Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
838/21.5T8BCL.G1
Relator: ELISABETE ALVES
Descritores: ADOPÇÃO
PROCEDIMENTOS
FASE ADMINISTRATIVA
FASE JUDICIAL
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. O processo de adopção compreende procedimentos de natureza administrativa e outros de natureza judicial, os quais integram actos de preparação e actos de avaliação que relevam para a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção.
2. A decisão judicial só pode ser proferida na sequência de uma decisão de adoptabilidade e na sequência da avaliação favorável da pretensão de adopção.
3. A confiança da criança ao adotante surge como um requisito essencial da constituição do vínculo adotivo, o que se mostra justificado face à necessidade de avaliar da previsibilidade da constituição efetiva de um vínculo semelhante ao da filiação, mas também à imprescindível exigência de um real controlo jurídico da situação de facto da criança e do modo pelo qual o candidato à adoção assume a guarda do adotando.
4. A fase judicial inicia-se com o requerimento apresentado pelo adotante junto do tribunal competente, e só pode ser requerida após a notificação ao adoptante do relatório elaborado pela segurança social, ou decorrido o prazo de elaboração do relatório (requisito para a sua solicitação pelo tribunal, quando o relatório não acompanhe a petição inicial).
5. A elaboração do relatório previsto no n.º 4 do artigo 50.º do RJPA e sua conclusão com parecer favorável à prossecução do projecto adoptivo ou o decurso do prazo para a sua elaboração, constitui um pressuposto processual inominado da dedução da fase judicial do processo de adopção.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

F. S. e M. C., ambos residentes na Rua …, vieram, nos termos do art. 52º da Lei nº 143/2015 e artigos 1974.º e seguintes do Código Civil, requerer a adoção plena do menor C. A., de 14 anos, que com eles reside, arguindo para o efeito, e em súmula, que o menor nasceu a - de Abril de 2006, e é filho de C. F. e S. O., tendo vivido com os requerentes, que dele cuidam como se seus pais fossem, desde os catorze meses de idade e não mantendo, desde então, qualquer relacionamento com os pais biológicos.
Mais sustentam a real vantagem para o menor, da adoção plena requerida e que por decisão proferida no âmbito do processo tutelar nº 4137/09.2 TBBCL já foram atribuídas aos ora Requerentes as responsabilidades parentais do menor, tendo estes já manifestado, junto da equipa de adopção do CDSS de Braga, a sua intenção de adotar o menor, sem que contudo, na presente data seja possível juntar o relatório a elaborar pela mesma uma vez que os Requerente apenas irão reunir com os seus elementos no próximo dia 13 de Abril.
Com a petição juntaram aos autos: assento de nascimento dos requerentes e do menor; certidão referente aos autos de processo tutelar com o n.º 4137/09.2TBBCL.
*
Aberta vista ao Ministério Público, foi promovido o liminar indeferimento da Acção por falta dum pressuposto formal e substantivo que é essencial para a própria admissão da acção em juízo, conforme expressa letra e espírito da lei, nos termos do sobredito artº52º nº2 do Regime Jurídico do Procº de Adopção.
*
Com data de 9.04.20210, referência electrónica 167597204, foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial por manifesta improcedência do pedido, nos termos do artigo 590º n.1 do Código de Processo Civil.
Para justificar tal decisão, consignou-se que: «Cumpre, pois, apreciar, desde logo, da verificação dos pressupostos legais de admissibilidade para o prosseguimento da presente acção tendo em conta o requerido e os documentos juntos com a petição inicial.
Quid Iuris?
O art.º 40.º da lei n.º 143/15 de 8 de Setembro que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Adoção estabelece as três etapas do referido processo.
