Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
944/16.8T8VRL.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: UNIÃO DE FACTO
CONTRIBUTOS PECUNIÁRIOS DOS UNIDOS DE FACTO
DESPESAS CORRENTES DO AGREGADO FAMILIAR
DESPESAS COM OBRAS REALIZADAS NA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
DIREITO À RESTITUIÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- Embora a relação de união de facto esteja reconhecida pelo legislador como realidade sociológica e goze da proteção legal que lhe é conferida pela Lei n.º 7/2001, de 11/05, e sucessivas atualizações, essa relação não é casamento, sequer pode ser equiparada ao casamento, e nenhuma repercussão tem ao nível do património dos membros da união de facto.

2- Sendo a união de facto uma forma de estar em família, a mesma implica para os conviventes a obrigação de, durante a união de facto, contribuírem para as despesas normais e correntes do agregado familiar e daí que, em caso de dissolução dessa relação, os conviventes não tenham direito à restituição desses contributos, designadamente, através do instituto de enriquecimento sem causa (existe uma causa justificativa para a realização desses contributos – a união de facto).

3- Os contributos feitos pelos conviventes, durante a vigência da união de facto, estranhos às despesas normais e correntes do agregado familiar, como sejam, despesas com a construção, reparação, conservação e/ou ampliação daquela que é a casa de morada de família do “casal”, propriedade exclusiva de um dos conviventes, uma vez dissolvida a união de facto, deixa de existir a causa jurídica justificativa para o convivente proprietário reter o contributo feito pelo outro convivente para o pagamento dessas despesas, com o qual se encontra enriquecido, em detrimento do último, que ficou sem nada, devendo esse convivente proprietário ser condenado à restituição desse contributo feito pelo outro, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

4- Quanto aos contributos referidos em 3), existe uma presunção natural de não definitividade desses contributos e que os mesmos são feitos na pressuposição da manutenção da união de facto.

5- Não obstante o prazo prescricional do direito à restituição com fundamento no enriquecimento sem causa, no caso de dissolução de união de facto, se conte, em regra, a partir da dissolução dessa união, apurando-se que o credor do direito à restituição permaneceu a residir, após essa dissolução, naquele que era, há anos, a casa de morada de família do “casal”, não é pelo facto de se ter apurado que a união de facto se dissolveu em maio de 2013 (sem apuramento de outros factos sobre as circunstâncias em que ocorreu essa dissolução, mas apenas, que nessa data, o casal se desentendeu), que se pode concluir que o direito à restituição se encontrava prescrito quando a apelante foi notificada da reconvenção em que o apelado deduz o pedido de restituição, em ação de reivindicação instaurada pela primeira, em que esta, na qualidade de proprietária desse imóvel, pede que aquele seja condenado a abandonar aquela que fora a casa de morada de família, sabendo-se que na união de facto, tal como no casamento, em regra, a dissolução da relação familiar apenas se torna percetível para os cônjuges desavindos, que permaneçam a residir na casa de morada de família, em momento posterior, quando acontecem determinados factos que lhes permitem ter conhecimento (tal como a qualquer observador externo médio que se encontrasse nessa situação), que a separação fora efetivamente definitiva e que, consequentemente, a união de facto se dissolveu no momento em que se desentenderam e se separaram, permanecendo, no entanto, ambos a residir na casa de morada de família.

6- O titular do direito à restituição goza de direito de retenção sobre o imóvel onde foram realizadas as obras de reparação, conservação e ampliação para cujo pagamento contribuiu na constância da união de facto, enquanto o outro ex-convivente, proprietário desse imóvel, não lhe satisfizer o seu crédito à restituição.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

C. L., solteira, residente na Rua (...), Vila Real, instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra A. F., solteiro, residente na Rua do (...), Vila Real, pedindo a condenação deste a:

a- reconhecer o direito de propriedade daquela sobre a totalidade do imóvel identificado no artigo 3º da petição inicial;
b- a abandonar tal imóvel, restituindo-o à Autora, livre de pessoas, incluindo o próprio réu, e de coisas que sejam propriedade daquele; e
c- a pagar-lhe até que tal restituição se verifique, a importância de dez euros diários.

Para tanto alega, em síntese, que é exclusiva proprietária do prédio urbano que identifica, que adveio à sua posse por aquisição através de doação e que se mostra registado a seu favor;
O Réu, sem que para isso disponha de qualquer título legal, vem ocupando uma parte do imóvel em causa, sem autorização e contra a vontade desta.

O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Como matéria excecional, alegou que viveu com a Autora em união de facto, sendo o imóvel em causa a casa de morada da família, depois de o Réu ter despendido em obras, nesse mesmo imóvel, quantia que invoca e exclusivamente sua, para criar no mesmo condições de habitabilidade;

Invoca enriquecimento sem causa da Autora, à sua custa, pretendendo o reembolso da quantia que despendeu nas obras realizadas naquele imóvel e, bem assim o valor de valorização deste;

Invoca o direito de retenção sobre aquele imóvel enquanto a Autora não o reembolsar da quantia despendida e do valor de valorização do imóvel em causa.
No mais, impugna parte da factualidade aduzida pela Autora invocando, designadamente, que ocupa o imóvel de forma legítima.

Conclui pela improcedência da ação.

Com base nos fundamentos invocados a título de exceção, formula reconvenção, pedindo que se:

a) declare judicialmente a união de facto entre a Autora e o Réu;
b) condene a Autora a restituir e pagar ao Réu o valor total de € 54.980,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento;
c) declare que o Réu goza do direito de retenção do imóvel, enquanto não for pago do crédito que detém sobre a Autora, o que esta deve ser condenada a reconhecer.

A Autora replicou, invocando a exceção da ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir;
Excecionou arguindo a prescrição do direito que o Réu-reconvinte vem exercer nos autos, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa;
Impugnou parte da factualidade alegada pelo Réu-reconvinte e invocou, por sua vez, que o Réu é que está enriquecido à custa daquela, quer por ter vivido gratuitamente no imóvel em causa ao longo de anos, quer por ter beneficiado dos trabalhos domésticos prestados pela Autora.

Conclui pela improcedência do pedido reconvencional e como na petição inicial.

Admitiu-se a reconvenção e declarou-se a Instância Local Cível incompetente, em razão do valor, para conhecer da presente ação, atribuindo-se essa competência à Instância Central Cível, para onde os autos vieram a ser remetidos.

Realizou-se audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, em que se conheceu da exceção da ineptidão da reconvenção por falta de causa de pedir, julgando-a improcedente, remeteu-se para sentença final o conhecimento da exceção da prescrição do direito que o Réu-reconvinte vem exercer nos autos com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo havido reclamações.

Após realização de perícia ao prédio objeto dos autos, teve lugar audiência final, finda a qual proferiu-se sentença julgando a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“1- Julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente:

a) Condeno o réu a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre a totalidade do imóvel identificado no artigo 3º da petição inicial.
b) Condeno o réu a abandonar tal imóvel, restituindo-o à Autora, livre de pessoas, incluindo o próprio réu, e de coisas que sejam propriedade dele réu, com a ressalva de que essa restituição apenas terá que ter lugar quando a autora pagar ao réu a quantia fixada na reconvenção.
c) Condeno o réu a pagar à autora, até que tal restituição se verifique, a importância de quatro euros diários, a contar do dia seguinte ao do pagamento pela autora da quantia fixada na decisão da reconvenção.
d) Absolvo o réu do demais peticionado.

2- Julgo também apenas parcialmente procedente a reconvenção, pelo que:

a) Declaro judicialmente a união de facto entre a autora e o réu.
b) Condeno a autora a restituir e pagar ao réu o valor total de € 11.000,00 (onze mil euros), acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral e efetivo pagamento.
c) Declaro que o réu goza do direito de retenção do imóvel, enquanto não for pago do crédito sobre a autora, o que condeno a autora a reconhecer.
3- Custas da ação a cargo de autora e réu, na proporção de ¼ e ¾, respetivamente, e da reconvenção a cargo do reconvinte e da reconvinda, na proporção de metade para cada um”.

Irresignada com o assim decidido a Autora-reconvinda veio interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

1- Oportunamente, e no dia 04 de junho de 2016, através de petição inicial, nessa data apresentada, por meio de transmissão eletrónica de dados, via sistema Citius, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, a recorrente, então como autora, intentou contra o recorrido, na altura como réu, uma ação declarativa de condenação, com processo comum, ação essa que era uma ação de reivindicação (artigo 1311.º, do CC).
2- O réu, aqui recorrido, não só contestou, opondo-se naturalmente às pretensões da recorrente, como também deduziu reconvenção.
3- O processo (ação e reconvenção), lá foi seguindo a tramitação processual dele, até que, no dia 26 de abril de 2018, foi nos autos proferida douta sentença, a qual é, numa parte, favorável à recorrente, e, numa outra parte, desfavorável a esta, decorrendo isso, nomeadamente, de, na sentença em causa, se ter dado como não provado, o facto constante do ponto 1, sob a epígrafe “II – FUNDAMENTOS DE FACTO”, de tal sentença.
4- O que não pode merecer, nem merece, a concordância, por pequena, ou mínima até, que seja, da recorrente, que é do entendimento, que esse facto devia ter sido dado como provado.
5- Padecendo tal sentença além desse erro, quanto à matéria de facto, também de outros erros de julgamento, que são erros de direito.
6- Resultando pois do atrás exposto que o presente recurso visa impugnar matéria de facto (artigo 640.º, do CPC 2013) e matéria de direito (artigo 639.º, do CPC 2013).
7- E, quanto ao que a tal matéria de facto tange, especifica-se, em cumprimento do artigo 640.º, do CPC 2013, o seguinte:

A) O concreto ponto de facto que o recorrente considera que foi incorretamente julgado na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC 2013), é o facto que, no 3 número 1, da fundamentação fáctica de tal sentença, foi dado como não provado, sendo tal facto, esclareça-se, aquele que de seguida vai indicado, tendo ele, naturalmente na opinião do recorrente, relevância para a sorte desta ação, na qual, repita-se, e ao contrário daquilo que sucedeu, ele deveria ter sido dado como provado:

Facto único

O réu doou à autora o valor de 10.000,00, com que contribuiu para o pagamento das obras no imóvel em causa.

B) Os concretos meios probatórios, constante do processo, ou de registo ou gravação nele processo realizada, que impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (artigos 640.º-1-b), do CPC 2013), isto é, que impunham que o facto constante da alínea A) anterior, que, repita-se, é relevante para a decisão, devesse ter sido considerado como provado, são todos os meios probatórios produzidos nos autos, meios estes que foram a prova documental, a prova testemunhal, e a prova por inspeção, designada e principalmente a prova testemunhal, meios probatórios esses que, quando a sentença sob recurso foi proferida, se encontravam já todos no processo.

C) A decisão que, no entender da recorrente, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas (artigos 640.º-1-c), do CPC 2013), isto é, sobre o facto único, constante da alínea A) anterior, é, ser, ao contrário do que sucedeu, esse facto considerado como provado, e pelos motivos que 1 adiante no texto se aduzirão.

8- Por fim, e para finalizar esta temática da impugnação da matéria de facto, mencione-se, como se menciona, que, havendo, como há, meios probatórios invocados, como fundamento do erro na apreciação das provas, que foram gravados, meios esses que consistem no depoimento das testemunhas Manuel, V. C. e José, que depuseram nos autos, indicam-se, com exatidão, e em cumprimento do comandado no artigo 640.º-2-a), do CPC 2013, as passagens da gravação em que se funda, quanto à alteração da matéria de facto pretendida, o presente recurso.

Passagens essas que, relembre-se, constam dos depoimentos das testemunhas Manuel, V. C., José, depoimentos esses que foram todos gravados, através do sistema integrado de gravação digital, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, sendo essas passagens as seguintes:

Dia 16 de fevereiro de 2018

- Testemunha Manuel (00:00:01 a 00:10:47)

O depoimento total desta testemunha decorreu, desde as 10 horas, 35 minutos e 05 segundos, até às 10 horas, 45 minutos e 51 segundos (00:00:01 a 00:10:47), contendo tal depoimento, desde os 10 minutos e 43 segundos, até aos 11 minutos e 27 segundos, a parte dele com relevância para a prova aqui 1 em causa, parte essa que se transcreve
Manuel [00:10:43 a 00:11:15]
Não. Depois… pelo que nós nos apercebemos é que o Senhor Adriano acabou por lhe dar 10 mil euros. Deu-lhe 10 mil euros e então nós fomos trabalhando com aqueles 10 mil euros, não é? Mas chegou às tantas que já não havia mais para rematar o telhado. E então o Senhor Adriano, perante a situação, porque a casa não poderia ficar sem telhado, e então ele, para concluir as obras, recordo-me que ele disse-me “olhe os 10 mil euros pronto dei-lhos, mas agora estes 1000 euros vai ter… vai ter que mos dar…”
Advogado do réu (Dr. P. M.) [00:11:15 a 00:11:17]
Ainda lhe deu mais então do que esses 10 mil?
Manuel [00:11:17 a 00:11:27]
Mais 1000 euros. Ele deu mais 1000 euros para concluir o telhado. Isso recordo-me que foi não é?”
- Testemunha V. C. (00:00:01 a 00:07:41)
O depoimento total desta testemunha decorreu, desde as 10 horas, 59 minutos e 45 segundos, até as 11 horas, 07 minutos e 27 segundos (00:00:01 a 00:07:41), contendo tal depoimento, desde os 02 minutos e 13 segundos, até aos 03 minutos e 04 segundos, a parte dele com relevância para a prova aqui em causa, parte essa que se transcreve
“V. C. [00:02:13 a 00:02:35]
O orçamento que fizemos para essa obra foi de 1 20 mil euros. O meu conhecimento o Senhor Adriano deu 10 mil euros para a D. C. L. fazer os trabalhos, é verdade que foi sempre ela que me pagou mas com o dinheiro do Senhor Adriano…”
Advogado da autora (F. B. [00:02:36 a 00:02:37
Mas como é que sabe isso? Que era do Senhor Adriano?
V. C. [00:02:37 a 00:02:38]
Porque foi o que ela disse.
Advogado da autora (F. B. [00:02:38 a 00:02:39]
Ela disse?
V. C. [00:02:40 a 00:03:04]
Sim senhor. Ela disse. E depois para a conclusão do telhado, concluir o telhado que já não havia mais dinheiro portanto foi o Senhor Adriano que lhe emprestou mais 1000 euros para meter o telhado senão nós tínhamos que parar por ali. No entanto o trabalho não está concluído porque acabou, o dinheiro acabou e não há dinheiro por isso…”
- Testemunha José (00:00:01 a 00:09:28)
O depoimento total desta testemunha decorreu, desde as 11 horas, 23 minutos e 50 segundos, até as 11 horas, 33 minutos e 18 segundos (00:00:01 a 00:09:28), contendo tal depoimento, desde os 04 minutos e 42 segundos, até aos 05 minutos e 28 segundos, a parte dele com relevância para a prova aqui em causa, parte essa que se transcreve
Advogado do réu (Dr. P. M.) [00:04:41 a 00:04:42]
E depois o resto das obras para cima?
1 José [00:04:42 a 00:05:28]
Ora depois o resto foi mesmo ela que me confidenciou uma altura qualquer eu fui lá buscá-la e ela vem de baixo para cima, nós tínhamos… tanto ele como ela confiança comigo, e tinha… pronto fui lá buscá-la e ela vem de baixo para cima e disse-lhe “olha o M., o Adriano deu-me 10 mil euros para acabar… para acabar a casa”. Pronto e sei que ele que lhe deu 10 mil euros. Depois ouvi, ouvi falar mais tarde que ainda lhe terá dado mais 1000 euros porque não havia material suficiente, ou, para acabar o telhado faltava mais aquele dinheiro e ele lhe terá emprestado esses 1000 euros. Já não foi dado, emprestado. Mais nada não sei.”
9- Depoimentos esses dos quais cristalinamente resulta, que, ao contrário do que consta da sentença, que, aqui e agora, se está a por em crise, o facto único, elencado na alínea A) anterior, deveria ter sido considerado provado, pois que:

- no que toca à testemunha Manuel, ela referiu, expressamente, e usando o verbo “dar”, por várias vezes, e em diversos tempos verbais, que o Senhor Adriano, isto é, o réu/reconvinte/recorrido, deu à autora/reconvinda/recorrente, ou seja, à C. L., 10.000,00 euros;
- quanto à testemunha V. C., o depoimento de tal testemunha vai no mesmo sentido, pois que refere igualmente, e utilizando do mesmo modo o verbo “dar”, que o Senhor Adriano, ou seja, o réu/reconvinte/recorrido, deu 10.000,00 euros para a Dª C. L., isto é, a autora/reconvinda/recorrente, fazer os trabalhos, tendo-lhe emprestado 1.000,00 euros, marcando pois esta testemunha a diferença entre os 10.000,00 euros que foram dados e os 1.000,00 euros que foram emprestados;
- de igual modo a testemunha José referiu, e usando igualmente o verbo “dar”, por várias vezes e em vários tempos verbais, que sabia que o M., nome este pelo qual era também conhecido o réu/reconvinte/recorrido, deu 10.000,00 euros à autora/reconvinda/recorrente, tendo depois o mesmo M. pago mais 1.000,00 euros, para as obras em causa, mas que estes foram emprestados, fazendo pois a testemunha em questão uma clara destrinça, entre os 10.000,00 euros que foram dados, e os 1.000,00 euros que foram emprestados;
Sendo, a este propósito, de se referir, como se refere, que as três testemunhas atrás mencionadas foram todas oferecidas e arroladas pelo réu/reconvinte/recorrido, sendo apenas uma delas, a testemunha Manuel, comum ao réu/reconvinte/recorrido e à autora/reconvinda/recorrente.
10- E, provado que seja o facto único atrás referido, isso não poderá deixar de conduzir à alteração da sentença em causa, no sentido de que a importância que a autora poderá ser condenada a pagar ao réu, será de apenas de 1.000,00 euros, e não de 11.000,00 euros, como consta da sentença sob apelação, o que, muito embora continuando, como continua, a constituir uma condenação da recorrente, tem naturalmente grande vantagem para esta, dada a muito significativa redução do montante condenatório.
11- Padecendo também, e assim entramos na impugnação da matéria de direito, a parte sob recurso da sentença em causa, e mesmo que a matéria de facto não seja alterada, de erros de julgamento, consistentes em erros de direito, erros de julgamento esses justificativos, igualmente por si só, da anulação de tal parte 1 da mesma sentença (artigo 639.º-1, in fine, do CPC 2013), erros estes que são fundamentalmente quatro, que, já de seguida, se vão desenvolver, e que consistem, na errada aplicação (1) do enriquecimento sem causa, (2) da prescrição, (3) do direito de retenção e (4) da repartição das custas da reconvenção
12- Desde logo, refira-se, como se refere, que a Meritíssima Senhora Doutora Juíza recorrida, para condenar a autora/reconvinda/recorrente, naquilo em que a condenou, maxime no pagamento ao réu/reconvinte/recorrido da importância de 11.000,00 euros, acrescida dos respetivos juros, fundou-se no instituto do enriquecimento sem causa, previsto e regulado nos artigos 473.º a 482.º, todos do CC, figura esta que exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (1) a existência de um enriquecimento, (2) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem, (3) e a falta de causa justificativa para ele.
13- Sendo certo que, no caso ajuizado, e mesmo dando de barato, sem contudo conceder que assim tenha sido, que, dos três pressupostos do enriquecimento sem causa atrás referidos, ficou provado que se verificaram os dois primeiros, ou seja, que a autora/reconvinda/recorrente se enriqueceu à custa do réu/reconvinte/recorrido, em 11.000,00 euros, o certo é que, para haver lugar ao enriquecimento sem causa, mister era também que o empobrecido, isto é, no caso o réu/reconvinte/recorrido, provasse que efetuou a prestação, cuja repetição pretende, em função de uma causa, que aqui era a continuação e a subsistência da vida em comum, com quem ele esteve unido de facto, ou seja, a autora/reconvinda/recorrente, e que essa causa cessou.
14- Ora, no caso sub-iudicio, muito embora conste, como consta, dos factos provados, que a autora/reconvinda/recorrente e o réu/reconvinte/recorrido viveram em união de facto, e que essa união de facto cessou em maio de 2013, de tais factos provados não consta, minimamente que seja, que o réu/reconvinte/recorrido tenha pago os 11.000,00 euros em causa nestes autos, atinentes a obras realizadas no imóvel, propriedade da autora/reconvinda/recorrente, onde ambos viviam, no pressuposto, entretanto desaparecido, da continuação e subsistência da união de facto, que teve com a autora/reconvinda/recorrente.
15- Não consta, nem podia constar, não só porque sobre esse facto não recaiu qualquer prova, a qual, e sendo esse facto, como é, constitutivo do direito do réu/reconvinte/recorrido, a este incumbia (artigo 342.º-1, do CC), mas também porque ele não foi sequer alegado, alegação esta que também incumbia ao réu/reconvinte/recorrido.
16- Falta de alegação do réu/reconvinte/recorrido essa que sempre seria impeditiva que esse facto pudesse ser levado em consideração nestes autos, ainda que a existência dele estivesse, que não está, nos mesmos autos provada.
17- Nunca podendo pois o facto em causa, ou seja, ter o réu/reconvinte/recorrido pago os 11.000,00 euros em causa, no pressuposto, que entretanto desapareceu, da continuação e subsistência da união de facto, que teve com a autora/reconvinda/recorrente, ainda que ele estivesse, que não está, provado nos autos, ser, por falta da respetiva alegação, tomado nos mesmos autos, em consideração, por a isso se opor, como a isso se opõe, o artigo 5.º-2, do CPC 2013.
18- E, na ausência desse pressuposto do enriquecimento sem causa, não pode o mesmo, e ainda que se verificassem, que não se verificam, os restantes dois pressupostos da figura jurídica em questão, ser a mesma aplicada no âmbito destes autos, nem, em consequência, ter sido, como foi, a autora/reconvinda/recorrente condenada a pagar ao réu/reconvinte/recorrido a importância de 11.000,00 euros, naquilo que constitui o primeiro erro de direito de que sofre a sentença apelada.
19- De qualquer forma, mesmo que se verificassem, que não se verificam, no caso em análise, os três atrás referidos pressupostos do enriquecimento sem causa, por parte da autora/reconvinda/recorrente à custa do réu/reconvinte/recorrido, o certo é que o direito do réu/reconvinte/recorrido a obter a restituição da importância, com que a autora/reconvinda/recorrente, à custa dele, se teria, na hipótese teórica e dialética colocada, enriquecido, e fosse tal importância, a de 11.000,00 euros, que consta da sentença apelada, fosse ela a de 54.980,00 euros, peticionada na reconvenção, já teria prescrito, quando a mesma reconvenção foi, apresentada 1 em tribunal, através de transmissão eletrónica de dados, via sistema Citius, no dia 11 de julho de 2016.
20- E isto, porque tal prescrição, é, nos termos do artigo 482.º, do CC, de 3 anos, a contar da data em que o credor, no caso o réu/reconvinte/recorrido, teve conhecimento do direito que lhe compete, e da pessoa do responsável, conhecimento esse que, no caso em análise, o réu/reconvinte/recorrido teve, não quando foi, em 09 de junho de 2016, citado para a presente ação, como se pretende na sentença sob recurso, naquilo que constitui o segundo erro de direito dela, mas sim quando cessou a união de facto, o que sucedeu, como resulta dos factos provados, em maio de 2013, ou seja, mais de 3 anos antes, do dia 11 de julho de 2016, que, como atrás se referiu já, foi aquele em que o réu/reconvinte/recorrido, através da reconvenção que deduziu, exercitou em juízo o direito que se arrogou ter, à restituição pelo enriquecimento sem causa em questão.
21- De qualquer forma, ainda que o réu/reconvinte/recorrido tivesse, que não tem, direito a receber, da autora/reconvinda/recorrente, a importância de 11.000,00 euros, que a sentença sob recurso condenou esta a pagar àquele, e que esse direito não estivesse, como está prescrito, nunca poderia gozar ele réu/reconvinte/recorrido, do direito de retenção sobre o imóvel em questão neste processo.
22- E isto porque, por um lado, esse direito de retenção não se integra no elenco dos casos especiais de direito de retenção, elenco esse constante, de uma forma taxativa ou fechada, do artigo 755.º, do CC, e, por outro lado, fenecem a 1 tal direito de retenção, invocado pelo réu, os pressupostos gerais da existência do mesmo direito de retenção, que constam do artigo 754.º, do mesmo CC.
23- Fenecimento esse que decorre, em primeiro lugar, porque, ainda que o crédito invocado pelo réu existisse, que não existe, ele não resultaria de despesas feitas por causa da coisa em causa, isto é, do imóvel que tem vindo a ser referido, pois que, quem teve essas despesas, não foi o réu, mas sim o empreiteiro, que levou a cabo as obras em questão, pelo que o direito de retenção, a existir, apenas a ele empreiteiro caberia.
24- Depois, e em segundo lugar, porque o réu não está obrigado a entregar nenhuma coisa, no caso o imóvel em questão, à autora, pois que a autora já está, e desde há muito anos, na posse de tal imóvel, e na qualidade, que ela tem, de única proprietária dele, pois que, aquilo a que o réu está obrigado, é a abandonar o imóvel, juntamente com as coisas dele réu.
25- Aliás não seria aceitável configurar-se um direito de retenção de um imóvel, que permitisse que o retentor pudesse, ou tivesse mesmo, que compartilhar uma casa de habitação, designadamente diversos compartimentos e utensílios dela, nomeadamente a cozinha e a casa de banho, com a dona da mesma casa, com quem aliás está incompatibilizado.
26- Constituindo pois o terceiro erro da sentença sob recurso, o consistente em ela ter declarado que o réu/reconvinte/recorrido, gozava do direito de retenção sobre o imóvel que tem vindo a ser referido, até que a autora/reconvinda/recorrente lhe pague os 11.000,00 euros que a mesma sentença a condenou a pagar ao réu/reconvinte/recorrido.
27- Traduzindo-se o quarto erro da sentença sob recurso, o que decorre dela, ao contrário do determinado no artigo 527.º, do CPC2013, ter distribuído, como distribuiu, as custas da reconvenção, em partes iguais entre o réu/reconvinte/recorrido e a autora/reconvinda/recorrente, quando, o decaimento do autor, que viu reduzida a pretensão reconvencional dele, de 54.980,00 euros, para 11.000,00 euros, foi quase 5 vezes maior do que o da autora, que defendia nada ter a pagar, e foi condenada ao pagamento de 11.000,00 euros.
28- Tendo pois a sentença sob recurso violado, como violou, diversas disposições legais, designadamente, os artigos 342.º-1, 473.º, 482.º e 754.º, todos do CC, e 5.º e 527.º, do CPC 2013.
29- Devendo por isso, ou seja, por erro quanto ao julgamento da matéria de facto, e por erros de julgamento, que foram erros de direito, que se traduziram, designadamente, na violação das normas legais atrás referidas, e muito embora sem perder de vista o maior respeito e a maior consideração, merecidos, devidos e tidos, pela Distinta Senhora Doutora Juíza que a prolatou, respeito e consideração esses que são aliás, diga-se em abono da melhor verdade, muitíssimo elevados, no caso vertente, ser a parte sob recurso da sentença em causa, posto que mui douta, anulada ou alterada (artigo 639.º-1, do CPC 2013), prolatando-se, em substituição dela, não menos douto acórdão, que considere a ação em questão total e completamente procedente, e a reconvenção improcedente, o que tudo se peticiona a V. Exas.. Ou então, subsidiariamente, que altere a sentença sob recurso, reduzindo, de 11.000,00 euros, para 1.000,00 euros, o valor que a autora/reconvinda/recorrente tem que pagar ao réu/reconvinte/recorrido, a título de enriquecimento sem causa.

O apelado apresentou contra-alegações em que pugna pela improcedência da apelação e em que apresenta as seguintes conclusões:

1 - A douta sentença recorrida decidiu com objetividade, rigor, ponderação e sensatez, proferindo uma decisão irrepreensível e bem fundamentada, de facto e de direito.
2- A decisão é profusamente fundamentada e não merece qualquer censura.
3- A recorrente, com o presente recurso, insurge-se por não concordar com o ponto 7 dos factos dados como não provados pelo tribunal a quo, e que tem a redação: “7 – O réu doou à autora o valor de € 10.000,00, com que contribuiu para o pagamento das obras no imóvel em causa.”
4- Entende a recorrente que este facto dado como não provado por aquele tribunal enferma de erro, pelo que deveria ter ter sido, ao contrário, do que sucedeu, dado como provado, e nessa sequencia deverá ser reduzido de €11.000,00 para apenas €1.000,00 o montante a que a recorrente foi condenada a pagar ao recorrido.
5- A convicção do Tribunal para dar como provada tal matéria de facto assentou na análise e confronto de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento e de todos os documentos constantes dos autos e, designadamente, os a seguir indicados.
6- Por outro lado, a Prova Testemunhal composta pelas Declarações de J. L., as quais constam gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, de dia 16/02/2018 das 10:18:53 às 11:34:29, com especial relevo do minuto 09:03 a 15:23; Declarações A. C., as quais constam gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, de dia 16/02/2018 das 10:35:03 às 11:45:51, com especial relevo do minuto 07:26 a 10:24; Declarações Manuel, as quais constam gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, de dia 16/02/2018 das 10:46:23 a 10:59:14, com especial relevo do minuto 09:30 a 12:50; Declarações V. C., as quais constam gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, de dia 16/02/2018 das 10:59:44 a 11:07:27, com especial relevo do minuto 05:07 a 07:36; Declarações M. S., as quais constam gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, de dia 16/02/2018 das 11:11:45 a 11:23:19, com especial relevo do minuto 00:37 a 08:35; Declarações José, as quais constam gravadas, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, de dia 16/02/2018 das 11:23:49 a 11:33:18, com especial relevo do minuto 00:26 a 07:45;
7 E ainda a prova documental junta aos autos composta pelos documentos de fls 8 a 10, 11 a 12, 13, 148 verso e 150, 65 a 67, 111 a 128.
8 – No ponto 7 dos factos dados como não provados, o Tribunal recorrido teve em consideração o declarado pelas testemunhas, uma vez que, na versão dos factos foram credíveis, objetivos, congruentes, com razão de ciência e não mereceram qualquer tipo de reservas.
9 - A autora pretende ver dado como provado o ponto 7 dos factos dados como não provados.
10 - A autora tenta descontextualizar o verbo “dar” referido pelas testemunhas ao longo dos seus depoimentos, tentando sempre imputar àquele verbo um segundo significado, totalmente deturpado e fora da realidade e intuito com que as testemunhas o invocaram os seus depoimentos.
11 - As testemunhas quando usam a expressão/verbo “dar” não se estão a referir a doar, mas sim, apenas e tão só, a referirem-se a dar o dinheiro à autora para esta o entregar aos trabalhadores que executavam as obras e assim se pagarem as mesmas.
12 - Em toda a prova produzida não foi produzida prova que sustente a doação pelo réu à autora da quantia de €11.000,00.
13 - A autora e o réu viveram juntos no imóvel ao longo de mais de vinte anos, tendo sido realizadas as obras no imóvel durante o período em que a autora e o réu viviam em união de facto.
15 – O Réu trabalhava para terceiros e a autora em casa e esporadicamente também para terceiros, vivendo em economia comum, para a qual ambos contribuíram.
15 - As obras foram pagas por autora e réu, sendo certo que se provou que o réu contribuiu com a quantia de €11.000,00.
16 - Ficou provado que o imóvel dos autos foi reparado, conservado e ampliado através da contribuição e participação direta do réu no pagamento de €11.000,00, isto é, com dinheiro próprio e seu.
17 - Deverá ser mantido, como não provado, o ponto 7 dos factos dados como não provados na sentença a quo, e nessa sequência deverá ser mantida a condenação da autora a pagar ao réu a quantia de €11.000,00.
18 - De acordo com a Lei n.º 7/2001, de 11 de março a união de facto, embora traduza uma verdadeira comunhão de vida a mesma não gera efeitos patrimoniais não se aplicando as regras próprias da divisão de bens resultante dos vários regimes de casamento.
19 – Não se pode equiparar a união de facto ao casamento quer no que respeita aos deveres impostos aos cônjuges quer no que respeita ao regime de bens quer no que à determinação dos bens próprios e comuns diz respeito, os efeitos patrimoniais da união de facto têm que se reger pelo direito comum das obrigações e dos direitos reais.
20 - Para atenuar as injustiças decorrentes da discussão da propriedade nestes casos, nomeadamente a quando da dissolução da união de facto, a doutrina e a jurisprudência têm perfilhado o entendimento de que, nos termos da segunda parte do n.º 2 do artigo 473.º do Código Civil, se deve recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, na modalidade de “condictio ob causam finitam”, isto em virtude de ter ocorrido um enriquecimento resultante de uma causa que deixou de existir.
21 – Sobre esta questão pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em Acórdão de 3 de Novembro de 2016.
22 - O artigo 473 n.º 1 do Código Civil define o conceito de enriquecimento sem causa, nos termos do qual, a obrigação de restituir daquele que injustamente enriqueceu às custas pressupõe a verificação de três requisitos a saber: a existência de um enriquecimento, que este tenha sido obtido à custas de outrem e que tenha inexistido causa justificativa.
23 - O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.
24 - Nos presentes autos, verifica-se a existência de um imóvel no qual foram feitas obras de melhoria/investimentos, quer pela autora quer pelo réu, nomeadamente obras para o tornar com melhores condições de habitabilidade e que aumentaram o seu valor em medida correspondente ao valor das obras realizadas.
25 – Com o fim da união de facto, aquele bem encontra-se na posse da autora, por ser um bem exclusivamente seu, a qual, por via disso, beneficia de um enriquecimento no seu património, o qual se deve em face do empobrecimento do património do réu.
26 – A autora melhorou a sua situação económica, com aumento do seu ativo patrimonial, existindo uma diferença, para mais, entre a sua situação efetiva e real daquela em que a mesma se encontraria caso o réu não tivesse pago pelas ditas obras, pelo que, e nessa medida, ficou a mesma enriquecida, sendo que este enriquecimento se deu às custas do réu, com bens jurídicos a ele pertencentes e mercê das suas deslocações patrimoniais, tendo o mesmo ficado empobrecido.
27 – Estão verificados todos os requisitos do enriquecimento sem causa nos termos e para os efeitos do artigo 473º do Código de Processo Civil, e nessa sequencia bem andou o tribunal a quo ao condenar a autora a restituir ao réu a quantia de €11.000,00.
28 - A autora tem a obrigação de restituir ao réu tudo quanto obteve às custas desde, que no caso em apreço foi de €11.000,00, nos termos do artigo n.º 479 do Código Civil.
29 - O direito do réu à reconvenção não se encontra prescrito, uma vez que o prazo de três anos que começa a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete nos termos do art.º 482.º do Código Civil.
31 – A jurisprudência entende que o prazo da prescrição tem início com o conhecimento do direito, ou seja, da consciência da possibilidade legal de ressarcimento do dano.
32 – No caso dos presentes autos o prazo de três anos para a prescrição apenas se pode contar a partir do momento em que a autora exigiu que o réu saísse do imóvel em causa, uma vez que, foi apenas nessa altura que o réu deixou de beneficiar das obras que ele custeou e que provocaram o enriquecimento da autora.
33 – Não tendo sido provado pela autora data que esta tenha interpelado o réu para que este saísse do imóvel, deverá considerar-se a data da citação como início do prazo de prescrição.
34 - Apenas na data em que foi citado para a presente ação, foi o Réu interpelado pela autora para que saísse do imóvel.
35 – O prazo de prescrição nos presentes autos só começa a decorrer a partir de 09 de Junho de 2016, data em que o réu é citado para a presente ação e, nessa sequência, é interpelado para sair do imóvel.
36 – Não existindo prescrição deve a sentença ser mantinha nesta parte.
37 - O réu, na sua contestação/reconvenção, invocou ter o direito de retenção sobre o imóvel em causa nos presentes autos, enquanto não for pago do crédito que tem sobre a autora ao abrigo do disposto no artigo 754 do Código Civil.
38 - Ficou provado que o autor tem o direito ser reembolsado pela sua contribuição na reparação, conservação e ampliação do imóvel em causa nos presentes autos que o tribunal quantificou em €11.000,00.
39 – Tem a autora a obrigação de restituir ao réu tudo quanto haja obtido às custas deste nos termos do artigo nº 479 do Código Civil.
40 - Goza o réu do direito de retenção do imóvel, direito este que se traduz no facto de ser legal e legítimo ao réu recusar a entrega da coisa enquanto não for pago do crédito que tem sobre a autora, tudo nos termos e para os efeitos do artigo n.º 754 do Código Civil.
41 - O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela.
42 - Tem o réu reconvinte um direito de crédito sobre a autora reconvinda, que tem origem e resulta das despesas suportadas por este réu, com as obras que foram feitas no imóvel em causa nos presentes autos, e cuja retenção goza até ser pago desse seu crédito.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação são as seguintes:

a- se a sentença recorrida padece de erro quanto ao julgamento da matéria de facto ao ter julgado como não provada a matéria do ponto 7º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela prova da mesma;
b- se a decisão de mérito proferida nessa sentença padece de erro de direito:
b.1- ao ter condenado a apelante-reconvinda a pagar ao apelado-reconvindo a quantia de onze mil euros, acrescida de juros de mora, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, quando os pressupostos legais desse instituto não se encontram preenchidos e quando nem sequer foi alegada factualidade pelo apelado suscetível de preencher esses pressupostos;
b.2- ao julgar improcedente a exceção perentória da prescrição do direito exercido pelo apelado-reconvindo com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, quando esse direito se encontra efetivamente prescrito;
b.3- ao ter reconhecido ao apelado-reconvindo o direito de retenção quando não se encontram preenchidos os pressupostos legais desse instituto;
b.4- na fixação das custas a cargo da apelante e do apelado em sede de reconvenção, por essa condenação em custas não se mostrar conforme ao decaimento das partes.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:

Produzida a prova, considero provados os seguintes factos, com interesse para a decisão:

A- No dia 16 de abril de 2012, através de escritura notarial, nessa data lavrada, no Cartório Notarial da notária Fátima, sito na Quinta (...), Vila Real, Maria declarou que, por conta da quota disponível, com reserva de usufruto a favor da doadora, doa à sua filha C. L., que declarou aceitar a doação, o seguinte prédio:

Prédio urbano composto de casa de dois pisos, sito em (...), freguesia de (...), concelho de Vila Real, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (...), com o valor patrimonial atual de 1.860,00 euros, correspondente à raiz e usufruto, respetivamente, 1.581,00 euros e 279,00 euros, e o atribuído de 1.581,00 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...) da dita freguesia de (...), inscrito a favor da doadora pela inscrição AP, cinco mil cento e vinte e cinco de seis de julho de dois mil e nove.
B- A doadora era, aquando da celebração do contrato de doação, a única proprietária do imóvel objeto do contrato, por o ter adquirido por sucessão, por morte de seus pais, António e M. G., os quais até à data da sua morte, estiveram nas posse desse imóvel, durante mais de 20 anos, à vista de todos e sem oposição, com a convicção de que não lesavam direito de outrem.
C- No dia 16 de outubro de 2013, faleceu a doadora Maria.
D- A propriedade sobre o referido imóvel encontra-se registada no registo predial, a favor da autora, através da AP 414 de 2012/06/15.
E- O réu ocupa, sem autorização da autora e contra a vontade desta, uma parte do imóvel em questão.
F- A partir de 1990, o réu e a autora passaram a viver como se casados fossem, partilhando cama, mesa e habitação.
G- E montaram a casa de morada de família no imóvel em causa nos autos, com um projeto de vida e economia comuns, tanto que fruto da vivência entre o réu e a autora, nasceu uma filha de ambos.
H- A autora e o réu, ao viverem em comum, quiseram constituir uma economia doméstica conjunta, para a qual participaram cada um com os seus proventos, contribuindo cada um deles para essa economia com os respetivos trabalhos e rendimentos, suportando ambos as despesas inerentes.
I- A autora era doméstica e prestava serviços esporádicos para terceiros.
J- O réu também sempre trabalhou.
K- Quando começaram a viver em comum, a autora e o réu foram viver para o imóvel em causa, que tinha fracas condições de habitabilidade.
L- Esse imóvel tinha um valor estimado correspondente a € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
M- O mesmo imóvel foi objeto de obras de reparação, conservação e ampliação, com a construção de mais um andar e uma casa de banho no piso novo.
N- As obras foram feitas com o consentimento da autora e com o esforço comum de autora e réu.
O- As obras executadas aumentaram o valor do imóvel, na medida do valor das mesmas obras, que foi de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
P- O réu contribuiu com cerca de metade do valor das obras realizadas, concretamente, com o valor de, pelo menos, € 11.000,00 (onze mil euros).
Q- A autora e o réu desentenderam-se, tendo cessado a vida em comum, em maio de 2013.
R- O imóvel tem o valor atual estimado de € 30.500,00 (trinta mil e quinhentos euros).
S- A mãe da autora, a autora, o réu e a filha de ambos viveram no imóvel em causa, durante mais de vinte anos, até à realização das obras referidas, nos anos de 2011 ou 2012.
T- O réu habita o imóvel em questão, desde 1990, nunca tendo pago qualquer quantia a título de compensação ou renda pela ocupação.
U- Foi sempre a autora, ao longo dos mais de vinte anos de vida em comum com o réu, quem tratou de todos os serviços domésticos, nomeadamente confecionando as refeições, tratando das roupas, limpando a casa e cuidando da filha.
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Com interesse para a decisão, não se provou que:

1- O imóvel em causa não tinha condições de habitabilidade, antes das obras;
2- O valor do imóvel, antes das obras, era de quatro mil escudos, correspondente a vinte euros;
3- O réu, com dinheiro exclusivamente seu, custeou todas as obras feitas na casa, no valor de vinte e cinco mil euros.
4- O réu não tem outra habitação para onde possa ir morar.
5- O valor do imóvel, antes das obras, era de 30.000,00 euros;
6- O valor atual do imóvel é de € 57.500,00;
7- O réu doou à autora o valor de € 10.000,00, com que contribuiu para o pagamento das obras no imóvel em causa.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

O primeiro fundamento de recurso aduzido pela apelante prende-se com o seu inconformismos em relação ao julgamento feito pela 1ª Instância, ao dar como não provado o facto constante do ponto 7º, isto é, que “o Réu doou à Autora o valor de 10.000,00 euros, com que contribuiu para o pagamento das obras no imóvel em causa”, imputando a apelante erro de julgamento a essa decisão e pretendendo que, uma vez reponderada a prova produzida, se conclua pela prova dessa materialidade fáctica.

Antes de entrarmos na apreciação da referida impugnação propriamente dita, impõe-se enunciar os critérios a que a apelante se encontra adstrita em sede de impugnação da matéria de facto, sem os quais não é consentido a esta Relação que entre nessa apreciação, bem como indicar os critérios que consentem que a 2ª Instância altere o julgamento feito pela 1ª Instância.

B.1.1- Da impugnação da matéria de facto em geral

Com a reforma introduzida ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.

Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Como vem sendo repetidamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este, que tido por absoluto, transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (1).

Deste modo, perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância, embora nesta tarefa esteja naturalmente limitada pelo princípio da imediação e da oralidade.

Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).

Nessa sua livre apreciação a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (2).

Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transformasse na repetição do julgamento realizado em Primeira Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.

Deste modo, com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição do julgamento e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (3), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.

Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).

Precise-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna.

Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações.

Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (4), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e e) … deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.

O cumprimento dos referidos ónus, como adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações, posto que apenas na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (5).

Como consequência do que se vem dizendo, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (6).

B.1.2- Critérios a observar pelo Tribunal da Relação em sede de modificação dos factos julgados provados e não provados pela 1ª Instância.

Não obstante a Relação deva reponderar a prova produzida quanto à matéria de facto impugnada pela apelante, formando a sua própria convicção autónoma quanto à mesma, como tem sido posto em destaque pela doutrina e jurisprudência, porque se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, o uso pela mesma dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Significa isto que a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise de toda a restante prova produzida, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.

O que se acaba de dizer encontra sustentação na expressão “imporem decisão diversa” expressa no n.º 1 do art. 662º, bem como no elemento teleológico desta norma.

Deste modo, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (7).

B.1.3- Da impugnação da matéria de facto operada pela apelante.
Assentes nas enunciadas premissas, analisadas as alegações de recurso, podemos concluir que a apelante cumpriu com todos os ónus que sobre si impendiam, posto que indica, nas conclusões, a concreta matéria que impugna (ponto 7º - não 1º, como por manifesto lapso de escrita escreve), assim como a decisão que, no seu entender, deve ser proferida quanto à mesma (propugnando no sentido de que essa matéria seja julgada como “provada”) e indica os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, sustentam aquele julgamento que propugna e, quanto à prova gravada, indica as passagens em que funda o seu recurso, procedendo, inclusivamente, à respetiva transcrição.

A apelante faz uma análise crítica da prova produzida, sustentando que dos depoimentos prestados pelas testemunhas Manuel, V. C. e José, as quais, com exceção de Manuel, foram arroladas pelo apelado, resulta cristalinamente o contrário do que consta da sentença recorrida.

Deste modo, nada obsta, mas antes impõe, que se entre na apreciação da sindicância feita pela apelante em relação ao julgamento da 1ª Instância quanto à matéria do ponto 7º dos factos julgados não provados na sentença recorrida.

Estão em causa os seguintes factos julgados não provados pelo tribunal a quo:

“O Réu doou à Autora o valor de 10.000,00 euros, com que contribuiu para o pagamento das obras do imóvel em causa”.

O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos:

“A decisão sobre a matéria de facto baseou-se no conjunto dos depoimentos prestados em audiência de julgamento e no seu confronto, bem como no teor dos documentos constantes dos autos.
(…)
Já quanto a quem pagou essas obras, foram considerados os depoimentos prestados pelas testemunhas.

Assim, J. L., primo da autora, disse saber que a autora e o réu viveram em união de facto, na casa em questão, a qual era da avó da autora, foi da mãe desta após partilhas e é da autora atualmente. Afirmou que nessa casa foram feitas obras, referindo que a mesma estava muito deteriorada quando para lá foram viver. Disse não saber quanto gastaram nas obras, quem as pagou ou se o réu contribuiu. Disse que a autora fazia todos os serviços domésticos e ainda ia trabalhar para fora, para várias pessoas, embora não fosse capaz de indicar alguma. Quanto às obras esclareceu que fizeram mais um piso e um anexo com WC, confirmando que as obras foram feitas quando a autora e o réu viviam juntos.

A. C. disse que conhecia a autora e o réu e afirmou que a casa em questão era da avó da autora, depois foi da sua mãe, e agora é da autora, o que sabe porque viveu na aldeia até aos 16 anos e agora vai lá aos fins de semana. Referiu que o réu se juntou com a autora e viveram muitos anos nessa casa, afirmando também que fizeram obras na mesma, quando viviam juntos. Afirmou, ainda, que a autora é visita da casa da mãe da testemunha, pelo que a vê todos os domingos, dizia que ia fazer um aumento na casa que custava 20.000 euros, mas que apenas sabe o que a autora dizia. Disse que a autora pagou metade do valor das obras; que o réu vivia lá em casa, mas que não pagava nada; que a autora fazia todos os trabalhos domésticos; que não lhe conhecia emprego, mas que tinha dinheiro; que o réu ia ao estrangeiro fazer contratos e trabalhava na construção civil. No essencial, esta testemunha, nada sabia de concreto, a não ser o que a autora lhe dizia.

Manuel disse ser construtor civil e ter feito trabalhos na casa em questão, em 2011 ou 2012, onde viviam a autora e o réu com a filha de ambos. Referiu as obras que fizeram, mas disse não se recordar do valor, embora tivesse admitido que deram os orçamentos de fls. 65 a 67. Explicou como foram acordadas as obras, com a autora, referindo que a certa altura a autora ficou sem dinheiro e o réu lhe emprestou, mas acabando por dizer que sabia que o réu vivia com a autora e que se apercebeu que o réu acabou por lhe dar 10.000 euros, e mais mil euros para concluir o telhado, mas em relação a estes, o réu disse que a autora tinha que lhos dar. Disse que o réu trabalhava na construção civil e que a autora apenas fazia trabalhos esporádicos para terceiros.

V. C., irmão da testemunha anterior, confirmou que fez trabalhos ma casa em questão e que conhecia a autora e o réu há muitos anos, pelo que sabe que viveram juntos e têm uma filha. Referiu que as obras que fizeram na casa, foram em 2011 ou 2012, e descreveu quais foram as obras. Confirmou que o orçamento que deram foi de 20.000 euros e disse que o réu deu 10.000 euros à autora para esta pagar, referindo que foi o que ela disse, sendo que para concluir o telhado, o réu lhe emprestou mais mil euros. Afirmou que apenas recebeu 15.000 euros, onze mil do réu e quatro mil da autora, pelo que não concluíram a obra. Disse que o anexo com o WC não foi a sua empresa que fez, mas que é uma obra que vale uns 10.000 euros.

Já a testemunha M. S. disse que é prima segundo grau da autora, pelo que sabe que ela e o réu viveram como marido e mulher durante mais de 20 anos. Disse que a autora frequentava a sua casa e que era até confidente dela. Referiu que o réu sempre trabalhou, nas obras, e que tinha dinheiro, enquanto a autora trabalhava em casa e fazia alguns trabalhos para fora. Confirmou que a casa sofreu obras e que foi o réu quem pagou, o que sabe porque foi a própria autora quem lho disse, tendo afirmado que pagou 11.000 euros para fazerem o piso de cima e que também pagou para as obras em baixo. Disse também que o réu tem uma casa, mas que vive lá a filha. Insistiu que a maior parte das obras foram pagas pelo réu, mas disse que a autora tinha dinheiro, porque emprestou 30 mil euros a uma sobrinha, mas nunca mais o recebeu. Disse, ainda, que a autora era quem fazia tudo em causa, mas que dizia que o réu é que sustentava a casa.

Finalmente, José disse conhecer autora e réu porque são da mesma aldeia, pelo que sabe que viveram juntos, na casa da autora. Afirmou que fizeram obras, os dois, mas que foi o réu quem investiu no anexo com WC, porque ela não tinha dinheiro, porque estava em casa. Referiu que foi a própria autora quem lhe disse que o réu lhe deu 10.000 euros para acabar a casa, vindo a saber mais tarde que lhe emprestou mais mil euros para acabar o telhado”.

Incumbe referir que ouvimos toda a prova produzida em audiência final e procedemos à análise de toda a prova documental e pericial junta aos autos e que somos levados a concluir que a Meritíssima Senhora Juiz não incorreu em qualquer infidelidade no resumo que fez dos depoimentos prestados pelas testemunhas e que sumariou nos termos acima referidos.

Confirma-se que, tal como sustenta a apelante, a testemunha Manuel, construtor civil que andou a executar as obras na casa propriedade da apelante e onde esta residia, mais o apelado e a filha do casal, referiu que “por aquilo que se aperceberam o Senhor Adriano acabou por dar 10.000,00 à C. L.” e que foi com esse dinheiro que a empresa de construção civil executou os trabalhos; acontece que aqueles dez mil euros não chegaram “a ponto de não chegar para ser rematado o telhado e então o senhor Adriano”, deu dinheiro para concluir as obras do telhado, concretizando, lembrar-se de, na altura, o Adriano dizer: “olha, estes dez mil euros dei-tos, mas estes mil euros, tens que mos dar”. Este Manuel explicou que, na altura, a Autora punha os materiais de construção civil e que a empresa de construção se limitava a executar os trabalhos, fornecendo a mão de obra, mas que depois a Autora já não tinha dinheiro, “mesmo para rematar o telhado e que foi aí que o Réu lhe emprestou o dinheiro necessário para que se concluísse o telhado. Mais explicou que a Autora contava com a devolução de um dinheiro que um familiar lhe devia, mas depois esse familiar não lhe pôde fazer a devolução, e, “para a casa ficar sem telhado …” (concluímos nós), o Réu emprestou-lhe os tais mil euros.

Referiu que quem sempre lhe fez os pagamentos foi a Autora.

Também se confirma que a testemunha V. C., irmão da testemunha anterior, que andou a executar os trabalhos na casa propriedade da Autora, mais esse seu irmão, confirmou que quem sempre efetuou os pagamentos das obras executadas por ele e pelo seu irmão, foi a Autora, “mas sempre com dinheiro do senhor Adriano” (o Réu), explicando que era isto que a Autora lhe dizia. Igualmente referiu que para a conclusão do telhado, o Réu lhe emprestou mil euros porque “se não, tinham de ficar por ali, porque o dinheiro acabou”.

Referiu que o orçamento inicial para a execução das obras era de 20.000,00 euros, mas que ele e o irmão não receberam esses vinte mil euros porque a obra ficou inacabada porque o dinheiro acabou, tendo apenas recebido catorze mil euros, concretizando, que dez mil euros foram dados pelo Réu à Autora, mil euros que o primeiro emprestou à segunda para acabarem as obras do telhados e os restantes quatro mil euros, que era dinheiro da Autora.

À semelhança da testemunha anterior, facto este que, de resto, foi confirmado pelas testemunhas M. S., prima em segundo grau da Autora e amiga e confidente desta, bem como por José, que conhece ambas as partes por, desde sempre, terem residido na mesma aldeia, tendo sido “criados juntos”, para executar as obras, a Autora contava que um sobrinho, a quem tinha emprestado dinheiro, lhe devolvesse esse dinheiro, o que não aconteceu e daí que as obras executadas tivessem acabado por ser pagas pelo Réu.

Por último, confirma-se que José referiu que a Autora lhe confidenciou que o Réu lhe “deu dez mil euros para acabar a casa”. Mais relatou que “depois soube que ele (referindo-se ao Réu) lhe terá dado mais mil euros”, concretizando que “esses mil euros já não foram dados, mas foram emprestados”.

Deste modo, confirma-se que aqueles três testemunhas, tal como refere a apelante, afirmaram em audiência final que para a execução das obras na casa que constituía a morada de família da Autora e do Réu este terá oferecido àquela a quantia de dez mil euros e terá emprestado à mesma mais mil euros para a conclusão de parte das obras – remate do telhado -, as quais, no entanto, acabaram por ficar inacabadas por falta de dinheiro.

No entanto, impõe-se analisar a fonte do conhecimento e o contexto relatado por aquelas testemunhas que, segundo elas, lhes terá permitido obter o conhecimento de que o Réu terá oferecido dez mil euros à Autora para a execução das obras e lhe terá, posteriormente, emprestado mais mil euros para as mesmas e submeter tudo aos demais factos por elas relatados e, bem assim às regras da experiência comum, a fim de se indagar da bondade daqueles afirmações.

Assim, quanto à testemunha Manuel, este referiu que quem lhe fez sempre os pagamentos das obras foi a Autora e que, uma vez acabado o dinheiro, estando a obra de remate do telhado por concluir, o Réu lhe terá emprestado mais mil euros para a conclusão desse trabalho, pretendendo que, na altura, terá ouvido o Réu a afirmar à Autora: “olha, estes dez mil euros dei-tos, mas estes mil euros tens que mos dar”, ou seja, seriam emprestados.

No entanto, submetendo desde logo estes factos às regras da experiência comum, prefigura-se-nos altamente duvidoso que sendo a Autora/apelada a pessoa que sempre fez os pagamentos dos trabalhos ao empreiteiro, o Réu Adriano se fosse reservar para ter semelhante conversa com a sua companheira, pessoa com quem vivia há longos anos em regime de união de facto, vivendo ambos, mais a filha, na casa que estava a ser objeto daquelas obras, para ter semelhante conversa com a sua companheira na presença do empreiteiro, sabendo-se que, por norma e como é razoável acontecer, semelhantes conversas, quando acontecem, são mantidas entre o casal no recato e na intimidade do lar.

De resto, cumpre relembrar à apelante, que a testemunha Manuel, antes de afirmar ter ouvido semelhante conversa do Réu para com a Autora, já afirmara que “por aquilo que nos apercebemos, o senhor Adriano acabou por lhe dar dez mil euros e então fomos trabalhando com aqueles dez mil euros, mas chegou a um ponto que já não havia (mais dinheiro) para rematar o telhado e então o senhor Adriano, para concluir o telhado…”, pretendendo que foi aí que ouvira a pretensa conversa do apelado para a apelante.

Ora, a este propósito cumpre referir que caso Manuel tivesse efetivamente ouvido semelhante conversa do apelado para a apelante, mais normal e razoável seria que logo dissesse que “tinha conhecimento” porque ouvira o “senhor Adriano a dizê-lo à D. C. L.” e não iniciar a sua versão dos factos, afirmando que “por aquilo que se aperceberam”.

Passando ao testemunho de V. C., esta testemunha referiu que foi sempre a apelante que pagou os trabalhos executados, concretizando que o fazia “com dinheiro do senhor Adriano”, isto porque era isto que a apelante “dizia”. Mais relatou que que o apelado terá “dado”, isto é, oferecido, dez mil euros à apelante para a execução dos trabalhos e que lhe emprestou mais mil euros para a realização dos trabalhos de remate do telhado.

Sucede que, para além de se nos prefigurar altamente duvidoso, à luz das regras da experiência comum, que a apelante andasse a dizer a terceiros, designadamente ao empreiteiro, qual a proveniência do dinheiro com que efetuava o pagamento dos trabalhos que estavam a ser executados, verifica-se que a testemunha V. C. não revelou, ao longo do seu depoimento, a fonte do seu conhecimento que lhe permitiu afirmar que o apelado oferecera os referidos dez mil euros à apelante e emprestou-lhe os restantes mil euros para possibilitar a conclusão dos trabalhos de remate do telhado, pelo que se desconhece, em absoluto, quais os concretos factos que possibilitam V. C. a fazer semelhante afirmação.

Quanto à testemunha José, verifica-se que esta refere que terá sido a apelante a confidenciar-lhe que o apelado lhe terá oferecido os dez mil euros “para acabar a casa” e prossegue o seu depoimento afirmando que “depois soube que ele lhe terá dado mais mil euros”, concluindo que “esses mil euros já não foram dados, foram emprestados”.

No entanto, verifica-se que também a testemunha José não revela a fonte que lhe permite distinguir a entrega feita pelo apelado à apelante dos dez mil euros da dos mil euros, e assim, afirmar que os mil euros, contrariamente ao que aconteceu com os dez mil euros, que foram dados, foram emprestados.

Acresce precisar que de acordo com os depoimentos prestados por Manuel e V. C., os dez mil euros não terão sido oferecidos pelo apelado à apelante “para acabar a casa”, mas antes para pagamento dos trabalhos executados na casa.

Acresce que sendo, de acordo com os depoimentos unânimes prestados pelas testemunhas, a apelante doméstica, fazendo apenas ocasionalmente trabalho remunerados para terceiros, quando estes dela necessitassem, sendo o apelado o único membro do agregado que tinha trabalho regular remunerado, não era o apelado que “dava” à apelante a maior parte do dinheiro que permitia ao agregado familiar, constituído por ambos e pela filha do casal, sobreviver?

Relembra-se à apelante que todas as testemunhas que depuseram em audiência final foram concordantes entre si em afirmar que apelante e apelado viveram em união de facto durante longos anos, tendo deste relacionamento nascido uma filha, que vivia com eles e que segundo a testemunha Marília já contava 24 anos de idade à data da audiência final.

Relembra-se à apelante que todas as testemunhas foram unânimes em afirmar que a apelante era doméstica e que a casa objeto dos autos, onde foram efetuadas as obras, lhe fora doada pela mãe para que a apelante olhasse por ela, uma vez que era pessoa doente.

Relembra-se à apelante que de acordo com os depoimentos unânimes prestados por todas as testemunhas, a apelante fazia a lide doméstica, olhava pela mãe, entretanto falecida, que era pessoa doente, e que apenas ocasionalmente executava trabalho remunerado para terceiros, quando estes dela necessitassem e a chamavam, e que, consequentemente, o agregado familiar vivia essencialmente dos proventos do trabalho auferidos pelo apelado, único elemento do agregado que tinha trabalho remunerado regular.

Mais se relembra à apelante que embora a apelante tivesse algum dinheiro, dinheiro que, aliás, contava para a execução das obras na casa, segundo os depoimentos unânimes prestados pelas testemunhas Manuel, M. S. e José, esta emprestou, pelo menos, a maior parte desse dinheiro a um familiar, que não lho pôde restituir, e daí que as obras tenham sido executadas essencialmente com dinheiro proveniente do apelado e ainda assim aquelas obras ficaram inacabadas.

Relembra-se à apelante que conforme emerge dos depoimentos unânimes prestados por todas as testemunhas que depuseram em audiência final e é, de resto, corroborado pelo teor do relatório pericial de fls. 111 a 128 e fotografias a ele juntas, que se está perante um agregado familiar de fraquíssimos recursos económicos, ao ponto de, no dizer da testemunha Manuel, chover no interior da casa quando aquele foi chamado pela apelante para dar orçamento para as obras que esta pretendia empreender, obras essas que ainda assim não chegaram a ser concluídas por falta de dinheiro. Consequentemente, ainda que a apelante tivesse, como tinha, algum dinheiro aforrado (tanto assim que o emprestou, pelo menos, na maior parte, a um familiar seu), esse dinheiro era necessariamente escasso, assim como escasso era forçosamente o dinheiro do apelado, principal fonte de rendimento do agregado familiar, posto que caso assim não fosse certamente que aquele agregado familiar não teria vivido numa casa em que chovia e, uma vez empreendidas as obras, teria certamente acabado as mesmas.

Neste contexto, à luz das regras da experiência comum não se antolha como razoável aceitar-se que o apelado fosse doar dez mil euros à apelante, quando ele próprio era pessoa de modestos recursos económicos e vivia, mais o agregado familiar, essencialmente dos seus rendimentos de trabalho.

À luz das regras da experiência comum não é razoável aceitar-se, sequer, que apelante e apelado estabelecessem qualquer distinção entre dinheiro da apelante e dinheiro do apelado, quando ambos viviam em união de facto há já vários anos, com uma filha comum, vivendo o agregado essencialmente dos rendimentos do trabalho do apelado, num meio tradicional e rural, onde não é habitual estabelecer-se essas distinções de “dinheiros” e quando se tratava de um agregado de escassos recursos económicos, onde o mais normal e natural é ambos os membros do casal contribuírem para as despesas do agregado familiar, incluindo para as obras que levaram a cabo para dotar a casa de morada de família de condições mínimas de habitabilidade, em função naturalmente das forças económicas de cada um – a apelante, que era doméstica, com o escasso dinheiro que ia ganhando nos ocasionais trabalhos que executava para terceiros (já que o dinheiro que tinha aforrado, tinha-o, pelo menos, em grande parte emprestado), e o apelado, único que tinha trabalho estável, com a maior parte do contributo para essas despesas.

Acresce precisar que esta foi a leitura que o tribunal a quo fez da prova produzida, conforme se alcança dos factos que julgou como provados nas alíneas F a N e P, não impugnados pela apelante, leitura esta que se corrobora, por corresponder à nossa convicção autónoma.

Neste contexto, bem andou o tribunal a quo em concluir pela não prova da factualidade vertida no ponto 7º dos factos julgados não provados na sentença recorrida, por a prova produzida não consentir outra leitura.

Nesta conformidade, na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, conclui-se pela não prova da matéria vertida no ponto 7º dos factos julgados não provados na sentença recorrida, que aqui se confirma.

Mantendo-se inalterado o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, resta verificar se a sentença recorrida padece dos vícios quanto à decisão de mérito nela proferida que a apelante lhe assaca.

B.2- Do enriquecimento sem causa.

Sustenta a apelante que a sentença recorrida padece de erro de direito, ao tê-la condenado no pagamento da quantia de onze mil euros, acrescida de juros de mora, correspondente ao contributo dado pelo apelado para as obras naquela que era a casa de morada de família daquela e do apelado, bem como da filha de ambos, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, sustentado que não se verificam os pressupostos legais deste instituto e que o apelado nem sequer alegou factos constitutivos desses pressupostos.

Vejamos se assiste razão à apelante para semelhante crítica.

O instituto do enriquecimento sem causa encontra-se regulado nos arts. 473º a 482º do CC. e tem natureza subsidiária, pelo que o empobrecido apenas pode recorrer ao mesmo quando a lei não lhe facultar outro meio de reação (art. 474º do CC).
Trata-se de um instituto que se destina a solucionar situações de “enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia” (8) e que é fonte autónoma de obrigações.

Deste modo é que o art. 473º, n.º 1 do CC. estatui que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, concretizando o seu n.º 2, que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

Conforme é entendimento pacífico, são requisitos legais cumulativos do enriquecimento sem causa: a) que haja um enriquecimento patrimonial de alguém; b) que esse enriquecimento careça de causa justificativa; e c) que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (9).

Quanto ao primeiro requisito, o enriquecimento patrimonial consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, podendo, por conseguinte, essa vantagem traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio ou, ainda, na poupança de despesas (10).

Já no que respeita ao segundo requisito, exige-se que o enriquecimento criado esteja em desarmonia “com a ordenação dos bens aceites pelo sistema” jurídico, isto é, se o enriquecimento está de acordo com o sistema jurídico, então a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, “por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrem, o enriquecimento carece de causa”, ou dito por outras palavras, haverá uma situação de enriquecimento sem causa quando à luz dos princípios aceites no sistema jurídico, não exista uma relação ou um facto que legitime esse enriquecimento, quer porque essa relação ou facto que legitima o enriquecimento (a causa) nunca existiu, ou porque, entretanto, desapareceu (11).

Quanto ao último requisito exige-se que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição, isto é, que esse enriquecimento tenha sido obtido à custa, isto é, a expensas da pessoa que exige a restituição, sem que exista de permeio, entre o ato gerador do prejuízo dele e a vantagem alcançada pelo enriquecido, um outro ato jurídico (12), ou seja, tem de se afirmar um nexo causal entre o enriquecimento do enriquecido e o empobrecimento da pessoa que exige a restituição.

Precise-se que sendo os pressupostos legais acabados de enunciar constitutivos do direito à restituição com fundamento no instituto em referência, o ónus da prova da factualidade integrativa desses pressupostos, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 342º do CC, incumbe àquele que se arroga o direito à restituição, ou seja, no caso, ao apelado-reconvinte.

No caso, tendo a apelante instaurado ação de reivindicação contra o apelado pedindo que este fosse condenado a reconhecer o seu direito de propriedade sobre a totalidade do prédio que identifica no art. 3º da p.i., e a abandonar aquele prédio, pagando-lhe uma importância diária de dez euros por cada dia de ocupação, o apelado veio, em sede de reconvenção, pedir, além do mais, a condenação desta a pagar-lhe a quantia que investiu naquele prédio e correspondente à valorização deste, com fundamento em enriquecimento sem causa, resultante da dissolução da relação de união de facto entre aquele e a apelante.

Nesta sede, o apelado alegou e provou que aquele e a apelante, a partir de 1990, passaram a viver como se casados fossem, partilhando, mesa e habitação e montaram a casa de morada de família, no imóvel que a apelante tinha recebido de doação de sua mãe (cfr. alíneas A a G dos factos apurados).

Mais alegou e provou que ele e a apelante tinham um projeto de vida e economias comuns, tanto que fruto da vivência entre aquele e a última nasceu uma filha de ambos (cfr. alínea G dos factos apurados).

Também alegou e provou que ao viverem em comum, aquele e a apelante, quiseram constituir uma economia doméstica conjunta, para a qual participaram cada um com os seus proventos, contribuindo cada um deles para essa economia com os respetivos trabalhos e rendimentos, suportando ambos as despesas inerentes (cfr. alínea H dos factos apurados).

Igualmente alegou e provou que a apelante era doméstica e prestava serviços esporádicos para terceiros, enquanto, ele, apelado, sempre trabalhou (cfr. alínea I e J dos factos apurados).

Ainda alegou a provou que quando começaram a viver em comum, o casal foi viver para aquele imóvel que a apelante tinha recebido de doação de sua mãe, que tinha fracas condições de habitabilidade e que tinha um valor estimado correspondente a 5.500,00 euros, imóvel esse que veio a ser objeto de obras de reparação, conservação e ampliação, com a construção de mais um andar e uma casa de banho no piso novo, obras essas que foram feitas com o consentimento da apelante e com o esforço comum desta e do apelado e que aumentaram o valor desse imóvel, na medida do valor dessas obras, que foi de 25.000,00 euros, tendo o apelado contribuído com cerca de metade do valor dessas obras, mais concretamente, com o valor de, pelo menos, onze mil euros (cfr. alíneas K a P da matéria apurada).

Finalmente, o apelado alegou e provou que aquele e a apelante se desentenderam, tendo cessado a vida em comum, em maio de 2013 (cfr. alínea Q da matéria apurada).

Resulta do que se vem dizendo, que apelante a apelada vieram em união de facto a partir de 1990 até maio de 2013, atenta a circunstância do art. 1º, n.º 1 da Lei n.º //2001, de 11/05, na redação introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30/08, vigente à data em que vigorou e cessou essa relação, definir a união de facto como a “situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”, como era inequivocamente o caso de apelante e apelado.

Embora a referida Lei nº 7/2001, de 11/05, tenha adotado medidas de proteção desta realidade sociológica, essa proteção foi conferida apenas quanto aos concretos aspetos expressamente previstos nesse diploma, não tendo sido intuito do legislador, até sob pena de incorrer em flagrante inconstitucionalidade por violação da liberdade individual dos cidadãos, equiparar a união de facto ao casamento.

Com efeito, a união de facto não é casamento.

Quem recorre à união de facto faz a sua opção por não celebrar um casamento, constituindo uma intolerável violação da liberdade individual introduzir efeitos imperativos na área da união de facto destinados a equipará-la ou aproximá-la do casamento e que não foram queridos pelos cidadãos que recorreram a este meio informal de constituir família e que, de contrário, se teriam casado.

De resto, dentro do princípio da autonomia privada, onde se insere a liberdade contratual (arts. 405º do CC), esses cidadãos que recorrem à união de facto como modo de constituir família, podem, querendo, regular as suas relações jurídicas, designadamente em caso de morte de um dos elementos da união ou de rutura desta, mediante a celebração de acordos, a que a doutrina designa de “contratos de coabitação”.

Deste modo é que subscreve integralmente o entendimento sufragado por Guilherme de Oliveira e pela generalidade da doutrina e da jurisprudência, segundo o qual a união de facto não pode ser equiparada ao casamento. (13)

Resulta do que se vem dizendo que embora a relação de união de facto esteja reconhecida pelo legislador como realidade sociológica e goze da proteção legal que lhe é conferida pela referida Lei n.º 7/2001, de 11/05, com os inerentes efeitos jurídicos, o estatuto jurídico que lhe é conferido por aquele diploma nenhuma repercussão tem ao nível do património dos membros da união de facto, já que o legislador, intencionalmente, ciente da necessidade de respeitar a liberdade individual dos cidadãos que recorrem a esta forma informal de organização familiar, entendeu não regular, em termos específicos, as relações patrimoniais que se venham a desenrolar entre os conviventes (14).

Deste modo, ao contrário do que acontece no âmbito do casamento celebrado segundo o regime da comunhão geral ou da comunhão de adquiridos, na união de factos não se pode falar da existência de um património comum dos conviventes (15), uma vez que a união de facto é insuscetível de, só por si, originar um património comum entre os membros da união de facto.

É certo que tal como demonstra a realidade da vida, a comunhão de vida própria da união de facto, tal como o casamento, gera, na maioria das vezes, a contribuição (quer com a perceção de rendimentos do trabalho, quer com a realização de tarefas domésticas indispensáveis para a aquisição de bens e serviços, inerentes à vida do casal) de ambos os membros da união para a aquisição de bens e serviços, inerentes à vida do casal, como sejam a alimentação, o vestuário ou a casa onde habitam e, inclusivamente, a aquisição de outro património, designadamente, casas de férias, para arrendar ou que consubstanciam puro investimento do casal.

No entanto, não estipulando os membros da união de facto, no exercício da sua autonomia privada, cláusulas sobre a propriedade dos bens adquiridos na vigência da união de facto, designadamente para o caso de ocorrer a morte de um deles ou a rutura da relação – os denominados “contratos de coabitação”, cuja licitude resulta das regras gerais -, não existe regulamentação específica aplicável à união de facto, geradora de um património comum dos conviventes.

Não obstante isso, é entendimento jurisprudencial e doutrinal uniforme que tendo, durante a união de facto, sido adquiridos bens, pagos por ambos os conviventes, que não se enquadrem no âmbito da satisfação dos encargos normais e correntes da vida familiar, cuja propriedade, por qualquer razão, tenha ficado em nome de apenas um dos conviventes, como é o caso da aquisição de um veículo automóvel ou das quantias despendidas na aquisição de uma casa e/ou na realização de obras de valorização desta, cessando a união de facto, extinguiu-se a causa jurídica justificativa da referida contribuição monetária do convivente que, apesar do seu contributo para a aquisição ou valorização de tais bens, ficou sem nada, devendo, por isso, o outro convivente, que ficou enriquecido no seu património na medida do contributo do outro, ser condenado a restituir àquele esse seu contributo com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

Com efeito, sendo a união de facto uma forma de constituir família, que em si mesma implica o contributo de cada um dos seus elementos, “deve entender-se que tudo o que sejam despesas normais e correntes próprias de quem vive, embora informalmente, a plena comunhão de vida de que fala o art. 1577º do CC, não é repetível, finda a relação, mediante a aplicação do regime do art. 476º, e isto porque se considera que houve então uma causa justificativa para tais atribuições patrimoniais impeditivas da conclusão de que o prestado foi indevido; essa causa justificativa reside, precisamente, na subsistência da união de facto, para a qual cada um dos membros contribuiu em termos materiais pela forma tacitamente acordada pelo casal enquanto a relação se manteve” e daí que as despesas suportadas pelos conviventes durante a união de facto, ao abrigo do dever recíproco de assistência, como sejam, as despesas suportadas com o sustento, vestuário, transportes, saúde, educação, etc., dos elementos do agregado familiar dos conviventes não sejam restituíveis, designadamente ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa (16), ou, como se sustenta, noutro aresto, cuja construção jurídica se nos afigura mais consentânea com o quadro legal vigente, porque o contributo de cada um dos conviventes para essas despesas normais e correntes do agregado familiar configura o cumprimento “de uma obrigação natural, de coercitividade e repetição impossíveis, atenta a natureza da relação instituída” e que, no que tange aos filhos, por esse contributo assentar nas responsabilidade parentais dos conviventes para com os últimos (17).

Já no que respeita a despesas estranhas aos encargos normais da vida familiar suportados pelos conviventes durante a união de facto, como é o caso de encargos suportados com a aquisição ou construção de uma moradia, a realização de benfeitorias nesta, designadamente, para servir de casa de morada de família, ou a aquisição de um veículo automóvel, bens esses que, no entanto, eram propriedade exclusiva de apenas um dos conviventes ou que ficaram a figurar como propriedade exclusiva de um deles, este convivente, uma vez dissolvida a união de facto, ficou claramente favorecido no seu património, com o inverso empobrecimento do património do outro convivente que, apesar do seu contributo para a aquisição ou a valorização do bem em causa, com nada ficou.

No entanto, a relação familiar estabelecida entre os conviventes a partir da união de facto não é alheia a esse contributo, uma vez que este foi feito pelo convivente para a aquisição daqueles bens ou para o respetivo melhoramento a fim dos mesmos naturalmente serem fruídos pelos membros da união de facto.

Nestas circunstâncias, “pode afirmar-se que a união de facto constitui a causa jurídica da contribuição monetária realizada” pelo convivente não proprietário, pelo que “com a dissolução da união de facto extinguiu-se a causa jurídica justificativa da referida contribuição, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada” para a aquisição ou valorização do bem exclusivamente propriedade do outro convivente. “Trata-se, com efeito, do superveniente desaparecimento da causa da deslocação patrimonial, que representou tal contribuição monetária, correspondente à conditio ob causam finitam consagrada no n.º 2 do art. 473º do CC”, pelo que ocorrendo nestes casos uma clara situação de enriquecimento sem causa, que despareceu em virtude da dissolução da união de facto, por parte do convivente que ficou dono exclusivo do bem, em detrimento do outro convivente, deverá aquele ficar sujeita à obrigação de restituir com base no instituto do enriquecimento sem causa (18).

No caso, a partir de 1990, apelante e apelado passaram a viver em união de facto e quiseram constituir uma economia doméstica conjunta, para a qual participaram cada um com os seus proventos, contribuindo cada um deles para essa economia com os respetivos trabalhos e rendimentos, suportando ambos as despesas inerentes.

O casal montou casa de morada de família no imóvel propriedade da apelante, que tinha fracas condições de habitabilidade, e vieram nele a realizar obras de reparação, conservação e ampliação, com a construção de mais um andar e uma casa de banho no novo piso, obras essas que foram executadas com o esforço comum de ambos e com o consentimento da apelante e para o qual o apelado contribuiu com, pelo menos, onze mil euros.

No entanto, o casal desentendeu-se, tendo cessado vida em comum, em maio de 2013.

Naturalmente que com a dissolução da união de facto, a apelante ficou enriquecida no seu património na medida do contributo prestado pelo apelado para a execução daquelas obras, com o consequente empobrecimento deste último em igual medida, ou seja, onze mil euros.

Os encargos suportados pelo apelado com as referidas obras não consubstanciam indiscutivelmente encargos normais e correntes da vida familiar, posto que respeitam a obras de reparação, conservação e ampliação de uma casa.

O encargo suportado pelo apelado para a execução dessas obras tem como causa justificativa a união de facto, tanto assim que se tratou de encargos com obras de reparação, conservação e ampliação daquela que era a casa de morada de família dos conviventes, casa essa que dispunha de fracas condições de habitabilidade e assentou na decisão conjunta de ambos os conviventes de querem constituir uma economia conjunta doméstica, para a qual participariam (e participaram) cada um com os seus proventos, contribuindo cada um deles para essa economia com os respetivos trabalhos e rendimentos, suportando ambos as inerentes despesas.

No entanto, dissolvida a união de facto em maio de 2013, e com ela o referido acordo dos conviventes de contribuírem para a economia doméstica conjunta, suportando ambos os inerentes encargos, é manifesto e não nos merece dúvidas, que a causa que justificou o contributo feito pelo apelado para a execução das referidas obras, desapareceu e com esse desaparecimento a apelante deixou de ter qualquer causa justificativa à luz do sistema jurídico para não restituir ao apelado os referidos onze mil euros que o mesmo despendeu e com o qual aquela viu enriquecido o seu património em detrimento do apelado.

Aqui chegados, impõe-se concluir encontrarem-se preenchidos os três pressupostos cumulativos do instituto do enriquecimento sem causa, pelo que nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, ao condenar a apelante a restituir ao apelado a quantia de onze mil euros, acrescida de juros de mora, desde a data da notificação àquela da reconvenção, até integral e efetiva restituição, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

Argumenta a apelante que assim não é, uma vez que para que se pudesse concluir pela existência do enriquecimento sem causa era necessário que o apelado tivesse alegado e provado que tinha contribuído para a execução daquelas obras no pressuposto da manutenção da vida em comum, o que, na sua perspetiva, não acontece, mas sem manifesta razão.

Na verdade, que o apelado contribuiu para as obras em referência no pressuposto da manutenção da vida em comum, resulta demonstrado do facto de se ter apurado que essas obras foram realizadas naquela que era a casa de morada de família do agregado familiar dos conviventes e, bem assim de se ter provado que apelante e apelado, ao viverem em comum, quiserem constituir uma economia doméstica conjunta, para a qual participaram cada um com os seus proventos, contribuindo cada um deles para essa economia com os respetivos trabalhos e rendimentos, suportando ambos as despesas inerentes, o que é bem demonstrativo que o apelado contribuiu para aquelas obras no pressuposto da manutenção da união de facto.

Acresce precisar que conforme se escreve no Ac. da RP. de 04/02/2016 (19) “Os encargos periódicos de manutenção da casa, que são despesas normais e correntes próprias de quem vive, ainda que informalmente, uma comunhão de vida (união de facto), não podem fundar, por regra, uma pretensão de enriquecimento sem causa. Esta conclusão já não vale em relação aos bens que subsistem depois da cessação da união de facto. Sendo os pagamentos (para aquisição desses bens) feitos no âmbito de uma união de facto, quando esta deixa de existir deixa de haver a causa que os justificavam, presumindo-se por isso, daqueles factos, que eles foram feitos na pressuposição da manutenção da vida em comum (há pois uma presunção natural de não definitividade da atribuição (indiretamente) realizada pelo autor em favor da ré – uma presunção (natural) de condicionamento, no sentido em que a dita atribuição é querida como condicionada à própria subsistência da relação convivencial de união de facto (ainda que essa condições não seja explicitada)”.

De resto, conforme se escreve naquele aresto, parafraseando Pereira Coelho “…o significado normal desses pagamentos em relações convivenciais deste tipo, se pode tirar uma presunção natural de que não houve, por parte do autor, qualquer propósito de operar uma transferência de valor definitiva para a ré, fosse a que título fosse (…) na realidade, (…) o que é normal, quando um dos companheiros toma, logo no início da sua união, a iniciativa de comprar um apartamento e pagar o respetivo preço – apartamento destinado, justamente, a servir de casa de morada comum -, ficando todavia esse apartamento por qualquer razão em nome da companheira, o que é normal, dizíamos, não é certamente que aquele pretenda realizar uma doação em favor desta (…). O que é normal, bem pelo contrário, é que é normal, é que, insistimos, o companheiro queira, para já, apenas adquirir a casa que vai servir de morada comum; e, procedendo ele ao pagamento do respetivo preço, pretenda assumir definitivamente a respetiva propriedade, ou pelo menos que pretenda ser compensado ou restituído pelo preço que pagou em vão, se e quando sobrevier a necessidade de, em resultado de uma eventual rutura, se realizar a “partilha” dos bens do “casal”. Se o imóvel ficou agora em nome da companheira, isso dever-se-á a qualquer circunstância pontual (…); e será, em qualquer caso, um pormenor a que os companheiros no momento não atribuíram grande significado, dada a relação de informalidade, despreocupação e plena confiança que entre eles se estabeleceu. Concluímos pois que (…), o específico quadro de circunstâncias (uma relação convivencial análoga à relação interconjugal) aqui em presença aponta (…) para uma presunção (natural) de “não definitividade” da atribuição (indirectamente) realizada pelo autor em favor da ré – uma presunção (natural) de condicionamento, no sentido em que a dita atribuição é querida como condicionada à própria subsistência da relação convivencial de união de facto”.

Estas judiciosas considerações, que não podemos deixar de subscrever, são aplicáveis integralmente ao caso sobre que versam os autos, e não fossem os fundamentos já atrás enunciados, sempre imporiam que se concluísse pela improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante.

Termos em que se conclui pela improcedência dos fundamentos invocados pela apelante.

B.3- Da prescrição do direito do apelado à restituição com fundamento em enriquecimento sem causa.

Sustenta a apelante que o direito à restituição exercido pelo apelado, em sede reconvencional, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa se encontra prescrito à luz do art. 482º do CC, em virtude de quando foi notificada do pedido reconvencional estarem decorridos mais de três anos sobre a cessação da união de facto, que se dissolveu em maio de 2013.

Quid iuris?

A prescrição assente num facto jurídico involuntário: o decurso do tempo,
Segundo Domingues de Andrade, o instituto da prescrição tem o seu fundamento específico “na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar a direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica (dormientibus no succurit jus)”, apontando este autor outras razões, que coloca num plano secundário, como motivos justificativos do instituto em referência, como seja, a certeza e a segurança jurídica, a proteção dos obrigados, especialmente dos devedores, contra as dificuldades de prova e o exercício de pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o exercício ou efetivação dos mesmos quando deles não queiram abdicar. (20)
Já para Menezes Cordeiro são dois os fundamentos do instituto da prescrição – fundamentos atinentes ao devedor, e de ordem geral. Quanto ao primeiro, “a prescrição visa, essencialmente, relevá-lo de prova” e, quanto ao segundo ele “(…) relevaria de razões atinentes à paz jurídica e à segurança” (21).

Quanto a nós, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados, em que os principais fundamentos se reconduzem: a) à probabilidade de ter sido feito o pagamento; b) à presunção de renúncia do credor ao exercício do direito; c) à necessidade de sancionar a negligência do credor; d) à necessidade de consolidação de situações de facto; e) à necessidade de proteção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; f) à necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; g) à necessidade de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; e, bem assim h) à necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos por parte dos respetivos titulares (22).

Verificada a prescrição, o seu beneficiário tem a faculdade de licitamente recusar a prestação a que se encontrava adstrito (art. 304º, n.º 1 do CC), de onde deriva que a prescrição não extingue o direito, mas antes se limita a paralisá-lo, dado que apenas confere ao devedor o direito potestativo – se o direito não for exercido, a obrigação mantém-se civil, não se produzindo quaisquer efeitos, mas se a prescrição for invocada, a obrigação converte-se em obrigação natural e como tal inexigível, mas com solutio retendi (n.º 3 do art. 304º do CC) (23).

Sendo a prescrição um facto impeditivo do direito do credor, o ónus da prova da prova dos factos constitutivos desta impende, naturalmente, nos termos do n.º 2 do art. 342º do CC, sobre o devedor, isto é, no caso, sobre a apelante.

Dispõe o art. 482º do CC., que “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data e que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento”.

Prevê este normativo, à semelhança do que acontece com o art. 498º do CC, dois prazo prescricionais, a saber: um de curto prazo, que ascende a três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa responsável, e outro, o prazo de prescricional ordinário, que é de 20 anos sobre a data do enriquecimento (parte final do art. 482º e 309º do CC).

Atingido qualquer um daqueles limites temporais, o direito à restituição prescreve.

A razão de ser daquele prazo prescricional de curto prazo está “na pressão que a lei pretende compreensivelmente exercer sobre o credor no sentido de usar do seu direito, logo que tenha os elementos necessários para agir: o conhecimento do direito que lhe assiste (como quem diz dos elementos constitutivos do seu direito) e da pessoa do responsável” (24)

Conforme resulta dos fundamentos jurídicos atrás enunciados a propósito dos fundamentos em que assenta a restituição com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa por via da dissolução da união de facto, tem-se entendido que, como regra, a contagem do prazo prescricional de três anos conta-se a partir da data da dissolução da união de facto (25).

Interrompendo-se a prescrição pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art. 323º, n.º 1 do CC), tendo, no caso, a união de facto que intercedia entre apelante e apelado cessado em maio de 2013, dúvidas não podem subsistir que quando a apelante foi notificada da reconvenção, em que o apelado exerce o direito à restituição, de acordo com aquela regra geral, já se encontrava prescrito esse direito.

Aliás, essa prescrição já se verificava quando o apelado deduziu a reconvenção e, inclusivamente, quando em junho de 2016, a apelante instaurou contra aquele a presente ação de reivindicação, pedindo a condenação deste a abandonar o imóvel que foi a casa de morada de família do agregado familiar.

Acontece que o presente caso tem particularidades das quais, de modo algum nos podemos abstrair, sob pena de grave injustiça e de prejuízo para a certeza e a segurança jurídicas, qual seja, o facto de apesar da união de facto entre apelante e apelado se ter dissolvido em maio de 2013, o último manter-se a residir no imóvel que foi a casa de morada de família do casal, onde habita desde 1990 e onde foram realizadas as obras para a qual contribuiu e de onde emerge o seu crédito à restituição na sequência da dissolução da união de facto (cfr. alíneas Q, T e E da matéria apurada).

É que conforme resulta das regras da experiência comum, tal como sucede num casamento, na união de facto, sobretudo naquelas que perduraram há longos anos, como foi o caso da relação de união de facto estabelecida entre apelante e apelada, que perdurou desde 1990 até maio de 2013, a dissolução dessa relação nem sempre é percetível, de imediato, para os conviventes, que apesar da separação, acreditam (e são levados a acreditar), principalmente quando continuam a residir naquela que foi a casa de morada de família do “casal”, como é o caso do apelado, que essa separação não é definitiva e que, a breve ou médio prazo, ocorrerá uma reconciliação, vindo-se apenas a aperceber da definitividade dessa separação e da consequente dissolução da união de facto e, por conseguinte, do seu direito à restituição, quando ocorrem factos posteriores que lho tornem percetível, assim como tornariam perceptível a qualquer observador externo médio que vivenciasse semelhante situação, como seja, quando se vê confrontado com uma situação em que o outro convivente lho manifesta expressamente, afirmando-lhe o seu ensejo de não mais com ele pretender viver, quando lhe exija o abandono daquela que foi a casa de morada de família, onde aquele continuou a residir na sequência daquela zanga e separação do casal ou quando esse seu parceiro arranja novo parceiro ou, ainda, com o decurso de um período razoável de tempo, que evidencie que a separação foi efetivamente definitiva e que a dissolução da união de facto se consumou efetivamente.

Destarte, apenas quando se verificam os enunciados eventos posteriores é que o convivente, quando permanece a residir na casa de morada de família, tal como os cônjuges, em caso de rutura do casamento, fazendo um juízo de prognose póstuma, consciencializam (e podem consciencializar) que a rutura ocorrida em determinado momento temporal anterior a essa consciencialização foi efetivamente definitiva e que a dissolução da união (ou do casamento) se consumou e que, consequentemente, tomam conhecimento do enriquecimento desse seu parceiro à sua custa e do consequente direito que lhes assiste à restituição.

No caso, provou-se que apelante e apelada desentenderam-se, tendo cessado a vida em comum, em maio de 2013 (cfr. alínea Q da matéria apurada).

Acontece que não tendo a apelante alegado e, consequentemente, não tendo provado, em que concretas circunstâncias é que ocorreu essa cessação da vida em comum em maio de 2013, nomeadamente, se manifestou ou não, então, ao apelado o seu ensejo de não mais viver com ele e permanecendo o último, desde então, a residir naquela que foi a casa de morada de família do casal, tal como concluiu o tribunal a quo, dessa escassa materialidade fáctica, não é possível concluir que o apelado tivesse consciencializado, em maio de 2013, que a rutura era definitiva, que tinha cessado a união de facto entre eles e que, consequentemente, tivesse então tomado conhecimento do enriquecimento da apelante à sua custa, por forma a poder exercitar o direito que lhe assiste à restituição.

Sem dúvida alguma que o apelado tomou consciência da dissolução da união de facto e do consequente enriquecimento da apelante à sua custa e do seu direito à restituição, quando esta lhe exigiu que abandonasse aquela que até aí fora a casa de morada de família do agregado familiar de ambos e onde aquele, após maio de 2013, continuou a residir.

No entanto, não tendo a apelante alegado e, consequentemente, não tendo provado que tivesse feito essa exigência ao apelado antes de instaurar a presente ação de reivindicação, onde pede a condenação do apelado a abandonar essa que fora a casa de morada de família de ambos, tal como conclui o tribunal a quo, apenas se pode concluir que o apelado tomou conhecimento do enriquecimento da apelante à sua custa e, por conseguinte, do direito à restituição que lhe assiste, aquando da sua citação para os termos da presente acção (26).

Tendo o apelado sido citado para os termos da presente ação em 09/06/2016 (cfr. fls. 16), é indiscutível que aquando da notificação da apelante-reconvinda para os termos da contestação, em que aquele exerce o seu direito à restituição sobre o imóvel que constitui a casa de morada de família, sua propriedade, o direito daquele não se encontrava prescrito.

Na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, improcede a sua pretensão.

B.4- Do direito de retenção.

Argumenta a apelante que a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida, ao reconhecer ao apelado o direito de retenção sobre o imóvel enquanto não lhe for pago por aquela o crédito de restituição que assiste ao primeiro, sustentando não se encontrarem preenchidos os pressupostos legais do direito de retenção, além que o crédito invocado pelo Réu não resulta de despesas feitas por ele por causa do imóvel, pois que quem teve essas despesas não foi o Réu, mas sim o empreiteiro, que levou a cabo as obras em questão, pelo que o direito de retenção, a existir, apenas a ele, empreiteiro, caberia.
Argumenta ainda que o Réu não está obrigado a entregar nenhuma coisa à Autora, pois que esta já está, e desde há muitos anos, na posse de tal imóvel, e na qualidade de única proprietária e que o que o Réu está, é obrigado a abandonar o imóvel, juntamente com as suas coisas.

Por último, argumenta que não é aceitável configurar-se um direito de retenção de um imóvel, que permitisse que o retentor pudesse, ou tivesse mesmo, que compartilhar uma casa de habitação, designadamente diversos compartimentos e utensílios da apelante, designadamente, cozinha e casa de banho, que é dona da casa e com quem o apelado está incompatibilizado.

Apreciando.

Como é sabido, o direito de retenção encontra-se, em geral, previsto no art. 754º do CC, onde se estatui que: “o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção, se estando obrigado a entregar a coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.

Trata-se de um direito real de garantia, não sujeito a registo, dado que deriva diretamente da lei e não de negócio jurídico, funcionando como espécie de penhora legal e que como direito real que é, vale ergo omnes, podendo ser defendido e ser oposto pelo respetivo titular perante terceiros, conferindo-lhe a faculdade de reter ou não restituir uma coisa alheia, que possui ou detém, até lhe ser pago o que lhe é devido por causa dessa coisa.

O direito de retenção desempenha uma dupla função: como direito real de garantia, garante que o crédito do seu beneficiário será satisfeito, não o sendo voluntariamente, a partir do valor da coisa; como meio coercivo, pressiona o devedor ao cumprimento, uma vez que enquanto não o fizer, não logrará conseguir a entrega da coisa, ainda que esta valha mais que a dívida, cujo cumprimento garante (27).
Tal como resulta do enunciado art. 754º, para que exista direito de retenção é necessário que se encontrem preenchidos os seguintes pressupostos legais cumulativos: a) que o titular do direito de retenção detenha a coisa licitamente (art. 756º, al. a) a contrário); b) que simultaneamente seja credor daquele a quem deva a restituição (art. 754º); e c) a conexão substancial e funcional entre a coisa retida e o crédito do autor da retenção (28).

No caso, o apelado detém licitamente o imóvel na medida em que foi para ele residir em 1990, na sequência da união de facto que estabeleceu com a apelante, proprietária deste, de onde nunca saiu; aquele é credor da quantia de onze mil euros sobre a apelante, correspondente ao valor do seu contributo para as obras de reparação, conservação e ampliação realizado nesse imóvel durante a constância da união de facto, entretanto dissolvida, e, finalmente, esse crédito resulta de despesas feitas pelo apelante por causa desse prédio, mais concretamente, obras de reparação, conservação e ampliação do mesmo.

Aqui chegados, verifica-se estarem preenchidos todos os pressupostos legais do direito de retenção.

Precise-se que o argumento da apelante segundo o qual não teria sido o apelado que teria efetuado as despesas no imóvel, mas sim o empreiteiro, não passa de um argumento artificioso na medida em que o empreiteiro não trabalho naturalmente gratuitamente, mas mediante pagamento, pagamento esse de obras que o apelado suportou no montante de onze mil euros.

Em relação ao argumento segundo o qual o apelado não está obrigado a entregar o imóvel à apelante, o mesmo contradiz a circunstância desta o ter demandado no âmbito da presente ação de reivindicação, onde precisamente pede que aquele abandone aquele imóvel e lho restitua livre de pessoas e bens.

Finalmente, o argumento de que não é aceitável configurar-se um direito de retenção de imóvel, que permitisse ao retentor partilhar a casa de habitação com aquela, é uma consequência que decorre da lei e que se traduz numa situação que a apelante vem vivenciando desde 1990, data em que passou a residir com o apelado nesse prédio, em situação de união de facto, permanecendo com ele aí a residir após maio de 2013, data em que cessou essa relação, até à atualidade, tratando-se, de resto, de situação de que aquela pode facilmente libertar-se, bastando-lhe para o efeito pagar ao apelado o seu crédito sobre a mesma.

Improcedem os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante.

B.5- Das custas.

Argumenta a apelante que a sentença recorrida padece de erro de direito ao condená-la em metade das custas da reconvenção, o que não se mostra conforme ao respetivo decaimento, uma vez que, na reconvenção, o apelado-reconvindo peticionou que aquela fosse condenada a pagar-lhe 54.980,00 euros, quantia essa que a sentença reduziu a 11.000,00 euros, sendo, pois, o decaimento do apelado cinco vezes superior ao daquela.

Sem dúvida alguma que o enunciado reparo da apelante à sentença recorrida mereceria a nossa total adesão, caso o pedido reconvencional se cingisse ao pedido de condenação da apelante-reconvinda a pagar ao apelado-reconvindo a quantia de 54.980,00 euros.

Acontece que não é assim, uma vez que o pedido reconvencional envolveu, para além daquele pedido, a declaração da união de facto entre apelante e apelado e, bem assim a condenação da apelante a reconhecer o direito de retenção sobre o imóvel, pedidos estes ao que a apelante se opôs, pedindo que fosse deles absolvida, no que decaiu.

Consequentemente, devendo a decisão que julgue a ação condenar a parte que a elas houver dado causa e entendendo-se, para estes efeitos, que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC), nenhuma censura nos merecesse a decisão recorrida quando fixou, em relação às custas da reconvenção, o decaimento do apelado-reconvinte e da apelante-reconvinda em partes iguais.

Resulta do exposto que, na improcedência de todos os fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, se impõe julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
**
Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação totalmente improcedente e, em consequência:

- confirmam a sentença recorrida
*
Custas pela apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 18 de outubro de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha



1. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
2. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
3. António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 153.
4. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
5. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
6. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
7. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
8. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, págs. 484 e 485.
9. Antunes Varela, ob. cit., vol. I, pág. 495.
10. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 454.
11. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 455 e 456. Acs. STJ. de 04/07/2007, Proc. 04/10/2007, Proc. 07B2772,in base de dados da DGSI; RC. 11/05/2004, CJ, 2004, t. 3º, pág. 8. No mesmo sentido Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2º, vol., 1990, AAFDL, pág. 56: “A ausência de causa emerge (…) da inexistência de normas jurídicas que, a título permissivo ou de obrigação, levem a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, isto é, tolerada ou querida pelo Direito”.
12. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 457 e 458.
13. Guilherme de Oliveira, in “Crónicas Legislativas, Notas Sobre a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (Alteração à Lei das Uniões de Facto)”, pág. 140.
14. Ac. STJ. de 24/10/2017, Proc. 3712/15.0T8GDM.P1.S1, in base de dados da DGSI.
15. Ac. RL. de 26/10/2010, Proc. 1874/05.4TCSNT.L1-7, in base de dados da DGSI.
16. Ac. STJ. de 20/03/2014, Proc. 2152/09.5TBBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Ac. RC. de 22/05/2018, Proc. 619/16.8T8MGR.C1, na mesma base de dados.
17. Ac. STJ de 24/10/2017, Proc. 3712/15.0T8GDM.P1.S1, base de dados da DGSI.
18. Ac. STJ. de 03/11/2006, Proc. 390/09.0TBBAO.S1; no mesmo sentido Ac. STJ. de 08/05/1997, CJ/STJ, t. II, págs. 81 e 82; RL. 21/01/1999, CJ., t. I, págs. 83 e ss.; STJ, de 29/04/2014, Proc.1071/7TBABT.E1.S1, embora a propósito da cessação de um casamento em regime de separação de bens, cujos fundamentos jurídicos se aplicam, na nossa perspetiva, à união de facto; RC. de 11/05/2014, Proc. 712/04, in base de dados da DGSI.
19. Ac. RP. de 04/02/2016, Proc. 390/09.0TBBAO.P1, relatado por Pedro Martins, acessível in Google.
20. Domingos de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico”, Coimbra, 1983, vol. II, pág. Para Aníbal de Castro, in “A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência”, 3ª ed., Livraria Petrony, 1984, pág. 29, “a prescrição tem por fundamento específico a recusa de proteção a um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular, e ainda a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica”.
21. Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil”, vol. V, 2011, Almedina, págs. 159 e segs.
22. Vaz Serra, BMJ, n.º 105º, págs. 32 e 33. Ac. RL de 25/03/2010, Proc. 1227/08.2TVLSB.L1-6, in base de dados da DGSI.
23. Ac. STJ. de 15/05/2015, Proc. 885/09.5T2AVR.C1, in base de dados da DGSI.
24. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 535.
25. Ac. STJ. de 15/05/2012, Proc. 885/09.5T2AVR.C1; RE. de 26/10/2017, Proc. 230/10.7TBSTR.E1, in base e dados da DGSI.
26. Veja-se que de acordo com Menezes Cordeiro, “Obrigações”, 1980, 2º, pág. 65, o art. 482º “estabelece dois prazos, um de três anos a partir do momento em que o credor teve conhecimento do enriquecimento, isto é, do seu direito e do responsável; um de vinte anos a partir do momento do enriquecimento, independentemente, portanto, de qualquer conhecimento.
27. Acs. STJ. 22/06/1989, AJ, 1º, 0-14; 24/02/199, Sumários, 28º, pág. 32; R.P. de 31/05/2016, Proc. 662/09.3TVPRT.P1, in base de dados da DGSI. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., Almedina, págs. 577 a 579, onde após escrever estar-se perante um verdadeiro real de garantia, que funciona como meio de coerção ao cumprimento, sustenta “… torna-se já possível definir o direito de retenção, com a necessária segurança, como o direito conferido ao credor, que se encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores”.
28. Antunes Varela, ob. cit., págs.579 a 580; Ac. STJ. 23/09/2004, CJ/STJ, 2004, t. 3º, pág. 27; Ac. RP. De 31/05/2016, base de dados da DGSI. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed. Coimbra Editora, pág. 773.