Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
510/15.6T8VNF.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Constituem vícios não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que determinem, por modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insusceptível de poder ser suprido com o consentimento dos tutelados, ou dito de outro modo, que consistam em violações destas normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.

II- A eventual venda de um estabelecimento por valor inferior ao seu valor real de mercado, não constitui uma violação não negligenciável e, consequentemente, causa fundada de recusa da sua homologação.

III - A verificação de uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, terá de ser arguida segundo o seu próprio regime, não podendo, nunca – a não ser que o processo tenha de ser expedido em recurso antes do fim do prazo da respectiva arguição -, ser atacada por via de recurso.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO.

Recorrente: L. P., Comércio de Produtos Químicos, Lda.
Recorridos: X – Tecelagem, Ldª e L. S., Ldª.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, J2.

Os credores L. P., Comércio de Produtos Químicos, Lda, viram impugnar a lista de credores quanto à natureza do crédito das sociedades F. e SK.
Notificado o administrador judicial provisório, veio esclarecer não ter conhecimento da influência do sócio e gerente daquelas na gestão da Têxtil L. S., Ldª.
Assim, por considerar não poder a prova testemunhal e por declarações de parte ser admitida nos autos dada a finalidade limitada da lista provisória de credores reconhecidos no processo de revitalização e a inutilidade da junção de mais documentos face à posição expressa do administrador, e por não se vislumbrar qualquer conexão do referido sócio e gerente daquela sociedades na gestão da Têxtil L. S., por despacho proferido a fls. 719, dos autos, foi julgada improcedente a natureza daqueles créditos.
Posteriormente foi proferida decisão que homologou a aprovação do Plano de Revitalização apresentado nos autos.

Inconformado com esta decisões, delas interpôs também recurso de apelação o credor, L. P., e, pugnando pela respectivas revogações, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

A- Conclusões relativas ao despacho que julgou improcedente a natureza dos créditos:

1) Conforme vem sendo afirmado, doutrinaria e jurisprudencialmente, a exigência de fundamentação só se mostra em concreto cumprida se o tribunal, além de elencar os factos provados e não provados, aduzir os meios de prova que, em concreto, serviram para fundar a sua convicção, seguindo-se a subsunção dos factos ao Direito, quais premissas que antecedem a conclusão, constituída pela parte dispositiva da decisão, assim se observando o silogismo judiciário;
2) Na decisão posta em crise, o Tribunal absteve-se, por completo, de elencar quais os factos, dentre os alegados pelo impugnante, que considerava ou não provados, e quais os meios de prova que militaram a favor de tal convicção (fundamentação de facto), não concretizando ademais qualquer subsunção ou fundamentação jurídica;
3) Assim sendo, como é, a decisão em causa mostra-se inquinada pela nulidade (decisória) prevista no art.º 615º, 1, b) do CPC, em conjugação com as normas dos artigos 607º, 3 e 4 e 154º, também do CPC, devendo a mesma ser reconhecida e, nessa sequência, revogado o despacho posto em crise, com as inerentes consequências;
4) Por requerimento apresentado aos 29 de Abril de 2019, com a referência electrónica Citius 8575560, o aqui recorrente requereu, no final, “Finalmente, constata-se que, ao contrário do que lhe foi determinado, a Devedora não logrou juntar aos autos – claro! - cópia do contrato promessa de compra e venda que, diz agora, está “revogado” ou distratado, devendo, pelas razões aduzidas – manutenção da Hipoteca que garante as suas obrigações, cujo registo, como se sabe, é constitutivo -, ser efectivamente junto, insistindo-se junto de V.ª Ex.ª nesse preciso sentido (vide art.sº 429º / 432º, ambos do CPC). - sic;
5) Sobre tal requerimento não incidiu qualquer decisão, tendo-se, assim, “formado” nos autos uma nulidade processual (na modalidade de omissão de pronúncia);
6) O documento em causa, contrato promessa celebrado por documento particular (mas com assinaturas reconhecidas notarialmente), no qual interveio a própria Devedora – Têxteis L. S., SA – e uma das empresas de que o Senhor A. B. é sócio e gerente (abreviadamente designada por “X”), poderia(á) incluir disposições que expressem o facto por cuja demonstração o aqui Impugnante ali se “batia”, e “bate”: a promessa de aquisição de acções representativas do capital da dita TLS e o exercício de facto da administração da Devedora, pelo dito A. B., em momento até anterior à celebração do contrato prometido;
7) O aqui recorrente deduziu já nos autos a pertinente nulidade (do art.º 195º do CPC), através do requerimento com a referência electrónica CITIUS 163653669, do dia 24/05/2019, aguardando, ainda na presente data, que a mesma seja suprida, invocando-a nesta específica sede, ao abrigo do disposto no art.º 199º, 3, CPC;
8) Entendendo que esta irregularidade (nulidade) processual afecta, inexoravelmente, a decisão ora posta em crise, pois, a ser deferida a pretensão, como se impunha, e obtido esse documento, poderiam resultar demonstrados alguns dos factos alegados pelo Impugnante em ordem a estribá-la, influindo tal irregularidade na apreciação e decisão da questão jurídica sub judicio, inquinando assim a decisão proferida – cfr. artigos 195º, 1, in fine, e 2, ambos do CPC;
9) Ainda que se entenda que, do despacho recorrendo resulta, mais ou menos implicitamente, decidida tal questão, então deve a mesma ser revogada em face da manifesta utilidade que o documento em apreço ostenta para a boa decisão da causa e justa composição do conflito, com a inerente consequência da revogação da decisão que incidiu sobre a impugnação;
10) A declaração do Senhor AJP não pode alcandorar-se, como parece resultar do despacho proferido (mais implícita do que expressamente), a um meio de prova dotado de uma espécie de força probatória plena, a justificar que se dispense s produção e/ou a ponderação de qualquer outro meio de prova;
11) Tal declaração, constituindo informação de terceiro (art.º 436º do CPC), não incide sobre facto sujeito a qualquer princípio de prova legal, pelo que sempre teria de ser valorada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova (vide art.º 607º, n.º 5, do CPC), assim como todos os restantes contributos probatórios recolhidos, designadamente os restantes documentos juntos aos autos (mas sobre os quais não foi produzida qualquer apreciação, muito menos concatenação / harmonização);
12) Além de que, o que se extrai do teor da dita declaração é, apenas, que ao Senhor AJP não foi dado aperceber-se de que o Senhor A. B. seja administrador de facto da Devedora, o que não significa que não o seja, tanto mais que, como dali decorre, até o viu pelas instalações da Devedora;
13) Apesar de a decisão recorrida não identificar quais são os efeitos limitados da lista provisória de créditos, num PER, não podemos concordar com essa conclusão – não concretamente justificada / fundada -, desde logo em face do teor e alcance da norma do art.º 17.º-G, n.º 7, do CIRE;
14) Apesar de o despacho recorrido não invocar o fundamento consistente no carácter urgente e na natureza simplificada do processo PER, para indeferir a produção de prova pessoal, não se ignora que esse argumento é destacado em algumas decisões judiciais que versam sobre esta questão (pelo que o refutamos, prevenindo a hipótese de o Tribunal ad quem ponderar na eventual confirmação da decisão recorrida com assento ou arrimo no mesmo);
15) Pois que as pressupostas decisões foram adoptadas num contexto em que o impugnante da lista provisória de credores é o próprio credor reclamante (como sucedeu no Acórdão do TRG, do dia 3 de Janeiro de 2015, proferido nos autos 3.576/14.1T8GMR-C.G1), aí fazendo sentido que se afirme que o reclamante deve munir-se de prova documental do seu crédito, a fim de evitar maior indagação processual, tarefa essa desaconselhável em face dessa natureza e carácter;
16) In casu, não está em causa reconhecer ou não um crédito, ponderando sobre se existe prova documental bastante da sua existência e montante mas, antes, verificar qual a natureza que lhe deve ser atribuída, seja, se os créditos objeto de impugnação (da lista provisória de credores) são ou não detidos por entidade especialmente relacionada com um administrador de facto da Devedora (devendo assim ser classificados de subordinados, e não, neste caso, como garantidos – a natureza atribuída na lista provisória de credores apresentada pelo Senhor AJP);
17) Atendendo à especificidade dos factos que, neste caso, suportam a conclusão – subsunção – da natureza subordinada, e que se traduz na circunstância de o seu sócio e gerente, Senhor A. B., ser, nem mais nem menos, administrador de facto da Devedora, não há, nem se vê como possa ser razoavelmente angariada – para ser junta aos autos -, prova documental bastante de que o mesmo é, de facto, administrador da entidade apresentante a PER, sendo incontornável o recurso a prova pessoal;
18) Não se pode (deve) brandir, perante o recorrente, o argumento da suposta inadequação na produção de prova pessoal, eventualmente assente na duração curta do prazo legal para a decisão da impugnação (cinco dias), quando, como resulta dos autos, o Tribunal precisou de três longos meses para a decidir, tempo este mais do que suficiente para, entretanto, levar a cabo tais diligências, mais a mais depois de o Impugnante ter reduzido a quantidade de testemunhas a auscultar e prescindido das declarações de parte;
19) Logo, e independentemente do carácter determinante, porque eventualmente definitivo, ou não, da natureza atribuída aos créditos (em face da improcedência da impugnação que a questionava) e, mesmo, do diferente relevo a atribuir, para efeitos do denominado quorum deliberativo, a créditos subordinados e a créditos não subordinados (garantidos, privilegiados e comuns), justifica-se que, in casu, não estando em causa o reconhecimento de um crédito mas questão que envolve a apreciação de factos, alegados na impugnação, relacionados com créditos de terceiro e apenas perscrutáveis através de adequada ponderação de contributos probatórios de natureza pessoal, estes sejam produzidos;
20) A decisão em causa violou, entre outras, as normas insertas nos artigos 154º, 195º, 1, in fine e 2, 411º, 413º, 429º, 432º, 607º, 3, 4 e 5, todos do CPC e, ainda, os artigos 20º, 1 e 205º, 1, CRP, devendo ser declarada nula ou, se assim se não entender, revogada e substituída por outra que admita a produção dos meios de prova de natureza pessoal requerida pelo aqui Recorrente, com as demais consequências legais, assim se fazendo a sã e costumada Justiça!