Assim, dispõe o aludido preceito que “O processo de adopção, nos termos que é definido na alínea c) do art.º 2.º é constituído pelas seguintes fases: a) fase preparatória, que integra as actividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social ou pelas instituições particulares autorizadas, no que respeita ao estudo de caracterização da criança com decisão de adotabilidade e à preparação avaliação de candidatos a adotantes; b) fase de ajustamento entre as crianças e candidatos, que integra as actividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social ou pelas instituições particulares autorizadas, para aferição da correspondência entre as necessidades da criança e as capacidades dos candidatos, organização do período de transição e acompanhamento, e avaliação do período de pré-adopção, c) fase final que integra a tramitação judicial do processo de adopção com vista à prolação de sentença e decida da constituição do vínculo.
Por sua vez, os art.ºs 41 e ss., 48.º e ss. e 52.º e ss. do mencionado diploma legal regulam estas fases acima mencionadas.
Conforme se depreende do art.º 53.º, relativamente à fase judicial estabelece-se que no requerimento inicial a alude o art.º 52.º, o adoptante além de alegar os factos tendentes a demonstrar os requisitos gerais previstos no art.º 1974.º do Código Civil, bem como as demais condições necessárias à constituição do vínculo jurídico da adopção tem de oferecer desde logo todos os meios de prova, nomeadamente certidões de cópia integral do registo de nascimento do adoptante, bem como certificado comprovativo da verificação de algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do art.º 34.º e o relatório previsto no n.º 4 do art.º 50.º.
In casu, atento o alegado pelos próprios requerentes, constata-se que estes não cumpriram cabalmente as fases do processo de adopção, nem juntaram o comprovativo dos pressupostos a que alude o n.º 1 do art.º 34.º, nem o relatório previsto no art.º 53.º, n.º 2 – cfr. art.º 50.º, n.º 4.
Conforme se refere no art.º 52.º, n.º 2 “A adopção só pode ser requerida após a notificação prevista no n.º 6 do art.º 50.º”.
Logo, não estando junto o referido relatório, sendo que as fases que antecedem a fase final “processo judicial de adopção” não se encontram cabalmente cumpridas, conforme bem refere o Digno magistrado do Ministério Público, verifica-se ab initio uma falta de pressupostos legais para que a presente acção possa prosseguir e que não podem ser sanadas do decurso do processo.»
*
*

Inconformado com a decisão de indeferimento liminar, dela recorreram os requerentes F. S. e M. C., formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem):

« 1. Por decisão proferida no âmbito dos presentes autos, foi indeferida liminarmente o requerimento inicial que deu origem aos presentes autos, porquanto no entendimento do Tribunal a quo os ora recorrentes não cumpriram cabalmente as fases do processo de adopção, nem juntaram o comprovativo dos pressupostos a que alude o n.º 1 do art.º 34.º, nem o relatório previsto no art.º 53.º, n.º 2.
2. A falta do relatório a que alude o art. 52º, nº 2, da Lei nº 143/2015 de 8 de setembro não constitui motivo para o indeferimento liminar da petição inicial, uma vez que só há lugar ao indeferimento da petição inicial «quando a pretensão não tiver quem a defenda, nos tribunais, ou na doutrina, isto é, quando for evidente que a tese do autor não tem condições para vingar nos tribunais.».
3. No caso concreto, no requerimento inicial os Recorrentes alegaram os factos tendentes a demonstrar os requisitos gerais previstos no art. 1974º, nº 1, do CC e as demais condições necessárias à constituição do vínculo geral de adopção do menor C. A., motivo pelo qual no âmbito dos presentes autos nunca poderia haver lugar a indeferimento liminar do pedido formulado pelos ora Recorrentes no âmbito dos presentes autos.
4. De acordo com o disposto no art. 53º, nº 3, da Lei nº 143/2015 de 8 de setembro caso o relatório a que alude o art. 52º, nº 2 do mesmo diploma legal não acompanhe o requerimento inicial, o Tribunal solicita-o ao organismo de segurança social competente ou à instituição particular autorizada que o deve remeter, no prazo máximo de 15 dias, prorrogável por igual período, em caso devidamente justificado.
5. A decisão ora em crise que indeferiu liminarmente a petição inicial por falta de junção do relatório a que alude o art., 52º, nº 2 da Lei 143/2015 de 8.09, deve ser revogada e, consequentemente ser substituída por uma outra que ordene o prosseguimento dos presentes autos com a prolação de despacho a convidar a Segurança social para juntar documentação considerada em falta.
