Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
954/18.0T8VRL-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL
PRESSUPOSTOS DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. O incidente de intervenção principal pretende permitir que alguém, a quem ainda não foi dada essa oportunidade, sustente em juízo interesse próprio, igual ao de primitiva parte numa acção que o tem por objecto, e não a conferir renovada e reiterada oportunidade a alguém que já o fez (com o inerente risco de repetição, ou contradição, de julgados).

II. Estando reunidos os pressupostos materiais de admissibilidade do incidente de intervenção principal espontânea (nomeadamente, a titularidade, pelo seu requerente, de um interesse igual ao de parte em acção pendente), deve o mesmo ser indeferido quando a respectiva admissão redunde na verificação de uma excepção de litispendência ou de caso julgado, por o dito requerente estar a discutir, ou já ter discutido, o interesse agora invocado em prévia acção, cuja contraparte é a mesma no processo em que depois pretende intervir.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães,

I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Herança Indivisa aberta por óbito de (..), Herança Indivisa aberta por óbito de (…) , e Outros (Herdeiros e Cabeça-de-casal das ditas heranças), e Herança Indivisa aberta por óbito de (…) , Herança Indivisa aberta por óbito de (…) e Outros (Herdeiros e Cabeça-de-casal das ditas heranças) (aqui Recorrentes), deduziram incidente de intervenção principal própria, pedindo que

· fossem admitidos a intervir como partes, ao lado dos respectivos réus, na acção declarativa, sob a forma de processo comum, proposta pela Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de (…) e Outros (nomeadamente, seu Cabeça-de-casal e Herdeiros), contra (…) e mulher, (…) (que corre termos no Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2, sob o n.º (…) , e que aqui constitui os autos principais).

Alegaram para o efeito, em síntese, discutir-se nos presentes autos a propriedade e a posse de uma parcela de terreno que há mais de quarenta anos dá acesso a prédio dos Requerentes, a Quinta de (…).

Mais alegaram que eles próprios vêm discutindo numa outra acção (que corre termos no Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2, sob o n.º 1272/16.4T8VT), intentada por si contra parte dos aqui co-Autores (nomeadamente, F. M. e marido, J. M., ali réus), a obstrução, por estes, de acesso, por eles próprios, ao respectivo prédio - a dita Quinta ...; e já ter sido proferida sentença de mérito, em fase de recurso.
Defenderam, por isso, terem um interesse idêntico ao dos aqui Réus (A. F. e mulher, M. M.), cuja defesa deveria ser permitida, precisamente por meio da sua intervenção a título principal nos autos, e ao lado daqueles.

1.1.2. Notificados os Intervenientes Chamados, vieram os aqui Autores (nomeadamente, F. F., Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de M. C., e F. M. e marido, J. M.), pedir que fosse indeferido o incidente de intervenção principal espontânea.
Alegaram para o efeito, em síntese, que o deferimento do dito incidente permitiria que os respectivos Requerentes voltassem a discutir aqui (nomeadamente, com os co-autores destes autos, F. M. e marido, J. M.) o já apreciado no Processo n.º 1272/16.4T8VT (do Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2, onde precisamente aqueles são réus).

1.1.3. Foi proferido despacho, indeferindo o incidente de intervenção principal espontânea deduzido, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«(…)
Ora, se bem percebemos o requerimento de intervenção espontânea, os requerentes instauraram acção, que corre seus termos, onde foi suscitada a apreciação das questões/pretensões que também nestes autos se suscitam.
Tendo tal em conta, afigura-se-nos não poderem os requerentes ser admitidos a intervir nos presentes autos enquanto partes principais.
Tal colocar-nos-ia perante uma situação de litispendência, tendo os aqui requerentes em apreciação, em dois processos, as mesmas pretensões, com os riscos inerentes a tal situação, de reprodução ou contradição de decisões, que precisamente a excepção de litispendência pretende evitar, e que, a verificar-se, sempre conduziria à absolvição dos aqui reconvindos da instância.
Se, como acontece no caso dos autos, os requerentes instauraram, contra os aqui A.A., uma acção, e os aqui A.A. ali deduziram reconvenção contra os aqui requerentes, acção esta que está pendente; e os aqui A.A., posteriormente, instauraram nova acção contra os aqui R.R. e estes deduziram contra eles reconvenção, e em ambas as acções se aprecia idênticas pretensões (podendo os aqui requerentes e os aqui R.R. ter-se consorciado numa só acção), não podem os aqui requerentes, A.A. na primeira acção, ser admitidos a intervir como parte principal na segunda acção.
Decisão:
Pelo exposto, não admito intervenção principal espontânea requerida.
Custas do incidente pelos requerentes – art. 527º, do C.P.C. e art. 7º, n º 4 e tabela II, do R.C.P.
Registe e notifique – art. 319º, do C.P.C.
(…)»
*
1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformados com esta decisão, os Requerentes interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado provido e se revogasse a decisão recorrida.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1ª - O presente recurso de apelação vem interposto da Sentença proferida nos autos, na qual o Meritíssimo Juiz a quo, decide não admitir a intervenção principal espontânea, requerida pelos aqui recorrentes.

