Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
55/17.9PBGMR.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: RELATÓRIO SOCIAL
MEIO PROBATÓRIO FACULTATIVO
OMISSÃO DA SUA SOLICITAÇÃO
CONSEQUÊNCIAS LEGAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) O Relatório Social é um meio de prova habilitante do conhecimento da personalidade do arguido que, não tendo o valor de prova pericial, está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.

II) De acordo com o art. 120, nº2, al.d), constituem nulidades dependentes de arguição, para além do mais, a omissão de diligências que possam reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.

III) Como se inculca da redacção do art.370,nº1, do C.P.P., a requisição de relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social não é obrigatória. Trata-se de uma faculdade.

IV) O Tribunal Constitucional no seu acórdão nº182/99, proc. 759/98, de 22/3/99, já se pronunciou no sentido de não ser inconstitucional a norma do nº1 do art. 370º, quando interpretada no sentido de não ser obrigatória essa solicitação.
Tal obrigatoriedade só ocorrerá se tal solicitação for considerada necessária à correta determinação da sanção, ou seja, à boa decisão da causa, cfr. decorre do art. 340º,nº1, caso em que o tribunal tem o poder-dever de oficiosamente, ordenar a sua realização (neste sentido, Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Anotado, pág. 1151).

V) Não tendo, em momento algum, sido considerada essencial para a descoberta da verdade material a solicitação de tal relatório social, nunca a omissão da sua solicitação configuraria qualquer nulidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1. No processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o número nº55/17.9PBGMR que corre termos na comarca de Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 1, realizado o julgamento foi proferida sentença que decidiu, para além do mais, condenar a arguida R. P., como autora material da prática de um crime Dano Qualificado, previsto e punido pelo artigo 213.º, n.º 1, al. e), do Código Penal, na pena de cem (100) dias de multa, à taxa diária de €7.00 (sete) euros, o que perfaz a multa de €700,00 (setecentos) euros e, ainda, a pagar à ofendida/assistente R. M. a quantia de € 3.816,19 ( três mil oitocentos e dezasseis euros) a título de pedido de indemnização civil, sendo €1.316,19 ( mil trezentos e dezasseis euros e dezanove cêntimos) a título de danos patrimoniais e €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.

2. Não se conformando com essa condenação, veio o arguido/recorrente F. L. recorrer da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

1º. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, pela qual:

a) Foi condenada a arguida R. P. como autora material da prática de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art. 213.º, n.º 1, al. e), do Código Penal, na pena de cem (100) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete) euros, o que perfaz a multa de €700,00 (setecentos) euros;
b) Foi condenada a arguida a pagar à ofendida/assistente R. M. a quantia de €3.816,19 (três mil oitocentos e dezasseis euros) a título de pedido de indemnização civil, sendo €1.316,19 (mil trezentos e dezasseis euros e dezanove cêntimos) a título de danos patrimoniais e €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;
c) Foi condenada a arguida no pagamento das custas do processo, fixando-se em 4 UC’s a taxa de justiça;
d) Foi a arguida considerada responsável pelos encargos do processo, nos termos do disposto nos artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
2º. Com o devido respeito, a recorrente discorda da decisão proferida por entender que o tribunal a quo não efetuou um exame crítico da prova produzida, existindo insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379, nº1, al.a, com referência ao art.374, nº2, ambos do CPP.
3º. Entende, ainda, a recorrente que o tribunal a quo analisou erradamente a prova produzida em audiência de julgamento, sendo aliás esta insuficiente para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, alínea a) e c) do CPP).
4º. Pugna-se, assim, pela modificação da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, a qual se impugna, por se entender que a convicção do tribunal não tem bases sólidas em que se alicerçar.
5º. Entende ainda a recorrente, que a douta sentença de que se recorre violou o disposto nos arts. 47º e 71.º do Código Penal, estando, pois, ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº2, al. a) do Código de Processo Penal, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do Código de Processo Penal.
6º. Consta na douta sentença, na Motivação da decisão de facto que “O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da totalidade da prova produzida, analisada e valorada de forma critica, apelando à logica, às regras da experiência e a critérios de normalidade e razoabilidade. Em audiência de julgamento, emergiu o depoimento da ofendida R. M., que se encontra reproduzido nos autos, depôs de forma clara e séria merecedora de credibilidade, não apenas pela natureza do relato produzido, pormenorizado, coerente e condizente com a queixa que apresentou junto da autoridade policial e convenceu o Tribunal quanto aos factos descritos na acusação, que foram dados como provados. Disse ainda que a arguida, mesmo estando de relações cortadas com a queixosa, devido a um processo-crime contra a arguida em que esta foi condenada, foi ao funeral do marido da queixosa, eventualmente para localizar o jazigo. A testemunha R. S., presenciou os factos, descrevendo e identificando a arguida como sendo a pessoa que os praticou, pois encontrava-se no cemitério na altura. Esta testemunha explicou ao Tribunal como o jazigo se encontra ainda hoje com os cantos partidos e floreira partida. Quanto à testemunha Rosa, relatou ao Tribunal de forma natural e convincente o que viu no cemitério no dia dos factos, bem como os passos que deu até identificar a queixosa dona do jazigo e a arguida que viu praticou os factos. Disse ainda que viu a arguida com a floreira na mão, foi ter com ela, mas a arguida deixou cair a floreira e fugiu. Esclareceu ainda, que viu que a arguida estava com tal maldade a praticar os factos, que a conseguia identificar por tal facto em qualquer parte, não tendo dúvidas em dizer que foi a arguida que praticou os factos que foram dados como provados. A. C., filha da queixosa, depôs de forma natural, séria, esclarecendo o Tribunal sobre os passos que foram dados para descobrir e encontrar a pessoa ou pessoas que presenciaram os factos no cemitério e posteriormente vieram a identificar quem praticou os factos dados como provados. “
7º. Consta ainda da douta sentença recorrida que “A arguida no uso de um direito que lhe assiste negou a prática dos factos. No entanto no decorrer da audiência, revelou um comportamento nervoso, sempre a “sacudir a saia”, como a querer livrar-se de responsabilidades no sucedido, estava sempre a mexer-se, desassossegada, comprometida, esteve muitas vezes com um sorriso de escárnio e desprezo no rosto, designadamente quando a queixosa relatou que os factos dos autos ocorreram quando estava viúva há́ pouco tempo, ia ao cemitério para “fazer o luto” pelo marido e mesmo quando a queixosa, se emocionava, tinha alguns lapsos momentâneos de memória ao relatar os acontecimentos, ficando a arguida com uma expressão de contentamento com tal situação. Todos estes depoimentos de per si e no seu conjunto, bem como a análise dos documentos constantes dos autos, designadamente o teor do documento junto pela arguida a fls. 38, contribuíram para a convicção do Tribunal, quanto aos factos acima dados como provados. As restantes testemunhas D. C., marido da arguida e A. R., filha da arguida, revelaram depoimentos parciais, interessados nos autos, pelo que não convenceram o Tribunal.”
8º. Cumpre antes de mais referir, até para que se perceba a falta de objetividade subjacente na decisão recorrida que, e à margem da apreciação arbitrária da prova produzida feita pelo tribunal a quo, que adiante se aflorará, e que inquinou toda a interpretação que dela foi feita, o julgador a quo, antes mesmo de produzida toda a prova, havia já formado a sua convicção, no sentido de condenar a arguida.
(cfr. declarações da arguida R. P.: gravação digital em audiência em 18/10/2018, Ficheiro 20181018124853_5504461_2870586) - (até ao minuto 00:03)

ISTO POSTO,

9º. Dispõe o art.374, nº2, do CPP, que a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consistente na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
10º. Ora, o exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efetuada.
11º. Assim, e atenta a transcrição feita da motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, resulta, pois, evidente, não estar cumprida a indicação das razões justificativas para ter considerado como mais idóneos ou credíveis determinados depoimentos em detrimento de outros.
12º. Na verdade, limitou-se o tribunal a quo a fazer uma súmula de declarações e depoimentos prestados em audiência, dizendo que lhe mereciam mais credibilidade, mas sem, contudo, enunciar as razões do respetivo merecimento, pelo que lhe falta o exame crítico de tais provas.
13º. Por conseguinte, não tendo o tribunal efetuado o exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos do art.379, nº1, al. a), com referência ao art.374, nº2, ambos do CPP.
14º. A ora recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, por entender que o tribunal a quo não apreciou devidamente a prova produzida de acordo com as regras da experiência, incorreu em vício de raciocínio, tendo feito uma apreciação arbitrária da prova produzida.
15º. Assim, a recorrente CONSIDERA INCORRETAMENTE JULGADOS (art. 412.º, n.º 3, alínea a) do CPP) os seguintes FACTOS PROVADOS:

a) O número 3 dos FACTOS PROVADOS: No dia .. de … de 2017, pelas 14.30h., a arguida R. P. dirigiu-se ao cemitério de ..., em Guimarães e, uma vez aí chegada, abeirou-se do jazido da pertença de R. M., onde se encontra sepultado o marido desta, pegou na floreira em granito que aí se encontrava colocada com flores no seu interior, e arremessou a mesma na direção do tampo do referido jazigo em granito aí existente, partindo-o em dois (2) dos seus cantos e, bem assim, à respetiva floreira.
b) O número 4 dos FACTOS PROVADOS: Com a conduta descrita, a arguida R. P. causou no referido jazigo um prejuízo de pelo menos €1.316,19 (mil trezentos e dezasseis euros e dezanove cêntimos) à R. M..
c) O número 5 dos FACTOS PROVADOS: A arguida R. P. atuou do modo descrito em 3) com o propósito concretizado de provocar os estragos referidos em 3) e 4), bem sabendo que, dessa forma, prejudicava o património de R. M., bem sabendo que aquele jazigo e floreira que aí se encontrava não era sua pertença, que eram coisas afetas à veneração da memória dos mortos até porque se encontrava em cemitério e, bem assim, que atuava contra a vontade do seu legitimo dono.
d) O número 6 dos FACTOS PROVADOS: A arguida R. P. agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
e) O número 12 dos FACTOS PROVADOS: A assistente ficou abalada psicologicamente com os factos praticados pela arguida, provocando-lhe choro fácil, alterações do sono.
f) O número 13 dos FACTOS PROVADOS: Tal situação provocou na arguida tristeza e depressão, tendo que se submeter a tratamento medico, o que acontece ainda hoje.

