Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2384/16.0T8BCL-A.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
OPOSIÇÃO À PENHORA
ISENÇÃO PARCIAL DE PENHORA
SALDOS BANCÁRIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A penhora é excessiva, ou quando foram penhorados bens que em parte são impenhoráveis, em violação do disposto no artigo 738º, CPC, ou quando foram penhorados mais bens do que aqueles que seriam necessários ao pagamento da divida e das despesas, em violação do principio geral contido no artigo 735º, 3, CPC.
II - Não é aplicável a isenção parcial de penhora (738º CPC) em caso de penhora de saldos bancários de uma pessoa colectiva de direito privado (sociedade anónima), dado não estarem em causa rendimentos que “assegurem a subsistência do executado”, ou “necessidades do executado e do seu agregado familiar”, nem tão pouco há que acautelar a dignidade da pessoa humana.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

RECORRENTE/EMBARGANTE/EXECUTADA: X, S.A.
RECORRIDA/EMBARGADO/EXEQUENTE: D. B.

Corre termos a acção executiva em que é exequente D. B. e executada Y - CONSTRUÇÕES, LDA. Nessa execução foi efectuada a penhora de rendas tituladas por contrato de arrendamento em que a executada primitiva figurava como locadora e a ora embargante X, S.A. figurava como locatária.
Não sendo cumprida a obrigação (isto é, não sendo depositadas as rendas), na acção executiva exigiu-se a prestação de quem inicialmente era só terceiro na execução e ora é executada, nos termos do artigo 777º, 3, CPC. A execução prosseguiu contra a ora embargante X, Sa e foram penhorados saldos bancários que a esta pertenciam.
Esta deduziu-se embargos de executado e oposição à penhora.

FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO E À PENHORA:

O título executivo é formado pela notificação de penhora de créditos de rendas efectuada em 28-02-2018 à ora embargante (locatária) e pela sua pretensa falta de resposta (artigo 777º, 3, CPC,) no âmbito de uma execução movida contra a sua locadora, a Y. Contudo, a ora embargante respondeu atempadamente à notificação, informando, em 9-03-2018, o solicitador de execução de que sobre as rendas já incidia uma penhora da autoridade tributária. Sendo a sua resposta atempada, o título executivo não existe. Deduz também oposição à penhora, alegando que existiu excesso de bens penhorados, até porque a requerida paga uma renda mensal, tendo sido penhorados depósitos bancários que salvaguardam toda a dívida exequenda, mas que estão em clara desproporcionalidade. Mais requer que a requerente seja punida e condenada como litigante de má fé porque sabia da resposta da requerida à notificação de fevereiro de 2018.
Os embargos foram recebidos e a exequente notificada para contestar.

CONTESTAÇÃO: requerer-se o indeferimento dos embargos, por intempestivos, porque em 29/10/2018, a embargante foi notificada nos termos do artº 728º do CPC, tendo o prazo de 20 dias para pagar ou se opor, o que não fez, vindo intempestivamente a fazê-lo só após a notificação da penhora dos saldos bancários efectuada em 13/02/2019. Quando assim não se entenda, devem os embargos serem julgados improcedentes, porquanto os emails de resposta à penhora de rendas que a embargante refere ter remetido ao agente de execução não foram recepcionados, por o endereço não ser o correcto, sempre devendo a embargante ter-se assegurado de que tal informação havia sido efectivamente recebida, o que não sucedeu. Quanto à oposição à penhora, não existe desproporcionalidade, dado que foi penhorado um bem adequado à quantia exequenda. Não existe má-fé, uma vez que o exequente está convencido da sua razão e dos factos na forma que os descreve.
Elaborou-se despacho saneador, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença, ora alvo de recurso.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:
“Pelo exposto, julgo não provados e improcedentes os embargos de executado e a oposição à penhora deduzida pela executada X, SA.
Mais absolvo o embargado do pedido de condenação como litigante de má fé.
Custas pela requerente. “

