Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
825/08-1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: EXECUÇÃO
EXTINÇÃO
SUSPENSÃO
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: - Com a decisão que declara a insolvência, ainda que transitada, não é possível fazer um juízo de impossibilidade superveniente da lide executiva pendente, pelo que o despacho a proferir deve ser como expressamente refere o artigo 88º, o de suspensão e não o de extinção da instância.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.


Neste recurso de agravo é recorrente Augusto…, Ldª e recorrida a executada Construtora João…, Ldª (declarada insolvente).

O recurso foi interposto do despacho que julgou extinta a execução por impossibilidade superveniente da lide, em virtude de a executada ter sido declarada insolvente por decisão de 8/1/08, transitada em julgado.

No mesmo despacho foi ordenada a remessa dos autos para apensação ao processo de insolvência.

Em conclusões sustenta a recorrente que a ratio do artigo 88º do CIRE não é a extinção da instância, o que obstaria irreparavelmente a satisfação do crédito exequendo, mesmo após o encerramento do processo de insolvência e o termo dos efeitos desta. Com o enceramento nos termos do artigo 232 as execuções podem prosseguir. Até decisão final do processo de insolvência deverá a instância ser declarada suspensa.

O Mº juiz sustentou o despacho recorrido.

Colhidos os vistos dos Ex.mas Des. Adjuntas há que conhecer do recurso.


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A Factualidade com interesse para apreciação do recurso é a que resulta do precedente relatório.

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Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Importa saber se em virtude da declaração de insolvência com trânsito em julgado (sem carácter limitado), as execuções pendentes devem ser sustadas, como refere o artigo 88 do CIRE, ou se se verifica uma situação de impossibilidade superveniente da lide, com apoio no artigo 287º, do CPC.

Não é correcta a afirmação constante das alegações no sentido de que com a extinção da instância se obstaria irreparavelmente a satisfação do crédito exequendo, mesmo após o encerramento do processo de insolvência e o termo dos efeitos desta. Não o é porque de uma absolvição de instância se trata, nada obstando a que se intentasse nova execução. Mas nem por isso deixa de assistir razão à agravante.

Consta do artigo 88º nº 1 do CIRE:

“A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências exe­cutivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros execu­tados, a execução prossegue contra estes.”

A primeira parte do normativo não tinha correspondência na anterior regulamentação constante do CPEREF. À “suspensão” se referia o nº 1 do artigo 29º, mas apenas relativamente ao regime do processo de recuperação e pelo período constante do nº 2 do mesmo normativo. O artigo 154 nada referia relativamente a esta matéria.

No domínio da anterior regulamentação perfilhavam-se as duas posições (suspensão e extinção), sendo preponderante a ideia de que os processos executivos se extinguiam por impossibilidade da lide, mesmo no domínio do processo de recuperação.

Com o CIRE ocorreram alterações substanciais que importa ter em atenção.

Enquanto o anterior regime apresentava uma configuração bicéfala (falência Vs. Recuperação), correspondendo a cada cabeça um universo de interesses distintos, de um lado a protecção dos credores mediante um mecanismo capaz de acautelar a garantia patrimonial destes e efectuar a respectiva integração e de outro, mais virada para o devedor, a protecção da empresa, visando a respectiva recuperação. Esta tinha precedência sobre a declaração da falência, visando evitá-la.

O CIRE apresenta um único objectivo, a protecção dos credores, como logo o preâmbulo claramente deixa antever:

“2 - A reforma ora empreendida não se limita, porém, à colmatação pontual das deficiências da legislação em vigor, antes assenta no que se julga ser uma mais correcta perspectivação e delineação das finalidades e da estrutura do processo, a que preside uma filosofia autónoma e distinta, que cumpre brevemente apresentar.
3 - O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.
… Sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado… “

O actual regime apresenta uma configuração nova, não sendo possível em face da decisão de declaração de insolvência saber se os processos executivos podem ou não mais tarde ser reactivados. E é este o juízo a fazer em sede de impossibilidade superveniente da lide.

Tratando-se de declaração de insolvência com incidente limitado de qualificação (não é este o caso dos autos) nos termos do artigo 39 do CIRE, não ocorre a apreensão de bens, mantendo o devedor o poder de administração e disposição dos mesmos, não se produzindo qualquer dos efeitos normalmente associados à declaração de insolvência, conforme al. a) do nº 7 do artigo 39º do CIRE.