B- Conclusões relativas à decisão que homologou a aprovação do Plano de Revitalização:

1) O aqui Recorrente, em momento ulterior à apresentação do Plano de Revitalização mas anterior à votação e homologação, suscitou, perante o Tribunal a quo, questões susceptíveis de conduzir à sua ulterior não homologação, requerendo essa não homologação, que se podem sintetizar da seguinte forma:
1. O Plano visa o saneamento financeiro da Devedora mediante transmissão do estabelecimento industrial a terceiro, activo este todavia não avaliado para esse preciso efeito nos autos;
2. O Plano prevê o pagamento a dois credores, ditos garantidos, da titularidade de duas empresas das quais é gerente o Senhor A. B., administrador de facto da Devedora desde finais do ano de 2018, em violação do princípio (imperativo) da igualdade ou paridade creditícia (par conditio creditorum), do artigo 194º do CIRE.
2) Para além de si também os credores J. M. e “A. F., Unipessoal, Limitada” o fizeram;
3) Apesar disso, o Tribunal a quo permitiu-se escrever no despacho posto em crise que “Não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer interessado artigo 216o CIRE ex vi artigo 17o-F in fine CIRE.”;
4) O Tribunal a quo, ao não apreciar e decidir a(s) oposição(ões) em apreço, deixou de pronunciar-se sobre questões jurídicas concretamente deduzidas perante si pelo(s) referido(s) credor(es), constituindo esta omissão de pronúncia nulidade (decisória) – art.º 608º, 2, CPC aplicável ex vi art.º 17º do CIRE;
5) A dita nulidade inquina a decisão recorrenda, pois se repercute directamente no objecto e teor da matéria decidenda (homologação do Plano de Revitalização elaborado e votado pelos senhores credores), na medida em que, a serem atendidas as razões de facto e de direito oportunamente esgrimidas impunha-se a não homologação do Plano nos exactos termos apresentados;
6) Ainda que assim se não julgue, a sentença proferida não deveria ter homologado o Plano de Revitalização em apreço, por ter sido violada norma imperativa que determina seja antecipadamente fixada uma contrapartida adequada pela alienação do activo “estabelecimento industrial” da Devedora – art.º 199º do CIRE, ex vi art.º 17º-F, 7, CIRE;
7) Pois que, o Plano prevê efectuar o saneamento financeiro (parcial) da Devedora a partir da contrapartida (peço) a receber pela alienação do próprio estabelecimento industrial de Tinturaria da titularidade daquela, preço este, porém, encontrado a partir da valoração atomística dos elementos que o compõem, e não da unidade (jurídica e) económica em que se traduz;
8) Acrescendo que, nem foram valorados todos os elementos que o integram, pois que importantes elementos (incorpóreos), como a força produtiva e o know-how dos trabalhadores previamente seleccionados, a “marca” distintiva da qualidade dos serviços por si prestados e o aviamento (onde se inclui a clientela da Devedora), bens estes, de natureza incorpórea, mas inequivocamente identificativos e fortemente marcantes na unidade (jurídica e económica) a transferir para “terceiro”;
9) A valorização de tais relevantes elementos seria susceptível de aportar maior valor económico ao objecto da transmissão, potenciando, no mínimo, maior probabilidade de a generalidade dos credores comuns e subordinados obterem pagamento dos seus créditos;
10) A decisão em causa violou, entre outras, as normas insertas nos artigos 608º, 2 e 195º, 1, in fine, e 2, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art.º 17º do CIRE e, ainda, a do artigo 199º, do CIRE, aplicável ao PER por força da norma contida no art.º 17º-F do CIRE, devendo por isso ser declarada nula, determinando-se o Tribunal recorrido a apreciar e decidir as questões que lhe foram oportunamente colocadas entre outros pelo credor Recorrente ou, se assim se não entender, revogada e substituída por outra que determine o Senhor AJP a proceder à determinação da “contrapartida adequada” pela transmissão do estabelecimento industrial da Devedora por avaliação à unidade económica objecto da transmissão, ou, se assim se não entender, recusada a homologação do Plano em apreço, tudo com as demais consequências legais, assim se fazendo a sã e costumada Justiça!
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Os Apelados, X – Tecelagem, Ldª e L. S., Ldª, apresentaram contra-alegações pugnando, respectivamente, pela improcedência da primeira e da segunda das referidas apelações interpostas.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidenda são, no caso, as seguintes:

- Apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida por falta fundamentação de facto, prevista no artigo 615, nº 1, al. b), do C.P.C..
- Apreciar da existência de nulidade processual com influência na decisão proferida, por omissão de despacho sobre admissibilidade de junção de documento probatório.
- Analisar da existência de nulidade da decisão pela não admissibilidade da prova testemunhal e das declarações de parte.
- Apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de conhecimento, prevista no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C..
- Analisar se a decisão de homologação do plano de recuperação deve ser revogada e logo substituída por outra que o não homologue, por violação do princípio da igualdade dos credores.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, afigura-se de relevo para a decisão do recurso, a própria fundamentação dos despachos recorrido, que a seguir se transcreve:

A- Despacho de improcedência na natureza dos créditos:

“O credor L. P. veio impugnar a lista de credores quanto à natureza do crédito das sociedades X e SK.
A sociedade L. P.- Comércio de Produtos Químicos, Lda, veio também impugnar a lista provisória relativamente à natureza dos créditos reconhecidos às credoras SK e X.
Notificado o senhor administrador judicial provisório, veio esclarecer não ter qualquer conhecimento da influência do sócio e gerente daquelas na gestão da Têxteis L. S., SA.
Não podendo a prova testemunhal e por declarações de parte ser admitida nos autos dada a finalidade limitada da lista de credores reconhecidos no processo de revitalização e a inutilidade da junção de mais documentos face à posição do senhor administrador já expressa, não se vislumbra qualquer conexão do referido sócio e gerente daquelas sociedades na gestão da Têxteis L. S..
Termos em que improcede a impugnação da natureza daqueles créditos.
Notifique”.

