreciação quer da situação económica, quer do benefício retirado da prática da infracção, por forma a alcançar a aplicação de uma medida e a fixação de uma coima justa e equitativa.

Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação de Guimarães

Processo 2556/14.1T8BRG.G2

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica aplicou à sociedade “C. …Ldª, com sede no Centro Comercial …, uma coima no valor de quinze mil euros pelo cometimento uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 3.º, n.º 1 e n.º 4 alínea b) e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, ambos do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro.

A arguida impugnou a decisão da autoridade administrativa e, na sequência de anterior acórdão deste T.R.G., por sentença proferida em 14 de Julho de 2015, o tribunal singular da Secção Criminal da Instância Local de Braga julgou parcialmente procedente o recurso e condenou a sociedade arguida na coima de sete mil e quinhentos euros.

Novamente inconformada, a “C…. Ldª”, interpôs recurso desta sentença, pedindo a revogação da decisão.

Das motivações, a recorrente extraiu as seguintes conclusões (transcrição de fls. 181 e 182) :

1. A sentença é reflexamente nula, por violação do art. 379° n° 1 ali. a) do CPP, ao não ter considerado nula a decisão proferida pela entidade administrativa por falta de fundamentação, quando esta não cuidou de aferir a atual situação económica, conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.
2. Reza o disposto no art. 18° do RGCO que a determinação da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação.
3. Pela análise feita ao libelo decisório constata-se que ela é omissa quanto a esses postulados, motivo pelo qual a decisão é nula por violação do dever de fundamentação, nos termos dos art. 18° e 58° do RGCO e art. 379° n° 1 ali. a) do CP, este aplicável por força do definido no art. 41° daquele RGCO.
4. O artigo 9°, n° 1 , alínea a) e n° 3 do Decreto-Lei n° 1 56/05, de 1 5 de Setembro, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 1 8° da Constituição da República Portuguesa.
5. As necessidades de prevenção e punição não justificam a punibilidade desses tipos parapenais com uma coima abstrata tão elevada como esta e porque a coima mínima a ser aplicada é notoriamente catastrófica para a vida financeira de uma empresa sendo público que os “destinatários finais” destas coimas são empresas com pequena dimensão (é o caso da arguida), que ocupam, como é sabido, cerca de 90% do nosso tecido empresarial.
6. Mau grado o Tribunal a quo ter dado como provado que a arguida, na pessoa do seu gerente, não entregou o livro de reclamações à utente, parece decorrer da própria fundamentação da douta sentença que a versão da arguida para o cometimento desse facto não é descabida ou infundada.
7. Ou seja, a alegação da arguida que não entregou o livro de reclamações à utente porque lhe foi dada uma alternativa por aquela em pretender a devolução do dinheiro já pago ou o livro de reclamações, é de certa forma admitido pelo Tribunal a quo quando refere “ (como de facto consta da participação de fls 3)”.
8. Este pormenor pode, in casu, ser um por maior, porque retira gravidade à contraordenação e á própria culpa do agente, agora bem assumida pelo Julgador como um comportamento negligente, o que aliado à confissão e arrependimento demonstrados, tornam possível e razoável o proferimento da admoestação, nos termos do art. 51° do RGCO.
9. Caso, assim não se entenda, estamos em crer que a arguida deveria ver a coima especialmente atenuada, porque o art. 72° do CP está precisamente pensado para casos como este, em que, a arguida confessou o ilícito (ainda que o contextualizando tal como decorre do próprio auto de noticia e que em ultima instancia retira gravidade ao ilicito) ter agido negligentemente e deter uma frágil situação económica.”

O Ministério Público, representado pelo magistrado na Instância Local de Braga, apresentou resposta concluindo nos seguintes termos:

“não se mostra verificada a invocada nulidade da sentença nem a inconstitucionalidade invocadas.Quanto à nulidade, por falta de ponderação da culpa, da situação económica e beneficio económico do agente, não é verdade que tais elementos não tenham sido ponderados, sendo certo que a recorrente foi condenada a título de negligência eno mínimo legal, não sendo prejudicada por esse facto. Quanto à invocada inconstitucionalidade, remete-se, no essencial, para os fundamentos aduzidos na sentença e aos quais se adere. A este propósito, acrescenta-se ainda que o tribunal, para evitar condenações injustas e desproporcionais à culpa e às condições económicas do agente, tem ao seu dispor penas mais leves, nomeadamente a admoestação ou a atenuaçãoespecial, tal como requeridas, subsidiariamente, pela recorrente. Acompanha-se, assim, as alegações de recurso quando alega que a condenação numa pena de admoestação se afigura adequada e suficiente ao caso concreto, atentas as circunstâncias em que os factos ocorreram, a culpa e a precária situação económica e o beneficio económico decorrente da sanção. Ou, em última instância, sempre será de atenuar especialmente a pena, pelos motivos já apontados. Acrescente-se que chocaria ao sentido de justiça, de equilíbrio e bom senso que sempre deve presidir a qualquer decisão, a condenação da recorrente, no caso concreto, numa sanção de 7.500€ ou outro valor aproximado, atentas as particulares circunstâncias do caso concreto, nomeadamente quanto à culpa ( diminuta ) e à precária situação económica da mesma. A condenação nesta sanção afigura-se-nos manifestamente desproporcionada à culpa, às exigências de prevenção e à real situação económica da recorrente e ao beneficio obtidos. Na pior das hipóteses sempre seria de ponderar a suspensão da execução da sanção, por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no art° 50°, n° 1, do Código Penal, ex vi do art° 32°, do RGCO. Temos em que, salvo melhor opinião, deve o presente recurso ser julgado improcedente quanto à nulidade e inconstitucionalidade invocadas, julgando-se procedente no demais”.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer concluindo:.

“Refere o art.° 51 .° do RGCO, que tem por epígrafe “admoestação”, o seguinte:

«1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.».

Tendo em atenção este preceito, afigura-se-nos, em face da prova produzida, que não existem as condições adequadas para à arguida ser aplicada uma pena de admoestação, uma vez que não existem circunstâncias excepcionais, nem as mesmas foram invocadas que diminuam sensivelmente e de forma relevante a culpa da arguida, que apesar de ter sido confrontada com a presença do vigilante do Centro e após saber que a utente do estabelecimento ia apresentar queixa na P.S.P., mesmo assim continuou a não apresentar o livro de Reclamações apesar de saber que estava obrigada a fazê-lo. O Tribunal mostrando alguma benevolência, pois entendeu que a sua conduta era negligente, já a condenou no mínimo da pena, pelo que se entende que não é possível maior benevolência. Assim, e em face do exposto, somos de parecer que confirmando-se a douta sentença recorrida e negando provimento ao recurso interposto se fará a habitual Justiça.”

Recolhidos os vistos do juiz desembargador presidente da secção e da juíza desembargadorea adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. Para compreensão e análise das questões suscitadas pela recorrente, torna-se necessário transcrever a fundamentação de facto da sentença objecto de recurso (transcrição) :

“Fundamentação:
A) Factos provados
1- No dia 1 de Junho de 2011, a arguida C…, Lda, explorava o estabelecimento de prestação de serviços de restauração, denominado “F…”, sito no Centro Comercial ….
2- Em hora não concretamente apurada, mas seguramente depois das 20H30M, desse dia 01/06/2011, Ângela L., utente do estabelecimento, solicitou a apresentação do livro de reclamações junto da responsável presente no estabelecimento, de modo a ali exarar a reclamação que tinha por conveniente.
3- No entanto, o livro de reclamações não foi prontamente fornecido à referida utente, pelo que esta solicitou a presença de um vigilante do centro comercial, que a acompanhou ao referido local.
4- Porém, o livro de reclamações foi novamente negado na presença do vigilante, por Maria M., sócia-gerente da aqui arguida.
5- Acto seguido, a pedido da utente, o vigilante solicitou a presença da PSP naquele local.
6- No entanto, aquela entidade policial não se podia deslocar em tempo ao local da ocorrência, pelo que foi aconselhado à utente dirigir-se à esquadra da PSP, de modo a formalizar a queixa.
7- Pelas 21H17M, do dia 01/06/2011, a utente formalizou a respectiva queixa na 2ª Esquadra da PSP de Braga.
8- A arguida não agiu com o cuidado de que era capaz e a que estava obrigada, no exercício da actividade por si prosseguida, bem sabendo que estava obrigada a facultar o livro de reclamações quando o mesmo lhe fosse solicitado.
9- No exercício de 2013, a arguida apresentou um prejuízo fiscal de € 3.530,66.