2ª - Corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Central Cível - Juiz 2, Ação de Processo Comum, sob o Processo: 1272/16.4T8VRL, agora em sede de recurso no Tribunal da Relação de Guimarães, em que intervêm como autores os aqui recorrente e como réus, F. M. e marido J. M..

3ª - Os intervenientes, aqui recorrentes, tiveram conhecimento, que corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Central Cível - Juiz 2, Ação de Processo Comum, Processo: 954/18.0T8VRL e do seu objecto, em que intervêm como autores F. F., II- Herança ilíquida e indivisa por óbito de M. C., representada pelos seus herdeiros, F. F., viúvo, M. F. casada com A. P. e F. M., casada com J. M., também como intervenientes provocados e como réus A. F. e esposa M. M..

4ª - No referido Processo: 954/18.0T8VRL, está-se a discutir matéria, factos e objecto (o pedido e a causa de pedir) são idênticos aos que foram discutidos e se encontram a ser discutidos no âmbito do referido Processo: 1272/16.4T8VRL, em sede de recurso no Tribunal da Relação de Guimarães.

5ª - Os aqui recorrentes como têm interesse legitimo na demanda, tem o dever de informar o tribunal de colaborar e de cooperar, na defesa da verdade, vieram aos presentes autos (Processo: 954/18.0T8VRL), nos termos dos arts. 32º, 311 e 313º do CPC, requerer a sua intervenção, para tal apresentaram Incidente de Intervenção Principal Espontânea, que aqui se dá por inteiramente reproduzida.

6ª - Foi proferida Sentença, onde o Meritíssimo Juiz de 1º Instância, decidiu não admitir a intervenção principal espontânea requerida pelos aqui recorrentes, fundamentando em suma, que se estaria presente uma situação de litispendência.

7ª - Os recorrentes, são de opinião que a questão colocada pelo Meritíssimo Juiz, de 1º instância de litispendência, merece ser apreciada, contudo não concordamos com a interpretação jurídica e com a decisão vertida na Douta Sentença.

- A excepção de litispendência, nos termos do art. 580º nº 1 e 2 do CPC, pressupõe a repetição de uma causa, quando a anterior ainda está em curso, tendo por fim, evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.

9ª - Com a consagração do efeito da litispendência, obsta-se à inutilidade da repetição da decisão judicial, em processos diferentes, para a mesma acção, e salvaguardando-se, também, o prestigio da administração da justiça contra o risco de grave dano que podia resultar do tribunal contradizer ou reproduzir outra decisão Judicial. Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de processo Civil, 2º Edição, 1985, pág. 301.

10ª - A litispendência, constitui uma excepção dilatória cuja verificação obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º nº 2 e 577 al. i) do CPC.

11ª - Nos termos do art. 581º, nº 1 " Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de Pedir."

12ª - A litispendência, pressupondo a repetição da mesma acção em dois processos, depende, pois, da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.

13ª - Assim cabe apurar, se nos presentes autos, Processo: 954/18.0T8VRL, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Central Cível de Vila Real - Juiz 2, relativamente ao Processo: 1272/16.4T8VRL, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Central Cível de Vila Real - Juiz 2, agora em sede de Recurso no Tribunal da Relação de Guimarães, se existe ou não litispendência e qual a solução jurídica que se lhe deve aplicar.

14ª - Nos termos do nº 2 do art. 581º do CPC " Há identidade de sujeitos quando as partes, são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica"

15ª - Como o referido supra neste articulado, nomeadamente nos Pontos II e III, que aqui se dá por inteiramente reproduzido por uma questão de economia processual quanto há identidade de sujeitos, verifica-se que nos dois Processos: 1272/16.4T8VRL e 954/18.0T8VRL, os sujeitos da parte activa e passiva são diferentes, contudo F. M. e marido, réus no processo: 1272/16.4T8VRL, intervêm também como autores no Processo: 954/18.0T8VRL, na qualidade de herdeiros da segunda autora, HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA POR ÓBITO DE M. P. e também a titulo pessoal, através do incidente de intervenção provocada

16ª - Com o incidente de intervenção provocada, ou seja com o chamamento de F. M. e marido, e com o incidente de intervenção espontânea, requerido pelos aqui recorrentes, no presente Processo 954/18.0T8VRL, verifica-se uma identidade de sujeitos, mas com a qualificação jurídica diferente nos dois processos, actuando como réus e como autores e vice versa.

