Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52/12.0TBAVV-B.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: CUSTAS DE PARTE
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O disposto no artº 25º do Regulamento das Custas Processuais para a apresentação da nota discriminativa das custas de parte, não impede apresentação de nota referente ao remanescente da taxa de justiça em momento posterior, se a secretaria não efectuou a notificação a que alude o artº 14º nº 9, no prazo aí previsto e só o fez aquando da elaboração da conta final.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO
D…, Lda. requereu a insolvência de I…, Lda.. A requerida deduziu oposição e requereu a condenação da requerente no pagamento de indemnização no valor de €20.000 como litigante de má-fé e ainda, pelos danos que a presente acção lhe causa, indemnização no valor de €100.000 e naquele que se vier a liquidar ulteriormente.
O valor da acção foi fixado em €3.625.885.
Foi proferida sentença em 12.7.2012, que julgou improcedente o pedido de insolvência, absolvendo a requerida. No tocante aos pedidos formulados por esta, a sentença absolveu a requerente do pedido de indemnização pelos danos que a instauração da acção causou à requerida e condenou-a no pagamento de multa como litigante de má-fé, absolvendo-a do pagamento de indemnização a este título.
Em matéria de custas condenou requerente e requerida de acordo com os respectivos decaimentos nos pedidos formulados.
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Em 24.7.2012 a requerida I…, Lda. apresentou nota de custas de parte, no valor de €5.328,85.
Em 27.5.2013 a requerida I…, Lda. foi notificada para proceder ao pagamento de €18.150,39, a título de complemento de taxa de justiça paga. Apresentou reclamação da conta de custas.
Sem prejuízo da reclamação que apresentara, a requerida enviou a D…, Lda. uma nota de custas complementar no valor de €23.517,62 em 5.6.2013 (fls. 34 verso).
A D…, Lda. apresentou também reclamação da conta de custas e pugnou pela intempestividade da apresentação da nota complementar de custas de parte.
As reclamações da conta de custas foram indeferidas por decisão de 15.7.2013, onde se julgou tempestiva a nota de custas de parte apresentada pela I…, Lda.
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Inconformada com o decidido, na parte em que admitiu a segunda nota discriminativa de custas de parte, a D…, Lda. interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
1. O art. 25° nº 1 do RCP dispõe que o prazo para apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte é de 5 dias após o trânsito em julgado da sentença.
2. A douta sentença foi proferida em 13-07-2012 e transitou em julgado em 31-07-2012.
3. A Requerida nos autos remeteu à Recorrente uma segunda nota discriminativa e justificativa de custas de parte, no montante de € 23.517,62 (vinte e três mil quinhentos e dezassete euros e sessenta e dois cêntimos), em 05-06-2013, ou seja, mais de dez meses após o trânsito em julgado da sentença.
4. A nota discriminativa e justificativa de custas de parte remetida à Recorrente é, por isso, extemporânea nos termos do disposto no art. 25.° nº 1 do RCP.
5. A Requerida sabia, e não podia desconhecer, que a taxa de justiça devida no processo seria corrigida a final, em função do valor da acção que foi fixadona douta sentença (em 13-07-2012).
6. A Requerida deveria ter acautelado na primeira nota discriminativa e justificativa de custas de parte enviada à Recorrente, o valor a título de complemento de taxa de justiça devida a final.
7. Ao não ter acautelado esta situação, e tendo aguardado pela notificação da conta de custas (de 27-05-2013) para o fazer, não pode a Requerida remeter nova nota discrirnlnatlva e justificativa de custas de parte, decorrido que seja o prazo previsto legalmente no art. 25° nº 1 do RCP, sob pena de subversão do referido preceito legal.
8. Impondo-se, assim, o desentranhamento da segunda nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. melhor suprirão, deverá o presente recurso ser julgado inteiramente procedente e, em consequência, ser revogado o despacho que considera a nota discriminativa e justificativa de custas de parte como tempestiva e, no seguimento, julgada a mesma intempestiva ordenando-se o seu desentranhamento, com todas as consequências legais, pois só assim se aplicará o Direito e se fará a verdadeira JUSTiÇA!
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A recorrida contra-alegou.
O recurso foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação e o recurso admitido sob a forma, modo de subida e efeito atribuídos pela 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 684º nº3 e 685ºA do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 660º nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artºs 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos com interesse para a decisão do presente recurso constam do relatório supra, para onde se remete.