Este específico regime de declaração de insolvência “apenas visa atingir as pessoas responsáveis pela insolvência e nada mais. Tudo o que se relacione com o património do insolvente, o tribunal parte do princípio que não se justifica o investimento num processo que não garante as despesas com a sua gestão e custas”Ac. RG de 13/9/07, www.dgsi.pt/jtrg, processo nº 1196/07-2.

Não se justifica a extinção da instância, e, transitada a sentença sem que tenha sido requerido o complemento da sentença nos termos do artigo 39, deixa de se justificar a própria suspensão, cessando os seus efeitos.

Tratando-se de declaração de insolvência com efeitos plenos, só em função do que for decidido pelos credores pode saber-se se a execução está ou não ferida de uma absoluta e definitiva impossibilidade de poder vir a prosseguir.

A declaração de insolvência com carácter pleno implica a liquidação (em sentido amplo, abrangendo medidas recuperativas ou outras constantes de plano de insolvência aprovado – sentido que parece ser acolhido nos artigos 156 e 192, designadamente, em sintonia aliás com o sentido constante da al. c) do artigo 2 do Regulamento (CE) nº 1346/2000).

Várias situações podem ocorrer.

- Se os credores não fizerem uso da sua “soberania“ quanto ao modo de satisfação dos seus créditos, a liquidação processar-se-á nos moldes supletivamente prescritos no diploma. Ora, nos termos do artigo 182 do CIRE, o encerramento da liquidação - e o sequente rateio final -, não é prejudicado pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa.

Este “novo património” não incluído na massa, pode vir após verificada a insatisfação total ou parcial por parte dos credores, a ser atacado por estes. De igual forma se processa no que tange a pessoas singulares, a menos que esta tenha obtido o benefício da exoneração do passivo restante - Vd. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anot., Vol. I, pág.612, nota ao artº 182. Ainda assim, a exoneração não abrangerá as dívidas previstas no 245º, n. 2.

No entanto, em face do disposto no artigo 234, 3 do CIRE, considerar-se-á extinta a sociedade com o registo do encerramento do processo após o rateio final, constituindo-se então tal património como autónomo.

- Quando os credores aprovarem plano de insolvência podem (ou não) estipular a “não exoneração” do devedor conforme prevê o artigo 197º. Se tal estipulação for efectuada, nada obsta a que, cumprido o plano, os credores prossigam na execução em prol da satisfação do remanescente dos respectivos créditos. Mas se nada disserem, então, cumprido o plano, não o poderão fazer, volvendo-se impossível o prosseguimento das execuções - artigo 197, nº 2 e ainda os artigos 90º, 128º, n. 1 e 3 e 230º, n. 1, al. a) do CIRE.

- Pode acontecer que mesmo após trânsito da declaração com efeitos plenos, já efectuada a apreensão dos bens, esta se transmude nos termos do artigo 232º do CIRE. A liquidação ocorrerá então necessariamente, nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, conforme nº 4 do artigo 35º, aditado pelo D.L. 76-A/2006 de 29/3, anteriormente a liquidação ocorria nos termos gerais, como referia o citando nº 4. Não ocorre impossibilidade superveniente das execuções (Vd. ainda artigo 162 do CSC).

- Pode ocorrer encerramento do processo a pedido do devedor e com consentimento dos credores, nos termos do artigo 230, 1, c) do CIRE, nada obstando ao prosseguimento das execuções.

São variadas as situações em que não se verifica, mesmo na declaração de insolvência com efeitos plenos, uma impossibilidade superveniente das lides executivas.

Não obsta ao prosseguimento a “novação” do título dado à execução, se ocorrer, até por razões de economia processual, podendo prosseguir-se na execução com o novo título – artigo 54 do CPC, por analogia ou extensão.

Quando à possibilidade de atacar o património do devedor após o encerramento do processo, expressamente a al. c) do nº 1 do artigo 233 do CIRE (salvas as limitações referenciadas no normativo e as que resultam do acima aludido).

E nada obsta a que o ataque a tal património ocorra nas execuções já intentadas.

Com a decisão que declara a insolvência, ainda que transitada, não é possível fazer um juízo de impossibilidade superveniente da lide, pelo que o despacho a proferir deve ser como expressamente refere o artigo 88º, o de suspensão e não o de extinção da instância.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em dar provimento ao agravo, revogando-se na parte recorrida o despacho agravado, devendo ser substituído por outro determinando a sustação da execução.