17ª - Nos termos do nº 3 do art. 581º do CPC " Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico"

18ª - Como o referido, também supra neste articulado, nomeadamente nos Pontos II e III, que aqui se dá por inteiramente reproduzido por uma questão de economia processual, quanto ao pedido e à causa de pedir, verifica-se que nos dois Processos: 1272/16.4T8VRL e 954/18.0T8VRL, o pedido e a causa de pedir são idênticos.

19ª - Nos termos do art. 580º nº 2 do CPC, "Tanto a exceção de Litispendência como a de caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior."

20ª - Como se pode verificar nos respectivos autos, os réus no Processo: 1272/16.4T8VRL, autores e intervenientes provocados no Processo: 954/18.0T8VRL, são representados pelos mesmos Ilustres advogados.

21ª - Também como se verifica, nos autos, os réus no primeiro processo (1272/16.4T8VRL), são também herdeiros legítimos da segunda autora, HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA POR ÓBITO DE M. P., no processo: 954/18.0T8VRL.

22ª - Como tal, os herdeiros da segunda autora, incluindo a herdeira/ré, no processo nº 1272/16.4T8VRL, procuram neste segundo processo (954/18.0T8VRL), que o Tribunal aprecie um pedido e causa de pedir, que já foram apreciados no Processo 1272/16.4T8VRL.

23ª - Assim, somos de opinião que os agora autores e intervenientes provocados, processo (954/18.0T8VRL) procuram um efeito jurídico diferente do que já foi decidido pelo tribunal de primeira instância no âmbito do Processo: 1272/16.4T8VRL, levando o tribunal a fazer uma reapreciação, contrariamente ao consagrado expressamente no 580 nº 2 do CPC.

24ª - Salvo melhor opinião, entendemos assim, que os autores e intervenientes provocados (processo: 954/18.0T8VRL) estão a actuar em abuso de direito, como litigantes de má fé, nos termos do 543 nº 2 al. d ) do CPC.

25ª - Entendemos também que haver litispendência, tal não se deve ao pedido de intervenção espontânea, requerido pelos aqui recorrentes.

26ª - A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar (954/18.0T8VRL), nos termos do art. 582º nº 1 do CPC.

27ª - A exceção de litispendência e caso julgado são de conhecimento oficioso e obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do art. 576º nº 2, 577º al. i) e 578º do CPC.

28ª - Salvo melhor opinião, é por demais evidente que " in causa" se não mostra verificada a excepção da litispendência, por manifesta falta de identidade de sujeitos, nos dois referenciados processos, uma vez que os RR. nos presentes autos não tiveram, como não tem qualquer intervenção no processo: 1272/16.4T8VRL.

29ª - A questão controversa que se coloca neste recurso, apreciação do Douto Tribunal da Relação de Guimarães, é se no caso concreto, no âmbito do Processo: 1272/16.4T8VRL e Processo: 954/18.0T8VRL existe ou não litispendência.

30ª - Deve a Douta Sentença recorrida, ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, quanto à excepção de litispendência;

31ª - No caso de se julgar não verificada a excepção de litispendência, deve o incidente de intervenção espontânea, requerido pelos aqui recorrentes, ser admitido, com todas as legais consequências.

32ª - Caso se julgue verificada a excepção de litispendência, devem:
- Serem os réus absolvidos da instância; ou
- Deve ser decretada a suspensão da instância nos termos do art. 272º do CPC;
- Devem também os autores serem condenados como litigantes de má fé.
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1.2.2. Contra-alegações

Os Intervenientes Chamados contra-alegaram, pedindo que fosse julgado improcedente e se mantivesse a decisão recorrida.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1ª - Os recorrentes vieram junto do Processo n.º 954/18.0T8VRL requerer a sua intervenção principal espontânea nos termos do artigo 32º, 311º e 313 do CPC, tendo para tal formulado o seguinte pedido: “Requer a V. Exa. seja admitida a intervenção dos requerentes, como parte principal, ao lado dos réus, seguindo-se os demais termos até final”., tendo sido proferida sentença que indeferiu o requerido pelos recorrentes, tendo entendido, em suma que caso os recorrentes fossem admitidos a intervir nos presentes autos enquanto partes principais, tal colocar-nos-ia perante uma situação de litispendência.