16º. Tais factos que ora se transcreveram, consideram-se incorretamente julgados, por constarem como factos provados, quando se entende que devem ser dados como NÃO PROVADOS.
17º. Contrariamente ao que foi referido pela assistente, cujo depoimento se considerou claro e merecedor de credibilidade, e que se plasmou na motivação da douta sentença recorrida, a arguida R. P. não foi condenada em qualquer processo crime, como aliás resulta do facto 7. dado como provado.
18º. Sendo pura especulação a afirmação daquela de que a arguida R. P. se tenha deslocado ao cemitério no dia do funeral do seu marido para localizar o jazigo, sendo certo que, não negou a arguida ter ido ao funeral do marido da assistente.
19º. A arguida R. P. negou a prática dos factos constantes da douta acusação, referindo que desde de 2016 até agosto de 2017 sempre teve a mesma rotina aos sábados, que era, na parte da manhã auxiliar a filha na empresa de embalagem e, da parte da tarde, depois do almoço, ir com aquela à cabeleireira, em J., local onde se localizava a referida empresa, e onde ficavam até ao fim da tarde.
(cfr. declarações da arguida R. P.: gravação digital em audiência em 18/10/2018, Ficheiro 20181018124853_5504461_2870586) - (até ao minuto 00:14 e minuto 9:08 a 10:56)
20º. Tal versão, foi corroborada pelo depoimento da testemunha A. R., filha da arguida, que confirmou em Tribunal que de 2016 a agosto de 2017, a sua mãe a ajudava todos os sábados de manhã na empresa de embalagem que tinha com o namorado e de tarde, depois do almoço, iam TODOS os sábados, sem exceção para a cabeleireira, sita em J..
(cfr. declarações da testemunha A. R.: gravação digital em audiência em 15/11/2018, Ficheiro 20181115113631_5504461_2870586) - (minuto 00:58 a 2:26; minuto 2:55 a 4:02; e minuto 4:58 a 5:19)
21º. Resultando claro, do depoimento da testemunha A. R. que a arguida R. P. não podia estar no cemitério de ... no referido dia 14 de janeiro de 2017, como vem dado como provado no número 3 dos FACTOS PROVADOS na douta sentença recorrida.
22º. E não se diga que, tal como consta da douta sentença recorrida que “As restantes testemunhas D. C., marido da arguida e A. R., filha da arguida, revelaram depoimentos parciais, interessados nos autos, pelo que não convenceram o tribunal”.
23º. Pois que, não refere a douta sentença recorrida o porquê que tais depoimentos serem parciais, interessados nos autos, fora a óbvia circunstância de serem parentes da arguida.
24º. Um depoimento merece credibilidade, não por se tratar de uma prova indicada pela acusação ou pela defesa, mas porque pelas suas características convence o tribunal que o que narra corresponde à realidade dos factos, «ao realmente acontecido».
25º. Na verdade, não pode a douta sentença recorrida considerar o depoimento da testemunha A. R. parcial e interessada nos autos, só pelo facto de ser filha da Arguida, pois o mesmo se poderá dizer de A. C., filha da queixosa, que em contrapartida o douto tribunal a quo considerou que “depôs de forma natural, séria, esclarecendo o Tribunal sobre os passos que foram dados para descobrir e encontrar a pessoa ou pessoas que presenciaram os factos no cemitério e posteriormente vieram a identificar quem praticou os factos dados como provados.”
26º. A mais disto, a versão da arguida R. P. foi ainda corroborada pela testemunha D. C. que confirmou que a esposa todos os sábados de manhã ia com a filha para a empresa de embalagem e à tarde iam para a cabeleireira.
(cfr. declarações da testemunha D. C.: gravação digital em audiência em 15/11/2018, Ficheiro 20181115112923_5504461_2870586) – (minuto 2:03 a 2:27 e minuto 2:53 a 3:13)
27º. Já quanto à testemunha R. S., refere a douta sentença recorrida que “presenciou os factos, descrevendo e identificando a arguida como a pessoa que os praticou, pois encontrava-se no cemitério na altura”.

SUCEDE QUE,

28º. De tal depoimento não resulta, sem margens para qualquer dúvida, a descrição de uma pessoa concreta e, muito menos, a identificação da ora arguida.
29º. Na verdade, a testemunha apenas refere ter visto – e note-se, que tanto refere que do local onde se encontrava para o local onde supostamente a arguida R. P. se encontrava a danificar o jazigo da queixosa/assistente R. M., era muito distante e, por isso, não conseguia ver bem, como, refere que tinha bastante visibilidade – alguém de cabelo loiro e curto pelos ombros.
(cfr. declarações da testemunha R. S.: gravação digital em audiência em 15/11/2018, Ficheiro 20181115104133_5504461_2870586) - (minuto 1:58 a 4:35; minuto 5:04 a 6:11 e minuto 6:46 a 7:39)
30º. Mas mais, refere não ter visto o que tal pessoa estaria a fazer, só tendo posteriormente visto o estado da sepultura.
31º. Saliente-se, ainda, que referindo-se à arguida, porque presente na sala de audiência, disse que não a conhece, não a conhecia. E questionada pela Meritíssima Juiz: “Quer dizer, agora olhando para ela...”, refere a testemunha: “E depois de já estarmos várias vezes, já viemos, já é a terceira vez que vimos”.
32º. Ou seja, a testemunha não descreveu qualquer característica particular da arguida, para que sem mais se concluísse ser ela a pessoa descrita, como dá a entender que apenas identificou a ora arguida como a alegada autora dos factos da acusação, porque já viu a arguida no tribunal, nas três vezes que foi convocada para os presentes autos. Pelo que, não poderia o douto tribunal a quo ter concluído que tal testemunha presenciou os factos, descreveu e identificou a testemunha, pois tal não resulta do seu depoimento.
33º. Resulta, ainda, da douta sentença recorrida que “Quanto à testemunha Rosa, relatou ao Tribunal de forma natural e convincente o que viu no cemitério no dia dos factos. Disse ainda que viu a arguida com a floreira na mão, foi ter com ela, mas a arguida deixou cair a floreira e fugiu”.

NA VERDADE,

34º. O depoimento prestado pela testemunha Rosa não é lógico, nem coerente, atentas as regras da experiência e do normal acontecer, pelo que nenhuma credibilidade poderia ter merecido ao douto tribunal a quo.
35º. Ora, do depoimento desta testemunha resulta que, a mesma não conhecia nem a ora arguida, nem a ora assistente; resulta que, a autora dos factos descritos na acusação, bateu diversas vezes, e durante bastante tempo, com a floreira na sepultura, e fê-lo, não só em plena luz do dia, como estando bastante gente presente no cemitério e a assistir a tal destruição; resulta, que outras pessoas viram o sucedido e até sabiam, contrariamente à testemunha, a quem pertenceria tal jazigo, e nenhuma delas falou com a assistente ou indicou à testemunha onde a poderia contactar; resulta, ainda, que a floreira estava inteira.
(cfr. declarações da testemunha Rosa: gravação digital em audiência em 15/11/2018, Ficheiro 20181115105929_5504461_2870586) - (minuto 2:57 a 4:15 e minuto 5:52 a 7:35).
36º. Ora, todo este circunstancialismo descrito pela testemunha, não é de todo consentâneo com as regras da experiência e o normal acontecer, pois que, recorrendo-se à lógica do raciocínio, aos juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, não é de acreditar que alguém praticasse tais factos nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritos.
37º. Tal resulta ainda evidente, se articularmos este mesmo depoimento com as declarações da assistente. Na verdade, das declarações da assistente resulta, contrariamente ao assegurado pela testemunha R. M., que estas se conheciam, tratando-se por tu, e até pelo nome próprio.
(cfr. declarações da assistente R. M.: gravação digital em audiência em 15/11/2018, Ficheiro 20181115101236_5504461_2870586) - (minuto 6:22 a 6:37; minuto 8:01 a 8:10; minuto 8:56 a 9:32 e minuto 10:05 a 11:09).
38º. Resulta, ainda, não ser coincidente o teor da conversa que dizem ter tido na semana seguinte aos factos, resultando mesmo da versão da assistente uma espécie de conluio para incriminar a ora arguida, mencionando a testemunha que se a assistente quisesse ir para tribunal esta se despunha a testemunhar, tendo identificado como autora dos danos, uma senhora, cabelo russo, de óculos, blusa vermelha e casaco preto.
39º. Ora, não podemos deixar de salientar, a profunda estranheza que nos suscita, e não pode deixar a todos de suscitar, como é que uma descrição tão detalhada, perdoem-nos o sarcasmo, nos conduz à ora arguida, quando as testemunhas em causa nunca viram antes a arguida, e as demais pessoas que assistiram aos factos, aparentemente mais conhecedoras, não foram indicadas como testemunhas, nem nenhuma indicação deram para que as que foram ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento a pudessem identificar.
40º. De tudo se impondo concluir, não serem, tal depoimento e tais declarações, objetivos, coerente, isentos e, muito menos lógicos à luz das regras da experiência e dos critérios de normalidade e razoabilidade.
41º. De referir, ainda, o depoimento de A. C., que apesar de filha da assistente, o douto tribunal a quo considerou ter sido natural, sério e esclarecedor.
42º. Contudo, não pode olvidar-se, que é o mesmo naturalmente interessado, atenta a relação de parentesco, o que, não foi devidamente considerado, tanto mais que, do mesmo resulta uma afirmação que contraia a versão da arguida, e que não foi valorado devidamente.
43º. A Testemunha A. C. sustentou uma versão segundo a qual a arguida frequenta o cabeleireiro perto do café e da residência de ambas, quando a arguida e a sua filha afirmaram frequentar um cabeleireiro em J., que sempre se refira é no concelho de Vila Nova de Famalicão, e não de Guimarães onde residem arguida e assistente.
(cfr. declarações da arguida A. C.: gravação digital em audiência em 15/11/2018, Ficheiro 20181115111309_5504461_2870586) - (minuto 3:34 a 4:04 e minuto 12:35 a 13:52).
44º. Além do mais, afinal, sempre a arguida, na versão desta testemunha, foi ao cabeleireiro na parte da tarde, o que sempre teria de abalar a convicção do tribunal sobre a credibilidade da testemunha.
45º. Do que fica dito, e por recurso a um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, nunca dos factos relatados se poderia extrair, a convicção e valoração feita pelo douto tribunal a quo, da prova produzida e ora sindicada.
46º. Na verdade, da prova produzida, e tal como se demonstrou, apelando à lógica, às regras da experiência e a critérios de normalidade e razoabilidade, sempre se imponha considerar, não ser a mesma suficiente para se considerar a arguida a autora dos factos descritos na acusação e dados como provados nos pontos 3., 4. e 5. dos Factos Provados.
47º. Assim como, ao serem dados como não provados tais factos, integradores do ilícito típico imputado à arguida/recorrente, sempre teriam de ser igualmente dados como não provados os pontos 12. e 13. dos Factos Provados.
48º. E, sempre se diga que, independentemente da maior ou menor bondade da prova produzida, e de na motivação de facto constar que o tribunal recorrido ponderou as declarações de todas as testemunhas e o valor probatório dos documentos (em si mesmos e conjugados com aqueles depoimentos), nesse exercício, não está devidamente fundamentada tal convicção, e o porquê de ter optado por dar crédito às testemunhas da acusação.
49º. Pois que, a coerência ou consistência das declarações não constitui um critério de verdade – pela simples razão de que mesmo provas demonstravelmente consistentes podem ser falsas –, a incoerência ou inconsistência já indicia a falsidade.
50º. Assim, deve-se, pois, combinar as ideias de verdade e de conteúdo numa única ideia de um grau de melhor (ou pior) correspondência com a verdade, ou de uma maior (ou menor) semelhança ou similaridade com a verdade; ou seja, a ideia de graus de verosimilhança.
51º. A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção — cf. o Acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 2002, proferido no âmbito do processo n.º 3063/01, 3.a Secção, in SASTJ, n.o 57, 69 ; Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 15.a ed., 2005, p. 743.