6. Os presentes autos os presentes autos estão isentos de custas atento o disposto no art. 4º, nº 2, al. f) do RCP, pelo que, a manter-se a decisão de indeferimento, não podem os ora Recorrentes ser condenados em custas porquanto estão isentos do seu pagamento

Termos em que
Deve a decisão ora em crise que indeferiu liminarmente a petição inicial por falta de junção do relatório a que alude o art., 52º, nº 2 da Lei 143/2015 de 8.09, ser revogada e, consequentemente ser substituída por uma outra que ordene o prosseguimento dos presentes autos com a prolação de despacho a convidar a Segurança social para juntar documentação considerada em falta, pois só assim se fará Justiça.»
*
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida que indeferiu liminarmente a petição inicial por manifesta falta dum pressuposto formal e substantivo que é essencial para a própria admissão da acção em juízo conforme expressa letra e espírito da lei, nos termos do sobredito artº52º nº2 do Regime Jurídico do Procº de Adopção.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Nada obstando ao seu conhecimento, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objecto do recurso

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).
*
Face às conclusões da motivação do recurso, a questão a decidir subsume-se:

- à aferição dos pressupostos exigíveis para a propositura da acção de adopção e se estes se mostram verificados in casu;
- se o tribunal a quo, em lugar de indeferir liminarmente a acção de adopção pela falta de pressupostos legais, deveria tê-la feito prosseguir, a fim de convidar a Segurança social para juntar a documentação considerada em falta.
*
III – Fundamentação fáctica.

Os factos a considerar são os constantes do relatório supra.

IV. Fundamentação de Direito:

Como decorre da análise da decisão recorrida e das alegações de recurso apresentadas, a questão decidenda centra-se na aferição dos pressupostos exigíveis para a propositura da acção de adopção e se estes se mostram verificados in casu, para que a acção de adopção possa prosseguir.
O regime jurídico da adopção encontra-se actualmente previsto na Lei nº 143/2015, de 08 de setembro, doravante designado RJPA (diploma a que se reportam todas as demais disposições legais citadas sem menção de origem).
A adopção é, nos termos do disposto pelo artigo 1586º do Código Civil, o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973.º e seguintes.
Pela adoção, o adotado adquire a situação de filho do adotante e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adotado e os seus ascendentes e colaterais naturais (artigo 1986º do CC).
A adoção visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adotando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação (artigo 1974º do CC).
Na base da adopção está sempre o superior interesse dos menores e a sua salvaguarda, pelo que se impõe uma cuidadosa aferição de todos os pressupostos que garantam o direito da criança a crescer num ambiente familiar, seguro e tranquilo, que lhes proporcione todas as suas necessidades físicas, psicológicas e emocionais. Tal verificação passa pelo estudo da personalidade e a saúde do adoptante(s) e adoptando(s), a idoneidade do(s) adoptante (s) para criar e educar o(s) adoptando(s), a situação familiar e económica do(s) adoptante(s) e as razões determinantes do pedido de adopção.
Nos termos do disposto pelo artigo 1973º do CC, a adopção constitui-se por sentença judicial, sendo este o único meio para a constituição deste vínculo. O respectivo processo é regulado em diploma próprio, no caso, encontra assento na já citada Lei nº 143/2015, de 08 de setembro (RJPA).
O artigo 2.º, alínea h), do RJPA define o processo de adopção como o «conjunto de procedimentos de natureza administrativa e judicial, integrando designadamente actos de preparação e actos avaliativos, tendo em vista a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção, a qual ocorre na sequência de uma decisão de adoptabilidade ou de avaliação favorável da pretensão de adopção de filho do cônjuge».