2ª - Inconformados com aquela sentença vieram os recorrentes recorrer para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo para tal formulado, para além de outras, as seguintes conclusões:

30ª - Deve a Douta Sentença recorrida, ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, quanto à excepção de litispendência;

31ª - No caso de se julgar não verificada a excepção de litispendência, deve o incidente de intervenção espontânea, requerido pelos aqui recorrentes, ser admitido, com todas as legais consequências.

32ª - Caso se julgue verificada a excepção de litispendência, devem:
- Serem os réus absolvidos da instância; ou
- Deve ser decretada a suspensão da instância nos termos do art. 272º do CPC;
- Devem também os autores serem condenados como litigantes de má fé.

3ª - O recurso dos recorrentes não é limitado à matéria da qual viram a sua pretensão ser indeferida, que era apenas uma: a admissão, ou não, dos recorrentes enquanto intervenção principal espontânea (pelos recorrentes alegada) e a existência, ou não, da possibilidade de com aquela admissão estarmos perante um caso de litispendência, ou não (alegado/sentenciado pelo Tribunal).

4ª - Os recorrentes no recurso que interpõem recurso requerendo na conclusão n.º 32 que, caso se julgue verificada a exceção de litispendência devem: serem os réus absolvidos da instância; ser decretada a suspensão da instância; serem os autores condenados como litigantes de má-fé.

5ª - A conclusão n.º 32 não deverá ser admitida nem apreciada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por a mesma não ter sido alegada pelos recorrentes com o seu requerimento de intervenção principal espontânea, nem ter sido mencionada na sentença da qual estes últimos vieram agora recorrer.

6ª - Os recorrentes requereram a sua intervenção principal espontânea, sem mais, tendo ficado vencidos apenas nesta parte, pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 631º, n.º 3 do CPC o recurso dos recorrentes apenas poderia ser interposto até à Conclusão n.º 31.

7ª - São de reponderação, os recursos ordinários, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal a quo no momento em que a proferiu, o que significa que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi invocada pelas partes na instância inferior ou sobre pedidos que nela não foram formulados.

8ª - Os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso excluída a possibilidade de alegação de pedidos novos na instância de recurso, não podendo nesta fase recursaria os recorrentes trazer à liça, pela primeira vez, o alegado na conclusão n.º 32.

9ª - Ac. da R.C. de 22.10.2013, Proc. n.º 221/12.3TBTMR-A.C1 (Barateiro Martins), in www.dgsi.pt, no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação, visando a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi invocada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.

10ª - A conclusão n.º 32 formulada pelos recorrentes não pode ser apreciada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

11ª - No processo n.º 954/18.0T8VRL são Autores I- F. F., II – Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de M. C., representada pelos seus herdeiros: 1 – F. F., viúvo, proprietário, residente na Rua … Vila Real; 2- M. F., solteira, maior, residente na Rua … Vila Real; 3 – F. M., casada sob o regime da comunhão de adquiridos com J. M., proprietária, residente na Rua … Vila Real e Réus A. F. e esposa M. M..

12ª - No Processo n.º 1272/16.4T8VRL que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – Juízo Central Cível de Vila Real – Juiz 2, são Autores 1 - Herança Indivisa de A. J. com NIF …, C. A., VIÚVO, NIF …, Maria, solteira, com NIF … residentes na A… Vila Real e F. V., casado, com NIF …, residente na Avenida …, aqui também como mandatário e 2 - Herança Indivisa de M. L. nom NIF …, M. Z., NIF …, solteira, residente na Rua … Vila Real, J. C., NIF …, residente no Edifício …, Vila Real e S. P., casado, NIF …, Residente na Urbanização …, Murça, como cabeça de casal e herdeiros da Herança Indivisa de M. L., e Réus F. M. e marido J. M., que se encontra atualmente em fase de Recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães.

13ª - No Proc. n.º 954/18.0T8VRL o objeto do litígio consiste, para além de tudo o mais, em apurar se as duas parcelas de terreno identificadas nos artigos 11º a 13º e 14º a 16º da p.i. são “parte integrante e componente” do prédio dos AA., a natureza pública das referidas parcelas de terreno, decidir sobre a natureza pública da parcela de terreno que vai da antiga EN2 até à atual EN2, subsidiariamente, discutir a titularidade do direito de compropriedade de AA. e RR. sobre a parcela de terreno de forma retangular, com 6 metros de largura por 20 metros de comprimento, situada de premeio entre o portão de acesso ao prédio dos RR. e a EN2 ou da sua oneração com uma servidão de passagem, a favor do prédio dos RR., já constituída ou, subsidiariamente, a constituir, e por último, para o que aqui se releva, saber do direito dos RR. a exigirem dos AA. a demolição do muro e portão aludidos no artigo 82º da p.i..