O que, in casu, não se verifica.

52º. Em matéria da obrigação de motivação da sentença, esta, para ser legal, deve apresentar as características fundamentais da (1) “correção”, no sentido da sua aderência aos elementos probatórios adquiridos, do (2) “completamente”, no sentido da sua extensão a todos os elementos relevantes para a formação dos juízos sectoriais conducentes ao juízo decisório, e da (3) “lógica”, no sentido da sua conformidade aos cânones que presidem às formas do raciocínio e que a este confiram a natureza de ato de demonstração da realidade.
53º. Ora, e como dissemos, a decisão recorrida não satisfaz estes requisitos ocorrendo erro notório na apreciação da prova, nomeadamente, porque houve violação das regras da experiência, tendo o tribunal decidido contra a prova produzida, acolhendo uma versão que esta não comporta, e violando as regras da experiência comum ao valorar os depoimentos nos termos em que o fez.

Ora, atento o que supra se deixou exposto, e se transcreveu, impunha-se, como se impõe, dar como não provados os factos constantes dos números 3., 4., 5. 12. e 13. dos FACTOS PROVADOS.

54º. Impondo-se, em consequência, a absolvição da arguida, da prática do crime de que vem acusada, bem como do pedido de indemnização civil contra si deduzido.

SEM PRESCINDIR,

55º. Por outro lado, a decisão sobre a pena envolve, impreterivelmente, o conhecimento dos factos relativos à pessoa do arguido.
56º. Na consideração da personalidade deve ser ponderado o modo como a personalidade se projeta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
57º. Ou seja, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir fatores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.
58º. Diga-se, neste particular, que todos os considerandos feitos sobre a personalidade da arguida não têm qualquer sustentabilidade na prova produzida e, mormente, nos factos dados como provados, sendo desprovidas de qualquer fundamento, que aliás não se expos na sentença recorrida.
59º. Atente-se, pois, nas considerações tecidas “em face do método utilizado pela arguida, a qual, aproveitando o facto de a queixosa se encontrar viúva (...) serviu-se de tal situação para dar azo aos seus instintos de malvadeza”, “gosta de prejudicar e manipular os outros a seu bel-prazer, para conseguir os seus fins”, “revela também com o seu comportamento, não ter qualquer respeito pelos outros”, ou até “o valor do prejuízo causado (..), permite colocar o comportamento da arguida na base da pirâmide de outros futuros comportamentos contra o património, contra as pessoas e bens”.

ACRESCE QUE,

60º. A determinação da multa obriga a que o quantitativo diário obedeça à correta ponderação da situação económico-financeira da condenada e aos seus encargos pessoais (art. 47º, nº2 do CP).
61º. Assim, nunca o Tribunal a quo devia ter decidido como o fez, devendo antes solicitar a elaboração de um relatório social da recorrente, pois só assim teriam sido averiguadas as condições sociais, familiares e económicas da arguida com vista a melhor determinar se a mesma merecia um juízo de prognose favorável.
62º. Ao encerrar a produção da prova sem se encontrar dotado de todos os elementos necessários à boa decisão, o tribunal a quo cometeu a nulidade prevista no art. 120º, nº2, al. d) do CPP.
63º. Ao proferir decisão condenatória com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, lavrou sentença ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº2, al. a) do CPP, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do CPP.
64º. Impondo-se, pois, e quanto a esta questão, o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à matéria da escolha e determinação da pena (arts. 426º e 426º-A do CPP) e que envolverá o apuramento (apenas) dos factos relativos à personalidade da arguida, às suas condições pessoais, assim se habilitando o tribunal a proferir a decisão sobre a pena.
65º. De resto, ainda que se entenda que assim não sucedeu, sempre a douta sentença recorrida deverá ser revogada, por se considerar a pena de multa aplicada à arguida manifestamente exagerada, atendendo à possibilidade de ocorrência de factos diversos, mais gravosos, não só em termos de culpa do agente, como da existência de antecedentes criminais, intensidade do dolo, condições pessoais e situação económica do agente bem como da gravidade das consequências da conduta criminosa.
66º. Não funcionando nenhuma das circunstâncias previstas no art. 71° n° 2 do Código Penal contra a arguida, não se afigura correta a determinação concreta da pena de multa aplicada, a qual se deveria por isso ter fixado próximo dos seus limites mínimos.
67º. Mostra-se assim por isso desrespeitado o critério a este propósito fixado na al. a) do n° 2 do art. 71° do Código Penal, por não ter sido atribuído o devido relevo à não gravidade das consequências da atuação que lhe foi imputada, preceito este que assim foi violado pela douta sentença recorrida.
68º. Por isso, sempre a pena aplicada deve ser substituída por outra que se fixe próximo dos seus limites mínimos, quer na sua determinação quer na fixação da respetiva quantia.

Por fim, no que diz respeito ao PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

69º. Sempre se dirá que o valor em que a arguida foi condenada, nomeadamente no que tange aos danos não patrimoniais é elevado se atentarmos a tudo quanto supra se expos, ao uso dos tribunais e às condições económicas da arguida e assistente, pelo que deverá ser substancialmente reduzido.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência:

A) Ser declarada nula a sentença recorrida nos termos do art.379, nº1, al.a), com referência ao art.374, nº2, ambos do CPP;

SUBSIDIARIAMENTE,

B) Ser a arguida absolvida do crime de que vem acusada e do pedido de indemnização formulado, por erro na avaliação da prova e insuficiência desta para a decisão da matéria de facto provada (art. 410.º, n.º 2, alínea a) e c) do CPP).

SEM PRESCINDIR,

C) Ser reenviado o processo para novo julgamento, por vício de insuficiência da matéria de facto provada, restrito à matéria da escolha e determinação da pena e que envolverá o apuramento (apenas) dos factos relativos à personalidade da arguida, às suas condições pessoais e económicas, assim se habilitando o tribunal a proferir a decisão sobre a pena.
D) Ser a douta sentença recorrida substituída por outra que aplique uma pena que se fixe próximo dos seus limites mínimos, quer na sua determinação quer na fixação da respetiva quantia, e reduza significativamente o pedido de indemnização civil formulado, nomeadamente quanto aos danos não patrimoniais.

3. A Exma Procuradora- Adjunta junto da primeira instância respondeu ao recurso e, pugnando pela sua improcedência, formulou as seguintes:

«Conclusões

1. A douta sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada, de modo claro, completo, congruente e lógico.
2. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada, enumerando os elementos probatórios que contribuíram para a formação da sua convicção, com indicação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência e das razões que os dotaram de relevância e credibilidade.
3. A douta sentença não padece de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos 374º, nº 2 e 379º, ambos do Código de Processo Penal.
4. Nas suas alegações e conclusões, a recorrente pretende a impugnação do julgamento da matéria de facto (conclusões 15 a 16), bem como alega vícios de erro notório na apreciação da prova (conclusões 17 a 55), previsto nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
5. Porém, o que a recorrente verdadeiramente pretende é colocar em causa a valoração da prova que o Tribunal a quo efetuou, com o recurso ao princípio da sua livre apreciação.
6. Da leitura do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum, facilmente se percebe que a mesma é escorreita, doutamente fundamentada e os juízos feitos são apreendidos pelo leitor comum, por serem lógicos, prudentes, não arbitrários e assentes nas regras da experiência, pelo que nenhum erro ocorreu quanto à apreciação da matéria de facto.
7. Tendo a arguida prestado declarações, que foram positivamente valoradas quanto às suas condições sócio económicas, a elaboração do relatório social, no caso em apreço, seria uma diligência dilatória.
8. A factualidade apurada pelo Tribunal quanto às condições de vida da arguida é suficiente para determinar corretamente a sanção que, em concreto, lhe foi aplicada, ou seja, uma pena não privativa de liberdade.
9. A concreta pena aplicada à arguida, fixada bem abaixo do limite médio da moldura penal é justa, adequada, necessária e proporcional às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir, não ultrapassando a medida da culpa.
10. Também o quantitativo diário encontrado para a pena de multa, muito pouco acima do mínimo legal carece de qualquer reparo.
11. A douta sentença decidiu de acordo com a lei e o direito, razão pela qual deverá ser integralmente mantida.

Nestes termos, deverá ser negado total provimento ao recurso apresentado pela arguida e mantida toda a matéria de facto dada como provada, bem como a pena que lhe foi aplicada.
Este é o entendimento que perfilhamos.
Exªs, porém, farão a costumada justiça.»

4. Neste Tribunal da Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.

5. Cumprido o art. 417º, nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta pelo arguido.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.III, 1994, pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição, 2009, pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).