B) Factos não provados:
A arguida actuou com intenção de não facultar o livro à utente.
C) Motivação da decisão de facto
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, designadamente:
- No teor do auto de participação de fls 3;
- Relatório de ocorrências de fls 16;
- Cópia de contrato de fls 17 e sgs;
- Certidão permanente de fls 21 e sgs;
- Documentos de fls 71-79;
- Margarida R., prestou declarações em audiência, na qualidade de legal representante da sociedade arguida, admitindo ter de facto recusado facultar à utente o livro de reclamações, alegando que tal pedido lhe foi dirigido de forma alternativa – ou a devolução do dinheiro ou o livro de reclamações (como de facto consta da participação de fls 3), alegando que, por ter devolvido o dinheiro, não facultou o livro de reclamações, achando que o não teria de fazer, do que se penitencia. No entanto, admite que de facto o segurança do Centro Comercial compareceu, momentos depois com a utente, confrontando a declarante com a não entrega do livro de reclamações, o que a mesma admitiu, não entregando ainda assim o livro.
- A testemunha Ângela L., prestou um depoimento sério e convincente, referindo que, perante o desagrado na prestação do serviço (demora), pediu o livro de reclamações, o que foi recusado, dirigindo-se depois ao segurança, mantendo a responsável a recusa, devolvendo-lhe no entanto o dinheiro do serviço pré-pago, mas apenas, já num segundo momento, na presença do referido segurança.
- A testemunha Joaquim C., agente da PSP, apenas lavrou a participação na forma documentada nos autos.
- A testemunha Maria F., funcionária do estabelecimento em questão, aludiu aos modos desagradados da cliente pedindo a devolução do dinheiro ou o livro de reclamações, não explicando porém a presença posterior do segurança no local, acompanhado da cliente.
- A testemunha Júlia S., também funcionária do estabelecimento, refere que no dia dos autos, estava a jantar no local, como cliente, tendo presenciado a utente a pedir de forma insultuosa a devolução do dinheiro, nem se apercebendo da questão da entrega do livro, por entretanto ter ido embora.
- Do conjunto da prova produzida em audiência, resulta seguro, mesmo na versão da arguida, que a arguida, pelo menos, na presença do segurança do Centro Comercial (ou seja, quando alegadamente já tinha devolvido o dinheiro), não facultou o livro de reclamações, apesar de solicitado (nem outra leitura se pode fazer da presença do segurança, se, na versão da arguida o dinheiro já tinha sido entregue), sem que a qualidade de utente possa, em qualquer caso, ser afastada.

3. Objecto do recurso e questões a decidir:

O recurso da sentença judicial em processo de impugnação por contra ordenação abrange apenas matéria de direito (artigo 75º nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro).

O Tribunal da Relação pode conhecer ainda de facto nas hipóteses que constam do art. 410º nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal , aplicável ex-vi dos art. 41º nº 1 e 74º nº 4 do citado DL 433/82, ou seja, desde que, do texto da decisão recorrida resulte insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova.

Como é dado assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.

Tendo em conta os elementos já enunciados, as questões suscitadas no recurso são, pela ordem lógica de conhecimento, as seguintes:

1ª- Nulidade da decisão administrativa por falta ou deficiente fundamentação;

2ª-Inconstitucionalidade do artigo 9.º, n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Decreto-Lei nº 156/05, de 15 de Setembro;

3ª-Medida concreta da coima.

3.1. A arguida recorrente invoca que a decisão administrativa enferma de nulidade, por força do disposto no artigo 379.º n.º 1 alínea a) conjugado com o disposto no nº 2 do art. 374, ambos do CPP, por não conter suficiente fundamentação de facto e de direito, em sede de determinação da medida concreta da coima, no que respeita à situação económica do agente.

Como tem sido enfatizado, o dever de fundamentação das decisões susceptíveis de afectarem direitos e interesses relevantes dos cidadãos, além de constituir uma das fontes de legitimidade em geral, constitui um direito e garantia fundamental do cidadão contra a arbitrariedade no exercício do poder público.

Daí que em processo penal se entenda que se verifica nulidade da sentença (artigo 379º nº 1, alínea a) Código de Processo Penal) sempre que, em consequência de uma omissão ou deficiência na fundamentação, fique afectada a plena compreensão do processo lógico e racional que conduziu à decisão.