B- Decisão homologatória do Plano de Recuperação:

“Têxteis L. S., SA veio, ao abrigo do disposto no artigo 17º-A CIRE intentar o presente processo especial de revitalização.
Concluídas as negociações, procedeu-se à votação do plano, tendo sido aprovado por quórum deliberativo de 100% e mais de metade dos votos emitidos em sentido favorável, são correspondentes a créditos não subordinados atingem 67,47%.
Não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação- artigo 215º CIRE ex vi artigo 17º-F, nº5 in fine do CIRE.
Não foi solicitada a não homologação do plano por qualquer interessado- artigo 216º CIRE ex vi artigo 17º-F in fine CIRE.
Assim sendo, homologo por sentença o plano de revitalização de fls 740 a 748 dos autos- artigo 17º-F, nº 3 e 5 CIRE.
Custas pela devedora, com taxa de justiça reduzida a 1/4- artigos 17º-F, nº7 e 302º, nº1 CIRE.
O valor da acção para efeitos de custas é o equivalente ao da alçada da Relação- artigo 301º CIRE.
Registe, notifique e publicite- artigos 37º e 38º ex vi artigo 17º-F, todos do CIRE”.

Fundamentação de direito.

A- Apelação interposta do despacho proferido a fls. 719, dos autos, que julgou improcedente a natureza dos créditos impugnados.

Como fundamento desta apelação começa o Recorrente por alegar que a exigência de fundamentação só se mostra em concreto cumprida se o tribunal, além de elencar os factos provados e não provados, aduzir os meios de prova que, em concreto, serviram para fundar a sua convicção, seguindo-se a subsunção dos factos ao Direito, quais premissas que antecedem a conclusão, constituída pela parte dispositiva da decisão, assim se observando o silogismo judiciário.

Sucede que, em seu entender, na decisão posta em crise, o Tribunal absteve-se, por completo, de elencar quais os factos, dentre os alegados pelo impugnante, que considerava ou não provados, e quais os meios de prova que militaram a favor de tal convicção (fundamentação de facto), não concretizando ademais qualquer subsunção ou fundamentação jurídica.

E assim sendo, conclui pela existência de uma nulidade, por falta de fundamentação, prevista no art.º 615º, 1, b) do CPC, em conjugação com as normas dos artigos 607º, 3 e 4 e 154º, também do CPC, devendo a mesma ser reconhecida e, nessa sequência, revogado o despacho posto em crise.

Ora, a este propósito começaremos por referir que se nos afigura como incontornável que na decisão deve ser observado o dever de fundamentação das decisões judiciais que afectem os interessados, impondo o dever de obediência à lei (designadamente o art. 605º, nº 1 do C.P.C.) um esforço na racionalização do processo de formação da convicção.

A motivação ou justificação da decisão sobre a matéria de facto, enquanto elemento verdadeiramente estruturante da legitimidade (e de legitimação) da decisão mais não significa do que a explicação da convicção do juiz.

Todavia esta exigência de fundamentação não reveste em todos os casos de igual minucia ou profundidade havendo casos em que o próprio legislador, em atenção ao prosseguimento dos outros objectivos se bastou com uma fundamentação perfunctória ou mais aligeirada.

E um deste caso será precisamente o PER, pois que, como se sabe, “qualquer credor dispõe do prazo de vinte dias a contar da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a al. a), do n.º 3 do artigo 17.º - C - despacho nomeando administrado judicial provisório ao devedor - para reclamar os seus créditos, devendo essas reclamações serem remetidas ao administrador judicial provisório que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos, que é imediatamente apresentada na secretaria no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, sob pena de se converter em lista definitiva (artigo 17.º-D, n.ºs 2, 3 e 4).
Em caso de existir impugnações, o juiz dispõe do prazo de cinco dias para decidir as impugnações formuladas (artigo 17.º-D. n.º 3).
Note-se que as impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material, uma vez que as reclamações de crédito no âmbito do PER têm como único objectivo, por um lado, legitimar a intervenção do credor no PER e, por outro, calcular o quórum deliberativo e a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F, além de que a natureza célere e simplificada do PER é incompatível com a operância de caso julgado material.
Com efeito, o PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos dos credores perante o devedor, sequer a sua natureza célere se compadece com semelhantes finalidades, as decisões que recaiam sobre as reclamações de créditos são meramente incidentais, pelo que,nos termos do n.º 2 do art. 96º do Cód. Proc. Civil, não constituem caso julgado fora do respectivo processo (…) O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e basadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de dispor de todos os meios de defesa e de prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que–em última análise – comprometeria os objectivos do PER”(1) (2).

Como é sabido, “os créditos litigiosos não são susceptíveis de integrar a lista provisória de créditos do PER., pois que, a produção de prova – testemunhal e realização de diligências – é incompatível com a natureza e orgânica do PER, de onde resulta de forma evidente a intenção do legislador de obter uma decisão rápida que não se compadece com a produção de qualquer outra prova que não seja a documental junta aos autos com as impugnações e eventuais respostas bem como do parecer do Administrador Judicial Provisório.
A função relevante da lista definitiva de credores é única e exclusivamente a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-F/3 do CIRE, não tendo a decisão sobre as impugnações (de aprovação judicial da lista) força de caso julgado fora do estrito âmbito do PER”. (3)

Sem necessidade de mais considerações, de linear evidência resulta que o despacho em referência, pese embora o seu carácter sumário ou perfunctório, a fundamentação que contém é perfeitamente adequada e conforme às exigências legais neste aspecto, improcedendo assim, nesta parte, a presente apelação.

Mais alega o Recorrente que, por requerimento apresentado aos 29 de Abril de 2019, com a referência electrónica Citius 8575560, requereu, no final, “Finalmente, constata-se que, ao contrário do que lhe foi determinado, a Devedora não logrou juntar aos autos – claro! - cópia do contrato promessa de compra e venda que, diz agora, está “revogado” ou distratado, devendo, pelas razões aduzidas – manutenção da Hipoteca que garante as suas obrigações, cujo registo, como se sabe, é constitutivo -, ser efectivamente junto, insistindo-se junto de V.ª Ex.ª nesse preciso sentido (vide art.sº 429º / 432º, ambos do CPC). - sic;

Sobre tal requerimento não incidiu qualquer decisão, tendo-se, assim, “formado” nos autos uma nulidade processual (na modalidade de omissão de pronúncia);

O documento em causa, contrato promessa celebrado por documento particular (mas com assinaturas reconhecidas notarialmente), no qual interveio a própria Devedora – Têxteis L. S., SA – e uma das empresas de que o Senhor A. B. é sócio e gerente (abreviadamente designada por “X”), poderia(á) incluir disposições que expressem o facto por cuja demonstração o aqui Impugnante ali se “batia”, e “bate”: a promessa de aquisição de acções representativas do capital da dita TLS e o exercício de facto da administração da Devedora, pelo dito A. B., em momento até anterior à celebração do contrato prometido;

O aqui recorrente deduziu já nos autos a pertinente nulidade (do art.º 195º do CPC), através do requerimento com a referência electrónica CITIUS 163653669, do dia 24/05/2019, aguardando, ainda na presente data, que a mesma seja suprida, invocando-a nesta específica sede, ao abrigo do disposto no art.º 199º, 3, CPC.