O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

Como expressamente afirma o Professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol.III, 1994, pág.340, “São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões que o tribunal tem que apreciar”.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo arguido/recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

- Nulidade da sentença por falta de fundamentação (art.379,nº1,al.a), do C.P.P.)
- Impugnação da matéria de facto provada por erro de julgamento, no que tange aos pontos 3,4,5,12 e 13 da factualidade provada.
- nulidade decorrente da falta de solicitação do relatório social (art. 120º,nº2, al.d) do C.P.P.);
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410, nº2,al.a), do C.P.P.)/omissão de factos para a determinação da sanção;
- medida da pena de multa;
- montante do pedido de indemnização civil, no que tange à fixação do montante dos danos não patrimoniais.

B) Da decisão recorrida

Para a apreciação do presente recurso, importa ter presente o seguinte teor da sentença recorrida (transcrição).

«III – Fundamentação de facto

1. Factos provados

2. Com relevo para a discussão da causa, provou-se o seguinte:

1 - A queixosa/assistente R. M. e a arguida R. P. eram amigas de longa data, tendo tido um desentendimento que levou ao corte de relações entre ambas.
2 - O marido da ofendida/assistente faleceu em ../10/2016, encontrando-se sepultado no cemitério de ... – Guimarães.
3 - No dia 14 de Janeiro de 2017, pelas 14.30h., a arguida R. P. dirigiu-se ao cemitério de ..., em Guimarães e, uma vez aí chegada, abeirou-se do jazigo da pertença de R. M., onde se encontra sepultado o marido desta, pegou na floreira em granito que aí se encontrava colocada com flores no seu interior, e arremessou a mesma na direcção do tampo do referido jazigo em granito aí existente, partindo--o em dois (2) dos seus cantos e, bem assim, à respectiva floreira.
4 - Com a conduta descrita, a arguida R. P. causou no referido jazigo um prejuízo de pelo menos €1.316,19 (mil trezentos e dezasseis euros e dezanove cêntimos) à R. M. – cfr. doc. de fls. 57.
5 - A arguida R. P. actuou do modo descrito em 3) com o propósito concretizado de provocar os estragos referidos em 3) e 4), bem sabendo que, dessa forma, prejudicava o património de R. M., bem sabendo que aquele jazigo e floreira que aí se encontrava não era sua pertença, que eram coisas afectas à veneração da memória dos mortos até porque se encontrava em cemitério e, bem assim, que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
6 - A arguida R. P. agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
7 - A arguida não tem antecedentes criminais, como resulta de fls. 123.
8 - Era costureira está reformada por invalidez, recebe 450,00 euros de pensão, o marido também está reformado, recebendo 745,00 euros mensais de reforma e trabalha como empregado de mesa num restaurante, recebendo 650,00 euros mensais.
9 - Vivem em casa da filha, solteira, pagando de empréstimo ao banco €350,00 euros mensais.
10 - Como habilitações literárias tem a 4.ª classe.
*
11 - A reparação do jazigo importa na quantia de pelo menos €1.316,19 (mil trezentos e dezasseis euros e dezanove cêntimos) – cfr. doc. de fls. 57.
12 - A assistente ficou abalada psicologicamente com os factos praticados pela arguida, provocando-lhe choro fácil, alterações do sono.
13 - Tal situação provocou na arguida tristeza e depressão, tendo que se submeter a tratamento médico, o que acontece ainda hoje – cfr. doc. de fls. 99.

2. Factos não provados

Não há factos não provados com relevo para a discussão da causa.

3. Motivação da decisão de facto

O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da totalidade da prova produzida, analisada e valorada de forma crítica, apelando à lógica, às regras da experiência e a critérios de normalidade e razoabilidade.

Em audiência de julgamento, emergiu o depoimento da ofendida R. M., que se encontra reproduzido nos autos, depôs de forma clara e séria merecedora de credibilidade, não apenas pela natureza do relato produzido, pormenorizado, coerente e condizente com a queixa que apresentou junto da autoridade policial e convenceu o Tribunal quanto aos factos descritos na acusação, que foram dados como provados. Disse ainda que a arguida, mesmo estando de relações cortadas com a queixosa, devido a um processo-crime contra a arguida em que esta foi condenada, foi ao funeral do marido da queixosa, eventualmente para localizar o jazigo.

A testemunha R. S., presenciou os factos, descrevendo e identificando a arguida como sendo a pessoa que os praticou, pois encontrava-se no cemitério na altura. Esta testemunha explicou ao Tribunal como o jazigo se encontra ainda hoje com os cantos partidos e floreira partida.

Quanto à testemunha Rosa, relatou ao Tribunal de forma natural e convincente o que viu no cemitério no dia dos factos, bem como os passos que deu até identificar a queixosa dona do jazigo e a arguida que viu praticou os factos. Disse ainda que viu a arguida com a floreira na mão, foi ter com ela, mas a arguida deixou cair a floreira e fugiu. Esclareceu ainda, que viu que a arguida estava com tal maldade a praticar os factos, que a conseguia identificar por tal facto em qualquer parte, não tendo dúvidas em dizer que foi a arguida que praticou os factos que foram dados como provados.
A. C., filha da queixosa, depôs de forma natural, séria, esclarecendo o Tribunal sobre os passos que foram dados para descobrir e encontrar a pessoa ou pessoas que presenciaram os factos no cemitério e posteriormente vieram a identificar quem praticou os factos dados como provados.
Quanto aos factos constantes dos parágrafos 7) dos factos provados, fundou o Tribunal a sua convicção no certificado de registo criminal da arguida junto a fls. 123 dos autos.
Quanto à situação económica e social da arguida o Tribunal formou a sua convicção no depoimento da arguida, sendo certo que nada ficou provado em sentido contrário.
A arguida no uso de um direito que lhe assiste negou a prática dos factos.
No entanto no decorrer da audiência, revelou um comportamento nervoso, sempre a “sacudir a saia”, como a querer livrar-se de responsabilidades no sucedido, estava sempre a mexer-se, desassossegada, comprometida, esteve muitas vezes com um sorriso de escárnio e desprezo no rosto, designadamente quando a queixosa relatou que os factos dos autos ocorreram quando estava viúva há pouco tempo, ia ao cemitério para “fazer o luto” pelo marido e mesmo quando a queixosa, se emocionava, tinha alguns lapsos momentâneos de memória ao relatar os acontecimentos, ficando a arguida com uma expressão de contentamento com tal situação.
As testemunhas acima referidas relataram ao Tribunal a situação em que ficou o jazigo da queixosa/assistente, bem como o incómodo e a tristeza que tal situação lhe provocou, uma vez que estava viúva há pouco tempo, pelo que deixou de dormir, chorava e entrou em depressão, tendo que se submeter a tratamento médico.
Todos estes depoimentos de per si e no seu conjunto, bem como a análise dos documentos constantes dos autos, designadamente o teor do documento junto pela arguida a fls. 38, contribuíram para a convicção do Tribunal, quanto aos factos acima dados como provados.
As restantes testemunhas D. C., marido da arguida e A. R., filha da arguida, revelaram depoimentos parciais, interessados nos autos, pelo que não convenceram o Tribunal.

IV. Do Direito

(…)

B. Determinação da medida da pena.

Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida, importa, seguidamente, e antes do mais, graduar, dentro da moldura penal abstractamente prevista no tipo legal em causa, a pena que concretamente lhe cabe.
O crime de Dano Qualificado, previsto e punido pelo artigo 213.º, n.º 1, al. e), do Código Penal, é punido com pena de prisão até cinco (5) anos ou com pena de multa até 600 dias.
Aqui chegados cumpre reflectir sobre a determinação da medida concreta da pena.
Tendo em conta o princípio geral fornecido pelos arts. 40.º e 71.º, a pena deverá ser concretamente determinada dentro da moldura legal fornecida, funcionando a culpa como limite inultrapassável e as exigências da prevenção geral e especial como vectores determinantes da medida a aplicar.

O modelo mais adequado de determinação da pena é, pois, aquele que comete à culpa a função única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral de integração a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo coincide com a medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo corresponde às irrenunciáveis exigências de defesa do ordenamento jurídico; e, por último, à prevenção especial de integração a função de encontrar, dentro da moldura de prevenção, o quantum exacto de pena que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou segurança) do delinquente - cfr. Figueiredo Dias Consequências Jurídicas do Crime, p. 114 e ss.

No que respeita aos factores concretos da medida da pena concernentes à execução do facto, especialmente pela via das exigências da prevenção geral, potencial criminógeno que se associa à prática dos factos, os índices de criminalidade conexa ou indirecta, nomeadamente contra o património.

O risco social que deve, assim, reconhecer-se na conduta “sub judice”, surge reforçado em face do método utilizado pela arguida, a qual, aproveitando o facto de a queixosa se encontrar viúva e ir ao cemitério venerar o seu marido que se encontrava ali sepultado no jazigo, serviu-se de tal situação para dar azo aos seus instintos de malvadeza, ao partir parcialmente o jazigo, danificando-o, de forma a causar prejuízo à queixosa, não se coibindo de o fazer quando a queixosa tinha ficado viúva há pouco tempo.
O comportamento da arguida indicia, que a mesma gosta de prejudicar e manipular os outros a seu bel-prazer, para conseguir os seus fins, mesmo em momentos já de si difíceis de ultrapassar, como quando as pessoas perdem um familiar próximo, estando em sofrimento.
Por outro lado, o valor do prejuízo causado, no montante de cerca de 1.316,19€, permite colocar o comportamento da arguida na base da pirâmide de outros futuros comportamentos contra o património, contra as pessoas e bens, pois a arguida
Por último, interessará à prevenção especial o facto de a arguida não olhar a meios para atingir os seus fins, sendo certo que não tem antecedentes criminais.
A arguida apesar da sua idade, revela também com o seu comportamento, não ter qualquer respeito pelos outros, designadamente pela pessoa que se encontrava sepultada no jazigo, no cemitério, com a qual teve contactos anteriores à morte, pois eram amigos.
Tudo ponderado, dá-se prevalência à aplicação de uma pena de multa nos termos do disposto no art. 71.º do Cód. Penal.
Ponderando os factores enunciados, bem como as condições económicas da arguida, decide-se aplicar à arguida a pena de cem (100) dias de multa, à taxa diária de €7.00 (sete) euros, o perfaz a multa de €700,00 (setecentos) euros.