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Na decisão recorrida considerou-se admissível a apresentação da nota complementar de custas de parte, por se entender que “a parte não podia adivinhar que lhe fosse depois exigido um valor a título de complemento da taxa de justiça inicial por este Tribunal”.
A recorrente, fincando-se na letra do artº 25º nº1 do RCJ e na fundamentação do Ac. do TRL de 9.5.2013, proferido no proc. 5734/09.1TVLSB-A.L1-6 e acessível in dgsi.pt, sustenta que a nota complementar de custas de parte não pode ser admitida por já ter terminado o prazo.
No referido acórdão entendeu-se que “o momento inicial da contagem do prazo de apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte é o correspondente ao do trânsito em julgado da decisão final (definidora, consequentemente, da parte vencida e da dimensão da «derrota» judicial)”. Mais se refere que a “nota descritiva” a que alude o n.º 2 do art. 30.º [1] da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, deve ser enviada às partes simultaneamente com a notificação da decisão que ponha termo ao processo. Ocorrendo a omissão de envio da apontada nota pela secretaria, a parte vencedora deve arguir a preterição de formalidade essencial e não aguardar pela conta vários meses.
De acordo com a citada jurisprudência, no caso em apreço, apesar de só com a liquidação final ter sido exigido à requerida o pagamento do complemento da taxa de justiça inicial, esta já não estaria em tempo para reclamar o seu reembolso a título de custas de parte.
Contra a argumentação expendida no douto acórdão podem avançar-se outros tantos argumentos, nomeadamente, o facto da notificação da sentença não depender da concomitante elaboração de qualquer nota descritiva, nem por ela aguardar; o facto do normativo que previa o envio de tal nota ter sido revogado e, de qualquer forma, dessa nota descritiva só teriam de constar as quantias efectivamente pagas (ver nota nº1); o facto de, nesse momento, a parte não poder incluir o remanescente da taxa de justiça na nota, porque ainda não pago, nem sequer liquidado, sendo que poderá nem ser devido. E mesmo, o facto da tal nulidade (omissão de notificação) poder ser sempre arguida enquanto não sanada.
Efectivamente, para qualquer jurista não versado no RCP, estando já definida a responsabilidade de cada uma das partes em matéria de custas, no excesso a apurar deveria atender-se a essa repartição. Contudo, desde que as regras relativas às custas processuais foram alteradas, de forma a que o Estado receba sempre, de uma ou outra parte, a questão põe-se.
Cumpre assim, antes de tudo, enquadrar legalmente a questão.
Vejamos o que diz o artº 25º do RCJ:
(Nota justificativa)
1 - Até cinco dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respectiva nota discriminativa e justificativa.
2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:
a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução;
b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça;
c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efectivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução;
d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º;
e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento.
(…)
Sobre o pagamento da taxa de justiça rege o artigo 14.º (oportunidade do pagamento) estabelecendo:
1 - O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo:
(…)
9 - Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.
Por seu turno o nº 7 do artigo 6.º diz:
- Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A questão que aqui se coloca refere-se exclusivamente a este remanescente da taxa de justiça.
Não foi enviada à recorrida, aquando da sentença ou posteriormente, qualquer nota descritiva, até porque o nº 2 do art. 30.º [2] da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril foi revogado pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março e o artº 31º nº 1 alterado, coincidindo hoje, sem qualquer contradição, com o disposto no artº 25º nº 1 do RCP [3].
Também não foi enviada à recorrida a notificação a que alude o artº 14º nº 9 do RCP.
Mantém-se a redacção do artº 25º nº 2 al. b) do RCP, que refere expressamente quantias efectivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça.
E, sendo assim, se no prazo aí previsto não tinha sido paga a taxa de justiça remanescente (nem sequer notificada a parte para o seu pagamento), ela não poderia ter sido incluída na nota discriminativa das custas de parte a que alude o citado artº 25º.