Ora, no que concerne a este aspecto, independentemente da substancia da questão suscitada, e desconhecendo as razões porque não foi ainda proferido despacho sobre a questão suscitada, não cabe no objecto deste recurso a resolução desta questão, a qual possui outras formas de ser solucionada com vista à extracção das decorrentes consequências sobre o despacho recorrido, se eventualmente as tiver.

Por último alega ainda o Recorrente, que declaração do Senhor AJP não pode alcandorar-se, como parece resultar do despacho proferido (mais implícita do que expressamente), a um meio de prova dotado de uma espécie de força probatória plena, a justificar que se dispense s produção e/ou a ponderação de qualquer outro meio de prova;

Tal declaração, constituindo informação de terceiro (art.º 436º do CPC), não incide sobre facto sujeito a qualquer princípio de prova legal, pelo que sempre teria de ser valorada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova (vide art.º 607º, n.º 5, do CPC), assim como todos os restantes contributos probatórios recolhidos, designadamente os restantes documentos juntos aos autos (mas sobre os quais não foi produzida qualquer apreciação, muito menos concatenação / harmonização);

Além de que, o que se extrai do teor da dita declaração é, apenas, que ao Senhor AJP não foi dado aperceber-se de que o Senhor A. B. seja administrador de facto da Devedora, o que não significa que não o seja, tanto mais que, como dali decorre, até o viu pelas instalações da Devedora;

Apesar de o despacho recorrido não invocar o fundamento consistente no carácter urgente e na natureza simplificada do processo PER, para indeferir a produção de prova pessoal, não se ignora que esse argumento é destacado em algumas decisões judiciais que versam sobre esta questão (pelo que o refutamos, prevenindo a hipótese de o Tribunal ad quem ponderar na eventual confirmação da decisão recorrida com assento ou arrimo no mesmo);

Pois que as pressupostas decisões foram adoptadas num contexto em que o impugnante da lista provisória de credores é o próprio credor reclamante, aí fazendo sentido que se afirme que o reclamante deve munir-se de prova documental do seu crédito, a fim de evitar maior indagação processual, tarefa essa desaconselhável em face dessa natureza e carácter;

Atendendo à especificidade dos factos que, neste caso, suportam a conclusão – subsunção – da natureza subordinada, e que se traduz na circunstância de o seu sócio e gerente, Senhor A. B., ser, nem mais nem menos, administrador de facto da Devedora, não há, nem se vê como possa ser razoavelmente angariada – para ser junta aos autos -, prova documental bastante de que o mesmo é, de facto, administrador da entidade apresentante a PER, sendo incontornável o recurso a prova pessoal;

Logo, e independentemente do carácter determinante, porque eventualmente definitivo, ou não, da natureza atribuída aos créditos (em face da improcedência da impugnação que a questionava) e, mesmo, do diferente relevo a atribuir, para efeitos do denominado quorum deliberativo, a créditos subordinados e a créditos não subordinados (garantidos, privilegiados e comuns), justifica-se que, in casu, não estando em causa o reconhecimento de um crédito mas questão que envolve a apreciação de factos, alegados na impugnação, relacionados com créditos de terceiro e apenas perscrutáveis através de adequada ponderação de contributos probatórios de natureza pessoal, estes sejam produzidos.

Ora, salvo o muito e devido respeito pela opinião do Recorrente, tal como se expressa no citado acórdão da Relação do Porto (entre muitos outros) também nós somos de opinião que “O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e basadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de dispor de todos os meios de defesa e de prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que– em última análise – comprometeria os objectivos do PER

E assim sendo, improcede, na íntegra, a presente apelação.

B- Apelação da decisão que homologou a aprovação do Plano de Revitalização apresentado nos autos.

Como fundamento da nulidade que invoca, mas que não qualifica juridicamente, alega o Recorrente que o tribunal à quo não considerou, nem se pronunciou, como devia, sobre o conteúdo de diversos requerimentos que apresentou, todos anteriores ao proferimento da decisão homologatória da aprovação do plano de Recuperação, razão pela qual terá havido uma omissão de pronúncia por parte do tribunal a qual é geradora dessa nulidade.

Sustenta esta sua alegação no facto de, por si, em momento anterior à sua apresentação mas anterior à votação e homologação do plano de Revitalização, terem sido apresentados, terem sido suscitadas, perante o Tribunal a quo, questões susceptíveis de conduzir à sua ulterior não homologação, designadamente as acima transcritas e que se podem sintetizar da seguinte forma:
1) O Plano visa o saneamento financeiro da Devedora mediante transmissão do estabelecimento industrial a terceiro, activo este todavia não avaliado para esse preciso efeito;
2) O Plano prevê o pagamento a dois credores, ditos garantidos, da titularidade de duas empresas das quais é gerente o Senhor A. B., administrador de facto da Devedora desde finais do ano de 2018, em violação do princípio (imperativo) da igualdade ou paridade creditícia (par conditio creditorum), do artigo 194º do CIRE.

Assim, como alega, além de as ter identificado, substanciou-as, de facto e de direito, tendo-as, aliás, caracterizado como “razões atendíveis justificativas, designadamente, da sua futura não homologação”, pelo que, assim sendo, impunha-se, naturalmente, ao Tribunal recorrido que apreciasse e decidisse as questões jurídicas concretamente aduzidas pelo Recorrente, o que o Tribunal não fez, de todo, refugiando-se, antes, numa incompreensível negação de dedução desse tipo de questões e do inerente requerimento (ressalve-se o pleonasmo).

Ora, parece-nos de todo evidente que, no entender do Recorrente, estará em causa uma alegada violação do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C., cuja nulidade abrange os casos nulidades da e do “conhecimento indevido”(4).

O primeiro desses casos (5) consiste, assim, no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no art. 608º, nº 2 do C.P.C.. (6)

Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

A segunda das referidas hipóteses, a prevista na alínea d) – a do conhecimento indevido ou excesso de pronúncia –, verifica-se em todos aqueles casos em que sejam conhecidas e apreciadas questões que na sentença não podiam ser tratadas ou julgadas, por não terem sido colocadas em causa por qualquer das partes e não serem de conhecimento oficioso.

Este tipo de nulidade, tal como a omissão de pronúncia, está também directamente relacionada com o comando legal fixado no nº 2, do artº 608º, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Esta norma suscita o problema de se saber qual o sentido exacto da expressão «questões» nele empregue, sendo elucidativos os ensinamentos de Alberto dos Reis, o qual refere que “(…) assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado”. (7)

E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

De tudo decorre, assim, que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie o divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão. (8)

Destarte e, sintetizando, estando defeso ao Juiz ocupar-se de questões não suscitadas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, a nulidade da decisão por pronúncia indevida (conhecimento indevido), constituindo hipótese inversa à da omissão de pronúncia, apenas ocorre nos casos em que na decisão se conhece questão de que não se podia tomar conhecimento.

Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não do apontado vício, ou seja, se deixou se de existe falta de fundamentação ou de pronúncia sobre qualquer questão de que não pudesse deixar de conhecer, como pretende o Recorrente.

E salvo o devido respeito, embora integrando um vicio gerador de nulidade, não se nos afigura que ela possa ser subsumível à prevista no artigo 615, nº 1), alíneas d), do C.P.C.


Efectivamente, e conforme alega, pelo Recorrente, em momento ulterior ao da sua apresentação mas anterior à votação e homologação do Plano de Revitalização, foi apresentado o seguinte requerimento:

- “Por requerimento apresentado ao 11 de Junho de 2019, com a referência electrónica Citius 8762955, o aqui recorrente escreveu:

“L. P., credor reconhecido, como tal constante da listagem elaborada e apresentada aos autos, no pretérito dia 25/02/2019 (a que se refere o art.º 17º-D, 3, do CIRE), bem como na lista “actualizada” - e não definitiva - recentemente ali também junta, com os demais sinais dos autos, tendo sido notificado do Plano apresentado pela Devedora, junto aos autos, vem, nos termos do n.º 2 do art.º 17º-F do CIRE, pronunciar-se sobre o mesmo, em ordem a alinhar razões atendíveis justificativas, designadamente, da sua futura não homologação, como segue.”
(…)
Mais à frente, em concretização dessas razões, sustentou o seguinte:
“Está bom de ver que o objecto mediato do plano em causa, de saneamento financeiro por transmissão, reside no estabelecimento industrial que, como é sabido, constitui uma universalidade jurídica e económica cujo valor não corresponde, de forma alguma, à soma dos valores que se possam atribuir aos elementos de natureza corpórea que o constituam.
Pois que, o denominado aviamento é elemento incorpóreo absolutamente determinante em ordem a fixar-se a eventual medida do desfasamento entre aquele valor e a soma dos montantes de avaliação dos activos corpóreos, desfasamento que aqui é manifesto.
(…)
Ora, a acompanhar esse plano não se mostra junto nenhum relatório de avaliação à realidade jurídica e económica a transmitir: o estabelecimento industrial.
Apenas uma (suposta) avaliação do imóvel a incluir nos activos a ceder e outra dos equipamentos administrativos, industriais e restantes bens a incluir na cedência.
(…)”
Ainda mais à frente, alegou:
“A mais do já exposto, verifica-se que no Plano se encontra prevista a obrigatoriedade de o adquirente do estabelecimento pagar às sociedades “X - TECELAGEM” e “SK - MALHAS”, integralmente, os seus (deles) créditos (na parte não auto-satisfeita), ditos garantidos.
A este propósito refira-se que foi interposto recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação por nós deduzida à lista, precisamente concernente à natureza a atribuir a esses créditos (por deverem ser reputados de subordinados).
Ora, o Plano em causa não pode ser mantido nos termos em que se mostra elaborado, desde logo porque aqueles créditos, se a sua natureza for alterada – como legitimamente se espera -, virão a ter o mesmo tratamento jurídico do crédito da titularidade do credor aqui exponente, que é subordinado: a sua integral insatisfação.
Sucede que, despudoradamente, o Plano prevê o pagamento praticamente “à cabeça” daqueles créditos.
O que não se estranha, de todo: se o Plano decalca, como traduz, as intenções e os propósitos do Senhor A. B. naturalmente que, caso o estabelecimento não lhe venha a ser adjudicado, constitui sua intenção e propósito assegurar que lhe devolvam os montantes investidos na Devedora (porque é exactamente disso que se trata, nunca de adiantamentos por conta de encomendas, como despudoradamente alegado e acrítica e autisticamente aceite pelo novel Senhor AJP).
Aliás, e prevenindo a hipótese de tal natureza ainda poder vir a ser afirmada, o Senhor A. B. “colocou pés ao caminho”, continuando, agora a ritmo galopante, a autopagar-se, com a total cumplicidade da legal representante da Devedora e com a, de resto confessada, complacência do novel Senhor AJP (os factos serão escrutinados na sede própria (…).
Veja-se, aliás, que tendo o Senhor AJP apresentado lista provisória de créditos “actualizada” em função das decisões judiciais das impugnações apresentadas, no dia 28 de Maio de 2019, na qual constam pelo valor global de 913.004,12 euros (somem-se os valores dos dois pseudo credores em causa), logo no dia 3 de Junho surge a Devedora a depositar o Plano – cuja autoria o Senhor AJP, na reunião do dia 24 de Maio de 2019, até informou ser sua - e a informar que o valor global dessas duas entidades é de 460.530,69 euros (somem-se os valores insertos na página 14 do Plano em causa).”
Concluindo, depois:
““Compreende-se”, claro, mas não se pode aceitar, por violação do princípio da igualdade de credores, consignado no artigo 194º do CIRE e aplicável nesta sede, constituindo a sua violação, aliás, uma das razões pelas quais o Tribunal jamais deve recusar a homologação do Plano que traduz a violação desse comando ou regra imperativa (que tem excepções, mas que não têm aplicação no caso vertente).
– sic, evidenciado agora introduzido (esclarecendo-se que, por lapso, o advérbio “jamais”, ali inserido, não tem sentido, lapso este que decorre do contexto das afirmações produzidas, constituindo um claro lapso de escrita.
(…)

Ora, sem necessidade de aprofundada análise do teor do requerimento em apreço, com evidência ressalta que, e conforme mais uma vez alega o Recorrente, versando sobre aspectos substanciais de incontornável e potencial influência sobre a decisão proferida, deveria o tribunal de primeira instância ter procedido proferido despacho que solucionasse tais questões, pelo menos, contemporaneamente, ao do proferimento da decisão homologatória do plano de recuperação.

E ao assim ter procedido, ao não ter proferido tal despacho previamente à decisão de homologação o tribunal recorrido omitiu, efectivamente, a prática de acto que a lei determinava, incorrendo assim na prática de uma nulidade prevista no artigo 195, nº 1, do C.P.C., no qual expressamente se prescreve que “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

Mas se a presente apelação não deixa de ser admissível, por ter sido interposta da decisão de homologação, o certo é que o este seu fundamento consiste na omissão da prática de acto, ou seja, na omissão do despacho decisório sobre as questões suscitas pelo Recorrente, anteriormente à homologação e a consequente dilucidação da questões jurídicas suscitadas, e logo na verificação de uma nulidade processual.

E a arguição de nulidades processuais, em conformidade com o que se estipula no seu regime, deve, por regra, ser efectuada perante o tribunal onde são praticadas.

A nulidade processual ou de procedimento, por contraposição à nulidade de julgamento, verificar-se-á sempre que ocorra um afastamento entre o formalismo seguido no processo e aquele que se encontra previsto na lei, a que esta faça corresponder uma invalidação de actos processuais (9).

A nulidade, com excepção das principais, previstas nos arts. 186º a 194º do C.P.C., apenas se verificam em duas situações:

- Ou quando a lei expressamente o declare;
- Ou quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa, conforme dispõe o nº 1, do art. 195º, do C.P.C..

E como resulta do disposto nos arts. 196º, 2ª parte e 197º, nº 1 do C.P.C., a sua apreciação e julgamento depende da sua arguição por parte daquele que tiver interesse na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto, sendo que, como decorre do preceituado no art. 199, do mesmo diploma legal, a arguição de nulidade secundária é feita perante o tribunal onde a irregularidade foi cometida, podendo ser arguida no tribunal superior no caso de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo para a parte a invocar.

E, assim sendo, como incontornável se impõe a conclusão de que a verificação de uma irregularidade processual, que possa influir no exame ou decisão da causa ou que a lei expressamente comine com a nulidade, terá de ser arguida segundo o seu próprio regime, não podendo, nunca – a não ser que o processo tenha de ser expedido em recurso antes do fim do prazo de arguição -, ser atacada por via de recurso.

