Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
585/16.0T8VRL.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA MÉDICA
EXAME MÉDICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: A junta médica pode não enquadrar as sequelas resultantes do sinistro nas mesmas alíneas da TNI constantes do exame médico singular.
Decisão Texto Integral:
Apelação 585/16.0T8VRL.G1

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrado AA… e seguradora BB… – Sucursal em Portugal.
Foi realizado exame médico, no qual consta, nomeadamente (…)

Realizada tentativa de conciliação a mesma frustrou-se:
A seguradora declarou, designadamente (…):
Requereu a realização de exame por junta médica dele resultando (…):
O relatório foi notificado e nada requereu-se.
Proferiu-se sentença na qual se decidiu:
“Pelo exposto, tendo em consideração o resultado da junta médica, não posta em crise, declaro, ao abrigo do disposto no artº. 138º. e 140º. do Código do Processo de Trabalho, que o sinistrado AA sofreu um acidente um acidente de trabalho, por via do qual ficou afectado de uma I.P.P. de 15% e, em consequência, condeno a BB – SUCURSAL EM PORTUGAL, a pagar ao sinistrado:
a) o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia calculado com base numa pensão anual de €869,40 (oitocentos e sessenta e nove euros e quarenta cêntimos) a partir de 10/04/2016, inclusive - cfr. art. 48º, nº.3, alínea c) e art. 75º, nº.1, ambos da Lei nº 98/2009, de 04/09;
b) o montante de €60,20 (sessenta euros e vinte cêntimos), a título de indemnização/diferença por IT´s;
c) a quantia de €80,00 (oitenta euros), a título de alimentação e deslocações obrigatórias – art. 39º, nºs. 1 e 2 da Lei nº. 98/2009, de 04/09;
d) juros de mora sobre o capital de remição e indemnização/diferença, à taxa legal, calculados, em relação ao capital de remição, desde o dia seguinte à alta (10/04/2016) e até à data da efectiva entrega ao sinistrado do correspondente capital de remição e, em relação à indemnização/diferença por IT´s, a partir do dia seguinte ao do acidente – cfr. arts. 50º, nºs. 1 e 2 da Lei nº 98/2009, de 4/09 e 135º do Código de Processo do Trabalho.”.
O sinistrado recorreu.
Conclusões:
1ª) A perícia singular considerou/relevou três lesões resultantes do participado acidente e que enquadrou, respectivamente, nos pontos I-1.1.1c) e I-8.1.5.1 b) da TNI (sequelas);
2ª) Tendo a entidade seguradora aceitado na tentativa de conciliação a existência e caracterização do acidente e o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões consideradas/relevadas na perícia singular, a discussão que transitou para a fase contenciosa por ela desencadeada através da dedução de requerimento de junta médica (cfr. fls 80/82) resumia-se, quanto a esse aspecto, à questão da avaliação da incapacidade, considerando, balizada e em função das sobreditas lesões já definidas por acordo (cfr. arts 112º, nº1 e 138º, nº 2 do CPT):
3ª) Sucede que a junta médica, extravasando o objecto atendível da questão que lhe foi posta, ignorou/desconsiderou, indevidamente, uma das atrás referidas lesões/sequelas, concretamente a enquadrada no ponto I-8.1.5.1b) da TNI (cfr. fls 90/92) – com o inerente reflexo negativo no grau de desvalorização atribuído ao sinistrado (que, assim, passou de 20,10% para15%);
4ª) Sendo que ao acolher integralmente o respectivo laudo pericial – fixando em conformidade com o mesmo a desvalorização do sinistrado - inobservou a douta sentença recorrida a disciplina contida e que emana dos arts 112º, nº 1, 131, nº 1, alínea c) e 138º, nº 2 do CPT;
5ª) Assim, deverá, na procedência do presente recurso, ser (i) tal decisão revogada e (ii) determinada a realização de nova perícia colegial que atribua a desvalorização de que o sinistrado padece, em função de todas as lesões/sequelas reconhecidas/relevadas na/pela perícia singular.
Na contra-alegação, concluiu-se:
A – No recurso a que ora se responde, o sinistrado põe em causa o resultado do exame por junta médica, ao qual o meritíssimo juiz a quo deu acolhimento na douta sentença recorrida.