C - Do pedido de indemnização civil

A queixosa/assistente R. M. deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, pedindo a condenação deste no pagamento de uma indemnização no montante de Euro 3.816,19 sendo € 1.316,19 (mil trezentos e dezasseis euros e dezanove cêntimos) a título de danos patrimoniais sofridos, e a quantia de € 2.500,00 (dois mil quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.

Conforme se estabelece no art.º 129.º do Código Penal a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, mas é-o apenas quantitativamente e nos seus pressupostos, porque processualmente o pedido de indemnização civil é regulado pela lei processual penal (neste sentido, Ac. STJ de 12.1.95, CJ T I pág. 181).

Conforme resulta da matéria dada como provada e do que já ficou exposto, a arguida vai condenada pela prática do crime pelo qual vem acusada.

Ora, no pressuposto de que a acção cível enxertada na acção penal visa obter uma reparação civil pelas perdas e danos decorrentes de uma infracção, o que desde logo resulta do principio da adesão consagrado no art.º 71.º do Código de Processo Penal, sendo certo que ambas têm o mesmo fundamento – o ilícito penal – que serve de causa de pedir quer à indemnização civil, quer à responsabilidade penal, pelo que assim sendo e atenta a matéria dada como provada, existe fundamento para que a arguida seja condenada no pagamento da indemnização peticionada, uma vez que a arguida vai condenada pela prática do crime que lhe é imputado, e que constitui a causa de pedir na acção de indemnização civil.

Como vimos, nos termos do art.º 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime é regulada, nos seus pressupostos e na determinação do seu montante, pela lei civil, ou seja, pelos art.ºs 483.º e ss. e 562 e ss. do Código Civil.

Dispõe o citado art.º 483.º: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem (...) fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Como se infere deste preceito legal, são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: um facto voluntário do agente; o carácter ilícito desse acto; o nexo de imputação do facto ao lesante; a ocorrência de um dano; um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Verificados cumulativamente estes requisitos da responsabilidade civil, nasce para o lesante a obrigação de indemnizar.

No caso, atenta a factualidade apurada, conclui-se pela verificação de todos os elencados pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, tendo-se, por isso, a demandada constituído na obrigação de indemnizar a demandante.

O dano pode ser patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não susceptível de avaliação pecuniária, sendo que no caso estão em causa ambos os danos.

O dano patrimonial compreende o prejuízo causado (danos emergentes), bem como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes), podendo ainda o tribunal, na fixação da indemnização, atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (cfr. art.º 564.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), visando-se reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, repor o lesado no estado em que estaria se não se tivesse produzido o dano – princípio da reposição natural (cfr. art.º 562.º do Código Civil).

Com relevo para o que aqui interessa considerar, provou-se que, em resultado da apurada conduta da arguida/demandada, como acima vimos ilícita e dolosa, a demandante sofreu um prejuízo patrimonial coincidente com o valor da reparação do jazigo, que importa em 1.316,19 euros.

Apurado este dano patrimonial, é manifesto que à demandante assiste ius a haver da demandada a referida quantia.

Quanto ao dano não patrimonial, provou-se que a assistente ficou abalada psicologicamente com os factos praticados pela arguida, provocando-lhe choro fácil, alterações do sono, tristeza e depressão, tendo que se submeter a tratamento médico, o que acontece ainda hoje.

Tais danos merecem a tutela do direito, tanto mais que ainda hoje a queixosa/assistente se mostra abalada com a situação e continuando em tratamento médico.

Pelo que, julgamos adequado o montante peticionado de 2.500,00 euros, como compensação pelos danos não patrimoniais provocados pelo comportamento ilícito da arguida.

A demandante tem, ainda, direito a haver da demandada os respectivos juros de mora legais, nos termos peticionados.

Impõe-se, assim, a procedência do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante contra a demandada».

C) Apreciando

1. Nulidade da sentença

Veio a recorrente invocar a nulidade da sentença, nos termos dos arts. 374º,nº2 e 379º,nº1, al. a), ambos do C.P.P.
Vejamos.
O citado artigo 379º estabelece um regime específico das nulidades da sentença.
Assim, de acordo com as três alíneas do seu nº 1, é nula a sentença penal quando, não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º, quando condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos previstos nos arts. 358º e 359º, e quando o tribunal omita pronúncia ou exceda pronúncia.
O recorrente na invocação que faz da nulidade traz à liça o disposto no número 2 do artigo 374º.

Sendo a sentença o ato decisório do juiz por excelência, este último dispositivo legal enuncia os seus requisitos, dispondo o seguinte:

Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o art. 205º, nº 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

A fundamentação deve conter as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador.

Para além disso, é ainda através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto.

Na lei ordinária o dever de fundamentação encontra-se genericamente consagrado no art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal – os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

A fundamentação da sentença penal, como decorre desta norma, é composta por duas vertentes: uma delas consiste na enumeração dos factos provados e não provados e outra consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.

Consiste pois, tal fundamentação, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.

As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (Cfr. Germano Marques da Silva, "Curso de processo penal", III, pág. 289).

No que tange à enumeração dos factos provados e dos factos não provados, mais não é do que a narração de forma metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, com referência aos que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda dos factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. É esta enumeração de factos que permite concluir se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.

Já relativamente à exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, trata-se de enunciar de forma concisa as provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal – sem que tal tenha de passar no que tange à prova por declarações pela assentada dos depoimentos produzidos em audiência – bem como de proceder a uma análise crítica de tais provas.

Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram, ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e, ainda, na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada (neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa, de 18/1/2011, em que foi Relator o Juiz Desembargador Vasques Osório).

Volvendo-nos na sentença recorrida consta da mesma a enumeração dos factos provados e não provados.
E no que concerne à fundamentação de facto e de direito, não vislumbramos também que a mesma padeça de qualquer omissão que conduza à invocada nulidade.
Para a recorrente, a nulidade assenta na fundamentação da decisão de facto.

Alega, para o efeito, que “atenta a transcrição feita da motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, resulta, pois, evidente, não estar cumprida a indicação das razões justificativas para ter considerado como mais idóneos e credíveis determinados depoimentos em detrimento de outros”.
Mais alega que o tribunal a quo limitou-se a fazer “uma súmula de declarações e depoimentos prestados em audiência, dizendo que lhe mereciam mais credibilidade, mas sem, contudo, enunciar as razões do respectivo merecimento, pelo que lhe falta exame crítico de tais provas”.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.

E isto porque, lida e relida a sentença recorrida, a mesma permite uma avaliação segura do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório.

O tribunal a quo indicou os meios probatórios de que se serviu para formar a convicção do tribunal e, ao contrário do que defende a recorrente, não se limitou a fazer uma súmula das declarações e depoimentos, tendo também dado a saber o porquê da sua convicção quanto à valoração que deu às declarações da ofendida e das testemunhas R. S., Rosa – estas duas encontravam-se no local dos factos - e A. C., indicando a sua razão de ciência, a forma como depuseram, a credibilidade que lhe mereceu os respectivos depoimentos, em detrimento das declarações negatórias da arguida – cuja postura nervosa e comprometedora apreendida por força da imediação foi também trazida à liça pelo tribunal a quo - e dos depoimentos das testemunhas por esta arrolada, marido e filha, estes últimos, conforme se fez constar da decisão, parciais e interessados, não tendo merecido a credibilidade do tribunal.
Cremos pois que o tribunal a quo seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, o que nos permite concluir que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência de vida e das coisas.
E, por fim, o tribunal a quo procedeu ao enquadramento jurídico- penal dos factos e consequente determinação da natureza e medida da sanção a aplicar, concluindo no sentido em que veio a decidir.

Improcede pois a arguida nulidade da sentença.

2. Erro de julgamento.

Nos termos do art.428º, os tribunais da relação conhecem não só de direito mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto, sendo que uma das vertentes aqui admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento.

Vejamos então se ocorreu algum erro de julgamento por parte do tribunal a quo.
Veio a recorrente pugnar pela alteração da matéria de facto no que tange aos pontos 3,4,5,6,12 e 13 da matéria de facto dada como provada, os quais considera incorrectamente julgados, porquanto, no seu entender, deveriam ter sido dados como não provados.

O erro de julgamento, ínsito no art.412,nº3, do C.P.P., ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.

O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.

Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos mencionados nº3 e 4 do art.412.

Com efeito, nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente (neste sentido, acórdãos do STJ de 17/2/2005, 16/6/2005, publicados em www.dgsi.pt, Ac. do Tribunal Constitucional nº59/2006, de 18/1/2006, proferido no processo nº199/2005, publicado no D.R.IISérie, nº74, de 13/4/2006 e Paulo Saragoça da Mata, in “A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença”, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, pág.253).

O que se visa com a impugnação ampla é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.

E na medida em que o recurso em que se se impugne amplamente sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação das normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação das normas de direito processual), que se impõe, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos do art.412º.
Exige-se pois ao recorrente a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Mais se exige a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, a que acresce a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo, por isso, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado ao facto individualizado que considere mal julgado.
No fundo o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão de que se recorre, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Foi este o sentido do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Março de 2012, publicado no D.R,I, Série, nº77, de 18 de Abril.

No caso vertente, o recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 3,4,5 6 e 12 e 13.

Tais factos rezam o seguinte:

3 - No dia 14 de Janeiro de 2017, pelas 14.30h., a arguida R. P. dirigiu-se ao cemitério de ..., em Guimarães e, uma vez aí chegada, abeirou-se do jazigo da pertença de R. M., onde se encontra sepultado o marido desta, pegou na floreira em granito que aí se encontrava colocada com flores no seu interior, e arremessou a mesma na direcção do tampo do referido jazigo em granito aí existente, partindo--o em dois (2) dos seus cantos e, bem assim, à respectiva floreira.
4 - Com a conduta descrita, a arguida R. P. causou no referido jazigo um prejuízo de pelo menos €1.316,19 (mil trezentos e dezasseis euros e dezanove cêntimos) à R. M. – cfr. doc. de fls. 57.
5 - A arguida R. P. actuou do modo descrito em 3) com o propósito concretizado de provocar os estragos referidos em 3) e 4), bem sabendo que, dessa forma, prejudicava o património de R. M., bem sabendo que aquele jazigo e floreira que aí se encontrava não era sua pertença, que eram coisas afectas à veneração da memória dos mortos até porque se encontrava em cemitério e, bem assim, que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
6 - A arguida R. P. agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
12 - A assistente ficou abalada psicologicamente com os factos praticados pela arguida, provocando-lhe choro fácil, alterações do sono.
13 - Tal situação provocou na arguida tristeza e depressão, tendo que se submeter a tratamento médico, o que acontece ainda hoje – cfr. doc. de fls. 99.