14ª - A intervenção suscitada pelos requerentes nos presentes autos e, designadamente, contra os Intervenientes Chamados F. M. e J. M., não pode ser admitida em tudo aquilo que colidir, tanto de facto, como de direito, com o que se discute no Processo nº.: 1272/16.4T8VRL deste Tribunal, em fase de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães.

15ª - O artigo n.º 260º do CPC consagra o chamado Princípio da Estabilidade da Instância, de acordo com o qual citado o Réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

16ª - As modificações subjetivas apenas podem ocorrer nas situações legalmente previstas, entre as quais avultam (para além da hipótese de ocorrer a transmissão, inter vivos ou mortis causa, da coisa ou direito litigioso) as provenientes dos incidentes de intervenção de terceiros conforme artigos 261º e 262º do CPC.

17ª - O incidente de intervenção principal espontânea será admissível quando um terceiro pretenda, sponta sua, intervir na causa como associado de qualquer uma das partes primitivas, contanto se esteja em presença de uma situação de litisconsórcio necessário ou de litisconsórcio voluntário.

18ª - Terá legitimidade para intervir num processo pendente, no quadro deste incidente, aquele que, em relação ao objeto do processo, pudesse inicialmente ter demandado ou ser demandado nos termos dos artigos 32º, 33º e 34º, o que pressupõe, pois, uma contitularidade da relação material controvertida, com participação do terceiro requerente da intervenção.

19ª - Como é de sua natureza, o litisconsórcio pressupõe a unicidade da relação material controvertida, sendo que a diferença entre litisconsórcio necessário e voluntário se traduz essencialmente na circunstância de que enquanto no primeiro as partes se apresentam externamente como uma única parte, no segundo as partes mantêm uma posição de autonomia, isto é, as partes de um litisconsórcio necessário comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm uma posição de autonomia.

20ª - Dispõe o artigo 320º do CPC que “a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado.”, sendo certo que, embora este preceito se refira expressamente ao chamado (intervenção provocada), terá necessariamente também aplicação ao interveniente espontâneo, não havendo razão alguma para distinguir, neste aspeto, as duas situações.

21ª - Os recorrentes fizeram ancorar o pedido da sua intervenção principal nestes autos no facto de, terem instaurado ação (Proc. n.º 1272/16.4T8VRL), que corre seus termos, onde foi suscitada a apreciação das questões/pretensões que também nestes autos se suscitam, sendo que tal circunstância afasta a admissibilidade da intervenção espontânea requerida pelos recorrentes nestes autos, não podendo ser admitidos a intervir nos presentes autos enquanto partes principais.

22ª - Tal colocar-nos-ia perante uma situação de litispendência, tendo aqui os recorrentes em apreciação, em dois processos, as mesmas pretensões, tudo com os riscos inerentes a tal situação, os de reprodução ou contradição de decisões, que precisamente a exceção de litispendência pretende evitar, e que, a verificar-se, sempre conduziria à absolvição dos reconvindos da instância.

23ª - No caso dos presentes autos os recorrentes instauraram contra os AA. dos presentes autos uma ação, tendo estes últimos ali deduzido reconvenção contra os aqui recorrentes, ação esta que está pendente; e os aqui AA. posteriormente instauraram nova ação contra os RR. dos presentes autos, e estes últimos deduziram contra eles reconvenção, e em ambas as ações se aprecia idênticas pretensões (podendo os recorrentes e os aqui RR. ter-se consorciado numa só ação) não podem os aqui recorrentes, AA. na primeira ação, ser admitidos a intervir como parte principal na segunda ação.

24ª - A admissão pelo Tribunal do pedido de intervenção espontânea requerido pelos recorrentes faria com que ficássemos perante litispendência, devendo assim improceder o recurso instaurado pelos recorrentes, e nessa sequência, ser mantido todo o decidido na sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo nessa sequência improceder a absolvição dos réus e não ser decretada a suspensão da instância.

25ª - Os recorrentes requererem a condenação dos AA. em litigância de má-fé nos termos do artigo 543 n.º 2 al. d) do CPC, o que deve improceder.

26ª - O juízo de censura que enforma o instituto da litigância de má fé radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas (artigos 7º e 8º do CPC), para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil, enquanto as alíneas a) e b) do citado normativo legal se reportam à chamada má fé material/substancial (direta ou indireta), já as restantes alíneas têm a ver com a má fé processual/instrumental.

27ª - A litigância de má fé pressupõe, uma atuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide - consubstanciada, objetivamente, na ocorrência de alguma das situações, atrás transcritas, previstas nas diversas alíneas do seu nº. 2, abrangendo tanto atuação dolosa, como a “negligência grave”, não bastando, todavia, uma lide temerária ou meramente culposa, exigindo-se simultaneamente um elemento subjetivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.