B – Acontece, porém, que uma vez notificado do resultado do exame por junta médica, o Ilustre Magistrado do Ministério Público não reagiu contra o mesmo no momento próprio, nomeadamente reclamando ou pedindo esclarecimentos, pelo que a impugnação do mesmo apenas no recurso a que ora se responde é manifestamente extemporânea.
C – Mas ainda que o não fosse, a verdade é que a decisão do meritíssimo juiz a quo não merece qualquer censura.
D – Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-05-2007, no processo 0740656, disponível em www.dgsi.pt: “(…) essa discordância do resultado do exame do médico singular implica que a sua situação clínica seja objecto de nova perícia (agora colegial), quer quanto à existência da IPATH, quer quanto ao grau de IPP.”
E – Como se refere nesse douto aresto uma vez requerido exame por junta médica, todas as questões relativas à incapacidade (seja quanto à sua natureza, seja quanto ao grau de desvalorização) passam a controvertidas.
F – Mas, ainda que assim não fosse, a verdade é que da posição expressa pela seguradora na tentativa de conciliação não resulta, de modo algum, que esta tenha aceite as sequelas do acidente!
G – Porque lesões e sequelas não são a mesma coisa.
H – Nos termos das disposições conjugadas dos números 2 e 3 das Instruções Gerais da TNI, aprovada pelo Decreto-Lei nº 353/2007, de 23/10, o que é expresso em percentagem no âmbito dos números e capítulos da TNI é a sequela final da lesão inicial.
I – O que a seguradora aceitou na Tentativa de Conciliação foi o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas, mas não aceitou quaisquer sequelas.
J – Pelo que assistiu à junta médica toda a legitimidade para apreciar todas as questões relativas às sequelas do acidente, quer quanto à sua natureza, quer quanto ao grau de incapacidade;
K – Verifica-se, pois, que não assiste qualquer razão ao sinistrado quando censura a douta sentença recorrida por a mesma ter dado como provado o grau de incapacidade do sinistrado com base no relatório pericial, obtido por unanimidade, dos peritos médicos que realizaram o exame por junta médica.
L – Em face do resultado unânime da Junta Médica, a douta decisão recorrida fez uma correta interpretação dos factos provados, e aplicou-lhes corretamente a lei, pelo que não merece qualquer censura e deve ser inteiramente confirmada ….
Efectuado o exame preliminar, cumpre decidir.
A questão a decidir versa a amplitude admissível do relatório da junta médica na sequência da tentativa de conciliação em que se frustrou o acordo.
A sentença considerou provado:
“1. - O sinistrado nasceu em 02/12/1962;
2. - No dia 26 de Março de 2015, pelas 16H00, o sinistrado, quando prestava serviço de pedreiro, por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora “Jaime …”, desequilibrou-se e caiu, no momento em que trabalhava em cima de umas escadas, resultando desse evento as lesões descritas e examinadas no exame médico constante de fls. 67 a 69 verso, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais;
3. - As mencionadas lesões, após consolidação, ocorrida em 09/04/2016, determinaram-lhe uma incapacidade parcial permanente para o trabalho (IPP) de 15%;
4. - O sinistrado esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA), entre 27-03-2015 e 02-03-2016 e com uma incapacidade temporária parcial de 30% (ITP/30%) entre 03-03-2016 e 09-04-2016;
5. - A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros BB – Sucursal em Portugal, com referência à retribuição anual de €8.280,00 (€505,00 x 14 meses + €110,00 x 11 meses, a título de subsídio de alimentação), através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 006107380;
6. - A referida seguradora, em sede de tentativa de conciliação, aceitou os elementos fácticos propostos pelo Ministério Público, aceitando a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o acidente, o salário anual transferido e o pagamento da quantia de €80,00 a título de alimentação e transportes obrigatórios;
7. - O sinistrado recebeu da entidade seguradora a quantia de €5.551,45, a título de It,s.
8. - O sinistrado gastou a quantia de €80,00 em transportes com diligências a este Tribunal”.