Revertendo agora á análise da situação vertente, temos que a Recorrente veio arguir no presente recurso uma nulidade secundária, uma vez que se está perante invocação de uma irregularidade não expressamente prevista nos arts. 186º a 194º, do C.P.C..

Dúvidas não podem, pois, restar de que estamos perante a invocação de uma nulidade secundária, e, portanto, sujeita ao regime previsto no art. 195º do C.P.C.

Na verdade, sendo certo que o prazo para arguição da nulidade, que se iniciou no memento em que também se iniciou o prazo de interposição do recurso, ou seja, no da data da notificação da decisão homologatória em que, necessariamente, se consumou e o Recorrente tomou conhecimento da relevante omissão cometida, e está sujeita ao regime de arguição prescrito no art. 199º do C.P.C., incontornavelmente resulta que o prazo para a sua arguição (dez dias – arts. 149º e 199º, nº 1 do C.P.C.), terminou muito antes de o processo ser expedido em recurso.

Em decorrência do exposto, impõe-se concluir que a arguição da invocada nulidade não pode ser suscitada directamente a este tribunal (art. 119º, nº 3 do C.P.C.) nem pode ser invocada mediante recurso, estando assim este tribunal impedido de a apreciar.

Improcede, assim, neste aspecto, a presente apelação.

Mas alega o Recorrente que a sentença proferida não deveria ter homologado o Plano de Revitalização em apreço, por ter sido violada norma imperativa que determina seja antecipadamente fixada uma contrapartida adequada pela alienação do activo “estabelecimento industrial” da Devedora – art.º 199º do CIRE, ex vi art.º 17º-F, 7, CIRE;

Na verdade, prevendo o Plano efectuar o saneamento financeiro (parcial) da Devedora a partir da contrapartida (peço) a receber pela alienação do próprio estabelecimento industrial de Tinturaria da titularidade daquela, preço este, porém, encontrado a partir da valoração atomística dos elementos que o compõem, e não da unidade (jurídica e) económica em que se traduz;

Acresce que, nem foram valorados todos os elementos que o integram, pois que importantes elementos (incorpóreos), como a força produtiva e o know-how dos trabalhadores previamente seleccionados, a “marca” distintiva da qualidade dos serviços por si prestados e o aviamento (onde se inclui a clientela da Devedora), bens estes, de natureza incorpórea, mas inequivocamente identificativos e fortemente marcantes na unidade (jurídica e económica) a transferir param “terceiro”;

A valorização de tais relevantes elementos seria susceptível de aportar maior valor económico ao objecto da transmissão, potenciando, no mínimo, maior probabilidade de a generalidade dos credores comuns e subordinados obterem pagamento dos seus créditos;

E assim sendo, conclui o Recorrente, a decisão em causa violou, entre outras, as normas insertas nos artigos 608º, 2 e 195º, 1, in fine, e 2, ambos do CPC, aplicáveis ex vi art.º 17º do CIRE e, ainda, a do artigo 199º, do CIRE, aplicável ao PER por força da norma contida no art.º 17º-F do CIRE, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que determine o Senhor AJP a proceder à determinação da “contrapartida adequada” pela transmissão do estabelecimento industrial da Devedora por avaliação à unidade económica objecto da transmissão, ou, se assim se não entender, recusada a homologação do Plano em apreço.

Como é sabido, de harmonia com o disposto no artigo 1º, nº. 1, do CIRE, o processo de insolvência consiste num “processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

O processo especial de revitalização surge como resposta estratégica à necessidade da criação de uma envolvente favorável à revitalização do tecido empresarial português numa altura particularmente sensível do seu desenvolvimento, com o objectivo de se afirmar como uma solução de reestruturação empresarial em ordem a promover a viabilização e/ou recuperação do devedor.

Assim, em conformidade com o que se dispões no artigo 17°-A, nºs. 1 e 2, do CIRE, “o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”, e pode "ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação".

Com a introdução do Processo Especial de Revitalização no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a satisfação dos direitos dos credores deixou de consistir no objectivo primordial, ou quase único, da liquidação do devedor, passando, desde então, a revitalização do devedor a consubstanciar, também, um fim a ter em conta no âmbito do CIRE, alterando-se, assim, o paradigma da legislação falimentar.

Na verdade, a introdução deste tipo de processo especial teve em vista possibilitar ao devedor, em situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, o estabelecimento de ajustes, por acordo com os respectivos credores, por forma a concluir com estes um pacto que vise a sua revitalização e consequente recuperação económica.

O processo especial de revitalização reveste, assim, uma natureza negocial e extrajudicial, do devedor com os credores, sob a coordenação, direcção e escrutínio do administrador judicial provisório, em ordem, como se disse, à prossecução de um confessado propósito exteriorizado num acordo, ou seja, num plano de recuperação, que promova a reestruturação da empresa, permitindo a respectiva revitalização, o qual, a final, poderá ou não ser aprovado, seguindo, para o efeito, os termos do disposto nos artigos 17°-F e 17º-G, do CIRE, onde se estabelece o quórum necessário para a aprovação.

Sendo este um processo onde impera o primado da vontade dos credores que, quase plenamente, dele decidem, confiou-se, no entanto, ao administrador judicial, e, de algum modo, ao devedor, a responsabilidade de obviarem a abusos nefastos para aqueles e para a saúde da economia, restando, assim, para a intervenção do Juiz, neste processo, um papel residual, cabendo-lhe, quase em exclusivo, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis, e cujo cumprimento, constitui pressuposto da homologação do plano, e que contendem, quer com as regras procedimentais a respeitar, quer com o próprio conteúdo do plano.

Pode, assim, afirmar-se que deste regime decorre com linear evidência que o plano de insolvência é um verdadeiro negócio jurídico processual ou mesmo uma transacção e, portanto, um verdadeiro contrato (10), residindo a sua única especialidade, em não exigir, para que se tenha por validamente concluído, o consentimento de todos os intervenientes, sendo suficiente, o consentimento de um simples maioria deles, pois que, efectivamente, não é necessário para que o plano seja aprovado, a unanimidade de votos dos credores, incluindo, por exemplo, os afectados pela supressão ou alteração do valor dos seus créditos, ou das suas garantias, no caso dos credores privilegiados, bastando, por um lado, que obtenha o voto favorável de mais de dois terços de todos os votos emitidos, trate-se de credores comuns, garantidos ou privilegiados e, por outro, que mais de metade dos votos correspondam a créditos não subordinados. (11)

Todavia, para que produza os efeitos jurídicos a que se destina, o plano deve ser objecto de homologação judicial, havendo de realçar-se que, embora a sentença homologatória limite o seu controlo à legalidade do plano, e não ao seu mérito, o certo é que esse acto decisório constitui uma verdadeira condição de eficácia do plano (artº 217 nº 1 do CIRE). (12)

O juiz da insolvência está, portanto, vinculado ao dever de controlar a legalidade do plano de insolvência, devendo recusar, ex-offício, a sua homologação, designadamente, caso o seu exame o leve a concluir que se verificou uma violação, não negligenciável, de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (artº 215 do CIRE). Note-se que, quer se trate de normas de procedimento quer de normas de conteúdo, em causa estão sempre normas processuais, i.e., normas que definem uma consequência processual, ou, mais concretamente, aquelas cuja previsão desencadeia um efeito processual.

Por decorrência de tudo o acabado de expender, em face de um concreto plano, com o objectivo último de homologar ou de recusar a sua homologação, o juiz terá, assim, de proceder a um duplo exame:

- Por um lado, ao exame do acto sob o ponto de vista do procedimento;
- E, por outro, ao exame sob o ponto de vista do seu conteúdo.