28ª - Constitui hoje entendimento claramente prevalecente na nossa jurisprudência, a condenação por litigância de má fé só deverá ocorrer quando se demonstre, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu dolosamente ou com negligência grave, com e/ou no processo entrado em tribunal. (No sentido do que se deixou exposto, vide, entre, outros, Acs. do STJ de 21/04/2018, proc. nº. 487/ 17.5T8PNF.S; de 26/01/2017, proc. nº. 402/10.4TTLSB.L1.S1; de 02/06/2016, proc. nº. 1116/11.3TBVVD.G2.S1; de 21/04/2016, proc. nº. 497/12.6TTMR.E1.S1, de 11/9/2012, proc. nº. 2326/11; Ac. da RC de 16/12/2015, proc. 298/14.7TBCNT-A.C1, e Ac. da RE de 26/02/2014, todos publicados in www.dgsi.pt).

29ª - Os AA. não fazem uso censurável do processo, antes, defendem o seu direito de propriedade, alegando os factos que são relevantes para a boa descoberta da verdade material, não atuam com dolo ou negligência grave, antes, atuam convictos de tudo o que alegaram e que justificam com os documentos juntos aos autos, e não pretendem nem procuram conseguir um objetivo ilegal, e muito menos, impedir a descoberta da verdade, pelo que, não se poderá concluir pela sua litigância de má-fé, devendo tal pedido improceder.

30ª - O mesmo já não se pode dizer dos recorrentes, uma vez que, claramente vieram aos presentes autos litigar de má-fé, pois que de forma dolosa deduziram requerimento de intervenção principal espontânea, cuja falta de fundamentos não ignoram, fazendo do processo e dos meios legais um uso manifestamente reprovável, tentando intervir no presente processo enquanto partes principais, pelo que, devem os mesmos ser condenados como litigantes de má-fé.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto da sentença final, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei (nomeadamente, ao indeferir o incidente de intervenção principal espontânea, por a sua admissão implicar a verificação da excepção dilatória de litispendência ou de caso julgado), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, admitindo o dito incidente) ?
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Precisa-se que (tal como os Recorridos o denunciaram nas suas contra-alegações) as demais questões suscitadas pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso extravasam o objecto próprio do mesmo, já que constituem questões novas.
É esse, nomeadamente, o caso do pedido de verificação de uma situação de litispendência entre estes autos (Processo n.º 954/18.0T0VRL, do Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2) e o Processo n.º 1272/16.4T8VRL, do Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2, face às suas exclusivas e primitivas partes (isto é, desconsiderando os aqui Requerentes do incidente de intervenção principal espontânea); e as consequências da mesma (nomeadamente, a absolvição dos Réus destes autos da instância ou a suspensão desta, e a condenação dos respectivos Autores como litigantes de má-fé).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a decisão da questão enunciada mostram-se assentes os factos (relativos ao processamento dos autos) referidos em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Incidente de intervenção principal

4.1.1. Pressupostos materiais

Lê-se no art. 259.º do CPC que a «instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial» (n.º 1), sem prejuízo do acto de proposição não produzir «efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário» (n.º 2).
Mais se lê que, citado o réu, «a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei» (art. 260.º).
Uma destas possibilidades é, nomeadamente, a dedução e admissão de um incidente de intervenção de terceiros (que opera uma modificação subjectiva da instância).

Com efeito, lê-se no art. 311.º do CPC que, «estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32º, 33º e 34º».

Mais se lê, nos arts. 32.º, n.º 1 e 33.º referidos que, «se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados», tendo mesmo de o ser quando «a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida», ou quando, «pela própria natureza da relação jurídica, ela [intervenção de todos os interessados] seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal».

Logo, quer num caso, quer noutro, está-se (imperativa e exclusivamente (1)) perante uma pluralidade de sujeitos de uma mesma relação jurídica controvertida (litisconsórcio), sendo que no caso de litisconsórcio:

. voluntário - pretende-se que o terceiro interveniente (de forma espontânea) possa sustentar ou contrariar o pedido já formulado na mesma (podendo, logo de início, ter demandado com o primitivo autor, ou ter sido demandado com o primitivo réu, sendo o pedido idêntico, relativamente a todos os autores e réus, iniciais ou sucessivos); ou que assuma a quota-parte do direito invocado pelo primitivo autor contra o primitivo réu;
. necessário - pretende-se que o terceiro interveniente (de forma espontânea) sustente ou conteste o mesmo pedido formulado na causa pendente, pelo primitivo autor contra ao primitivo réu (porque, logo de início, deveria ter demandado juntamente com o autor, ou ter sido demandado juntamente com o réu).