No essencial, a divergência entre o exame singular da fase conciliatória e o exame por junta médica da fase posterior no essencial consiste na avaliação das sequelas das lesões sofridas na sequência do sinistro laboral face à TNI.
Na sua determinação directa permite-se deduzir de ambos rigidez e dor dorsolombar e défice de extensão do polegar esquerdo.
Assim, desde já se dirá, o recurso improcederá pelas mesmas razões expostas nos dois acórdãos prolatados por este tribunal em 18.05.2017, das apelações 793/14.8T8VRL.G1 e 2028/15.7T8VRL.G1, acerca de circunstancialismo substantivo e formal tendencialmente idêntico ao destes autos.
No primeiro:
“Alude-se a aceitação das lesões, o que em si não constitui um facto. De todo o modo tal aceitação sempre teria que entender-se no sentido de não abranger as sequelas que em sede médica devem ser apreciadas para fixação da incapacidade. Aliás a seguradora discorda do exame singular nas suas palavras, “em virtude de os seus serviços clínicos considerarem o sinistrado afectado apenas de uma I.P.P. de 4,94 %”.
Nos termos do artigo 112º refere-se o nexo entre a lesão e o acidente, devendo entender-se aqui lesão no sentido mais comum, reportado às consequências do sinistro no corpo do trabalhador.
Como se refere no acórdão da R.L. 16/6/2010, processo nº 3594/08.9TTLSB.L1-4, “ A fixação da incapacidade e as sequelas resultantes do acidente estão intimamente ligadas, constituindo no seu cerne questão médica, pelo que não teria sentido as partes poderem acordar relativamente a questões médicas, como as sequelas. Questão diferente é aceitação de factos que as partes possam percecionar e compreender, como as lesões resultantes do acidente, mas não as sequelas dessas lesões.”
Uma coisa é aceitar que o sinistrado caiu sobre o joelho, e outra, da perceção médica, aceitar as sequelas dessa queda. Quanto a estas não teria sequer sentido limitar um perito médico pelo entendimento tido por outro perito.
Atente-se ainda na redação da al. b) do nº 1 do artigo 117º do CPT, que alude à não conformação com “o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho”. Toda a perícia na parte relativa às questões que influenciam o valor da incapacidade é incindível, sendo objeto de reapreciação em sede de junta médica. Tanto que o juiz pode até nos termos do nº 7 do artigo 139º e 140º do CPT, se o considerar necessário, determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos, o que só pode ter em vista a natureza e grau da incapacidade e é a correta definição das sequelas tendo em vista o apuramento do grau de incapacidade.
Resulta patente no caso que a seguradora não se conformou com o resultado do exame médico, até porque refere a opinião dos seus serviços clínicos.
A junta médica constitui uma prova pericial, estando limitada na sua apreciação pela factualidade do caso, ou seja, se o acidente consistiu numa queda sobre o joelho, outras perturbações que o sinistrado apresenta sem qualquer ligação ao acidente não devem ser apreciadas. Mas quanto àquelas que lhes compete apreciar, não estão sujeitos nem limitados pela opinião de outros pareceres ou exames. Tal prova cujo valor é apreciado livremente pelo tribunal - arts. 389.º do Cód. Civil e 591.º do Cód. Proc. Civil -, destina-se a habilitar o julgador com uma “especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que não se alcançam pelas regras gerais da experiência” - Manuel Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, 261. Não teria sentido limitar uma perícia pelas conclusões de outra.
Assim e na fixação da incapacidade o julgador deve ter em consideração toda a prova produzida, conforme 140, nº 1 do CPT.
Atente-se ainda no disposto no artigo 12º da LAT no sentido da nulidade de convenção contrária aos direitos e garantias do trabalhador, é que o “acordo” assim configurado, poderia ser desfavorável ao trabalhador, pela omissão ou desconsideração de sequelas que a junta viesse a considerar existirem e serem consequência do sinistro. Atente-se ainda no caráter inalienável e irrenunciável dos direitos, conforme artigo 78º da LAT e no artigo 114º, 1 do CPT, nos termos do qual o juiz apenas pode homologar o acordo após verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais, obrigação que obviamente também tem aplicação à decisão a proferir nos termos do artigo 140º do CPT. Vd. RP de 21/05/2007, processo nº 0740656, disponível na net.
Consequentemente, sendo de manter o grau fixado, que se mostra em conformidade com a tabela, é de manter o decidido”.
No segundo:
“Como se refere no Acórdão do STJ de 22/05/2007 (relator Bravo Serra), in www.dgsi.pt “Esta exigência legal visa circunscrever o litígio na fase contenciosa às questões de facto em relação às quais não tenha havido acordo. Estas questões consideram-se definitivamente assentes para serem apreciadas mais tarde na decisão final – cfr. Leite Ferreira, ob.cit., 452.
Estabelece-se, assim, uma espécie de verdade formal sobre todos os elementos de facto acerca dos quais tenha havido acordo. A aquisição decorrente da tentativa de conciliação tem o mesmo valor de facto não impugnado na contestação – Ac. da Rel. de Lisboa de 4/3/87, Col. Jur., 1987, II, 187.”
Nos presentes autos, designadamente na tentativa de conciliação realizada, a seguradora aceitou expressamente “o nexo causalidade entre o acidente e as lesões sofridas e descritas”. Ou seja aceitou a descrição das lesões efectuada pelo Perito Médico do GML do Douro constantes do auto de fls. 38 a 40.
Constatamos ainda que o Mmº Juiz a quo considerou como provado, por acordo das partes, que do acidente sofrido pela sinistrada no dia 11 de Abril de 2015, pelas 17H00, resultaram as lesões descritas e examinadas no relatório de perícia médica de fls. 38 a 40 dos autos (cfr. ponto 2 dos factos provados), perícia esta que foi efectuada por perito médico singular no GML do Douro, na fase conciliatória. E isto precisamente, por não se puderem discutir, na fase contenciosa do processo, os factos sobre os quais tenha havido acordo entre as partes na tentativa de conciliação efectuada no final da fase conciliatória, tal como resulta do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 131º do CPT.
Por outro lado, também se considerou provado que as mencionadas lesões, após consolidação, ocorrida em 10-12-2015, determinaram à sinistrada uma IPP de 5,91%, ou seja o que resultou do laudo de exame por junta médica levado a cabo na fase contenciosa dos autos (cfr. ponto de facto 3 dos factos provados).
Importa desde já distinguir lesões, de sequelas de lesões, pois estes conceitos inúmeras vezes se confundem. As lesões traduzem-se nos traumatismos sofridos no corpo do sinistrado em consequência directa da produção do acidente. As sequelas de lesões traduzem certos efeitos das lesões sofridas e que persistem após a cura adequada das mesmas.
Da análise dos autos de relatório pericial de exame singular e do relatório de exame por junta médica podemos concluir com segurança que em ambas as peritagens não existe divergência relativamente às lesões sofridas pela sinistrada, resultantes do evento e que se traduzem na fratura do maléolo peroneal do tornozelo esquerdo, pois expressamente a junta médica nem sequer teve que se pronunciar sobre as mesmas, já que tal não lhe foi solicitado, por não existir qualquer divergência.
Já quanto às sequelas dessas lesões verifica-se existir divergência entre os referidos laudos de exame médico, pois as sequelas resultantes das lesões sofridas pela sinistrada no evento foram caracterizadas de forma diversa, resultando do exame pericial colegial (junta médica) um enquadramento diverso daquele que havia sido efectuado pelo perito médico singular do Gabinete Médico Legal do Douro.
No que respeita ao factos que por acordo ficaram fixados na tentativa de conciliação teremos de dizer, que salvo o devido respeito por opinião em contrário do auto de tentativa de conciliação não resulta de forma alguma que as sequelas resultantes das lesões sofridas no acidente que vitimou a sinistrada tenha ficado assentes, cingindo-se a discordância da seguradora apenas aos coeficientes atribuídos para cada uma das sequelas que constam do relatório médico legal elaborado pelo Gabinete Médico legal do Douro.
Tal não resulta do Auto de Tentativa de conciliação.
Na verdade, do referido auto apenas resulta assente que a sinistrada e a seguradora reconhecem, além do mais a ocorrência e a caracterização do acidente como de trabalho, bem como o nexo causal entre as lesões e o acidente, o que necessariamente significa que em consequência do acidente a sinistrada sofreu fratura do maléolo peroneal do tornozelo esquerdo (lesão descrita no auto de exame médico singular). As consequências decorrentes das mesmas traduzem-se nas sequelas de que a sinistrada ficou portadora que lhe irão conferir o grau de IPP de que será portadora e com essas a seguradora não concordou como resulta claro do auto de tentativa de conciliação, ao afirmar não concordar com a IPP propostas pelo Ministério Público.
Ao contrário do afirmado nas conclusões do Recorrente, não resulta do auto de junta médica que tenha sido suprimida qualquer lesão aceite pela Seguradora responsável na fase conciliatória, apenas o enquadramento das sequelas resultantes do evento divergiu do realizado no exame singular, sendo certo que foi precisamente desse enquadramento que a Seguradora discordou, tal como resulta do auto de tentativa de conciliação, tendo vindo a requerer a realização de junta médica única e exclusivamente para se apurarem as sequelas resultantes do acidente.
Não se vislumbra assim que a junta médica tenha extravasado o objecto da questão que lhe foi posta ao enquadrar as sequelas resultantes do evento noutras alíneas da TNI que não as constantes do exame médico singular levado a cabo na fase conciliatória dos autos, ainda que tal enquadramento tivesse um reflexo negativo no grau de desvalorização atribuído à sinistrada.
Improcedem assim as conclusões 1 a 3 da alegação do recurso de apelação.
2. Do erro de julgamento por incorrecta interpretação da disciplina vertida nos artigos 112º n.º 1, 131 n.º 1 al. c) e 138º n.º 2 e do CPT
Como resulta do relatado, no exame médico realizado na fase conciliatória dos autos foi entendido que as sequelas sujeitas a observação, seriam enquadráveis no Capítulo - Cap. I - 14.2.4 – sequelas de entorse do tornozelo correspondente ao coeficiente de 0,02-0,05; Cap. I – 14.2.2.2 b) – limitação da articulação tíbio-társica na extensão (mobilidade entre 0º e 20º) correspondente ao coeficiente de 0,04-0,10 e Cap. I – 14.2.2.1 a) limitação da articulação tíbio-társica na flexão (mobilidade entre 0º e 10º) correspondente ao coeficiente de 0,04-0,07, conferindo à sinistrada um coeficiente de desvalorização de 11,536% de IPP, tendo, na tentativa de conciliação, as partes acordado no reconhecimento de que o acidente em causa se tratou de um acidente de trabalho e na existência do nexo causal entre o acidente e as lesões observadas.
O desacordo entre as partes residiu, tão só, na conclusão a que chegou o perito que realizou aquele exame no que tange ao grau de incapacidade decorrente das sequelas, o que motivou a seguradora a solicitar a efectivação de exame por junta médica.
Na junta médica foi concluído que o grau de incapacidade da sinistrada era de 5,91%, para tanto tendo a junta entendido que as sequelas se enquadravam no Capítulo I, 14.2.4 e Capítulo I,14.2.2.2c da tabela nacional de incapacidades.
O recorrente/apelante insurge-se ainda quanto ao facto de na sentença recorrida se ter fixado o grau de desvalorização à sinistrada com base no laudo de junta médica alegando que tal decisão desrespeitou a disciplina contida nos artigos 112º n.º 1, 131º n.º 1 al. c) e 138º n.º 2 e do CPT.
Importa ter presente que o processo emergente de acidente de trabalho é caracterizado como um processo especial, que se inicia por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, tendo por base a participação do acidente.
Como resulta do regime vigente artigos 99º e ss. do CPT, nos processos especiais emergentes de acidente de trabalho e de doença profissional, após a realização de perícia médica singular pelos serviços médico-legais, seguir-se-á uma tentativa de conciliação, na qual o Ministério Público promove o acordo, de harmonia com direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado do exame médico e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado - cfr. artigo 109º do CPT.
Se, se frustrar a tentativa de conciliação, no respectivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída cfr. artº 112º, nº 1 do CPT.
Finalmente estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 117º do CPT que a fase contenciosa tem por base requerimento, a que se refere o n.º 2 do artigo 138.º [segundo o qual, se na tentativa de conciliação apenas tiver havido discordância quanto à questão da incapacidade, o pedido de junta médica é deduzido em requerimento a apresentar no prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 119º do CPT], do interessado que se não conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho, devendo esse requerimento ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos (nº 2 desse artº 117º do CPT).
No caso dos autos não tendo sido possível alcançar um acordo global na fase conciliatória – ainda que a discordância se resuma à questão atinente ao grau de incapacidade – e tendo sido formulado requerimento peticionando a realização de junta médica, abriu-se a fase contenciosa do processo com vista à fixação da incapacidade para o trabalho, sendo a decisão a proferir, aquela a que se reporta no nº 1 do artº 140º do CPT., não podendo assim, o juiz deixar de atender a outros elementos, designadamente com valor probatório, existentes nos autos, designadamente o que considere adquirido por acordo.
A decisão proferida e impugnada foi por isso aquela a que se reporta o nº 1 do artº 140º, resultando desta disposição que o juiz para proferir decisão sobre o mérito deve servir-se da prova obtida pelos meios periciais, cujo valor é apreciado livremente – cfr. artº 389º do Código Civil e que se destina a fornecer ao tribunal uma especial informação de facto tendo em conta os específicos conhecimentos técnicos ou científicos do perito que se não alcançam pelas regras gerais da experiência (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 261 e segs. e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, 322 e segs.).
Esta prova deve ser apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, o que implica que o juiz possa na decisão de facto afastar-se do que resultou da perícia, devendo para o efeito fundamentar a matéria de facto que dê como assente, nomeadamente nas situações em que tenha havido uma perícia singular e uma perícia colegial esta requerida por uma das partes, tal como sucede no caso em apreço.
Importa ainda salientar que na decisão a proferir nos termos do artigo 140º do CPT, o juiz não pode deixar de atender a outros elementos, nomeadamente aqueles que tem valor probatório e que existem nos autos, destacando-se entre estes aquilo que considere adquirido por acordo.
É assim evidente que ao juiz é lícito vir a proferir uma decisão sobre a incapacidade para o trabalho de que é portador o sinistrado, diversa quer da conclusão que se extraía da perícia médica singular, quer da conclusão que se extraía da perícia médica colegial, precisamente dada a liberdade de apreciação que lhe está cometida.
Tal como se fez consignar no sumário do Acórdão da Relação de Lisboa de 16-06-2010, Proc. n.º 3594/08.9TTLSB.L1-4 (relatora Isabel Tapadinhas) “Tendo as partes, na tentativa de conciliação, acordado quanto à natureza das lesões descritas pelo exame médico singular, não havendo acordo apenas quanto ao grau de incapacidade permanente parcial delas decorrente, o juiz pode, na decisão a que alude o art. 140.º, nº 1, do Cód. Proc. Trab., atender a um diferente grau de incapacidade concluído por junta médica realizada posteriormente a requerimento de uma das partes, designadamente, se tal junta alterar a natureza das lesões.”
Na verdade, apesar do Recorrente defender que a questão controvertida estava circunscrita ao concreto grau de IPP a atribuir à sinistrada por a natureza das sequelas estar adquirida por acordo não sendo licito à junta médica alterá-la, o certo, é que havendo discordância na fase conciliatória quanto ao resultado da perícia médica no que respeita ao grau de IPP que lhe havia sido atribuído, todas as questões relativas à incapacidade, como seja a sua natureza ou o grau de desvalorização, passaram a ser controvertidas pelo facto de uma das partes ter discordado do resultado da perícia singular e ter vindo requerer a realização de perícia colegial.
Caso acolhêssemos a posição sustentada pelo Recorrente relativamente ao objecto da perícia, tal significaria que os Peritos Médicos estariam impedidos de avaliar a real situação clínica do sinistrado, pois estariam vinculados ao já apurado na perícia singular, com a qual, no caso em concreto, a seguradora discordava, tal como se fez constar no auto de tentativa de conciliação.
Ora, ainda que se tenha por certo que é possível circunscrever a matéria sobre a qual haverá de ser proferida pronúncia dos peritos, também se tem por certo que se não podem limitar ou restringir os elementos de conhecimento específicos daqueles para responderem à matéria definida, para que a sua pronúncia não se possa afastar de um juízo de observação efectuado por um anterior perito.
Tal postura implicaria que se considerasse que a pronúncia decorrente da primeira observação pericial seria aquela que deveria de ser considerada de maior relevo probatório.
Não nos parece ser essa a solução que resulta quer das normas legais, quer dos princípios aplicáveis à reparação infortunística dos acidentes de trabalho.
Não sendo pacífica esta posição cumpre consignar que o Supremo Tribunal de Justiça, nos Acórdãos proferidos em 14-12-2005, Proc. n.º 05S3642, publicado in www.dgsi.pt em 27-04-2006, in CJ, Acórdãos do STJ, 2006, TII, pág. 251 e segs., e em 22/05/2007, Proc. n.º 07S823 e o Tribunal da Relação do Porto nos Acórdãos proferidos em 14-02-05, Proc. nº 0414980 e em 21/05/2012, Proc. n.º 1439/10.9TTPNF.P1, publicados in www.dgsi.pt, vieram a entender que, em tal situação, será de fixar a incapacidade de harmonia com o laudo pericial da junta médica, desde que tal resulte da liberdade do julgador na apreciação dos meios de prova, designadamente periciais, aqui se transcrevendo o Acórdão do STJ de 14-12-2005 onde se refere o seguinte: «(...) a consequência processual que decorre da apresentação do requerimento de junta médica é a de remeter para a fase contenciosa a fixação da incapacidade. Pelo que a decisão de mérito a proferir quanto à natureza e grau de desvalorização haveria de ter em conta, tal como decorre do disposto no art. 140º do CPT, os novos elementos carreados para os autos nessa fase do processo e, em especial, a prova coligida através do exame feito pela junta médica.
O facto de o sinistrado não ter obtido um resultado mais favorável no exame efectuado na fase contenciosa não implica que se represtine o resultado da perícia realizada na antecedente fase conciliatória. Na verdade, a tentativa de conciliação terminou com um acordo quanto (...), mas não quanto ao grau de incapacidade para o trabalho. Não tendo havido acordo sobre este último aspecto por o sinistrado não ter aceite o grau de desvalorização funcional fixado no exame médico, o que sucede é que o juiz ficou impedido de emitir, na fase conciliatória, uma decisão judicial sobre essa matéria, a qual passou a estar dependente de exame a realizar por junta médica como requerido.
(...)
O sinistrado é que suporta o risco de ter preferido remeter a questão da incapacidade para a fase contenciosa, sabendo-se que o exame feito pela junta médica poderia dar um resultado diverso do que fora obtido na fase de conciliação e que um e outro são livremente apreciados pelo tribunal (art. 591º do CPC)».
Em suma e sufragando este entendimento, aplicável não só ao sinistrado, mas também à Seguradora responsável, teremos de dizer que bem andou o Mmo. Juiz a quo ao fixar ao sinistrado o grau de desvalorização, em consonância com a opinião unanime dos Srs. Peritos Médicos que intervieram no exame por junta médica, já que a decisão de mérito a proferir quanto à natureza e ao grau de desvalorização deveria também de ter em conta, tal como decorre do disposto no nº 1 do art. 140.º do CPT, os elementos probatórios carreados para os autos na fase contenciosa do processo e em especial, a prova coligida através do exame feito pela junta médica, tal como veio a suceder.
Não vislumbramos assim que a sentença recorrida tenha violado qualquer uma das normas invocadas pelo sinistrado – artigos 138º n.º 2 e 131º n.º 1 al. c) do CPT”.
É, pois, improcedente o recurso.
Sumário, da única responsabilidade do relator
A junta médica pode não enquadrar as sequelas resultantes do sinistro nas mesmas alíneas da TNI constantes do exame médico singular.
Decisão
Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão impugnada.
Sem custas.
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O acórdão compõe-se de 15, com os versos não impressos.
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G.01.06.2017
Eduardo Azevedo,
Vera maria Sottomayor
Antero Veiga