A EMBARGANTE/EXECUTADA RECORREU.CONCLUSÕES:
1.ªRecorre o réu da sentença proferida pelo tribunal da 1º instancia de Barcelos proferido nos presentes autos discordando da douta sentença tanto no domínio do Direito, como no domínio de facto, pretendendo-se designadamente a reapreciação da prova gravada em relação às razões de discordância com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo. Na verdade, a Ré/apelante pretende também impugnar a decisão relativa a parte da matéria de facto, uma vez que considera que a matéria de facto foi incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo.
2º Vem os recorrentes invocar Erro na apreciação da prova nomeadamente dar como provado o unico facto não provado
3º "- A X, SA respondeu, por email, ao solicitador da execução, em 09/03/2018, à notificação aludida no ponto C) dos factos provados. "
Este facto deveria ter sido dado como provado atentas as declarações da testemunha M. J. e aos documentos juntos aos autos pelo réu/ embargante nomeadamente mail e carta registada
4º O facto D dos factos provados apenas devia ter sido dado como provado da seguinte forma: Foi a X, SA notificada pelo agente de execução, em 23/03/2018, para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da quantia exequenda, no valor de € 20.000,00, nos termos do documento de fls 99 verso 100 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5º ENTENDE O RECORRENTE QUE este facto provado C ) devera ser objecto de rectificação devendo o mesmo constar que
" C) Apos deslocação á X SA por parte do solicitador S. B. e entrega do contrato de arrendamento e copia da penhora das finanças A X, SA foi notificada pelo agente de execução – por carta de 27/02/2018, recebida em 28/02/2018, pelo agente de execução, para penhora de crédito da renda da “Y”, nos termos do art.º 773.º do Código do Processo Civil e para” no prazo de 10 dias declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Não podendo ser feitas no acto da notificação, serão as declarações prestadas, por meio de termo ou por simples requerimento dirigido ao agente do signatário, no prazo de DEZ DIAS, prorrogável com motivo justificado. Fica(m) advertidos do seguinte: a) Se nada disser(em), entende-se que reconhece(em) a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora. B) Se faltar(em) conscientemente à verdade, incorre(em) na responsabilidade de o litigante de má-fé. ADEVRTÊNCIAS: Mais se adverte nos termos do n.º3 do artigo 777.º do Código do Processo Civil, “ não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou adquirente exigir, nos autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.” – documento de fls 93 a 98 verso dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido."
6º Relativamente ao registo de recepção do email obviamente se não foi solicitado qualquer recibo de leitura este também nunca seria enviado ou sequer confirmado mas nunca se poderá infirmar ou fundamentar uma sentença com a convicção de que o email não foi enviado atendendo a que foi junto o email ao processo e mais importante o endereço electrónico estava correcto
7ºDar como provado que a X SA respondeu ao solicitador por email com o seguinte teor
" Tendo em conta a vossa comunicação datada de 27/02/2018 para penhora de credito (rendas) que a Y LDA detêm em consequência do contrato de arrendamento ( para fins não habitacionais com prazo certo) celebrado sobre o prédio sito na Rua da … freguesia da ... concelho de Amarante inscrito na matriz predial sob o art.º … e descrito na CRP de … sob o nº …/... informamos que o credito ja se encontra penhorado á Autoridade Tributaria e Aduaneira ( SF … -Avenida de …) junto se anexa copia da penhora em causa.
Alias, aquando da disponibilização de copia do contrato de arrendamento anexo ao processo foi dito isso mesmo, que o credito resultante do contrato de arrendamento já se encontra penhorado."
8ºO douto tribunal na sua comunicação á OSAE se enganou a digitar o endereço de email do remetente e corolário lógico este endereço electrónico não existe e como tal facto nunca poderia ser utilizado na fundamentação
9º O solicitador de execução nunca veio referir que o endereço estava errado apenas que estava em maiúsculas
Ainda por carta datada de 26/11/2018, a X, SA invocou junto do agente de execução, ter remetido ao agente de execução, comunicação electrónica de 09/03/2018 através do endereço de email ...@SOLICITADOR.NET, carta datada de 26/11/2018 conforme documentos juntos a fls 110 verso a 113 dos autos de execução
10ºDevera ser relevado o depoimento prestado pela testemunha M. J., funcionária administrativa da X que afirmou ter pessoalmente enviado o email em apreço nos autos e assistiu á entrega dos documentos nomeadamente contrato de arrendamento entre a X e Y e a carta de penhora das finanças á renda ao solicitador em 27/01/2018
11ºA faculdade de penhorar bens do devedor – ou de terceiros – representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação constitucionalmente conforme, impõe o respeito do princípio constitucional da proporcionalidade referido às restrições aos direitos, liberdades e garantias (artºs 817, 818 e 821 do Código Civil, 18 nº 2 e 62 nº 1 da Constituição da República Portuguesa Constituição da República Portuguesa). Em qualquer caso, à actividade dos tribunais – particularmente aquela que possui carácter executivo – é aplicável, ao menos por analogia, o princípio da proporcionalidade imposto aos órgãos e agentes administrativos (artºs 10 do Código Civil e 266 nº 2 da Constituição da República Portuguesa).
12º A penhora será excessiva pois a X ja estava a pagar uma penhora da Y as finanças e esta era do conhecimento do solicitador de execução
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre Mui Douto Suprimento de V.ªs Ex. As, deve ser julgado procedente por provado o presente recurso revogando-se a sentença que julgou improcedentes os embargos.”

