Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
11/14.9TTVRL-A.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: CUSTAS
ISENÇÃO
ACÇÃO EXECUTIVA
CONTRA-ORDENAÇÃO
COIMA
PESSOA COLECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A isenção prevista no na al. f), do nº 1 do artº 4º do RCP não abrange a acção executiva para pagamento de coima e de custas em que foi condenada a pessoa colectiva privada sem fim lucrativo, em sentença do respectivo recurso de impugnação judicial da decisão proferida por entidade competente, pela prática de contra-ordenação e que se traduziu no funcionamento dum lar de idosos sem que possuísse alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Por apenso a processo de contra-ordenação o MºPº intentou execução contra Centro de Bem Estar Social para pagamento de coima e custas no valor de 5.828,98€, em que foi condenado.
Foram penhorados saldos bancários pelos montantes respectivos de 5.122,02€ e 57,14€.
Face a pagamento foi sustada a execução nos termos do artº 846º, nº 4 do CPC e levantada penhora relativamente ao segundo montante supra.
Foi lavrada cota em 17.02.2017 exarando-se:
“Em conformidade com o artº 29º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, não há lugar à elaboração da conta nos presentes autos, uma vez que o devedor por custas goza de isenção nos termos do artº 4º nº 1 al f) do RCP), o que fica documentado conforme o disposto no artº 7º-A da Portaria nº 419-A/2009, de 17/4.
A quantia exequenda encontra-se paga”.
As partes foram notificadas sendo o executado nestes termos:
“Assunto: Informação do artº 7º da Portaria 419-A/2009 de 17/4.
Fica notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, do conteúdo da informação de custas de que se junta cópia.
Há um saldo remanescente de 793,04€ que deve requerer seja restituído, devendo para o efeito indicar o IBAN da executada”.
O executado requereu a restituição do saldo remanescente.
O exequente promoveu:
“Salvo o devido respeito, a finalidade primacialmente visada com a presente execução - pagamento coercivo de coima aplicada à executada pela prática de infracção contra-ordenacional – exclui, por com ela incompatível, a possibilidade de operância da isenção tributária prevista no artº 4º, nº 1, alínea f) do RCP.
Assim, pr que, desconsiderando-se a informação lavrada a fls 37, se determine se proceda à contagem das custas devidas nestes autos pela executada”.

Foi proferido despacho:

“Sendo a isenção de custas compatível com o pagamento coercivo da quantia exequenda, não se limitando no art. 4º nº 1 al. f) do RCP a referida isenção a uma determinada espécie processual, nada há a ordenar no que se refere à elaboração da conta relativamente à informação de fls. 37”.
O exequente recorreu.

Extraiu as seguintes conclusões:

1ª) A presente execução foi instaurada com o fito de efectivar a sanção/coima aplicada à arguida/executada no âmbito do processo principal, pela prática de delito de natureza contra-ordenacional;
2ª) Evidenciando tal finalidade, bem como a conduta delituosa determinante da correspondente punição da arguida/executada, actuação desrespeitadora do enquadramento e das atribuições e finalidades legais que a arguida/executada era suposto observar e prosseguir, a isenção tributária prevista no artº 4º, nº1, alínea f) do RCP é, naturalmente, insusceptível de operar no âmbito destes autos;
3ª) Sendo certo que o presente processo está sujeito a custas, da responsabilidade da executada (cfr. arts 1º, nºs 1 e 2 e 7º, nº 5 do RCP);
4ª) Assim, ao entender que a executada beneficia da falada isenção tributária e, por consequência, que inexiste fundamento para liquidar as referidas custas processuais, desaplicou a decisão recorrida os comandos normativos contidos nos arts 1º, nºs 1 e 2, 4º, nº1, alínea f) e 7º, nº5 do RCP;
5ª) Nestes termos deverá tal decisão ser revogada e substituída por outra que, afirmando a inaplicabilidade, “in casu”, da sobredita isenção tributária, determine a feitura do apuramento das custas devidas pela executada nesta acção executiva.
Não se contra-alegou.
Efectuado o exame preliminar, cumpre decidir.
Indagar-se-á da não isenção de custas do executado e da consequente obrigação de elaboração da conta de custas.
Os factos a considerar são os que objectivamente resultam do relatório.
Não está em causa o estatuto do executado e o seu escopo social. Estes, através de uma personalidade privada, respeitam à actividade de apoio social para pessoas idosas sem alojamento. Assim, deve o mesmo ser enquadrado na categoria de pessoa colectiva privada sem fim lucrativo.
Igualmente, é pacifico que, a quantia exequenda advém de condenação em coima e custas em processo de contra-ordenação.
Como se refere na sentença em que se decidiu o respectivo recurso de impugnação judicial da decisão proferida por entidade competente, a contra-ordenação traduz-se no funcionamento dum lar de idosos sem que possuísse alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento e, como se sublinhou na mesma, atribuindo-se a confissão do impugnante, esse estabelecimento não poderia ser susceptível de beneficiar desse alvará por não dispor de todos os requisitos.
Para afastar a elaboração da conta a decisão sob censura coloca o acento tónico na circunstância da isenção prevista no artº 4º, nº 1, alª f), do RCP (1- Estão isento de custas: (…); f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável; (…)) não estar limitada a uma determinada espécie processual.
Contudo esta asserção não releva.
Por seu turno a previsão do artº 7º, sob a epígrafe regras especiais, nomeadamente no que respeita à do seu nº 5 (nas execuções por custas, multas ou coimas o executado é responsável pelo pagamento da taxa de justiça nos termos da tabela II) também não. A especialidade não se imiscui na isenção em si. Tem antes a ver com a fixação da taxa de justiça constante em tabelas anexas.
Para se averiguar da isenção tributária unicamente está em causa a finalidade da execução: obter o pagamento coercivo de coima adveniente de conduta delituosa com recorte típico de elevada censura ético-jurídica.
Ora, tanto essa finalidade como a conduta em si que deu azo à tipificação não devem suscitar a operância da isenção tributária em causa.
Como afirma o recorrente: “se a instauração do correspondente processo contra-ordenacional constituía já indício de que os actos e/ou actividade determinantes da respectiva autuação não se enquadravam, integravam ou correspondiam à realização, nos termos legais, das atribuições e/ou interesses que a arguida era suposto prosseguir, o seu definitivo sancionamento, no âmbito do mesmo, traduz inarredável afirmação de que a conduta subjacente se situou fora da lei.
O mesmo é dizer que se tratou/trata de conduta ininserível na actuação finalística (em conformidade com a lei, é claro) requerida/exigida para o funcionamento da sobredita isenção.
Afigurando-se-nos, aliás, que em situações de impugnação contra-ordenacional as arguidas pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos só poderiam, de acordo com a economia da respectiva previsão, beneficiar da isenção em apreço se os interesses subjacentes à protecção das correspondentes infracções lhes fossem especialmente confiados nos seus estatutos ou na lei – o que, pelo menos “in casu”, se não verifica”.
E a jurisprudência deste Tribunal da Relação, no acórdão de 14.06.2017 (www.dgsi.pt) pode ser invocada em defesa desta tese por maioria de razão.

Segundo o mesmo:

“Estamos assim perante uma isenção de custas restrita, uma vez que só funciona em relação aos processos supra referidos dependendo o seu reconhecimento da demonstração pelas partes em causa, das suas especiais atribuições estatutárias.
Defende Salvador da Costa, Custas Processuais – Análise e Comentário. 6ª ed., Almedina, págs. 104 e 105 que “Considerando a história deste preceito, reportado às instituições de solidariedade social e às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, propendemos a considerar que esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa dos interesses que lhes estão especialmente confiados pela lei ou pelos estatutos. Nesta perspectiva, esta isenção não abrange as acções cujo objecto sejam obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebram com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.”
Trata-se assim de uma isenção de custas restritiva, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei.
Nesta perspectiva, pode parecer que esta isenção não abrange as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições.
Contudo, se o objecto destas acções for instrumental em relação aos fins estatutários de tais entidades, propendemos a considerar serem abrangidas pela isenção de custas.
Esta isenção está, porém, limitada pelo que se prescreve nos n.ºs 5 e 6 do citado artigo 4º do RCP ao estabelecer para estes casos que a parte isenta é responsável pelo pagamento das custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido e é responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a respectiva pretensão for totalmente vencida.
Em sentido idêntico se pronunciou já este Tribunal da Relação, designadamente nos Acórdãos de 30/06/2016, proferido no âmbito do proc. n.º 846/16.2T8BCL.G1(relatora Alda Martins) e de 30/04/2015, proferido no proc. n.º 204/14.9TTVRL (relator Antero Veiga) referindo este último o seguinte:
“Como resulta do normativo esta isenção subjetiva apresenta duas caraterísticas peculiares, é limitada e condicionada.
Limitada porque não depende apenas da qualidade do sujeito, dependendo ainda dos concretos contornos da ação para a qual se pretende a mesma.
Estão abrangidas as ações em que a pessoa coletiva defenda interesses relacionados exclusivamente com as suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável. Estaremos a falar de direitos e/ou obrigações necessárias e decorrentes ao normal atuar da pessoa, tendo em vista alcançar os fins de interesse público em razão dos quais foi erigida.
Condicionada, porque pode a final vir a suportar custas, nos termos do nº 5 e 6 do normativo.
Uma interpretação estritamente literal, admitindo a insenção apenas quando as ações tenham a ver diretamente com as especiais atribuições ou sejam para defender os interesses especialmente conferidos à pessoa coletiva, não nos parece a mais conforme com os objetivos da concessão da isenção, com a ratio da norma.
Contudo, falar-se simplesmente de uma “instrumentalidade”, como bastante, implicará colocar na norma aquilo que o legislador não pretendeu aí colocar. Tratando-se de pessoa coletiva que não distribui lucros, facilmente se encaixaria todo o tipo de ações nos pressupostos necessários à isenção, inutilizando o carácter limitado prescrito na norma. Se o legislador assim o tivesse pretendido, bastaria conceder a isenção subjetiva tout court.
Importará caso a caso verificar se o assunto sub judice é “decorrência natural” do atuar da pessoa na prossecução daquelas atribuições e/ou interesses, quer porque, a jusante, decorrentes dessa prossecução; quer porque, a montante, necessário à mesma.
(…).
Uma demanda laboral poderá ou não encaixar-se. Encaixar-se-á uma demanda por exemplo de uma cozinheira de uma instituição que serve refeições gratuitas – a demanda é decorrência da prossecução do objetivo, a cozinheira foi contratada para o efeito de prosseguir naquele. (…)
Não se encaixarão aquelas que não decorrem da prossecução daquelas atribuições, nem são necessárias à mesma.”
Ora, também partilhamos este entendimento, tendo contudo presente que não procede o argumento de que as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos prosseguem sempre, indirecta e instrumentalmente, as atribuições e interesses que lhes cabem, sob pena de total esvaziamento da previsão legal e desvirtuamento dos objectivos prosseguidos com o estabelecimento das condicionantes mencionadas.
Importa assim relevar as acções emergentes de relações jurídicas estabelecidas com vista à prossecução das atribuições especiais da pessoa colectiva em causa, por serem a sua «decorrência natural», quer por traduzirem a sua concretização, quer por serem necessárias à mesma.
A Ré como já referimos é uma IPSS e prossegue entre outras, as actividades Creche, Pré-escolar, Estrutura Residencial para Pessoas idosas, Centro de Dia e de Serviço de Apoio Domiciliário.
Sucede que no caso em apreço foi interposta contra a Ré a acção emergente de contrato de trabalho com vista ao reconhecimento de créditos decorrentes da relação laboral existente entre as partes – diferenças salariais resultantes do reconhecimento de categoria profissional.
As funções que estão em causa alegadamente exercidas pela autora, quer de auxiliar ou de animadora sócio-cultural, não se reportam exclusiva e directa ou instrumentalmente às especiais atribuições da Ré ou dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto.
Por outro lado, não foram alegados pela Ré factos susceptiveis de virem a ser provados dos quais decorresse de forma circunstanciada que a actividade por si desenvolvida (creche e jardim de infância) no âmbito da qual a Autora desempenhou as suas funções era totalmente desprovida de intuito lucrativo, designadamente, porque tais serviços eram prestados de forma gratuita.
Os factos alegados apenas nos permitem concluir que o litigio existente entre autora e ré é comum a qualquer pessoa colectiva privada sem fins lucrativos da mesma natureza, ou mesmo de outra, não tendo conexão directa ou instrumental e muito menos exclusiva, com as especiais atribuições de tal instituição.
Não estamos perante qualquer atuação respeitante ao âmbito das suas especiais atribuições, nem para defesa dos interesses que especialmente lhe estão conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável contrato em apreço, razão pela qual se entende que independentemente de aquelas funções serem ou não levadas a cabo no âmbito dum contrato de trabalho, o que se discute nada tem a ver com o interesse público visado pela Ré, nem os créditos laborais reclamados constituem obrigações necessárias ou sequer instrumentais à prossecução dos seus fins, pelo que a Ré não está assim isenta de custas.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa no recente acórdão proferido em 22/03/2017, no Proc. n.º 22455/16.1T8LSB.L1-4 (relatora Celina Nóbrega) no qual se sumariou o seguinte:
“2 – Actua fora das condições referidas na al. f) do n.º 1 do artigo 4º do RCP, a Ré, Instituição Particular de Solidariedade Social, no âmbito de uma acção em que é demandada para pagar diferenças salariais e uma indemnização por danos morais em virtude de contrato de trabalho alegadamente existente entre a Autora e a Ré”
Em suma não se reconhece no caso a isenção de custas reclamada pela Ré”.
Deve, pois, proceder o recurso e revogar-se o despacho recorrido, ordenando-se que se elabore a pertinente conta de custas, assim prosseguindo os autos os ulteriores termos.

Sumário, da única responsabilidade do relator
A isenção prevista no na al. f), do nº 1 do artº 4º do RCP não abrange a acção executiva para pagamento de coima e de custas em que foi condenada a pessoa colectiva privada sem fim lucrativo, em sentença do respectivo recurso de impugnação judicial da decisão proferida por entidade competente, pela pratica de contra-ordenação e que se traduziu no funcionamento dum lar de idosos sem que possuísse alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar procedente o recurso, assim revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se que se elabore a pertinente conta de custas, assim prosseguindo os autos os ulteriores termos.
Sem custas.
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O presente acórdão compõe-se de 8 folhas com os versos não impressos.
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04.10.2017