Como decorre do seu artigo 40º, a respectiva tramitação mostra-se repartida em três fases: a fase preparatória, a que aludem os artigos 41º a 47º, e que «integra as atividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social ou pelas instituições particulares autorizadas, no que respeita ao estudo de caracterização da criança com decisão de adotabilidade e à preparação, avaliação e seleção de candidatos a adotantes»; a fase de ajustamento entre crianças e candidatos, a que aludem os artigos 48º a 51º e que integra as atividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social ou pelas instituições particulares autorizadas, para aferição da correspondência entre as necessidades da criança e as capacidades dos candidatos, organização do período de transição e acompanhamento e avaliação do período de pré-adoção; e, por último, a fase final, “que integra a tramitação judicial do processo de adopção, com vista à prolação de sentença que decida da constituição do vínculo” e que se inicia “com o requerimento apresentado pelo adoptante junto do tribunal competente.” (artigo 52º)
O processo compreende assim procedimentos de natureza administrativa e outros de natureza judicial, os quais integram actos de preparação e actos de avaliação que relevam para a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção. Acresce que essa decisão só pode ser proferida na sequência de uma decisão de adoptabilidade e na sequência da avaliação favorável da pretensão de adopção. (1).
Na situação dos autos os requerentes vieram requerer a adoção plena do menor C. A., nascido a - de Abril de 2006, que com eles reside, segundo alegam, desde os 14 meses de idade, e que dele cuidam como se seus pais fossem, não mantendo este, desde então, qualquer relacionamento com os pais biológicos.
Sustentam a real vantagem para o menor, da adoção plena requerida.
Invocam que as responsabilidades parentais do menor lhes foram atribuídas num processo tutelar cível, tendo estes já manifestado, junto da equipa de adopção do CDSS de Braga, a sua intenção de adotar o menor, sem que, contudo, na presente data seja possível juntar o relatório a elaborar pela mesma uma vez que os Requerente ainda irão reunir com os elementos da Segurança social.
Nas suas alegações, os apelantes sustentam que não poderia haver lugar a indeferimento liminar da petição, porquanto, alegaram os factos tendentes a demonstrar os requisitos gerais previstos no art. 1974º, nº 1, do CC e as demais condições necessárias à constituição do vínculo geral de adopção do menor C. A., e o facto de não terem junto o relatório previsto no artigo 52º do do RJPA, apenas conduz a que deva ser proferido despacho a notificar a Segurança social para a sua junção.
Entendemos que não lhes assiste razão.
Na verdade, o decretamento da adopção depende da verificação de diversos requisitos: uns gerais (estabelecidos no artigo 1974º) e outros, especiais (previstos nos artigos 1979º e 1980º, todos do CC).
Como decorre do artigo 1980º do Código Civil, e no que se refere aos requisitos atinentes à pessoa do adotado, a lei apenas permite a adoção de crianças confiadas aos adotantes, administrativamente ou mediante medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, salvo no caso dos filhos do cônjuge do adotante, e desde que tenham idade inferior a quinze anos à data de entrada em tribunal do requerimento de adoção.
No entanto, não há obstáculo à constituição do vínculo adotivo no caso do adotando ter idade superior, mas sempre inferior a dezoito, desde que tenha sido confiado aos adotantes, ou a um deles, em data anterior àquela em que completou os quinze anos (2).

Para além dos requisitos enunciados, importa considerar que, a adopção está também dependente da verificação de determinados pressupostos legais e de trâmites procedimentais definidos na sua regulamentação legal, que têm necessariamente que ser trilhados, para que se obtenham as condições de conhecimento e segurança, pressupostos a uma decisão desta natureza e aos efeitos vinculativos que da mesma decorrem.
Desde logo, estatui o artigo 34º do RJPA que a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção depende de: a) prévia declaração de adoptabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e protecção, mediante decretamento de medida de confiança (…); b) prévia decisão de confiança administrativa, reunidos que se mostrem os necessários requisitos; c) prévia avaliação favorável da pretensão expressa pelo candidato a adoptante relativamente à adopção do filho do cônjuge, tendo em conta o superior interesse da criança.