CONTRA-ALEGAÇÕES DO EMBARGADO/EXEQUENTE: não foram apresentadas.
O Ministério Público não emitiu parecer por considerar não se estar perante um recurso sujeito à disciplina do art. 87º, 3, CPT.
Foram colhidos os vistos dos adjuntos e o recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (1), o objecto do recurso consiste na apreciação dos embargos de executado e da oposição à penhora.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

Factos provados, com relevância para a decisão da causa:
A) A requerente X, SA e Y – Construções, Lda, executada primitiva, celebraram entre si, em 01/12/2016, o contrato de arrendamento, cuja cópia consta a fls 6 verso a 7 dos autos.
B) Em 12/01/2018 a requerente X, SA foi notificada pela autoridade tributária e aduaneira para penhora de rendas da “Y”.
C) A X, SA foi notificada pelo agente de execução - por carta de 27/02/2018, recebida em 28/02/2018, pelo agente de execução, para penhora de crédito da renda da “Y”, nos termos do artº 773º do Código de Processo Civil e para “no prazo de 10 dias declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Não podendo ser feitas no ato da notificação, serão as declarações prestadas, por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao agente de signatário, no prazo de DEZ DIAS, prorrogável com motivo justificado. Fica(m) advertidos do seguinte: a) Se nada disser(em), entende-se que reconhece(m) a existência da obrigação, nos termos da indicação do crédito à penhora. B) Se faltar(em) conscientemente à verdade, incorre(m) na responsabilidade do litigante de má-fé. ADVERTÊNCIAS Mais se adverte nos termos do nº 3 do artigo 777º do Código do Processo Civil, «não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou adquirente exigir, nos autos de execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito.» - documentos de fls 93 a 98 verso dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Na ausência de resposta à notificação aludida no ponto C), foi a X, SA notificada pelo agente de execução, em 23/03/2018, para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da quantia exequenda, no valor de €20.000,00, nos termos do documento de fls 99 verso-100 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
E) Por carta datada de 29/10/2018, recebida em 02/11/2018, foi a X citada pelo agente de execução, nos termos e para os efeitos do artº 728º do Código de Processo Civil, tendo o prazo de 20 dias para pagar ou se opor através de embargos de executado, nos termos constantes do documento de fls 108 a 109 verso, da execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
F) Após a citação, por carta datada de 26/11/2018, a X, SA invocou junto do agente de execução, ter remetido ao agente de execução comunicação electrónica de 09/03/2018 através do endereço de email “...@SOLICITADOR.NET”, carta datada de 26/11/2018, conforme documentos juntos a fls 110 verso a 113 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
G) Em 13/02/2019 foram penhorados à X, SA depósitos bancários, que garantem o pagamento da quantia exequenda, no valor global de €21.010,55 (€110,55 + €20.900,00), conforme auto de penhora constante da Refª electrónica nº 8244579 da execução- rectificado conforme ponto II-B.
H) A X foi notificada da penhora de depósitos bancários em 13/02/2019, conforme Refª electrónica nº 8244637 da execução.
I) O requerimento da X de fls 2-12 dos autos deu entrada em 25/02/2019.