Por fim, lê-se no art. 320.º do CPC que a «sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado», o que expressamente se aplica à intervenção principal provocada, mas igualmente à intervenção principal espontânea (2).
A «revelia do chamado é», assim, «desincentivada, pois a sentença versará sempre (também) sobre a relação jurídica que o envolve, ficando vinculado pelo seu caso julgado»; e compreende-se, já que, uma vez citado, fica a ter o estatuto de parte. «Promove-se a economia processual, combatendo-se a duplicação de processos» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 271).
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4.1.2. Pressupostos processuais - Litispendência e caso julgado

4.1.2.1. Definição

Contudo, e para além dos pressupostos materiais de admissibilidade do incidente de intervenção de terceiro em causa, exige-se ainda, relativamente à instância que pelo seu deferimento se irá alargar, que se mostrem reunidos os devidos pressupostos processuais (v.g. capacidade judiciária do pretendido interveniente principal).
Não se poderá verificar ainda uma qualquer situação de litispendência, ou de caso julgado, entre a instância supervenientemente alargada (pela intervenção de terceiro) e uma qualquer outra, prévia.

Lê-se, a propósito, no art. 580.º, n.º 1 do CPC que as «excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando ainda a anterior em curso, há lugar litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção de caso julgado».
Precisa-se, no art. 581.º do CPC, que se repete a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos (isto é, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica), ao pedido (isto é, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico), e à causa de pedir (isto é, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, isto é, do mesmo princípio gerador do direito, da mesma sua causa eficiente).
Precisando, e quanto aos sujeitos, dir-se-á que não se exige aqui que, em ambas as acções, assumam invariavelmente a posição de respectivos autor ou réu, importando apenas que se esteja em presença das mesmas pessoas jurídicas.
Quanto ao pedido, estará em causa numa e outra acção «o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento e(ou) protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa». Contudo, para haver «identidade de pedido não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas» (Ac. do STJ, de 06.06.2000, Garcia Marques, Processo n.º 00A327, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
Já quanto à causa de pedir, precisa-se que, «quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista, não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, págs. 121 e 123).

A excepção da litispendência e a excepção de caso julgado têm por fim evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer, ou de reproduzir, uma decisão anterior (n.º 2 do art. 580.º, do CPC).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, para se aferir da repetição - ou não - da acção, deve atender-se «não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção), fixado e desenvolvido no art. 498º, mas também à directriz substancial traçada no nº 2, do art. 497º, onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a de caso julgado), tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior» (Antunes Varela, Sampaio e Nora, J. M. Bezerra, Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 2ª edição, pág. 302, com bold apócrifo, reportando-se aos anteriores - e idênticos - artigos do CPC de 1961).
Logo, a «razão de ser da litispendência, permite que ela se verifique mesmo que as acções tenham processo diferente ou ainda que uma seja declarativa e outra seja executiva» (Ac. do STJ, de 06.06.2000, Garcia Marques, Processo n.º 00A327).

O exposto torna-se ainda mais claro se se atentar nos correctos efeitos e alcance do caso julgado.
Com efeito, partindo sempre do pressuposto da prévia existência de uma decisão que resolveu uma questão que entronca na relação material controvertida apreciada, ou que versou sobre a relação processual constituída, e pretendendo-se evitar que essa mesma questão venha mais tarde a ser validamente definida, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal, nem sempre se torna claro precisar o concreto alcance do caso julgado formado (3).
Compreende-se, por isso, que se, «transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados nos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º e 702º» (art. 619.º, n.º 1 do CPC), se afirme igualmente que a «sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga» (art. 621.º do CPC).

Distingue-se, então, entre a excepção dilatória de caso julgado e a força e autoridade de caso julgado, porém efeitos distintos da mesma realidade jurídica, a saber:

. a excepção dilatória de caso julgado - pressupõe o confronto de duas acções (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas referida supra (de sujeitos, de causa de pedir e de pedido).
Logo, visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, por forma a evitar a repetição de causas.
. a força e autoridade de caso julgado - decorre de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão, e prende-se com a sua força vinculativa.

Logo, visa o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito; e pode funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela excepção, pressupondo apenas «a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida», isto é, sendo «entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado» (Ac. do STJ, de 21.03.2012, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1) (4).