Ou seja, como resulta da análise dos normativos citados, a adopção está dependente do preenchimento de determinados requisitos gerais e especiais, bem como dos pressupostos que decorrem do artigo 34º do Regime Jurídico do Processo de Adopção como sejam, a prévia declaração de adoptabilidade mediante o decretamento de medida de confiança com vista à adopção em processo judicial de promoção e protecção; a prévia decisão de confiança administrativa ou a prévia avaliação favorável da pretensão expressa pelo candidato a adoptante relativamente à adopção do filho do cônjuge.
Contrariamente ao que parecem defender os apelantes, não basta que se verifiquem os requisitos gerais e especiais para a adopção, é necessário também que se cumpra a regulamentação do respectivo regime jurídico, designamente que se cumpram as fases anteriores à fase judicial do processo de adopção e que ora foi iniciada, através do requerimento apresentado pelos apelantes.
O facto de nos encontrarmos perante um processo de jurisdição voluntária não conduz a que se possam postergar regras processuais ou requisitos legais da adopção.
Como se salienta no recente Ac. da Relação do Porto de 25-03-2021 (3): «Não pode confundir-se o superior interesse da criança que é «apenas» o critério norteador da decisão, da solução que se vai estabelecer como projecto de vida para a criança, com a existência de uma regulamentação legal que fixe não apenas pressupostos legais da adopção, sem o cumprimentos dos quais esta não pode ser decretada, por mais conveniente ou útil que ela viesse a ser para o desenvolvimento da criança, como também trâmites procedimentais que têm de ser percorridos para que se reúna o conhecimento e a avaliação necessários para uma decisão dessa envergadura, a qual, sublinhe-se, não apenas estabelece uma nova relação de parentalidade como acaba igualmente com a anterior, colocando fim ao direito da criança de estabelecer uma relação com o seu pai biológico.
Por outro lado, o poder de averiguação oficiosa do juiz e de conformação do processo para melhor concretizar o seu objectivo primordial – a defesa do superior interesse da criança – não prejudica em nada a existência de requisitos ou pressupostos processuais que condicionam a iniciativa processual e, portanto, cuja não verificação pode ser motivo para o indeferimento liminar da petição inicial.
Por isso mesmo, o artigo 28.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção (doravante apenas RJPA), aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro, estabelece que os tribunais exercem no processo de adopção as funções que a Constituição lhes confere, garantindo o cumprimento da lei, assegurando a promoção e defesa dos direitos das crianças e fazendo prevalecer o seu superior interesse, sem prejuízo da consideração devida aos interesses legítimos das famílias biológicas e dos adoptantes ou candidatos à adopção. »
Como decorre da alínea h) do artigo 2º do RJPA, o processo de adopção compreende um conjunto de procedimentos administrativos e de natureza judicial que relevam para a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo de adopção, o qual ocorre na sequência de uma decisão de adoptabilidade.
E como se salienta no aresto citado, o processo de adopção é o somatório destas fases sucessivas, as quais são todas elas imprescindíveis para poderem desembocar na sentença de adopção, sendo que entre elas existe uma sequência temporal inultrapassável.
Da parte do adoptante o primeiro passo que tem de ser dado é a apresentação à segurança social da candidatura à adopção. É o que estabelece o artigo 43.º do RJPA, nos termos do qual, quem pretender adoptar deve manifestar essa intenção, pessoalmente ou por via electrónica, junto de qualquer equipa de adopção dos organismos de segurança social ou instituição particular autorizada.
E nos termos do seu n.º 6, o organismo de segurança social ou instituição particular autorizada emite e entrega ao candidato a adotante certificado da formalização da candidatura do qual conste a data da respetiva admissão.
Segue-se, nos termos do artigo 44º, o procedimento de preparação, avaliação e selecção de candidatura, o qual deve estar concluído no prazo máximo de seis meses, composto por sessões formativas, entrevistas psicossociais e aplicação de outros instrumentos de avaliação técnica complementar, designadamente de avaliação psicológica, tendo em vista a capacitação do candidato e a emissão de parecer sobre a pretensão.