Factos não provados, com relevância para a decisão:
A X, SA respondeu, por email, ao solicitador de execução, em 09/03/2018, à notificação aludida no ponto C) dos factos provados.

B) Recurso sobre a matéria de facto:

O seu conhecimento fica prejudicado nos termos do ponto C) que passamos a analisar, com excepção da alínea G) que por enfermar de lapso manifesto no que se refere ao ano passará a constar 2019 em vez de 2018, alteração já inserida no lugar próprio.

C) ENQUADRAMENTO JURÍDICO
A dedução de embargos de executado
Escreveu-se na decisão recorrida:
Nos termos do artº 728º, nº 1 do Código de Processo Civil, “O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”.
Por outro lado, a oposição à penhora é apresentada no prazo de 10 dias a contar da notificação à penhora – artº 785º, nº 1 do Código de Processo Civil.

No caso em apreço, a requerente X:
- foi citada como executada em 02/11/2018 (ponto E) dos factos provados);
- foi notificada da penhora em 13/02/2019 (ponto H) dos factos provados).
- deduziu embargos de executada e oposição à penhora, em 25/02/2019 (ponto I) dos factos provados).
Daqui resulta que o requerimento de fls 2-12, no que concerne aos embargos de executada é extemporâneo nos termos do artº 728º, nº 1 do CPC, sendo, no entanto, tempestivo, quanto à oposição à penhora.
Sendo extemporâneo, deveriam os embargos à execução ter sido liminarmente indeferidos. “