E se na primeira situação o exame terá por objecto as normas de tramitação, ou seja, as normas que regulam a sequência de actos que constituem o processo relativo à apresentação e aprovação do plano, já no segundo, esse objecto é constituído pela normas de conteúdo, ou, dito de outro modo, pelas normas processuais que permitem determinar o conteúdo desse mesmo plano.

E assim sendo, enquanto no exame do ponto de vista do procedimento, se procurará averiguar se o plano acatou as normais processuais integrantes do iter legalmente previsto, conducente à sua aprovação, no exame do conteúdo, indagar-se-á se o plano observou as normas que conformam a respectiva substância, designadamente, as que definem um conteúdo vinculado desse mesmo plano.

Destarte, e em síntese, o tribunal terá de examinar se se verifica, quer no plano do procedimento relativo à aprovação do plano de insolvência, quer no plano atinente ao seu conteúdo, uma qualquer nulidade processual, ou seja, se se praticou um acto que não é permitido ou foi omitido um acto imposto ou uma formalidade essencial (artºs 195, do CPC ex-vi artº 17 do CIRE).

No entanto, para recusar, mesmo oficiosamente, a homologação do plano não é suficiente a constatação de que houve violação tanto de normas de tramitação como de normas relativas ao conteúdo do plano.

Na verdade, a ofensa de normas de qualquer destas espécies apenas autoriza a recusa da homologação se for não negligenciável, exigência que vincula, evidentemente, à distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes e que traz, naturalmente, implicada a concessão ao juiz de um largo poder de apreciação.

Essa apreciação deve nortear-se pelos princípios orientadores, em geral, da nulidade processual, entre os quais se conta o da essencialidade, de harmonia com o qual a nulidade não se verifica se a prática ou a omissão do acto ou da formalidade não influir no exame e na decisão da causa (artºs 195, in fine, do NCPC, ex-vi artº 17 do CIRE).

Em conclusão, poderá dizer-se que apenas releva a violação que seja susceptível de influir no exame e na decisão da causa, ou seja, que comprometa, irremediavelmente, o fim que a lei se propunha atingir, pois que, quando a ofensa da lei não tenha este efeito patológico, a violação é negligenciável ou desprezível, e o juiz fica autorizado a declarar irrelevante a nulidade correspondente. (13)

Reportando-se ao artigo 215, referem Carvalho e João Labareda “o modo como o artigo se encontra elaborado inculca a ideia de que ambos os tipos de vícios – das regaras procedimentais ou das regras aplicáveis ao conteúdo do plano – suportam o mesmo tratamento, devendo em qualquer do casos desconsiderar-se as violações menores”.

Tem-se, assim, entendido que o juiz, no exercício da sua função de sindicância do cumprimento das normas, deve ter em atenção as situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, uma vez que, as violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano.

Coloca-se, no entanto, a questão em saber o que deve compreender-se por “vício não negligenciável” que sustente a recusa de homologação do Plano de Revitalização, uma vez que o legislador não o caracteriza.

Como referem os mesmos Autores, “a lei não define, com efeito, o que deva considerar-se vício negligenciável nem fornece objectivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta”
(…)
“Dir-se-á, com feitos, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são consideradas as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido.
(…)
“Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores – que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa -, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.
(…) O que é importante é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir na boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta que é, apesar de tudo, livremente renunciável” (14).

Em decorrência, parece poder concluir-se fazerem parte dos vícios não negligenciáveis ou não desculpáveis, todos aqueles que determinem, por modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insusceptível de poder ser suprido com o consentimento dos tutelados, ou dito de outro modo, que consistam em violações destas normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.

Ora como fundamento da sua pretensão de ver recusada a homologação do plano, alega, o Recorrente, em síntese, que o valor do estabelecimento foi encontrado a partir da valoração atomística dos elementos que o compõem, e não da unidade (jurídica e) económica em que se traduz, não tendo sido valorados todos os elementos que o integram, designadamente, importantes elementos incorpóreos, como a força produtiva e o know-how dos trabalhadores previamente seleccionados, a “marca” distintiva da qualidade dos serviços por si prestados e o aviamento (onde se inclui a clientela da Devedora), bens estes, inequivocamente identificativos e fortemente marcantes na unidade (jurídica e económica) a transferir param “terceiro”, que constituem relevantes elementos susceptíveis de aportar maior valor económico ao objecto da transmissão, potenciando, no mínimo, maior probabilidade de a generalidade dos credores comuns e subordinados obterem pagamento dos seus créditos.

Vejamos então se isto assim é!

E a propósito do valor do estabelecimento, como e bem lembra a Recorrida, o Administrador Judicial Provisório em requerimento apresentado nos autos em 14/06/2019, quando o ora Recorrente veio levantar a questão do valor do estabelecimento comercial, em resposta ao depósito do plano, refere o seguinte:

o valor não é uma propriedade intrínseca do bem, mas uma característica definida pelo mercado, resultante da oferta e da procura, único para um determinado momento e situação de mercado.
O signatário tem consciência de que o valor projectado para a transmissão do estabelecimento da sociedade devedora muito provavelmente não reflecte, nesta altura, o seu valor de mercado, se entendermos este como o resultado de uma transacção entre um vendedor desejoso de vender, mas não forçado a isso, e um comprador que quer comprar mas que também não está forçado a fazê-lo, tendo ambos pleno conhecimento das condições de compra e venda e da utilidade da propriedade.
Na actual situação em que se encontra a sociedade devedora, a venda do seu estabelecimento é imperiosa e urgente, sob pena de, num curto prazo, ocorrer a sua insolvência e, consequentemente, haver não só uma desvalorização substancial de todo o seu activo, mas também um aumento brutal do seu passivo.
Assim, o valor proposto para a transmissão do estabelecimento da sociedade insolvente não é aquele que todos (nomeadamente os credores) desejariam, mas aquele para o qual, neste momento, existe alguém disposto a pagá-lo e que respeita as avaliações existentes.
Contudo, como forma de mitigar esta limitação, o plano de recuperação depositado prevê a possibilidade de qualquer terceiro poder adquirir o estabelecimento, estabelecendo-se as condições em que o pode fazer.”
(…)
“Note-se que o custo total da operação de transmissão do estabelecimento da sociedade devedora para a entidade adquirente é muito superior ao preço projectado de Euros 3.078.399,00.
Se considerarmos que a transmissão do estabelecimento determina a assunção de passivos pela entidade adquirente, então conclui-se que o valor total da operação, para a entidade adquirente, representa um valor superior a 4,4 milhões de Euros:
- Preço de transmissão do estabelecimento 3.078.399,00 € Capital em dívida para integral cumprimento do contracto com a “…, S.R.L.” 178.400,00 €
- Capital em dívida para integral cumprimento do contracto com a “… Textile …, S.P.A.” 196.442,40 € Valor dos direitos laborais (compensação devida pela antiguidade) adquiridos pelos trabalhadores que permanecerão no estabelecimento 1.009.526,96 € Total 4.462.768,36 €.

Como se refere no plano de recuperação depositada, a solução apresentada é a melhor possível nas condições actuais e a alternativa – a insolvência da sociedade devedora – colocará os credores numa situação bastante mais prejudicial.”

E é neste contexto, que a eventual venda do estabelecimento por uma contrapartida inadequada, por desconforme com ao seu valor real, poderia ter-se em regra, por não negligenciável, com a consequente recusa de homologação do plano (15).