A avaliação da pretensão do candidato a adotante e o correspondente parecer devem incidir, nomeadamente, sobre a personalidade, a saúde, a idoneidade para criar e educar a criança, a situação familiar e económica do candidato a adotante e as razões determinantes do pedido ( n.3 do artigo 44º).
Concluídos os procedimentos, o organismo de segurança social ou a instituição particular autorizada profere decisão fundamentada e notifica-a ao candidato e, em caso de aceitação da candidatura, é emitido certificado de seleção (cabendo recurso da decisão que rejeite a candidatura).
Segue-se a fase de ajustamento entre crianças e candidatos, que integra as atividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social ou pelas instituições particulares autorizadas, para aferição da correspondência entre as necessidades da criança e as capacidades dos candidatos, organização do período de transição e acompanhamento e avaliação do período de pré-adoção, no âmbito da qual o organismo de segurança social ou instituição particular autorizada acompanha a integração da criança na família adotante, avaliando a viabilidade do estabelecimento da relação parental, num período de pré-adoção não superior a seis meses, prazo esse que, em situações devidamente fundamentadas, pode ser alargado por um período máximo de três meses, devendo esse facto ser comunicado ao Ministério Público (artigo 50º n.1 e 5).
Decorrido esse período ou logo que verificadas as condições para ser requerida a adoção, o organismo de segurança social ou a instituição particular autorizada elabora, em 30 dias, relatório incidindo sobre as matérias a que se refere a alínea i) do artigo 8.º, concluindo com parecer relativo à concretização do projeto adotivo, relatório esse, cujo teor integral, deverá ser notificado ao adoptante.
Como já referido, a prolação de decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção, exige que o adotando haja previamente sido confiado ao adotante, quer por via da confiança administrativa, quer por via da medida de confiança com vista a futura adoção – cfr. artigo 1979.º, n.º 3, do Código Civil e artigo 34.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Processo de Adoção.
A confiança da criança ao adotante surge como um requisito essencial da constituição do vínculo adotivo, o que se mostra justificado face à necessidade de avaliar da previsibilidade da constituição efetiva de um vínculo semelhante ao da filiação, mas também à imprescindível exigência de um real controlo jurídico da situação de facto da criança e do modo pelo qual o candidato à adoção assume a guarda do adotando (4).
Importando salientar que a decisão de confiança administrativa na modalidade de confirmação da permanência da criança a cargo do candidato a adotante pressupõe ( como decorre do artigo 36º n.8):
a) Que o exercício das responsabilidades parentais relativas à esfera pessoal da criança lhe haja sido previamente atribuído, no âmbito de providência tutelar cível;
b) Prévia avaliação da pretensão expressa pelo candidato a adotante relativamente à criança a cargo, tendo em conta o seu superior interesse.
A última fase do processo de adopção, é a fase que integra a tramitação judicial do processo de adoção com vista à prolação de sentença que decida da constituição do vínculo.
É esta a fase que foi iniciada pelos apelantes, a qual principia com o requerimento apresentado pelo adotante junto do tribunal competente e que só pode ser requerida, conforme resulta do disposto no artigo 52º n.2, após a notificação do relatório pela segurança social ao adoptante, prevista no n.º 6 do artigo 50.º, ou decorrido o prazo de elaboração do relatório.
Estes dois momentos fixam a altura a partir da qual pode ser iniciada a última fase, a fase judicial, fixando-se no artigo 53º os requisitos, ou pressupostos exigidos para o prosseguimento da acção, mormente os requisitos a que deve obedecer o requerimento inicial.
Diz-nos o artigo 53º, que: « 1 - No requerimento inicial, o adotante deve alegar os factos tendentes a demonstrar os requisitos gerais previstos no n.º 1 do artigo 1974.º do Código Civil, bem como as demais condições necessárias à constituição do vínculo jurídico da adoção.
2 - Com o requerimento deve o adotante oferecer desde logo todos os meios de prova, nomeadamente certidões de cópia integral do registo de nascimento do adotando e do adotante, bem como certificado comprovativo da verificação de algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 34.º e o relatório previsto no n.º 4 do artigo 50.º
3 - Caso o relatório não acompanhe o requerimento, o tribunal solicita-o ao organismo de segurança social competente ou à instituição particular autorizada que o deve remeter, no prazo máximo de 15 dias, prorrogável por igual período, em caso devidamente justificado.»