Prossegue a sentença recorrida afirmando que por tal motivo os embargos improcedem e que, ainda que assim não fosse, improcedem também por razões substanciais, que ao recurso desinteressam e, por isso, não se pormenorizam.
É correcto o afirmado.
A recorrente nas alegações não se pronuncia sequer sobre a extemporaneidade da oposição por embargos de executada por si apresentados. Ignorando esta parte da decisão como se ela não existisse, pretendendo discutir a substância dos embargos, mormente a falta de título executivo (porque, alegadamente, teria respondido em tempo ao agente de execução informando que já existiria uma penhora tributária).
Contudo, a primeira questão precede e prejudica a segunda. Não sendo tempestivos, não há que apreciar o conteúdo dos embargos.
A extemporaneidade da oposição à execução por embargos foi expressamente arguida pela exequente na sua contestação. Trata-se da arguição de nulidade, porque foi violado um prazo peremptório estipulado na lei para a apresentação dos embargos e que tem o efeito de extinguir o direito de praticar o acto – 139º, 3, 728º, 1, 732º, 1, a), CPC. Assim, à circunstância de a mesma ser de conhecimento oficiosa, junta-se o facto de ter sido pela parte oportunamente alegado na contestação - 195º, 1, 196, 199º, 1, 732º, 1, al. a), CPC.
Pode colocar-se a questão do eventual efeito de caso julgado formal do despacho de recebimento dos embargos e do despacho saneador onde se fez a constar a menção genérica de que não existiam nulidades a conhecer.
Mas o despacho formal de recebimento dos embargos que não aprecia a questão em concreto, ainda que transite em julgado “…não pode obstar a que os embargos recebidos sejam contestados por fundamento que devesse ter determinado a respectiva rejeição. Já se decidiu, e bem, que a contestação dos embargos podia fundar-se na extemporaneidade da sua dedução, embora houvesse transitado o despacho que os não rejeitara…” - Eurico Lopes-Cardoso, Manual de acção executiva, 3º ed., p. 275.
O mesmo acontece com o despacho saneador, o qual se destina, entre o mais, a conhecer de nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que devam ser conhecidas oficiosamente. Efectivamente, o despacho que sobre elas verse só constituiu caso julgado formal quanto “às questões concretamente apreciadas” - 595º, 1, al. a), 3, 551º, 1, 732º, 2, CPC.
O que significa que se o juiz se limitar a referir genericamente que se verificam certos pressupostos processuais ou que não ocorrem nulidades (fórmula tabelar), tal despacho não constituiu caso julgado formal. Continuando a ser possível a “apreciação de uma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre ou que há nulidade” - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º V., 4ª ed., p. 657.
Foi o que aconteceu no caso dos autos em que, num primeiro momento, a senhora juíza a quo manda notificar a exequente para contestar - em vez de rejeitar liminarmente os embargos- e, num segundo momento, não obstante a questão arguida pela ré na contestação, utiliza a fórmula tabelar genérica de saneamento, sem entrar na questão concreta. Acabando por a apreciar em concreto e em substância na sentença, seguindo a ordem legal de conhecimento a resolver, ou seja, primeiro as “questões processuais”, conforme artigo 608º CPC.
O que, como vimos, é legítimo. Tanto mais que os embargos são claramente extemporâneos, apresentando um atraso na ordem de 3 meses (tendo apenas sido deduzidos após a penhora, quando a executada tinha sido previamente citada para a execução).
Assim sendo, face à obvia extemporaneidade dos embargos, fica vedada a apreciação do seu conteúdo, quer quanto à impugnação da decisão de facto, quer de direito.

Oposição à penhora:

Na essência a executada alega que a penhora é desproporcionada, até porque está “a pagar uma penhora da Y as finanças e esta era do conhecimento do solicitador de execução”.
Segundo a lei, estão sujeitos a serem executados “todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda” - 735º,1, CPC.
Somos remetidos para a lei substantiva civil donde decorre o principio geral de que, pelo cumprimento da obrigação, respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios) – 601º CC.
Assim, por regra, todo o património do devedor é passível de penhora. Só assim não sendo nos casos taxativamente previstos na lei. Todos os bens que não são expressamente isentos de penhora são passíveis de serem livremente penhoráveis. As isenções são, assim, excepcionais e referem-se a casos de inapreensibilidade de certas espécies de bens ou de certas porções de bens do devedor- Eurico Lopes-Cardoso, Manual de Acção Executiva, 3ª ed., p. 293 e ss.
As isenções de penhora estão, essencialmente, previstas na lei processual civil (2) nos artigos 736º a 738º, CPC.
A primeira isenção reporta-se a bens que nunca podem ser penhorados (“bens absoluta ou totalmente impenhoráveis” - 736º CPC). São disso exemplos os direitos inalienáveis, bens do domínio do Estado ou de pessoas colectivas públicas, bens sem valor económico, túmulos, bens destinados ao culto público, instrumentos indispensáveis aos deficientes/doentes, os animais de estimação…
A segunda isenção reporta-se bens que só podem ser penhorados verificados que estejam certos condicionantes (“bens relativamente impenhoráveis”- 737º CPC). São disso exemplos os instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis a actividade/formação profissional excepto se se verificarem certos requisitos como a execução visar recuperar o preço da sua aquisição ou reparação, ou os bens indispensáveis à economia doméstica que se encontrem na casa de habitação do executado exceto se a execução visar recuperar o preço da sua aquisição ou recuperação.
As razões que subjazem a estes dois tipos de isenções são, consoante os casos, de ordem humanitária, de ordem moral, de ordem pública ou de interesse económico.
A terceira isenção reporta-se a bens que só em parte podem ser penhorados (“bens parcialmente penhoráveis” - 738º CPC).
Neste item estabelece-se a impenhorabilidade de uma certa percentagem de rendimentos que podem ser de diversas espécies, desde vencimentos, prestação de aposentações, rendas vitalícias, seguro, saldos bancários, etc…. Tais rendimentos podem, inclusive, ser excecionalmente isentos de penhora por período não superior a um ano.
Na expressão da lei estão em causa “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado” (nº 1, 738º), sendo ponderadas as “necessidades do executado e do seu agregado familiar” (nº 6, 738º). A razão desta isenção radica na dignidade da pessoa humana e na consideração de que, abaixo de um determinado limiar, tal princípio/valor não se encontra assegurado. São razões sociais e humanitárias que estão subjacentes a estas impenhorabilidades - Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8º ed., p. 188/191.
O preceito refere-se, portanto, a rendimentos titulados por pessoas singulares.
Volvendo aos autos, dentro do elenco dos fundamentos legais de oposição à penhora, o único que hipoteticamente se poderá vislumbrar como aplicável será o contido no primeiro grupo de situações da al. a) do nº 1, artigo 784º, CPC. Que na verdade contempla dois tipos de inadmissibilidade de penhora: (i) “inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos” ou (ii) “da extensão com que ela foi realizada”.
O primeiro está liminarmente excluído dado não estarem em causa os bens, em absoluto ou relativamente, impenhoráveis que acima referimos (736º e 737º CPC).