Estão pois em causa, no essencial, os factos constitutivos do ilícito que lhe vem imputado.
O recorrente não concorda com as razões aduzidas pelo tribunal para fundamentar a sua convicção no sentido apontado.
Desde logo, insurge-se a recorrente com o facto de o tribunal ter considerado merecedoras de credibilidade as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas R. S. e Rosa, credibilidade essa que, no seu entender, deveria ter sido dada às suas próprias declarações, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas A. R. e D. C., respectivamente filha e marido da arguida, declarações e depoimentos que foram no sentido da arguida não ter estado no circunstancialismo temporal descrito no cemitério onde ocorreram os factos, tendo tentado convencer o tribunal do alibi com base no qual sustentaram a sua versão.
Ora, o julgamento da matéria de facto em primeira instância obedece a determinados princípios estabelecidos na lei, entre os quais avulta o da imediação na recolha da prova, o qual assegura uma relação direta de contacto pessoal entre o julgador e a prova sujeita à apreciação.
E, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no citado artigo 127º, segundo o qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Tal assume especial relevância na audiência de julgamento. É pois na audiência de julgamento que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
O princípio da imediação pressupõe uma relação de contacto directo, pessoal entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 203 a 205, que esta é “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”

Ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz ainda o mesmo professor, na obra citada, pág. 233/234 « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal . Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) Só estes princípios, com efeito , permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido , a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais »

Na verdade, a convicção do Tribunal “a quo”, como vem sendo entendida pela jurisprudência dos tribunais superiores, é formada pela análise dialéctica dos elementos de natureza documental e pericial e ainda pelos depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das respectivas razões de ciência, da serenidade e coerência com os que os prestam, dos avanços e recuos que vão fazendo ao longo do depoimento, das contradições em que vão incorrendo, das evidências que afirmam, das alterações de voz, da postura que evidenciam, etc.
É o juiz do julgamento que por força do contacto directo, vivo, visível com quem presta as suas declarações/depoimentos, recolhe, apreende os pormenores, questiona e, por isso, está numa situação privilegiada para intuir todos os pormenores.
O respeito pelos princípios da oralidade e imediação na produção de prova, passará pois por o tribunal de recurso manter a decisão do juiz “a quo” sempre que estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum.
“Quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra , de 6 de Março de 2002, in C.J. , ano XXVII Tomo 2º , página 44 ).

Como refere Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág.253 « é em face dessa prova que, em sede de recurso se vai aferir da observância dos juízos de racionalidade, de lógica e de experiência e se estes confirmam, ou não, o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos, cuja veracidade cumpria demonstrar. Caso esteja demonstrado que o juízo constante da decisão recorrida é compatível com aqueles critérios não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não estiver, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância»

Em suma, a reapreciação da decisão da primeira instância quanto à matéria de facto, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessários, face aos referidos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.

O recurso da matéria de facto não tem por finalidade, nem pode ser confundido com a realização de um segundo julgamento, fundado numa nova convicção, mas apenas apreciar a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido em relação aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados, com base na avaliação das provas que considera imporem uma decisão diversa.

Como se refere no Ac. da Relação do Porto de 12/10/2016, em que foi relator, Manuel Soares, “Entender o contrário equivaleria a considerar que o legislador teria instituído um sistema ilógico, autorizando uma avaliação sucessiva das provas em dois momentos, mas com ferramentas diferentes, em que, incoerentemente, a decisão final caberia não à instância que avaliou com imediação toda a prova mas sim àquela que apenas a avaliou de forma mediada e parcial e está, por isso, menos apetrechada com os instrumentos necessários para reproduzir a verdade histórica do facto sujeito a julgamento”.