Por fim, lê-se no art. 315.º, nº 1 do CPC que, requerida «a intervenção, o juiz, se não houver motivo para a rejeitar liminarmente, ordena a notificação das partes primitivas para lhe responder, decidindo logo da admissibilidade do incidente».
Logo, a «rejeição pode fundar-se na violação do art. 311.º (por não verificação dos respectivos requisitos), na extemporaneidade (art. 314.º) ou na previsão do art. 590.º, nº 1 (pedido manifestamente improcedente ou ocorrência, de forma evidente, de exceções dilatórias oficiosas e insupríveis)» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 365). (5)
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4.1.2.2. Efeitos

O impedimento da litispendência opera na acção proposta em segundo lugar, considerando-se como tal aquela em que o réu foi citado posteriormente (art. 582.º, n.º 1 do CPC).

Uma vez verificada a excepção de litispendência ou a de caso julgado, que são, aliás, de conhecimento oficioso, o tribunal ver-se-á impedido de conhecer do mérito da causa, e obrigado a absolver o réu da instância, como é próprio da quase generalidade das excepções dilatórias, fazendo-o ou em sede de despacho saneador - caso o não tenha sido em momento anterior -, ou na sentença (arts. 576.º, n.º 1 e n.º 2, 578.º, 580.º, n.º 2, 578.º, 576.º, n.º 1 e n.º 2, 577.º, al. i), 595.º, n.º 1, al. a), 608.º, n.º 1 e 278.º, n.º 1, al. e), todos do CPC).
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4.2. Caso Concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, pretendendo os Requerentes ser admitidos a intervir nestes autos (Processo n.º 954/18.0T0VRL, do Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2), como intervenientes principais, ao lado dos seus primitivos réus (A. F. e mulher, M. M.), afirmaram para o efeito terem um interesse igual ao deles, pertinente à discussão da propriedade e da posse de uma parcela de terreno, enquanto propiciadora de acesso a prédio comum, a Quinta ....

Contudo, mais alegaram (e inequivocamente o reafirmaram, nas suas posteriores alegações de recurso, com a concordância - nesta parte - dos Recorridos) que estas mesmas questões se encontram a ser discutidas noutros autos (Processo n.º 1272/16.4T8VRL, do Juízo Central Cível de Vila Real, Juiz 2), propostos por eles próprios contra alguns dos aqui co-autores (nomeadamente, F. M. e marido, J. M., ali réus); e que tais autos - após a prolação da respectiva sentença de mérito - se encontram pendentes no Tribunal da Relação de Guimarães, mercê do recurso de apelação interposto daquela decisão.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, podendo embora estarem reunidos os pressupostos materiais de admissibilidade do incidente de intervenção principal espontânea (nomeadamente, a titularidade, pelos seus Requerentes, de um interesse igual ao dos Réus na pendente acção dos autos principais), certo é que (face à unânime posição assumida por Requerentes e Requeridos), a ser admitido, redundaria na verificação de uma situação de litispendência ou de caso julgado, face ao alargamento da presente instância a quem, noutra, discute ou já discutiu os seus termos.
Ora, o incidente de intervenção principal pretende permitir que alguém, a quem não foi dada ainda essa oportunidade, sustente em juízo interesse próprio, igual ao de primitiva parte numa acção que o tem por objecto, e não a conferir renovada e reiterada oportunidade a alguém que já o fez (com o inerente risco de repetição, ou contradição, de julgados).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelos Requerentes.
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Requerentes e, em consequência, em

· Confirmar integralmente o despacho recorrido.
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Custas da apelação pelos respectivos Recorrentes (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
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Guimarães, 24 de Outubro de 2019.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. Na exposição de motivos da Proposta de Lei que viria a gerar a Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (que aprovou o actual CPC), o legislador deixou clara a eliminação da anterior «intervenção coligatória activa, ou seja, a possibilidade de titulares de direitos paralelos e meramente conexos com a do autor deduzirem supervenientemente as suas pretensões, autónomas relativamente ao pedido do autor, na acção pendente, perturbando o andamento desta». O incidente de intervenção principal ficou, assim, limitado a situações litisconsorciais.
2. Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 625-628.
3. Pronunciando-se exemplarmente sobre o tema, Ac. do STJ, de 20.06.2012, Sampaio Gomes, Processo n.º 241/07.0TTLSB.L1.S1, Ac. do STJ, de 15.11.2012, Oliveira Vasconcelos, Processo n.º 482/10.2TBVLN.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 21.03.2012, Álvaro Rodrigues, Processo n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1.
4. Para maiores desenvolvimentos, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Edições Lex, pág. 579, ou «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material», BMJ, nº 325, pág. 49; Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume. 2.º, 2.ª edição, pág. 354; e Antunes Varela, Sampaio e Nora, J. M. Bezerra, Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 2.ª edição, pág. 309.
5. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 614.