Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3553/12.7 TBBCL.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CONVITE AO SUPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O dever de o juiz providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias constitui um poder vinculado, de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão de mérito sobre a pretensão das partes;
II - A omissão de tal poder/dever, constitui nulidade processual nos termos do art.º 195.º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO

A… intentou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra M… e marido M… e M…, alegando que: é proprietário de 2 terrenos rústicos; que só agora soube que os primeiros RR, alienaram ao segundo Réu dois prédios: sucede que um dos terrenos alienados confina com um dos seus ditos prédios e, o outro de que é proprietário está onerado com servidão de passagem a favor dos dois prédios vendidos.

Pretende assim exercer por meio da acção o direito de preferência nas compras supra referidas nos termos dos art.ºs 1380.º e 1555.º do CC.

Contestaram os RR arguindo para além do mais a ilegitimidade activa do Autor por não ser o único proprietário dos prédios que refere, que também pertenciam a sua falecida mulher.

Mais alegaram também a sua ilegitimidade passiva por não ter sido demandado o actual proprietário dos prédios que venderam ao segundo Réu que, por sua vez os doou a J… .

O Autor respondeu á contestação, requerendo a intervenção principal provocada dos herdeiros de sua falecida esposa que foi admitida por despacho.

Quanto á ilegitimidade passiva pugnou pela sua inexistência.

Findos os articulados, apenas foi marcada audiência prévia com a finalidade de conciliar as partes, proferir o despacho saneador, determinar os actos de adequação formal e gestão processual considerados pertinentes, delimitar o objecto do litígio e se enunciar os temas da prova, em discussão com as partes.

Na audiência prévia tentou-se sem êxito a conciliação das partes e, de imediato, foi proferida sentença que julgou verificada a excepção da ilegitimidade suscitada pelos RR constantes, absolvendo estes da instância.

Inconformado o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões:

(…)

Não consta dos autos qualquer resposta ás alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO

OBJECTO DO RECURSO

Considerando que o recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, a questão é a de saber se o Mm.º Juiz da primeira instância pode conhecer de excepção de preterição de litisconsórcio necessário passivo, sem previamente, convidar o Autor para sanar tal excepção dilatória.

A factualidade a ter em conta é a descrita no relatório.

DECIDINDO

À presente acção, instaurada em 2012, são imediatamente aplicáveis as disposições gerais e comuns do NCPC (artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).

Dispõe o art.º 590.º n.º 2 do CPC em vigor que, findos os articulados, o juiz profere despacho saneador, com a finalidade de, além do mais, providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias nos termos do Art.º 6, n.º 2. Determina-se nesta norma que o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários á regularização da instância, ou quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

As ditas normas correspondem aos art.ºs 508.º e 265.º n.º 2 do pretérito CPC, sendo corolário da intensificação, no direito processual civil, do princípio do inquisitório ou da oficiosidade.

Em face dos interesses públicos inerentes á administração da justiça e ao funcionamento das instituições judiciárias, a protecção de partes mais fracas, expostas a eventuais notórias desigualdades de recursos, muitas correcções vêm sendo introduzidas ao funcionamento do princípio dispositivo, com vista á prevalência da justiça substantiva sobre a justiça adjectiva.

Atribui-se assim ao juiz o poder de direcção do processo, deferindo-lhe a competência para, em superação da omissão da parte, providenciar pelo suprimento dos pressupostos processuais susceptíveis de sanação e convidar as partes a praticar os actos necessários à modificação subjectiva da instância, quando isso se torne necessário.

E mais do que isso, determina-se que ao juiz cabe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

A jurisprudência acolheu esta manifestação do princípio do dispositivo, na intenção de salvar a parte de uma intervenção menos feliz do seu mandatário, considerando que o poder de direcção do processo nos ditos termos constitui um verdadeiro poder-dever imposto pela lei (cf. Os PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DO PROCESSO CIVIL PORTUGUÊS, publicado em http://www.trp.pt/ficheiros/estudos).

Como se refere no Ac. da Relação do Porto de 10/07/2013, publicado em www. dgsi.pt, tais poderes são vinculados quando conduzem ao suprimento da falta de pressupostos ou à realização de actos que visam a regularidade da instância, partindo daqueles que foram praticados pelas partes mas corrigindo-os ou completando-os de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão sobre a pretensão das partes.

Foi esta inequivocamente a intenção do legislador, que, no preambulo do Dec-Lei 329-A/95 afirma a prioridade da realização da verdade material, através do reforço dos poderes do juiz, dirigida á plena realização daquele fim.

No que respeita ao Novo Código de Processo Civil, é evidente que se reforçou ainda mais o princípio do inquisitório. Como se refere na exposição de motivos o novo código “passa necessariamente por uma nova cultura judiciária, envolvendo todos os participantes no processo… centrado na análise e resolução das questões essenciais ligadas ao mérito da causa… . Importa-se para o processo comum o princípio da gestão processual… conferindo ao juiz um poder autónomo da direcção ativa de todo o processo. Ainda em consonância com o princípio da prevalência do mérito da causa sob meras questões de forma, em conjugação com o assinalado reforço dos poderes de direcção… e gestão processual toda a actividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de cisões que privilegiem a decisão de mérito … e evitar deficiências ou irregularidades adjectivas…”.

Em face do exposto, não podemos concordar com a interpretação que o Mm.º Juiz da primeira instância no sentido de que, não era seu dever diligenciar pelo suprimento da excepção dilatória de preterição de legitimidade necessária passiva, porquanto o Autor, em resposta á sua arguição pelos RR em sede de contestação, concluiu pela inexistência de tal excepção.

O dever do juiz providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias que detecte, nos termos do art.º 590.º n.º 2 al a) nos termos do art.º 6.º n.º 2, não depende da posição das partes nos articulados quanto á existência daquelas, mas antes da necessidade de regularizar a instância, corrigindo as deficiências das partes, com vista ao essencial, ou seja, alcançar decisão de mérito.

Ademais a dita excepção é passível de ser sanada.

Concorde-se ou não com a opção do legislador ó certo é que, o princípio do dispositivo, com vista a alcançar uma decisão de mérito, prevalece, no caso, sobre o princípio da auto-responsabilidade das partes.

Tendo o Mm.º juiz omitido o dever de providenciar o suprimento da verificada excepção de preterição de litisconsórcio necessário passivo, ocorre nulidade processual (195.º do NCPC).

Porque que tal nulidade pode ser arguida em sede de recurso por estar a coberto da decisão recorrida, deve pois anular-se tal decisão determinando-se que o Mm.º juiz da primeira instância providencie pelo suprimento das excepções dilatórias que detectar, convidando as partes a praticar os actos adequados para tanto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 6.º.

Procede pois a apelação.

Em conclusão:

I-O dever de o juiz providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias constitui um poder vinculado, de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão de mérito sobre a pretensão das partes;

II-A omissão de tal poder/ dever, constitui nulidade processual nos termos do art.º 195.º do CPC.

DECISÃO

Por tudo o exposto acordam os juízes desta secção cível em julgar apelação procedente e, em consequência, determina-se anulação da sentença apelada, devendo o Mm.º Juiz da primeira instância providencie pelo suprimento das excepções dilatórias que detectar, convidando as partes a praticar os actos adequados para tanto, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 6.º do NCPC.

Sem custas.

Guimarães, 19 de junho de 2014

Isabel Rocha

Moisés Silva

Jorge Teixeira