O segundo caso refere-se a penhora efectuada com extensão excessiva. Parece ser esta a situação que a oponente quer invocar.

A penhora é excessiva quando:
(i) Foram penhorados bens parcialmente impenhoráveis, sendo atingida a parte que deve permanecer intocável, em violação do citado artigo 738º CPC;
(ii) Ou foram penhorados mais bens do que aqueles que seriam necessários ao pagamento da divida e das despesas, em violação do principio geral contido no artigo 735º, 3, CPC – Eduardo Paiva e Helena Cabrita, “O processo executivo e o agente de execução”, 2ª ed., p.169/170.
Ora, a primeira situação não é igualmente aplicável à executada, que é uma pessoa colectiva de direito privado e não uma pessoa singular, não estando, assim, em causa rendimentos que “assegurem a subsistência do executado”, nem tão pouco se pode falar em “necessidades do executado e do seu agregado familiar”, não estando consequentemente em causa razões que se prendem com a dignidade da pessoa humana.
Finalmente, a segunda situação também não se verifica, porquanto decorre dos factos provados (al. G) que foram penhorados depósitos bancários, que garantem o pagamento da quantia exequenda, no valor global de €21.010,55 (€110,55 + €20.900,00).
Não se compreende assim a invocação de desproporcionalidade.
Na verdade, a desproporção a que lei se refere é entre o valor da quantia exequenda e o valor do bem penhorado, o que ocorre, nas mais das vezes, quando o valor exequendo é diminuto e o valor do bem penhorado é elevado, como um imóvel.
A desproporção de que aqui se cuida não é entre as despesas do executado e o valor da penhora, pois, para proteger essa situação existe a impenhorabilidade de parte dos rendimentos prevista no artigo 738º, CPC, que já vimos não ser aplicável à executada sociedade.
Não existe, pois, fundamentos que legitimem a oposição à penhora.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação interposto pela recorrente, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida (87º do CPT e 663º do CPC).
Custas a cargo da recorrente
Notifique.
Guimarães, 5 de novembro de 2020

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins



1. Segundo os artigos 635º, 639º e 640% do CPC, o âmbito do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem é delimitado/balizado pelas questões e conclusões suscitadas pelo recorrente.
2. Acrescendo os previstos em disposições especiais.