Ora, sendo o plano de recuperação susceptível de impor aos credores uma compressão generalizada e grave das suas faculdades típicas – dado que, e mais concretamente, pode afectar a esfera jurídica dos interessados e interferir com os direitos de terceiros independentemente do seu consentimento, desde que a lei o autorize expressamente (artº 192 nº 2 do CIRE) -, como inquestionável e lógica decorrência resulta que ele pode também sujeitar um qualquer credor a toda e qualquer medida ou acto que nas circunstância concretas da empresa devedora, seja adequado à promoção do seu saneamento económico ou recuperação, contanto que os seus contornos, embora eventualmente divergentes do que seriam numa situação de salubridade económica da empresa (que nessa situação, pelas regras do normal funcionamento do mercado, obteria, certamente, propostas de valor superior pelo estabelecimento, pois o mercado tendo consciência dessa necessidade de vender, retrai-se muito mais nas propostas que faz, na expectativa que as dificuldades precipitem o “bom negócio”), não deixem de ser justificadas e adequadas às circunstâncias da empresa e à sua consequente posição e valor dela no mercado.

Assim sendo, a valor a atribuir ao estabelecimento, terá de reflectir uma relação de compromisso, em que, simultaneamente, se, por um lado, se visa promover recuperação da devedora, através da obtenção de valores minimamente adequados aos dos bens a negociar, por outro, se facilite igualmente a concretização atempada do negócio, por vezes, quase tão importante como a sua realização, para a materialização da recuperação, possibilitando que apareça alguém disposto a pagá-lo, sendo certo que, como se disse, a fixação desse mesmo valor, nestas circunstância, tem sempre de ter em consideração que o mercado é manifestamente menos generoso na consumação destes negócios, por haver a plena consciência da posição de fragilidade do devedor.

Destarte, como e bem conclui a Recorrida, de tudo o exposto à evidência decorre que o valor a pagar pelo estabelecimento, terá de atender também aos encargos que a adquirente assume com a transmissão e que são na ordem dos quatro milhões e meio, já que a assunção do contrato de trabalho de trabalhadores, com os salários inerentes correspondentes a vários anos de serviço, e com as antiguidades e as diuturnidades, não constituem qualquer activo, mas sim um passivo a assumir pelo adquirente.

Logo, no contexto económico actual, a manutenção dos postos de trabalho de 97 trabalhadores evita o desemprego, já que sem alienação do estabelecimento a devedora iria para a insolvência, com os custos inerentes das indemnizações, levando a que todos os credores recebessem muito menos, ou nada.

De tudo resulta que houve a plena consciência de que o valor proposto para a transmissão do estabelecimento da sociedade devedora, embora respeitando as avaliações existentes, não é aquele que se ajustaria ao valor real do estabelecimento em condições normais de mercado, ou seja, com a empresa com plena saúde financeira e sem necessidade de vender, mas sim aquele que, em razão das circunstâncias concretas de extrema dificuldade económica e da premente necessidade de vender, para salvar a empresa, se ajusta às condições do mercado nessas circunstância, ou seja, que possibilitem a concretização atempada do negócio, possibilitando que apareça alguém disposto a pagá-lo, sendo certo que nestas circunstância o mercado é manifestamente menos generoso por ter plena consciência posição de fragilidade do devedor, para quem, por se encontrar em verdadeiro “estado de necessidade” económico-financeiros, a concretização do negócio de venda do estabelecimento se afigura imprescindível à remoção dessas dificuldades e, logo, para o assegurar da sua própria sobrevivência empresarial.

Mais não resta assim do que concluir que o valor fixado ao estabelecimento, respeitando as avaliações efectuadas, com relação à consistência credibilidade das quais nada de relevante foi aduzido, teve, incontroversamente, em consideração todas as circunstâncias que constituem a actualidade da empresa devedora, designadamente, o respectivo passivo, bem como, a frágil posição no mercado que decorre dos seus constrangimentos económicos e financeiros, relevantes para a negociação (já que o plano de recuperação também prevê a possibilidade de qualquer terceiro poder adquirir o estabelecimento, estabelecendo as condições em que o pode fazer), sendo certo que as premente necessidade de recursos económicos, por parte da devedora, impõe, como refere o Administrador Judicial, de modo imperioso e urgente, a venda do estabelecimento, “sob pena de, num curto prazo, ocorrer a sua insolvência e, consequentemente, haver não só uma desvalorização substancial de todo o seu activo, mas também um aumento brutal do seu passivojustificando-se, por isso, a fixação de um valor que, não sendo, eventualmente, o mais elevado possível para a concretização do negócio, esteja, mesmo assim, numa relação de adequação como contrapartida aceitável pelo estabelecimento.

Refira-se, por último que, questionando o Recorrente de modo directo os critérios de fixação do valor, e só indirectamente este último, apenas se sabendo que o considera exíguo, como contrapartida do estabelecimento, não se nos afigura, no entanto, que daí tenha decorrido qualquer prejuízo para os credores, não só porque se consideram os critérios e a contrapartida fixada e a pagar pelo estabelecimento adequados, como ainda, como bem menciona a Recorrida, “foi dada a possibilidade a outros terceiros interessados na aquisição do estabelecimento de o fazerem, bastando incrementar a proposta apresentada pela adquirente X Tinturaria Lda. em 50 mil euros” e para esse ”efeito foram publicados anúncios em jornais com tiragem nacional e local, e informadas as condições de aquisição, mas certo é que mais ninguém apareceu”, não obstante a publicidade dada, sendo que, “os credores, caso se sentissem prejudicados (…), não iriam aprovar o plano como fizeram”.

Por tudo o exposto, não se concede provimento à apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 23/ 01/ 2020.



1. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 24/01/2018, proferido no processo nº 60/17.5T8VNG.P1, in www.dgsi.pt.
2. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in ob. cit., pág. 79. Na mesma linha Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 155, escrevem “(…) a lista só é definitiva nos termos e para os efeitos do processo de revitalização. Sendo assim, não se vê obstáculo a que, não tendo a decisão sobre a impugnação no processo de revitalização sido precedida da observância das garantias próprias da discussão em processo civil, nomeadamente por virtude da limitação da produção e apreciação de prova, a questão possa vir a ser reposta em sede de outro processo que, diferentemente do de revitalização, tenha por objectivo prioritário e fundamental a definição da situação jurídica controvertida (…) a impugnação de créditos e as subsequentes avaliação e decisões judicias só podem ser suportadas em prova documental e esta última só tem carácter definitivo nos termos e para os efeitos do processo de revitalização em que se insere”.
3. Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 9/02/17, proferido no processo nº 3820/15.8T8VNF-B.G1. in www.dgsi.pt,
4. Cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 690.
5. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, p. 142.
6. Cfr., p. ex., A. Varela e outros, obra citada, p. 690; Alberto dos Reis, obra e local citado (estabelecendo também uma correspondência directa entre o vício em questão e a exigência mencionada no art. 660º, nº 2 do C.P.C.); Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, 1982, p. 142.
7. Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., pg. 54.
8. Cfr. Anselmo de Castro, obra e local citados na nota anterior.
9. Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 176.
10. Cfr. Gisela Jorge Fonseca, “a natureza jurídica do plano de insolvência”, in Direito da Insolvência, Estudos, Coordenação Rui Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 122.
11. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 06.07.09, www.dgsi.pt.
12. Cfr. Eduardo Santos Júnior, “O plano de insolvência: Algumas notas”, cit. pág. 590.
13. Cfr. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. II, Lisboa, Quid Iuris, 2006 pág. 119.
14. Cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, C.I.R.E., anotado, edição de 2009, pgs. 713 e segs.
15. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 17.11.13, www.dgsi.pt.