Assim, para que ocorra erro de julgamento da matéria de facto sindicável em sede de recurso, é preciso que se demonstre que a convicção a que o tribunal de primeira instância chegou sobre a veracidade de determinado facto é implausível face às provas, ou então existem outras hipóteses de verdade, também plausíveis que desmentem o facto provado ou o tornam duvidoso.
Volvendo-nos no caso vertente, vejamos em que é que a Mma Juiz assentou a sua convicção e se a conclusão a que chegou a respeito dos factos em apreço padece de algum erro de julgamento em face dos elementos probatórios trazidos à liça.
“O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da totalidade da prova produzida, analisada e valorada de forma crítica, apelando à lógica, às regras da experiência e a critérios de normalidade e razoabilidade.
Em audiência de julgamento, emergiu o depoimento da ofendida R. M., que se encontra reproduzido nos autos, depôs de forma clara e séria merecedora de credibilidade, não apenas pela natureza do relato produzido, pormenorizado, coerente e condizente com a queixa que apresentou junto da autoridade policial e convenceu o Tribunal quanto aos factos descritos na acusação, que foram dados como provados. Disse ainda que a arguida, mesmo estando de relações cortadas com a queixosa, devido a um processo-crime contra a arguida em que esta foi condenada, foi ao funeral do marido da queixosa, eventualmente para localizar o jazigo.
A testemunha R. S., presenciou os factos, descrevendo e identificando a arguida como sendo a pessoa que os praticou, pois encontrava-se no cemitério na altura. Esta testemunha explicou ao Tribunal como o jazigo se encontra ainda hoje com os cantos partidos e floreira partida.
Quanto à testemunha Rosa, relatou ao Tribunal de forma natural e convincente o que viu no cemitério no dia dos factos, bem como os passos que deu até identificar a queixosa dona do jazigo e a arguida que viu praticou os factos. Disse ainda que viu a arguida com a floreira na mão, foi ter com ela, mas a arguida deixou cair a floreira e fugiu. Esclareceu ainda, que viu que a arguida estava com tal maldade a praticar os factos, que a conseguia identificar por tal facto em qualquer parte, não tendo dúvidas em dizer que foi a arguida que praticou os factos que foram dados como provados.
A. C., filha da queixosa, depôs de forma natural, séria, esclarecendo o Tribunal sobre os passos que foram dados para descobrir e encontrar a pessoa ou pessoas que presenciaram os factos no cemitério e posteriormente vieram a identificar quem praticou os factos dados como provados.
(…)
A arguida no uso de um direito que lhe assiste negou a prática dos factos.
No entanto no decorrer da audiência, revelou um comportamento nervoso, sempre a “sacudir a saia”, como a querer livrar-se de responsabilidades no sucedido, estava sempre a mexer-se, desassossegada, comprometida, esteve muitas vezes com um sorriso de escárnio e desprezo no rosto, designadamente quando a queixosa relatou que os factos dos autos ocorreram quando estava viúva há pouco tempo, ia ao cemitério para “fazer o luto” pelo marido e mesmo quando a queixosa, se emocionava, tinha alguns lapsos momentâneos de memória ao relatar os acontecimentos, ficando a arguida com uma expressão de contentamento com tal situação.
As testemunhas acima referidas relataram ao Tribunal a situação em que ficou o jazigo da queixosa/assistente, bem como o incómodo e a tristeza que tal situação lhe provocou, uma vez que estava viúva há pouco tempo, pelo que deixou de dormir, chorava e entrou em depressão, tendo que se submeter a tratamento médico.
Todos estes depoimentos de per si e no seu conjunto, bem como a análise dos documentos constantes dos autos, designadamente o teor do documento junto pela arguida a fls. 38, contribuíram para a convicção do Tribunal, quanto aos factos acima dados como provados.
As restantes testemunhas D. C., marido da arguida e A. R., filha da arguida, revelaram depoimentos parciais, interessados nos autos, pelo que não convenceram o Tribunal.”
Ora, tendo este tribunal procedido à audição na íntegra, quer dos depoimentos trazidos à liça pela recorrente, quer dos demais, adianta-se, desde já, que não vislumbramos que os mencionados pontos da factualidade provada tenham sido incorrectamente julgados.
De facto, ainda que este tribunal de recurso não tenha o privilégio da imediação, foi possível extrair da audição dos depoimentos das testemunhas R. S. e Rosa o sentido vertido na factualidade provada, depoimentos que, sem dúvida, foram claros, objectivos, coerentes e seguros, a respeito da concreta atuação descrita na factualidade provada e da autoria da mesma por banda da arguida.
E não podemos também deixar de trazer à liça, como bem assinalou o Exmo Procurador - Geral Adjunto, no seu parecer, “a escassa polémica dialéctica na instância destas testemunhas por parte da recorrente”, sendo que, no que respeita à testemunha R. M., foi possível extrair da sua audição integral que nenhuma questão lhe foi colocada pela defesa da arguida, ora recorrente.
Na verdade, foi tão convicto, claro e seguro, que a defesa ficou mais do que esclarecida com o seu depoimento!
Mais do que uma vez, invocando a sua razão de ciência – dirigiu-se à arguida, questionou-a (“ minha senhora o que se passa aqui?”), ela virou-se de frente para si, não lhe dirigiu qualquer palavra e fugiu do local - asseverou ao tribunal não ter qualquer dúvida de que foi a arguida quem atuou nos termos descritos – actuação que descreveu de forma clara e pormenorizada.
Testemunha esta que, aliás, já em sede de inquérito procedera ao reconhecimento pessoal da arguida, conforme auto de reconhecimento junto aos autos a fls. 32, levado a efeito com observância do formalismo legal e que não pode deixar de ser valorado.
Claro que, se o tribunal tivesse ficado convencido da versão trazida pela arguida, corroborada pela sua filha e marido, certamente que aquela não poderia ter estado no cemitério de ... no circunstancialismo temporal descrito.
Pretendeu a mesma convencer, sem contudo o conseguir, que todos os sábados, sem exceção, ia ajudar a filha na empresa de embalagem e de lá ambas dirigiam-se para o cabeleireiro de onde só saiam ao fim da tarde.
Mas não foi essa a convicção com que ficou o tribunal a quo.
Com efeito, a versão trazida pela arguida a julgamento não colheu a convicção da Mma Juiz.
É o tribunal a quo, na sua posição privilegiada da imediação, ponderando todo o material probatório, que estará em condições de optar entre depoimentos divergentes em pormenores ou até contraditórios por aquele que de acordo com a sua convicção lhe surge como o mais acertado à luz da sua convicção, explicando, naturalmente, o porquê dessa opção e o processo lógico-formal que lhe serviu de suporte.
E, no caso vertente, da audição na íntegra dos depoimentos prestados e da sua conjugação com a prova de natureza documental junta aos autos, não vislumbramos pois que o raciocínio seguido pelo tribunal seja ilógico ou violador das regras da experiência comum e da normalidade da vida,
Não pode deixar de lamentar-se o alegado pela recorrente na sua 8ª conclusão, a propósito da invocada falta de objectividade da decisão recorrida, quando ai fez constar que o julgador a quo, antes de produzida toda a prova, havia já formado a sua convicção, no sentido de condenar a arguida.
Tal alegação, por parte da recorrente, apenas poderá compreender-se, como bem salientou o Exmo Procurador - Geral Adjunto, “com base, porventura, na simples leitura de uma transcrição da prova, efectuada por terceiro, sem a devida pontuação”.
Na verdade, da audição a que se procedeu da respectiva sessão, inculca-se, sem qualquer dúvida, que após a leitura da acusação a instância foi no sentido de questionar a arguida sobre se o acabado de ler “foi verdade”, e não afirmá-lo.
Aliás, a questão desdobrou-se em três: Isto foi verdade?/ Não Foi?/O que se passou?
A transcrição, e respectiva pontuação, constante da motivação do recurso, não se mostra fiel ao que na realidade se passou, mas apenas ao objectivo pretendido pela defesa da arguida.
Ora, o tribunal, pelas razões que expôs na motivação da decisão de facto, convenceu-se da versão trazida pelas testemunhas R. S. e R. M., únicas presenciais dos factos, tendo igualmente sopesado na sua convicção as declarações da assistente e da filha desta, no que de particular foi assinalado na fundamentação, porquanto estas últimas não presenciaram os factos.
A recorrente limita-se a fazer uma leitura/análise que é sua, dos meios probatórios que veio invocar, para a partir de tais elementos, substituir a sua própria convicção à do tribunal recorrido, concluindo pela não prova dos mesmos, atacando a decisão factual pela via da credibilidade e incredibilidade atribuída aos meios probatórios, sem apontar um verdadeiro erro de julgamento, o que se mostra inadequado em termos de impugnação da matéria de facto.
O afastamento de credibilidade que avança relativamente aos meios probatórios ponderados pelo tribunal, mais não é do que a concretização da inversão dos deveres que se encontram previstos no art. 127º, pois que o julgamento dos factos submetidos a julgamento é obra não de quem os impugne mas do julgador segundo a sua livre convicção, com obediência às normais regras da experiência comum e da normalidade da vida.
Porém, tal não consubstancia a indicação de provas que imponham decisão diversa, ou seja, a indicação de provas impositivas e decisivas que justifiquem a pretendida alteração de sentido para os factos.
Como bem referiu o Exmo Procurador-Geral Adjunto, «a recorrente, salvo o devido respeito, “procede a um julgamento dos factos”, embora atido essencialmente aos depoimentos dos que lhe são mais próximos, “julgamento” com traços muito próprios e pessoais, olvidando todo um cenário, mais geral, para o qual concorreram os meios de prova globalmente vistos e elencados na motivação da decisão»
A recorrente procurou através do seu recurso atacar a credibilidade dos meios probatórios de que o tribunal se serviu para fundamentar a sua convicção no sentido apontado na factualidade provada, trazendo à liça pequenos pormenores para a pôr em causa, mas que não têm, de modo algum, essa virtualidade, alguns deles nem correspondendo à verdade.
A respeito da assistente veio invocar a circunstância da mesma ter feito menção ao facto da arguida ter sido condenada, quando do C.R.C. resulta que não tem antecedentes criminais.
Porém, tal também não corresponde à verdade.
Mais uma vez, tal alegação apenas se compreenderá por uma audição pouco atenta das declarações da assistente.
Com efeito, da dialéctica estabelecida entre a Mma Juiz e a assistente ao longo do depoimento, percebe-se perfeitamente bem que a expressão “condenada”, também algumas vezes utilizada pela Mma Juiz, o foi com referência ao montante indemnizatório de mil euros a que a ora arguida ficou obrigada a pagar à ora assistente no âmbito de um anterior processo crime em que estiveram ambas envolvidas, processo judicial esse que terminou por um acordo, o qual passou pela mencionada obrigação e respectiva desistência de queixa por banda da assistente, como esta salientou por mais do que uma vez.
Aliás, tal processo foi também trazido à liça pela arguida aquando da prestação das suas declarações e quando esclarecia a Mma Juiz sobre o mau relacionamento existente entre si e a assistente.
Já quanto ao depoimento da testemunha R. S., insurge-se a recorrente com o facto da Mma Juiz ter feito constar da decisão que a mesma “presenciou os factos, descrevendo e identificando a arguida como a pessoa que os praticou, pois encontrava-se no cemitério na altura”, quando tal não resulta do depoimento.
Também aqui não é verdade o alegado pela recorrente.
Com efeito, a testemunha declarou que se encontrava no cemitério, que ouviu barulho vindo do lado de baixo do mesmo (local onde está a sepultura do marido da assistente) e que, simultaneamente, apercebeu-se nessa zona de uma pessoa a levantar-se e a baixar-se. Já a respeito da descrição dessa pessoa, referiu que tinha o cabelo curto, ao nível do ombro, trazia vestido um casaco escuro/preto, tipo Kispo, não se recordando, porém, se usava óculos.
É certo que não se aproximou de tal pessoa. É verdade também que referiu que nunca a vira antes.
Porém, referiu ao tribunal que não obstante nunca a ter visto, ao deparar-se com a arguida no tribunal já por três vezes e ao olhar para ela associa a sua figura à imagem com que ficou da pessoa que viu a fazer os tais movimentos no cemitério.
A identificação resumiu-se, de facto, a esta associação.
E, assim sendo, não tem razão a recorrente quando alega que a Mma Juiz fez constar da motivação algo que não resultou do depoimento da testemunha.
Sempre se dirá, porém, que não foi apenas com base no depoimento desta testemunha que o tribunal deu como provada a autoria dos factos por banda da arguida, mas sim, conjugando-o também com o depoimento da testemunha Rosa, a qual reconheceu sem qualquer reserva a arguida como a pessoa com que se deparou no cemitério e abordou de frente, questionando-a sobre o que acabara de a ver fazer na campa.
Claro está que a recorrente veio também por em causa tal depoimento, tentando retirar-lhe a credibilidade que lhe foi atribuída pelo tribunal, acrescentando até que se mostra contraditório com o declarado pela assistente, concluindo assim não ter o mesmo sido coerente, objectivo e muito menos lógico à luz das regras da experiência e dos critérios da normalidade.
Igual procedimento adoptou em relação à testemunha A. C..
Mas, como já referimos, tal agir não é indicar de provas impositivas e decisivas que justifiquem a pretendida alteração de sentido para os factos.
O tribunal explicou de forma clara e concisa porque é que deu como provados os factos que a recorrente veio impugnar, indicou os respectivos meios probatórios de que se serviu, concretizou em que medida os valorou, não tendo o seu raciocínio afrontado as regras da experiência comum.
E, assim sendo, não tendo a apreciação dos meios probatórios, nos quais o tribunal fundou a sua convicção no sentido apontado, sido incorrecta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, nada se impõe alterar em sede de matéria de facto, mantendo-se inalterados os factos que a recorrente veio impugnar.

3. Nulidade decorrente da falta de solicitação do relatório social (art. 120º,nº2, al.d) do C.P.P.).

Veio a recorrente invocar que o tribunal a quo cometeu a nulidade prevista no art.120º, nº2, al.d), porquanto, proferiu decisão sem ter solicitado a elaboração de um relatório social com vista a averiguar das suas condições sociais, familiares e económicas, elementos necessários à boa decisão da causa.
O art. 1º, g) do C. Processo Penal define «Relatório social» como a informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborado por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos na lei.
Trata-se portanto, de um meio de prova habilitante do conhecimento da personalidade do arguido que, não tendo o valor de prova pericial, está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova.
De acordo com o citado art. 120, nº2, al.d), constituem nulidades dependentes de arguição, para além do mais, a omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.
Dispõe o art.370º,nº1, que “o tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo”.

Como se inculca da redacção do preceito legal em apreço a requisição de relatório social ou da informação dos serviços de reinserção social não é obrigatória. Trata-se de uma faculdade.
O Tribunal Constitucional no seu acórdão nº182/99, proc. 759/98, de 22/3/99, já se pronunciou no sentido de não ser inconstitucional a norma do nº1 do art. 370º, quando interpretada no sentido de não ser obrigatória essa solicitação.
Tal obrigatoriedade só ocorrerá se tal solicitação for considerada necessária à correta determinação da sanção, ou seja, à boa decisão da causa, cfr. decorre do art. 340º,nº1, caso em que o tribunal tem o poder-dever de oficiosamente, ordenar a sua realização (neste sentido, Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Anotado, pág. 1151).
Compulsados os autos, não vislumbramos nos mesmos que, em momento algum, tenha sido considerada essencial para a descoberta da verdade material a solicitação de tal relatório social, razão pela qual nunca a omissão da sua solicitação configuraria qualquer nulidade.
Aliás, mesmo que por mera hipótese se verificasse tal nulidade, não tendo a mesma sido arguida, nos termos do nº3, do mesmo precito legal, a mesma sempre estaria sanada.
Sem necessidade de quaisquer outras considerações, porque desnecessárias, improcede pois a nulidade arguida.

4.Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410, nº2,al.a), do C.P.P.)- omissão de factos para a determinação da sanção.

Considera ainda a recorrente que o tribunal a quo ao proferir decisão sem que tenha solicitado o aludido relatório social, ou seja, com omissão de factos relevantes para a determinação da sanção, lavrou sentença ferida do vício da insuficiência da matéria de facto provada do art. 410º,nº2,al.), do C.P.P., impondo-se, em conformidade, o reenvio do processo para novo julgamento, restrito à matéria da escolha e determinação da medida da pena, o que passará pelo apuramento dos factos relativos à personalidade da arguida e às suas condições pessoais.

Vejamos então se a sentença padece do invocado vício.