Acresce que o remanescente pode nem vir a ser considerado na conta final, se o juiz, fundadamente, assim o decidir, pois, como já tivemos oportunidade de referir num outro acórdão que relatamos, datado de 24.4.2012, no proc. 152/09.4TBEPS-B.G1, não compete, pelo menos exclusivamente, ao Juiz que proferiu a sentença e em nada colide com a responsabilidade pelo pagamento das custas, a eventual dispensa do pagamento do remanescente, questão que pode não ter sido apreciada na sentença. Aliás, o melhor momento para aferir, em concreto, da simplicidade ou complexidade da causa e, sobretudo, da conduta processual das partes, é a final, quando o processo é remetido à conta.
Assim sendo, interpretar o artº 25º do RCP no sentido de que na nota discriminativa das custas de parte, a apresentar no prazo de 5 dias contados do trânsito da decisão final, deve ser incluída a taxa de justiça remanescente, ainda não paga, contraria expressamente a letra desse artigo (“efectivamente pagas pela parte”) e levaria à rejeição da referida nota.
Não permitir que ela possa ser validamente apresentada após a notificação a efectuar pela secretaria, primeiro momento em que do seu montante se tomou conhecimento e em que é exigido o seu pagamento, equivale a negar o direito ao seu reembolso e contrariar o sentenciado quanto à responsabilidade pelas custas.
Nem se argumente que a parte pode efectuar o seu cálculo e respectivo pagamento independentemente da notificação. Se assim fosse o citado normativo não exigiria a notificação para esse efeito. E se a exige é porque a considerou relevante.
Impor à parte o ónus de arguir a nulidade decorrente da omissão da notificação a que alude o artº 14º nº 9 do RCP [4], no prazo em que a mesma deveria ser efectuada, é algo excessivo, uma vez que pode nem haver lugar a tal notificação. É substituir a parte ao contador ou escrivão, com o dever de fiscalizar a sua actividade sob pena de preclusão de um direito que lhe assiste, sendo certo que decorre do próprio artº 204º nº 2 do CPC que, enquanto não sanada a nulidade (praticado o acto) estaria sempre em prazo para a arguir.
Do exposto concluímos, que, ou na conta final o remanescente da taxa de justiça é suportado pela parte/s vencida/s na proporção da condenação em custas na sentença [5] – o que, não resulta “do espírito e da letra” do actual RCP – ou, exigindo-se a cada uma das partes o pagamento do remanescente da respectiva taxa de justiça, tem que se considerar tempestiva a apresentação da nota de custas de parte respeitante ao remanescente pago, com vista ao seu reembolso pela parte responsável pelas custas, contando-se o prazo para a sua apresentação da notificação para o seu pagamento, quando for efectuada.
Pelo exposto concluímos que bem andou o Tribunal a quo ao admitir a nota de custas de parte, apresentada pela recorrida na sequência da notificação da conta e para o pagamento do remanescente.
V - DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação.
Custas pela apelante.
Guimarães, 13-03-2014
Eva Almeida
António Beça Pereira
Manuela Fialho
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[1] Artigo 30.º (Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril)
Procedimento da secretaria
1 - As custas de parte não se incluem na conta de custas.
2 - Com a notificação da decisão que ponha termo ao processo ou com a notificação da obtenção do produto da penhora, a secretaria remete às partes, preferencialmente por via electrónica, uma nota descritiva com os seguintes elementos:
a) Indicação das quantias efectivamente pagas a título de taxa de justiça;
b) Indicação das quantias efectivamente pagas a título de encargos.
[2] Sendo certo que este artigo (reproduzido na nota anterior) se refere a taxa de justiça efectivamente paga.
[3] Atento o disposto no artº 8 nº 2 e 9º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro e no artº 4º da Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, as alterações introduzidas por estes diplomas aplicam-se à questão sub judice.
[4] No acórdão citado nas alegações refere-se a nota descritiva prevista no artº 30º nº 2 da Portaria n.º 419-A/2009 de 17 de Abril, mas, como vimos, este nº 2 foi revogado.
[5] Num registo algo semelhante com o proposto no Parecer PGRP00003187 de 12.6.2012 para o regime anteriormente vigente (No âmbito desse regime, sempre que exista dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça, esta prestação, que a parte vencedora deveria pagar, passará a figurar na conta de custas para ser paga pela parte vencida, cabendo a esta, portanto, suportar, a final, e na medida do seu decaimento, a totalidade da taxa de justiça do processo, ou seja, a sua própria taxa de justiça e a taxa de justiça da parte contra quem litigou).