No âmbito do processo contra-ordenacional, a jurisprudência tem sido unânime ao inscrever no campo restrito das referências essenciais a descrição dos factos imputados, das provas obtidas e das normas aplicadas na fundamentação da decisão, notando que o nível de “exigência” e de compreensão da decisão administrativa será inferior ao da sentença judicial, dados os diferentes níveis de incidência na liberdade e no património das pessoas.

Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Dezembro de 2006,

a indicação dos factos imputados com menção das provas obtidas constitui um tributo aos mais elementares princípios que devem reger um direito de carácter sancionatório e que têm a ver sobretudo com garantias mínimas relacionadas desde logo com o direito de defesa, por muito sumário e expedito que se apresente o processo contra-ordenacional, pois a própria Constituição estende a este tipo de processos essas garantias (art. 32.°, n.º 10). (…) Nesse aspecto, a decisão condenatória em matéria contra-ordenacional, apresentando alguma homologia com a sentença condenatória em processo penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, por menos exigente devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas, devendo conter a identificação dos arguidos, a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas aplicáveis e a fundamentação da decisão. Na fase de recurso, valendo a apresentação dos autos ao juiz pelo MP como acusação (art.62.°, n.º 1, do RGCO), torna-se necessário, no que toca aos elementos imprescindíveis a que nos vimos reportando, o recurso ao art. 283.°, n.º 3, al. b), do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo das contra-ordenações (art. 41.º, n.º 1, do mesmo diploma legal). E segundo este dispositivo, a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” (in www.dgsi.pt, processo 06P3201, Rodrigues da Costa)

No mesmo sentido, como bem se recorda na motivação de recurso, escreveram Simas Santos e Lopes de Sousa, "Contra-Ordenação - Anotações ao Regime Geral" em anotação ao art. 58º do RGCO que

"os requisitos previstos para a decisão condenatória visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.'Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos".

Tem sido este o entendimento da jurisprudência, de que são exemplos os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Junho de 2003, (Santos Cabral Colectânea, Tomo III, pp. 40) e da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 2004, www.dgsi.pt processo 2448/2004-4, Duro Mateus Cardoso) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2 de Março de 2011, processo 583/09.0T2OBR.C1, Paulo Guerra. Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4 de Abril de 2004, (www.dgsi.pt processo 483/04-1 Ribeiro Cardoso), que subscrevemos na íntegra, na decisão administrativa em processo por contra-ordenação,

“não se impõe (aqui) uma fundamentação com o rigor e exigência que se impõem no art. 374 n.º2 do CPP, por várias razões: por um lado, porque esta é uma decisão administrativa, que não se confunde com a sentença penal, como o ilícito contra-ordenacional não se confunde com o ilícito penal (são realidades distintas, revestindo a sentença penal uma maior solenidade, tendo em conta, precisamente, uma supremacia dos interesses em causa), por outro, porque aquela decisão, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (art. 62 n.º1 do DL 433/82, de 27.10). Não faz, assim, qualquer sentido que a decisão administrativa – que em caso de impugnação se converte em acusação – tenha de obedecer aos requisitos da sentença penal, como se tal acusação tivesse que obedecer a um rigor de fundamentação igual ao da sentença penal; por outro lado, seria incongruente e destituído de qualquer sentido que a fundamentação estabelecida no art. 58 n.º1, alin.c) do DL 433/82 tivesse a amplitude prevista no art. 374 n.º2 do CPP no que à fundamentação da sentença respeita, quando naquele se estabelecem outros elementos que deve conter a decisão administrativa – essa exigência não faria sentido se ao dever de fundamentar que aí se prevê se atribuísse o alcance que resulta do art. 374 n.º2 do CPP, retirando sentido à exigência contida nas alíneas b) e c) (primeira parte) daquele art. 58” .

Ainda no mesmo sentido, também Oliveira Mendes e Santos Cabral salientam que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitatitamente menos intensa em relação à sentença penal (Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, , 3ª ed. Almedina, p. 191 a 194).

Nos fundamentos da decisão da autoridade administrativa destes autos consta a enunciação dos factos provados e dos motivos que fundamentam a decisão e essas indicações permitem compreender satisfatoriamente o raciocínio que conduziu à decisão, designadamente sobre a ponderação da gravidade da infracção e o juízo de censura.

Naturalmente que seria desejável que a decisão fosse concretizada e pormenorizada na indicação dos elementos reais da situação económica do agente e na determinação detalhada do benefício retirado da prática da infracção.