Adiantando-se a nossa conclusão, cremos que do texto da decisão sob escrutínio, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação do invocado vício.
O vício da insuficiência não é uma insuficiência da prova produzida para dar como provada a matéria de facto em causa, mas sim a insuficiência dessa matéria de facto para a decisão de direito.
Com efeito, a insuficiência para a decisão (de direito) da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados. Na primeira critica-se o tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objeto do processo. Consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma.
No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente.
Por seu lado, na insuficiência da prova para os factos provados censura-se a errada apreciação da mesma levada a cabo pelo tribunal: teriam sido dados como provados factos sem prova para tal.
Seguindo o acórdão do STJ de 20 de maio de 1998, publicado na Col.Juris.STJ, ano VI, tomo II,1998, pág.200, “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na alínea a), do nº2 do art. 410, determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa.”
E continua: “Insuficiência em termos quantitativos porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto. Na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além. Não o fazendo, a decisão formou-se incorrectamente por deficiência da premissa menor. O suprimento da insuficiência faz-se com a prova de factos essenciais, que fazem alterar a decisão recorrida, já na qualificação jurídica dos factos, já na medida concreta da pena, ou de ambos conjuntamente. Se os novos factos não determinarem alguma destas alterações não são essenciais, o vício não é importante, pode ser sanado no tribunal de recurso”.
E mais à frente, “Os poderes do tribunal na procura da verdade material encontram-se limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, temperado pelo princípio das garantias de defesa, consignado no art. 32º da Constituição”.
Este vício, como os demais elencados no referido nº2 do art. 410º, quando insanável pelo tribunal de recurso, resulta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Decorre daqui que a “decisão” a que se reporta a citada alínea a), do nº2, refere-se à decisão justa que devia ter sido proferida, não à decisão recorrida, perante a matéria de facto.
Da leitura da sentença recorrida não resulta a invocada insuficiência da matéria de facto dada como assente, uma vez que o tribunal tomou posição sobre todos os factos da acusação, não decorrendo também que tenham surgido factos relevantes para a discussão da causa (para além daqueles que constam da matéria de facto) sobre os quais devesse recair um juízo de provado ou não provado, sendo os factos dados como assentes bastantes para se poder decidir a questão da culpabilidade do arguido e da determinação da pena a aplicar-lhe.
No que em especial se refere às condições pessoais de vida da arguida/recorrente, pese embora o tribunal não tivesse solicitado à DGRS a realização do relatório social, tal factualidade resultou da discussão da causa e consta da sentença recorrida, conforme resulta dos pontos 8,9 e 10 dados como provados, factualidade para cujo respectivo apuramento o tribunal valorou as declarações da arguida que depôs nesse sentido, porquanto não infirmadas por outros meios probatórios.
Tal factualidade mostrou-se à luz das regras da experiência comum e do circunstancialismo em que ocorreram os factos, mais do que bastante para a decisão no tocante à determinação da natureza e medida da pena aplicada à arguida, razão pela qual inexiste o invocado vício.
Consequentemente, improcede também o recurso nesta parte.

4. Medida da Pena

A recorrente não questiona o enquadramento jurídico-penal dos factos, nem a opção pela pena de multa – art. 70º do C.Penal – apenas se insurgindo quanto à medida da pena de multa e à respectiva taxa diária – 100 dias de multa, à taxa diária de €7,00 - as quais considera excessivas, pugnando pela sua fixação próximo dos limites mínimos.
Para a recorrente foi desrespeitado o critério fixado na alínea a), do nº2 do art.71º do C.Penal, por não ter sido atribuído o devido relevo à não gravidade das consequências da atuação que lhe foi imputada, preceito que foi violado pela sentença recorrida.

Vejamos então.

Estabelece o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Na determinação da pena concreta a aplicar, importa ter presente o disposto no art. 71º do C. Penal, segundo o qual se deverá ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção da prática de futuros crimes.

Um dos princípios basilares do C. Penal vigente reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, como desde logo pronuncia o art. 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Tal princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.

A este propósito, e conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal II, pag. 229, dentro do binómio culpa-prevenção há que ter em conta que a medida da pena não poderá ultrapassar a medida da culpa; a verdadeira função desta na teoria da medida da pena reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso, pois, a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer questões preventivas, sejam de prevenção a nível geral positiva ou negativa, de integração ou intimidação; sejam de prevenção, neutralização ou pura defesa social.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.
A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida.
Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

Anabela Miranda Rodrigues, in O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, adiantando que é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena, que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa, mas abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral.

Apresenta tal autora três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Tendo o tribunal a quo optado pela pena de multa, opção que não vem questionada, a moldura penal abstracta da pena a ter em conta vai de 10 a 600 dias – arts. 213,nº1 e 47º,nº1, ambos do C.Penal.

Dispõe o citado artigo 71º,nº2, que:

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do doto ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
j) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".
(...)

Como já referimos, para a recorrente a pena é exagerada porque não foi dado o devido relevo na determinação da medida concreta da pena “à não gravidade das consequências da atuação que lhe foi imputada”, pretendo, em conformidade, a sua fixação próximo dos limites mínimos.

Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à recorrente, não podendo este tribunal deixar de concordar com o adiantado pelo Exmo Procurador -Geral Adjunto no seu parecer, quando refere que “a medida da pena, se critica merece é a da sua infinita bondade.”

De facto, não vislumbramos qualquer exagero na pena aplicada.

Por um lado, a gravidade da actuação não foi despicienda, atento o valor do prejuízo dai resultante para a assistente, não reparado pela arguida.

O grau de culpa foi elevado, porquanto a arguida agiu com dolo direto, forma mais grave da culpa.
As exigências de prevenção especial fazem-se sentir em face da postura assumida pela arguida.
Com efeito, não obstante a ausência de antecedentes criminais, a arguida optou por negar os factos, o que é evidenciador que não interiorizou a desconformidade e gravidade da sua atuação, tudo a apontar para uma personalidade deformada a carecer de socialização.
Mas também as exigências de prevenção geral fazem-se sentir com intensidade neste tipo de ilícito, atenta a frequência com que vêm ocorrendo condutas vandalizadoras dos cemitérios.
A respeito do conteúdo da prevenção geral refere-se no Ac. do STJ de 18-03-2010, disponível in www.dgsi.pt, que « a finalidade mais importante da pena, como instrumento de controlo social ao serviço da defesa dos bens jurídico-penais, analisa-se na vertente positiva da prevenção geral. Não se dirige portanto, enquanto tal, ao delinquente, ou aos potenciais delinquentes, mas sim ao conjunto dos cidadãos».
Mais se aduz no mencionado aresto que sendo uma das vertentes a assinalar-se à prevenção um efeito de confiança, este só se efectiva “quando os cidadãos verificam que o direito se cumpre e por essa via se sentem mais seguros. É um efeito de satisfação das expectativas depositadas na seriedade da advertência, ínsita na previsão normativa penal.
Como se refere no Ac. do S.T.J. de 1 de Abril de 1998 “as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”.
Cremos pois, com franqueza, que em face do grau de ilicitude e da culpa e das exigências de prevenção que se fazem sentir, a medida de pena de multa aplicada à arguida não padece, de modo algum, de qualquer exagero, pecando sim de benevolência.
No que concerne ao quantitativo diário da pena de multa, o mesmo mostra-se adequado e proporcional em face do que se apurou a respeito das condições económicas da arguida.
Impõe-se realçar a natureza de pena da multa criminal, com a inerente inflição de um sacrifício ao condenado, porquanto este é essencial à prossecução das finalidades das penas, tanto de prevenção geral, como de prevenção especial.
Como refere F. Dias, in ob. cit. p. 119, “Impõe-se…que a pena de multa represente em cada caso uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada”. Assim, até porque a multa é muitas vezes percebida mais como uma taxa que como uma pena, a sua credibilidade enquanto consequência jurídica do crime não pode deixar de assumir carácter aflitivo para o condenado, sendo igualmente inerente a esta pena, como às demais, que possa afetar o modo de vida do próprio e dos que dele dependam, mesmo na sua vertente patrimonial.
Ainda a propósito da determinação da medida concreta da pena (abrangendo, portanto a fixação do quantitativo diário), refere também Figueiredo Dias que “… o único limite inultrapassável é constituído, em nome da preservação da dignidade da pessoa, pelo asseguramento ao condenado do nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio económicas; tanto mais que o condenado tem sempre a possibilidade (em todo o caso político-criminalmente indesejável, e na verdade indesejada pela ordem jurídica) de não pagar a multa, sofrendo, todavia, nesse caso, os efeitos ou as sanções subsidiariamente cominados” – cfr ob. cit. pp. 119-120.
Por tudo o exposto, sendo consabido que o limite mínimo do quantitativo diário da pena de multa deverá ser reservado aos indigentes, situação que não é, de modo algum, a da arguida, ora recorrente, mantém-se a medida da pena de multa aplicada pelo tribunal a quo, julgando-se improcedente também nesta parte o recurso interposto.

5. Montante do pedido de indemnização civil

No ponto IV da motivação do recurso e 70ª conclusão, veio a recorrente invocar que o valor de € 2500,00 em que foi condenada a título de indemnização dos danos não patrimoniais é elevado.

Sem qualquer concretização factual, apelando apenas ao “uso dos tribunais” e “às condições económicas da arguida e assistente”, pugna por uma redução substancial do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais.

São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).
Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.
A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 4, 1ª parte, do CC), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494°, do CC.
Há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc (neste sentido, entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente).

Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida. (Vaz Serra, BMJ 278º, 182).

Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado (neste sentido, Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, pág. 214 e ainda, entre outos, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 474) e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade (Cf. de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi).
Seguindo os ensinamentos do STJ, impõe-se aqui tão só verificar se a fixação do montante indemnizatório cabe dentro do juízo de equidade.
Ora, tendo em conta o que se apurou a respeito da concreta atuação da arguida, os sentimentos experimentados pela ofendida em consequência de tal atuação, o grau de culpa elevado da arguida, a sua situação económica, sendo que relativamente à assistente apenas se apurou ser costureira e os padrões usuais na jurisprudência para este tipo de danos, cremos que o montante arbitrado é equitativo, razoável e ajustado, não merecendo reparo.
Improcede também nesta parte o recurso interposto.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente/arguida R. P., confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 10 de julho de 2019

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira.