Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4302/22.7T8GMR.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: SENTENÇA DE PARTILHA
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Tendo transitado em julgado a sentença que homologou a partilha, salvo recurso de revisão, apenas por dependência do processo de inventário será possível aos autores virem pôr em causa os termos em que foi feita a partilha, nos termos previstos nos artigos 1386.º a 1388.º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

AA, e marido BB, residentes na Rua ..., ... ..., ..., intentaram a presente acção declarativa de condenação em processo comum contra CC e marido DD, residentes na Travessa ..., ... ..., ...; e CC e marido EE, residentes na Travessa ..., ... ..., pedindo que a presente acção seja julgada provada e procedente e em consequência:

a) Declarar-se que o prédio urbano adjudicado à autora no inventário que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ..., com o n.1426/12...., foi o prédio urbano, sito na Travessa ... da freguesia ..., composto de casa térrea telhada e quintal, com a área coberta de 76 m2 e descoberta 509m2 confronta do norte e nascente com o prédio efectivamente adjudicado à lª ré, do sul e poente com a Travessa ... descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...32-... e inscrito na respectiva matriz urbana no artigo ...54 e que o prédio adjudicado à lª ré no mesmo inventário, foi o prédio urbano, sito na Viela ... da freguesia ..., composto de casa térrea telhada e quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...33 e inscrito na respectiva matriz no artigo ...53.
b) Ordenar-se em consequência o cancelamento na Conservatória do Registo Predial ... da aquisição feita a coberto da inscrição Ap. ...02 de 12-07- 2019/ a favor da lª ré, do prédio descrito sob o n. ...32- ... ficando a autora com a faculdade de o registar a seu favor.
c) Ordenar-se ainda em consequência ao Serviço de finanças de ... que averbe em nome da autora o prédio inscrito no artigo ...54 da matriz predial urbana da freguesia ... e em nome da lª ré o prédio inscrito no artigo ...53 da matriz urbana da freguesia ....
d) Reconhecer-se que a realidade física correspondente ao artigo rústico ...08 da freguesia ..., actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...06-..., está duplicada no quintal do prédio urbano inscrito na matriz no artigo ...54 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...32 e em consequência declarar-se nula e de nenhum efeito a adjudicação do aludido artigo rústico à 2ª ré que ocorreu no aludido inventário.
e) Ordenar-se aos Serviços de Finanças de ..., eliminação do artigo rústico ...08 na matriz predial rústica da freguesia ... e a inutilização da descrição n. ...06-..., aberta em consequência do registo de adquisição a favor da 2ª ré a coberto da aludida adjudicação por duplicação com a descrição ...32-....
f) Condenar-se a 2ª ré a repor o muro no estado anterior ao de ter praticado o ato de demolição do mesmo, ou a pagar à autora o valor despendido no mesmo no montante de 1.572,70€ (mil quinhentos e setenta e dois euros e setenta cêntimos) acrescido tal montante de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento
Para o caso de se entender que a duplicação de áreas do prédio adjudicado à autora e à 2ª ré é apenas parcial e não ocorre a situação de duplicação predial alegada a título principal, então a autora relativamente à 2ªa ré e em alternativa aos pedidos das alíneas d) e e) faz o seguinte pedido subsidiário:
g) Declarar-se, e a 2ª ré condenada a reconhecer que no processo de inventário n. ...2..., que correu termos pelo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ... o prédio rústico que lhe foi adjudicado tem a área de 145m2, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...06-... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... no artigo ...08.
Citados os réus contestaram, e no que releva para a economia dos autos, invocaram os réus CC e marido EE a excepção dilatória de inadequação do meio processual utilizado, pois que o litígio dos autos enquadrar-se-ia numa situação de emenda à partilha, sem o acordo dos interessados, e tal como previsto no art. 1387º do anterior CPC, deveria ter sido intentada acção especial por apenso aos autos de inventário.
Em resposta os autores pugnam pela improcedência da excepção deduzida.

Foi então proferido despacho saneador – sentença, com o seguinte teor, que se transcreve:
“Saneamento:
O Tribunal é o competente em razão da matéria, da hierarquia, da nacionalidade e do território.
Não ocorrem nulidades que invalidem o processado.
As partes mostram-se dotadas de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se patrocinadas.
Na sua contestação os 1ºs e 2ºs Réus invocam a exceção dilatória de inadequação do meio processual utilizado, pois que o litigio dos autos enquadrar-se-ia numa situação e emenda à partilha, sem o acordo dos interessados, e tal como previsto no art. 1387º do anterior CPC, deveria ter sido intentada ação especial por apenso aos autos de inventário.
Em resposta os autores pugnam pela improcedência da exceção deduzida.

Apreciando e decidindo:
De acordo com o disposto no artº 1386.º, nº 1, do pretérito CPC, “a partilha ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.”. Prevendo a verificação de algum dos casos previstos no artº 1386.º, nº 1, sem que, contudo, haja o mencionado acordo, dispõe o nº 1 do artº 1387º do CPC, que a emenda pode “...ser pedida em ação proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.”.
A emenda da partilha, na falta de acordo dos interessados, tem, assim, de radicar num erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.
Na verdade, os autores pretendem essencialmente obter o reconhecimento nestes autos de que a realidade física do ... da freguesia ..., adjudicado à 2ª ré, está duplicada no quintal do prédio urbano inscrito na matriz no art. ...54º da freguesia ..., adjudicado aos autores e, em consequência pugnam que seja declarada nula a adjudicação do aludido prédio rústico à 2ª ré que ocorreu no inventário descrito no artigo 1º da P.I.
Ora, ao pretender a anulação da partilha está-se a pedir que, a proceder a presente ação, ela não se mantenha, seja invalidada; porém, contradiz- se pois, a proceder a ação, a partilha mantém-se e apenas é corrigida onde deve ser corrigida.
Não é a invalidade mas a emenda que os autores perseguem com esta ação. […]».
O que se acabou de dizer está em consonância com o entendido no Acórdão da Relação de Lisboa de 3/10/2013, onde se escreveu: «[…] Na ação de emenda da partilha não está em causa qualquer reapreciação crítica dos atos praticados no decurso do inventário já findo, mas apenas apurar se um ato, específico e determinado, do processo - a partilha - padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos artigos 1386º e 1387º do CPC.
Tais irregularidades deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos, em princípio, se manterão, já que o ato não é objeto de anulação. […]». Neste mesmo sentido foi o Acórdão do STJ de 25/02/2010 (Revista nº 399/1999.C1.S1)8, onde se pode ler: «[…] objeto e típica funcionalidade da ação de emenda da partilha não se traduz numa reapreciação crítica dos atos praticados no decurso do inventário já findo, mas apenas em apurar se um ato, específico e determinado, do processo - a partilha - padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos arts 1386º e 1387º do CPC: erro na descrição ou qualificação dos bens partilhados ou outro erro suscetível de viciar a vontade das partes - que deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos se deverão, em princípio manter, já que o ato não é objeto de anulação. […]».
Significa isto que no nosso processo civil, transitada em julgado a sentença que homologou a partilha, não têm relevância, senão na medida em que sejam idóneas a provocar o erro habilitante da emenda, as declarações da cabeça de casal que, por exemplo, incluam um bem a partilhar que seja pertença de um terceiro, ou que seja bem próprio de um dos interessados. Nesta situação, verificar-se-á um erro que, pela sua natureza, não necessita de prova das características do erro-vício, mas que, em nosso entender só habilita a atacar a sentença da partilha transitada em julgado – ou, possibilitando-o, interpor recurso de revisão -, mediante a emenda da partilha, prevista nas citadas disposições legais, meio único de obviar à autoridade do caso julgado formado relativamente àquela decisão. Assim, respeitando o Acórdão do STJ de 11/1/2001 (Revista n.º 3155/00 - 7.ª Secção), sumariou-se:
«I - Proferida sentença homologatória da partilha, não é admissível a alegação de que determinados bens partilhados não pertenciam, afinal, à herança.
II - O interessado pode, neste caso, requerer a emenda da partilha, desde que obtido o acordo de todos os demais - art.º 1386, n.º 1, do CPC - ou, não obtido este acordo, propor ação comum dentro de um ano, nos termos do art.º 1387º do mesmo código. […]».
Em sentido semelhante escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/6/2017 (Apelação nº 274/16.5T8CHV-A.G1): «[…] transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como por qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida por uma das vias previstas nos art. 1386.º do C.P.C.V. - se houver acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; 1387.º do mesmo Cód. - (na falta de acordo) em ação comum, a intentar no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro; e 1388.º - pela interposição de recurso de revisão (quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada), todos do C.P.C.V. (dispositivos legais que ficaram transcritos, respetivamente, nos art. 70.º, 71.º e 72.º do atual regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março).
Mantém-se atual a explicitação de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA que, a propósito, escreveu: “Se o conhecimento do erro é anterior à data em que é proferida a sentença… a emenda do erro deve ser pedida no incidente de reclamação do mapa de partilha”. Se o conhecimento do erro é anterior à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha mas posterior à data em que foi proferida tal sentença, tal erro deve ser invocado “no processo do recurso da mesma sentença”. Se o conhecimento do erro é posterior à data do trânsito em julgado da sentença, não havendo acordo de todos os Interessados, a emenda “tem de ser pedida em ação judicial própria proposta pelo lesado dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro” (in “Lições de Direito das Sucessões”, Coimbra Editora, 1980, vol. II pág. 373, nota-de-rodapé 1199) […]».
A autoridade do caso julgado, faz com que, transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, não seja possível, a quem interveio como parte no inventário onde a mesma foi proferida, atacar ato processual, senão por via indirecta, requerendo a emenda da partilha (ou, se for o caso, requerendo a sua anulação, ou interpondo recurso de revisão) -, que esteja na génese do erro habilitador dessa emenda.
A não ser assim, seria fácil contornar o prazo de caducidade previsto no artº 1387º, nº 1, pois que, mesmo que decorrido este, sempre se poderia anular a partilha e a sentença homologatória desta, obtendo a declaração de nulidade do ato que esteve na génese do erro e a anulação do processado subsequente. Alias, os autores admitem que intentaram esta ação justamente para contornar esse prazo de caducidade.
Mas será que não podendo, ou não se pretendendo, proceder à emenda da partilha judicial, feita em processo de inventário e já transitada em julgado, se poderá obter a declaração de nulidade, ou da parcial nulidade, em ação de processo comum, alicerçada - por analogia, quando respeitando o inventário para separação de meações - no estabelecido no artº 2121º do Código Civil, com aplicação das regras de ineficácia e de invalidade próprias dos negócios jurídicos?
A nosso ver, e salvaguardando o respeito por outro entendimento, a resposta a esta questão é negativa, por duas ordens de razões que podemos desde já avançar.
No que concerne à partilha há que distinguir a que foi celebrada por via extrajudicial da que foi homologada judicialmente por decisão transitada em julgado.
Os regimes de anulação de uma e de outra são completamente diferentes.
A primeira, reconduzindo-se a um mero negócio jurídico entre os interessados, é impugnável nos casos em que o sejam os contratos, conforme expressamente dispõe o artigo 2121º do CC, que remete para as regras da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico constantes dos artigos 285º e seguintes do CC.
A partilha judicial, dependendo do trânsito em julgado da sentença que a homologar, só pode ser impugnada nos casos previstos no artigo 1388º do CPC.
Capelo de Sousa explica[…]: “Porque não existe um acordo entre todos os herdeiros estruturante da partilha, a sentença homologatória da partilha (…), quando transitada em julgado, exprime a decisão judicial reguladora dos conflitos de interesses, subjacentes no inventário entre os partilhantes. Nestes termos, só ela contém e estrutura a partilha. Simplesmente, tal sentença teve uma certa história e supõe determinados pressupostos substanciais e processuais, suscetíveis de vícios. Alguns deverão considerar-se sanados ou esgotados pelas necessidades de certeza e segurança atribuíveis ao caso julgado (…). Outros, a lei fá-los relevar pela sua influência em atos preparatórios fundamentais da partilha, admitindo a emenda ou a anulação judicial da partilha (arts. 1386º a 1388º do CPCiv.)”.
A acentuação desta diferença faz com que os casos de anulação da partilha extrajudicial não sejam aplicáveis à anulação da partilha judicial, nem que os pertinentes a esta relevem para aquela, refutando-se a possibilidade de aplicação analógica do artigo 2121º aos casos de anulação de partilha judicial. Na realidade, o chancelamento de uma partilha mediante sentença passada em julgado, com tudo o que isso representa, não pode estar no mesmo patamar de impugnabilidade de uma partilha amigável realizada pelos interessados através de instrumento notarial. Daí que o caminho processual para a impugnação da partilha judicial tenha de ser mais estreito ou mesmo excecional, em nome da certeza e segurança jurídicas que dimanam da força e autoridade do caso julgado.
Por outro lado, não estando os interessados conformados com o modo como se fez a partilha judicial homologada por sentença, têm sempre eles ao seu dispor um instrumento legal poderoso para conseguirem a modificação do decidido: o recurso. Mas, se deixarem transitar em julgado a decisão homologatória da partilha, só lhes restará a possibilidade de pedirem a anulação da partilha, nos apertados casos acima descritos.
Certo para nós é que não podem os Autores usar a ação declarativa comum para esse efeito, nem mesmo ao abrigo da aplicação analógica do artigo 2121º, pelo que se julga procedente a exceção dilatória inominada de inadequação do meio processual utilizado, absolvendo-se as rés da instancia.
Custas do incidente a cargo dos autores.
Registe e notifique.”.
*
Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os autores, que a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“Conclusões:

I - A caducidade do meio processual previsto no artigo 1387º do anterior c.P.c. não impossibilita, sem mais e definitivamente a resolução judicial do conflito entre as partes interessadas num inventário pelos meios comuns em certas e determinadas situações.
II - Assim o recurso à ação declarativa de condenação em processo comum deve ter lugar em situações como aquela que resulta do facto de ter existido uma troca da descrição predial e inscrição matricial nos prédios adjudicados à A. e R. CC.
III - A aludida retificação não colide nem põe em causa a autoridade do caso julgado uma vez que se trata apenas de atribuir a cada um dos prédios a descrição e inscrição matricial que lhes pertence, sendo que de facto cada uma das partes interessadas no inventário e a quem foram adjudicados os prédios estão a possuir materialmente o prédio que quiseram lhe fosse adjudicado apenas com descrição e inscrição matricial errada.
IV - O litígio entre a A. e a R. CC subsume-se a previsão do erro de escrita previsto no artigo 249º do c.c. e pode na ausência de acordo e uma vez provada a causa de pedir ser -alcançado por via da ação declarativa de condenação, sem que essa retificação viole a autoridade do caso julgado, uma vez que quer a A. quer a R. CC vão continuar a ser donas e legitimas possuidoras do prédio que possuem e que efetivamente quiseram fosse adjudicado a cada uma das mesmas, embora com a descrição e inscrição matricial trocada.
V- A emenda que se pretende não altera em substância a adjudicação de cada um dos « prédios à A. e à R. CC, apenas repõe a verdade registrai e matricial atribuindo a cada um dos imóveis a descrição predial e inscrição matricial que por direito lhe pertence.
VI - Esta retificação não viola, a vontade das partes porquanto cada uma das mesmas « possui o imóvel que quis lhe fosse adjudicado e consequentemente essa retificação não viola a autoridade do caso julgado, apenas retifica um erro material e repõe a verdade registrai e matricial, atribuindo a cada um dos prédios a descrição predial e inscrição matricial que sempre pertenceu a cada um dos mesmos.
VII - Ao não distinguir a pretensão da A. relativamente à R. CC, da b pretensão da A. relativamente à R. CC, e afirmar a violação da autoridade do caso julgado, na primeira das situações em litígio, a sentença proferida violou por erro de interpretação e aplicação o preceituado no artigo 146º do c.P.c. e artigo 249º do c.c. que expressamente possibilita a retificação dos erros materiais a todo o tempo.
VIII - Relativamente à causa de pedir e pedido formulado pela A, contra a R, CC a título principal, a prova dos factos e a procedência do pedido formulado destrói a adjudicação que a esta foi feita no processo de inventário identificado nos autos e colide frontalmente com a vontade subjacente à referida adjudicação e aí sim poderá estar em causa a autoridade do caso julgado, leia-se a autoridade da sentença homologatória da partilha.
IX- Porém não há caso julgado, que se possa impor e resistir quando materialmente existe uma única realidade, duplicada ou sobreposta por um erro matricial.
-X - Há um vicio no objeto mediato da adjudicação (duplicação ou sobreposição matricial de um prédio num outro) que vicia a vontade das partes.
XI - A autoridade do caso julgado é materialmente impossível de se impor quanto há duas titularidades únicas e exclusivas sobre o mesmo terreno, pois uma exclui a outra, o meu direito de propriedade total e plena, sobre um prédio exclui o mesmo direito de outra pessoa sobre esse mesmo prédio.
XII - O conflito neste caso é da titularidade do direito de propriedade sobre a mesma realidade física que se impõe seja resolvida, pois ambas as partes nos termos da lei (artigo 21190 n. 1 do c.c.) estão, aparente e ficcionadamente na titularidade e na posse do que lhe foi adjudicado no inventário desde a abertura da herança.
XIII - Existindo um só prédio urbano com o respetivo quintal, e estando este (o quintal) duplicado/sobreposto na inscrição matricial atribuída indevidamente aquando das últimas avaliações fiscais concelhias à propriedade rústica, tem que se conhecer essa duplicação e FF Advogado Responsabilidade Limitada irar-se dela as devidas consequências, declarando-se nula e nenhum efeito a adjudicação à R. CC que ocorreu no aludido inventário, sob pena de o conflito se manter, com consequências imprevisíveis que decorrem do recurso à autotutela uma vez que cada uma das partes reclama para si o direito de propriedade sobre algo que está formalmente duplicado e materialmente é uma única coisa.
XIV - Tem que conhecer-se dos factos levados a juízo pela A. recorrente a respeito do litígio entre si e a R. CC e caso os mesmos venham a ser provados impor-se-é a declaração de nulidade da adjudicação por inexistência do objeto, (enquanto prédio rústico) na medida em que a realidade correspondente ao prédio adjudicado à R. CC, está duplicada na composição do prédio efetivamente adjudicado à A.
xv - A autoridade do caso julgado, onde está sustentada a absolvição da instância, não pode aplicar-se à concreta situação em litigio, sob pena de não se encontrar pela via judicial forma de resolver o conflito, atirando-se as partes para a inconveniente autotutela dos interesses em conflito onde normalmente -as. ações de força podem ditar tudo, menos uma solução justa.
XVI - Ainda que a causa de pedir a título principal no litigio entre a A. e R. imponha a presença de todos os interessados na ação, (seja a título principal ou acessório), para assegurar a efetivação do quinhão hereditário a que tem direito a R. CC, tal situação dá direito à A. chamar a juízo todos os demais interessados, através do respetivo incidente e se notificada para o efeito o não fizer, aí sim, ocorrerá uma situação que leva à absolvição da instância por preterição de eventual litisconsórcio necessário.
XVII - Obstar à resolução do conflito, com o argumento da ofensa à autoridade do caso julgado, consubstanciada na sentença homologatória da partilha proferida no inventário identificado nos autos, é olvidar que estamos em presença de uma situação, que a provar-se, afeta de nulidade a adjudicação que foi feita à R. CC, uma vez que o bem a ela adjudicado nem sequer devia ter constado da relação de bens enquanto prédio autónomo por encontrar-se duplicado no quintal do prédio urbano efetivamente adjudicado à A. esposa, e assim sendo não há autoridade de caso julgado que se possa valer e se possa impor ou resistir.
XVIII - O douto despacho que absolveu as RR. da instância viola no nosso modesto entendimento por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 20 nº 2, 146º, 546º, 547°,614° do C.P.C. e artigos 249°,280° e 2510 entre outros do C.C.
Termos em que deve revogar-se o despacho recorrido substituindo-se por outro que declare a improcedência da exceção inominada do meio processual impróprio e fixe o objeto do litígio e os temas de prova, seguindo os autos para julgamento, com o que se fará justiça.”.
*
Os réus CC e marido DD contra-alegaram, terminando com as seguintes conclusões:
“CONCLUSÕES:

I – Não se conformando com o douto despacho saneador-sentença que julgou procedente a exceção dilatória inominada de inadequação do meio processual utilizado, e que, por via disso, absolveu os Réus da instância, vieram os AA dele recorrer para esta Instância Superior.
II – No que aos aqui Recorridos (1ºs Réus na ação) diz respeito, fundamentam os Recorrentes o seu pedido na existência de um simples erro factual, baseado numa alegada troca de descrições prediais e inscrições matriciais, cuja retificação, aos olhos dos Recorrentes, não é suscetível de colidir ou, de alguma forma modificar a vontade real das partes.
III – Para levaram os seus intentos avante e como forma de contornarem a caducidade do meio processual previsto no art.º 1387º do CPC, os Recorrentes invocam a existência de um simples erro formal, erro de escrita, subsumível no art.º 249º do Código Civil.
IV – No entanto, tais alegações não podem proceder.
V – Desde logo, porque os Recorrentes dão como absolutamente certo a existência de troca de verbas entre os AA e os 1ºs Réus, muito embora não seja certo nem claro que tal tenha sucedido.
VI – Depois, querem fazer crer que a retificação do alegado erro factual não colide nem modifica a vontade real das partes, o que também não corresponde à verdade.
VII – A alegada existência de troca de descrições prediais e inscrições matriciais consubstancia uma alteração substancial às adjudicações/aquisições havidas para os interessados no processo de inventário n.º 1426/12...., do então 2º Juízo do Tribunal Judicial ..., porque Recorrentes, Recorridos e mais intervenientes na partilha, sabiam e tinham consciência de que os dados matriciais e prediais constantes das descrições prediais juntas, desde 2012, à relação de bens a partilhar foram determinantes para fixar os termos da partilha, designadamente as adjudicações, e considerados elementos essenciais às declarações de vontade firmadas por todos, incluindo os aqui Recorridos.
VIII – Assim, e como bem sabem os Recorrentes, os Recorridos adjudicaram a verba n.º 19 por 50.000,00 € no pressuposto de que eram corretas as informações constantes da inscrição matricial e descrição predial do prédio em questão, com documentos juntos à relação de bens desde 2012, designadamente a sua composição, áreas e propriedade registada em nome dos autores da herança, seus pais.
IX – A existência de maior área e a desnecessidade de procederam à justificação notarial para reatamento do trato sucessivo, motivaram a oferta do valor de 50.000,00 € pela adjudicação aos Recorridos da verba n.º 19.
X – Por sua vez, a existência de menor área e a necessidade de procederem à justificação notarial para reatamento do trato sucessivo, motivaram a oferta de 40.000,00 €, pela adjudicação aos Recorrentes da verba n.º 20.
XI – Os Recorrentes bem sabem que os aqui Recorridos não teriam oferecido o preço que ofereceram pelo prédio da verba n.º 19 se fosse para adquirir o prédio da verba n.º 20 em virtude dos seus dados registrais.
XII – Pelos mesmos motivos, os Recorrentes também sabem que os Recorridos, tal como os mais intervenientes na partilha, não teriam aceite o preço que aqueles ofereceram pela aquisição do prédio da verba n.º 20 se fosse para adquirirem o prédio da verba n.º 19.
XIII – O alegado erro trazido à instância pelos Recorrentes é suscetível de viciar a vontade das partes e a requerida retificação ofende a autoridade do caso julgado da sentença homologatória da partilha.
XIV - O presente litígio não tem cobertura no art.º 249º do Código Civil, mas antes no artigo 1387º do CPC, tal como doutamente entendido pelo Tribunal de 1ª Instância.
XV - Deve o presente recurso improceder e, em consequência, manter-se na íntegra, o doutamente decidido em sede de saneador.
Assim decidindo, farão V/Exas a costumada e sã JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal, consiste em saber se se verifica a invocada inadequação do meio processual utilizado.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que constam do relatório supra.
Resulta ainda da prova documental dos autos que a sentença homologatória da partilha, proferida no processo de inventário n.º 1426/12...., do então 2º Juízo do Tribunal Judicial ..., transitou em julgado no dia 14.09.2018.
*
IV. Fundamentação de direito.

Delimitada que está, sob o n.º II, a questão essencial a decidir, é o momento de a apreciar.
Pretendem os autores ao intentar a presente acção que, no que respeita aos 1ºs réus, se declare que o prédio que foi efectivamente adjudicado aos autores num processo de inventário em que todos eram interessados, e que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ..., com o n.1426/12...., foi o prédio que aí foi adjudicado a esses primeiros réus, e que o prédio efectivamente adjudicado aos 1ºs réus foi o prédio que aí foi adjudicado aos autores.
Por outro lado, e quanto aos 2ºs réus, pretendem os autores que se reconheça que a realidade física correspondente ao artigo rústico ...08 da freguesia ..., actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...06-... (adjudicado nesse inventário à 2ª ré), está duplicada no quintal do prédio urbano inscrito na matriz no artigo ...54 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...32 (adjudicado nesse inventário aos autores) e em consequência se declare nula e de nenhum efeito a adjudicação do aludido artigo rústico à 2ª ré que ocorreu no aludido inventário.
Subsidiariamente, e quanto a estes 2ºs réus, pedem que a 2ª ré seja condenada a reconhecer que no processo de inventário n. ...2..., que correu termos pelo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ... o prédio rústico que lhe foi adjudicado tem a área de 145m2, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...06-... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... no artigo ...08.
Considerou o Tribunal a quo que tais pedidos não podem ser deduzidos nesta acção declarativa comum, razão pela qual julgou verificada a excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual utilizado, absolvendo as rés da instância.
E com razão o fez, podemos desde já adiantar.
Atendendo aos pedidos formulados e às causas de pedir, tem aplicação ao caso sub judice o regime jurídico do processo de inventário anterior ao introduzido pela Lei 23/2013, de 5 de Março que, de acordo com o disposto no seu art. 7º, ressalvava a sua aplicação aos processos de inventário instaurados após a sua entrada em vigor, ou seja, excluía os processos pendentes (ou findos) à data da sua entrada em vigor.

Os artigos 1386º a 1388º do CPC então em vigor, dispunham o seguinte a respeito das possibilidades de emenda ou anulação da partilha judicial:

“Artigo 1386º
 Emenda por acordo
1 - A partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.
2 - O disposto neste artigo não obsta à aplicação do artigo 667.º”
“Artigo1387.º
Emenda na falta de acordo
1 - Quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior e os interessados não estejam de acordo quanto à emenda, pode esta ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.
2 - A acção destinada a obter a emenda segue processo ordinário ou sumário, conforme o valor, e é dependência do processo de inventário.”
“Artigo 1388º
Anulação
1 - Salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada.
2 - A anulação deve ser pedida por meio de acção à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.”
Seguindo muito de perto o Ac. do STJ de 19.06.2018, relator Henrique Araújo, disponível in www.dgsi.pt, diremos que resulta destas disposições legais que, em relação à partilha judicialmente homologada por sentença transitada em julgado, os interessados que se julguem de alguma forma prejudicados só têm ao seu alcance, para além do recurso extraordinário de revisão, três meio específicos:
a) a emenda da partilha por acordo de todos eles;
 b) na falta de tal acordo, a acção para a emenda da partilha proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro;
c) a acção para a anulação da partilha judicial.
A emenda da partilha, com ou sem acordo, pode ocorrer nas situações em que exista erro de facto na descrição (aqui se compreendendo toda a descrição que não corresponda à verdade: um prédio rústico por um urbano; um móvel por um imóvel; o número de fracções de um prédio em propriedade horizontal, etc.) ou qualificação dos bens (por exemplo, considerar-se como livre um prédio sujeito a cláusula fideicomissária ou mencionarem-se como pedras preciosas simples bagatelas) ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes (por exemplo, atribuírem-se valores superiores ou inferiores aos bens da herança, por não se terem tomado em atenção os novos valores resultantes de uma segunda avaliação, ou agir-se no convencimento de que determinados bens pertencem à herança quando, julgado o inventário, se vem a reconhecer que tal não sucede) (exemplos retirados de “Partilhas Judiciais”, de Lopes Cardoso, Volume II, 4ª edição, páginas 549 e seguintes).
Como ensina Lopes Cardoso (ob. cit., página 552), “só o erro objectivo é susceptível de emendar a partilha, pois todo o erro deve ter este conteúdo para ser atendido em ordem a obter-se esse fim. Doutra forma abrir-se-ia campo raso perante a emenda com dispensa de prazo para a obter através de acção idónea (Cód. Proc. Civil, art. 1387º). Por assim dizer, a sentença jamais transitaria”.

Os casos de anulação da partilha, por sua vez, estão taxativamente enunciados no artigo 1388º. São eles: o recurso extraordinário (revisão) e a preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros mostrando-se que os outros interessados procederam com dolo ou má-fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada.
No caso da emenda, a partilha mantém-se na sua essência, apenas se corrigindo a parte que padece de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas no artigo 1386º. No caso de anulação, a partilha é completamente invalidada, ficando destruídos os respectivos efeitos.
Tanto a acção destinada a obter a emenda da partilha (quando não haja acordo dos interessados), como a acção dirigida à anulação da partilha, correm por dependência do inventário respectivo, como decorre do n.º 2 de cada um dos artigos 1387º e 1388º.
Com o trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha fixa-se o direito dos interessados no processo de inventário, apenas podendo haver alteração se verificados os pressupostos de emenda ou alteração da partilha.
De facto, como se afirma no Ac. desta Relação de Guimarães de 09.04.2013, disponível in www.dgsi.pt: “No processo de inventário a descoberta da verdade material assume especial valor, ao ponto de dever ter-se como maleável o princípio da preclusão. Por isso, não há ciclos processuais rígidos e é admissível que alguns atos que não tenham sido praticados no lugar e momento próprios venham a ter lugar em momento posterior. Atenta a finalidade do processo de inventário para partilha, a lei procura assegurar-se da certeza dos bens a partilhar e das pessoas nele interessadas, para as quais dali possa advir vantagem ou prejuízo.
Assim, embora não se trate, verdadeiramente, de um processo de jurisdição voluntária, dadas as características próprias de que se reveste, dever-se-á deixar ao juiz alguma margem de manobra na solução de variadíssimas questões.
Mas se há preocupação na flexibilização processual em ordem a atingir da melhor forma a justa realização da partilha de bens, também há preocupação pela segurança e certeza na aplicação do Direito em decisão final, assim, após confirmação por sentença homologatória da partilha, na sequência do despacho determinativo da organização do mapa (art.ºs 1373º e 1382º), prevendo a lei do processo, excecionalmente, as situações em que, apesar da prolação daquela sentença e mesmo depois do seu trânsito em julgado, pode haver lugar a alteração da partilha efetuada ou mesmo a nova partilha. Uma delas é a emenda à partilha; outra, a anulação da partilha, nos precisos termos em que os art.ºs 1386º e seg.s as preveem.

Assim, decorre dos artigos 1386º a 1388º que, salvo recurso extraordinário de revisão, a partilha homologada por sentença transitada em julgado apenas pode ser questionada por três meios específicos:
- Emenda à partilha por acordo (artigo 1386º);
- Emenda à partilha na falta de acordo (artigo 1387º);
- Anulação da partilha (artigo 1388º).”.

Dispõe o artigo 619º nº1 do CPC, que: “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”
Como se afirma no Ac. da Relação de Lisboa de 22.03.2022, disponível in www.dgsi.pt, a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado distinguem-se, grosso modo, pelo seguinte: enquanto a excepção é invocada para impedir que seja proferida uma nova decisão, a autoridade do caso julgado é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão.
Como ensina Lebre de Freitas: “(…) pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida” (in CPC Anotado, com Isabel Alexandra, vol. 2º, 3ª ed., páginas 599 e 749, e A acção declarativa, 4.ª edição, 2017, pág. 132, nota 759).
O caso julgado constitui em si uma expressão do princípio da segurança jurídica que é própria de um Estado de Direito, conforme vertido no artigo 2º da CRP.
Nesta medida, a partilha judicial homologada por sentença merece a tutela plena   da excepção lato sensu do caso julgado e sua verificação conduz à absolvição da instância artigos –cfr.  artigos 577º, 580º e 581º, do CPC.
A excepção do caso julgado da sentença de partilha tem por escopo evitar que a mesma questão embora de perspectiva diferente, seja apreciada e julgada segunda vez entre as mesmas partes, com possibilidade de solução diversa da primeira (cfr Ac. Relação de Lisboa, supra citado).
Ou seja, transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, não é possível, a quem interveio como parte no inventário onde a mesma foi proferida, atacar o acto processual fora das situações legalmente tipificadas como de emenda à partilha ou sob os pressupostos e condicionantes da anulação estabelecidos no artigo 1388º do CPC.
Caso assim não fosse, como afirmou  Alberto dos Reis, “ (…)a sentença de partilha teria reduzido valor, já que sempre se poderia voltar, com acções autónomas, a colocar em discussão o que anteriormente se havia apreciado no inventário, reconduzindo-se, em casos extremos, à infindabilidade do processo (…).” (in R.L.J. 74, pag.267).

Aliás, neste sentido vai jurisprudência maioritária, do que são exemplo os seguintes acórdãos:

- Ac. do STJ de 11.10.2022, in www.dgsi.pt:
“I - Com o transito em julgado da sentença que homologou a partilha fixa-se o direito dos interessados no processo de inventário, apenas podendo haver alteração se verificados os pressupostos de emenda ou alteração da partilha”.
- Ac. desta Relação de Guimarães de 23.06.2016, in dre.pt:
“I – Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como por qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida por uma das vias seguintes: i) havendo acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; ii) em acção comum, a intentar no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro; iii) pela interposição de recurso de revisão (quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada).”;
- Ac. desta Relação de Guimarães de 22.06.2017, disponível in www.dgsi.pt: «[…] transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como  por qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida por uma das vias previstas nos art.os 1386.º do C.P.C.V. - se houver acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; 1387.º do mesmo Cód. - (na falta de acordo) em acção comum, a intentar no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro; e 1388.º - pela interposição de recurso de revisão (quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada), todos do C.P.C.V. (dispositivos legais que ficaram transcritos, respectivamente, nos art.os 70.º, 71.º e 72.º do actual regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março).”.
No caso dos autos, pretendem os autores ao intentar a presente acção que, no que respeita aos 1ºs réus, se declare que o prédio que foi efectivamente adjudicado aos autores num processo de inventário em que todos eram interessados, e que correu termos no extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ..., com o n.1426/12...., foi o prédio que aí foi adjudicado a esses primeiros réus, e que o prédio efectivamente adjudicado aos 1ºs réus foi o prédio que aí foi adjudicado aos autores.
Por outro lado, e quanto aos 2ºs réus, pretendem os autores que se reconheça que a realidade física correspondente ao artigo rústico ...08 da freguesia ..., actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...06-... (adjudicado nesse inventário à 2ª ré), está duplicada no quintal do prédio urbano inscrito na matriz no artigo ...54 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...32 (adjudicado nesse inventário aos autores) e em consequência se declare nula e de nenhum efeito a adjudicação do aludido artigo rústico à 2ª ré que ocorreu no aludido inventário.
Subsidiariamente, e quanto a estes 2ºs réus, pedem que a 2ª ré seja condenada a reconhecer que no processo de inventário n. ...2..., que correu termos pelo extinto 2º Juízo do Tribunal Judicial ... o prédio rústico que lhe foi adjudicado tem a área de 145m2, actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n. ...06-... e inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... no artigo ...08.
Ou seja, entendem os autores/apelantes ter havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens em causa.
Ora, a partilha que agora os autores pretendem pôr em causa encontra-se coberta pelo caso julgado, pois que a sentença que a homologou transitou em julgado em Abril de 2018.
Tal significa que, salvo os casos de recurso extraordinário de revisão e das excepções previstas nos artigos 1386º a 1388º do CPC, goza de estabilidade na ordem jurídica, não podendo ser alterada.
Ou seja, tendo transitado em julgado a sentença que homologou a partilha, salvo recurso de revisão, apenas por dependência do processo de inventário será possível aos autores virem pôr em causa os termos em que foi feita a partilha, nos termos previstos nos artigos 1386.º a 1388.º do CPC, donde concluir-se com o Tribunal a quo que a presente acção não é o meio processual próprio para o fim visado pelos autores, pelo que se verifica a invocada excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual utilizado. 
Improcede, pois, a apelação.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I. Tendo transitado em julgado a sentença que homologou a partilha, salvo recurso de revisão, apenas por dependência do processo de inventário será possível aos autores virem pôr em causa os termos em que foi feita a partilha, nos termos previstos nos artigos 1386.º a 1388.º do CPC.
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
*
Guimarães, 27 de Abril de 2023

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Anizabel Sousa Pereira
Jorge dos Santos

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das citações/transcrições efectuadas que o sigam)