No entanto, a omissão desses elementos não afectou as garantias de defesa, nem dificultou o exercício do direito de impugnação judicial: sem qualquer inversão do ónus da prova ou violação do direito ao contraditório, a arguida poderia ter apresentado os argumentos que entendesse úteis e invocado todos os elementos de facto e de direito susceptíveis de permitirem ao tribunal a apreciação quer da situação económica, quer do benefício retirado da prática da infracção, por forma a alcançar a aplicação de uma medida e a fixação de uma coima justa e equitativa.

Concluímos assim que a decisão administrativa, longe de ser modelar nesse âmbito, contém ainda assim os elementos imprescindíveis para a caracterização daquelas circunstâncias e para permitir o exercício do direito de recurso do arguido.

Assim, improcede a arguição de nulidade da decisão administrativa.

3.2 A conformidade constitucional da norma constante do artigo 9.º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Decreto-Lei nº 156/05 de 15 de Setembro foi objecto de apreciação coincidente do Tribunal Constitucional nos acórdãos n.º 62/2011, 67/2011 e 97/2014 (sendo o ultimo proferido em Plenário e todos acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt )

Neste âmbito e com particular interesse na questão suscitada pela recorrente destes autos, o Tribunal Constitucional considerou no Acórdão n.º 62/2011 o seguinte:

Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.

De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social». (…)

Nestes termos, o Tribunal Constitucional considerou que não é desproporcionado o montante mínimo fixado em 15000 € para sancionar a recusa por uma pessoa colectiva de apresentação do livro de reclamações, numa situação em que tendo sido requerida a presença da autoridade para remover a referida recusa, ela é removida, sendo então facultado o livro de reclamações ao requerente.

Transpondo este entendimento para a situação concreta aqui em apreço, similar por enquadrada no mesmo segmento normativo, e tendo em conta o particular relevo do livro de reclamações enquanto instrumento de protecção dos interesses dos consumidores, a necessidade de incentivar a sua disponibilização e a censurabilidade do comportamento de quem inviabiliza a apresentação da reclamação, também consideramos que o montante mínimo de 15000 € para a pessoa colectiva que recuse a apresentação do livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa constitua uma sanção claramente excessiva, desnecessária ou desajustada para a tutela dos bens jurídicos protegidos e às necessidades de prevenção.

Concluimos assim que a norma constante do artigo 9.º n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Decreto-Lei nº 156/05 de 15 de Setembro não contende com o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 18° da Constituição da República Portuguesa.

3.3 Estabelece o artigo 18.º do RGCO que a determinação da medida da coima se faz em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e dos benefícios obtidos com a prática do facto.

A própria natureza e a autonomia específica da coima impõem que prevaleçam aqui fundamentalmente considerações de natureza preventiva geral.

Na situação vertente haverá fundamentalmente de ter em conta que o juízo de censura da conduta assume a forma negligente, os interesses a acautelar relacionam-se com a protecção dos interesses dos consumidores e não existem benefícios para a arguida da prática da contra-ordenação.

A matéria de facto provada revela-nos um comportamento persistente e prolongado. Mesmo admitindo que já tinha havido a devolução de quantia entregue a título de previo pagamento, certamente que não compete à arguida, por sua única iniciativa, postergar o direito da utente a uma reclamação, a ser decidida pela entidade competente para o efeito.

Apesar da menor gravidade da infracção, o que já justificou a diminuição para metade do mínimo da moldura aplicável, da primariedade e da dificil situação económica, inexiste na situação concreta em apreço qualquer circunstância excepcional que não tenha sido prevista pelo legislador ao estabelecer a sanção e que agora justifique uma atenuação especial da coima.

As intensas exigências de prevenção e de protecção dos interesses dos consumidores afastam liminarmente a viabilidade de aplicação de uma simples admoestação.

Nestes termos, deve-se manter a coima aplicada, já fixada precisamente no mínimo da moldura legal abstractamente aplicável.

4. Em caso de decaimento ou improcedência total do recurso, há lugar ainda a condenação do arguido nas custas pela actividade processual a que deu causa, compreendendo a taxa de justiça e os encargos (artigos 92º nº 1 e 94º, ambos do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro e artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).

De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC.

Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em três UC.

5. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso e, em consequência, em manter a decisão recorrida.

Por ter decaído no recurso, vai a arguida condenada em três UC de taxa de justiça.

Guimarães, 11 de Janeiro de 2016.

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.

João Carlos Lee Ferreira

Alcina Costa Ribeiro