Como se depreende da análise destes normativos, para além da alegação concretizada dos requisitos previstos na lei e a que acima viemos de fazer alusão, os adoptantes têm necessariamente que juntar aos autos para além dos assentos de nascimento, certificado comprovativo da verificação de algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 34.º ( ou seja, comprovativo da prévia decisão de confiança das alíneas a) ou b)) e o relatório previsto no n.º 4 do artigo 50.º.
Importa referir, que caso o relatório previsto no n.4 do artigo 50º não acompanhe a petição inicial, o tribunal deverá solicitá-lo ao organismo de segurança social competente ou à instituição particular autorizada que o deve remeter, no prazo máximo de 15 dias. Todavia, tal situação só ocorrerá, como decorre do requisito previsto no artigo 52º n.2 para o início da acção, quando tal relatório já tenha sido notificado aos adoptantes, nos termos do n.6 do artigo 50 ou tenha já decorrido o prazo previsto no artigo 50º n.4, para a sua elaboração.
Reportando as considerações tecidas à situação dos autos, constata-se que os adoptantes (ora apelantes), no requerimento inicial da acção de adopção não cumpriram os pressupostos legais para dar início a esta fase processual, facto que não infirmam nas suas alegações.
Com efeito os adoptantes na petição que apresentaram limitaram-se a alegar a verificação de alguns dos requisitos gerais e especiais previstos na lei. Quanto às fases do processo de adopção pressupostas e anteriores à fase final a que deram início, limitaram-se a alegar já terem manifestado junto da equipa de adopção do CDSS de Braga a sua intenção de adotar o menor e encontrar-se agendada reunião com a referida equipa, não estando ainda na posse do relatório a elaborar pela mesma.
Ou seja, os adoptantes deram início à fase judicial do processo de adopção, sem que estivessem ainda percorridas as anteriores fases, designadamente, sem que o processo tivesse corrido os seus legais e anteriores trâmites perante o organismo de segurança social incumbido de receber o pedido/candidatura e de aferir, avaliar e emitir parecer sobre o pedido, e assim, sem que demonstrassem, como se lhes impunha, o seu curso com sucesso.
Não demonstraram, como lhes era exigível por força dos artigos 52º n.2 e 53º n.2, que a sua candidatura havia sido aceite, que havia decorrido o período de pré-adopção e o subsequente prazo para a elaboração do relatório previsto nos artigos 8º al.i) e 50º n.4, ou seja, que as diligências e procedimentos prévios à intervenção judicial haviam já terminado, ou sequer alegaram e juntaram certificado comprovativo da verificação de algum dos pressupostos enunciados no n.1 do artigo 34º, como lhes impunha o citado artigo 53º n.2 do RJPA.
Na verdade e como já resulta do acima exposto, o facto de o adotando estar a residir com os requerentes há largos anos, que sobre ele exercem o poder paternal e a quem foi confiado por decisão tutelar cível, não dispensa a verificação do requisito da prévia decisão de confiança administrativa com vista à adopção (mormente por confirmação de uma permanência a cargo, definida previamente por providência tutelar cível), como resulta do disposto nos artigos 34º, n.2 al.b), 36º n.8, alínea a), 53º n.2 , todos do RJPA e artigos 1979º n.3, 1980º n.1 al.a), ambos do Código Civil.
Como não dispensa as demais fases e procedimentos de natureza administrativa, prévios à fase judicial, designadamente a fase de pré-adopção (artigos 48º a 51º), mostrando-se o decretamento da adopção dependente de prévia avaliação favorável da pretensão expressa pelo candidato a adoptante, já que a adopção tem como finalidade primacial o superior interesse da criança e só pode ser decretada se e quando apresentar reais vantagens para o adotando, avaliação a levar acabo pelo competente organismo de segurança social ou instituição particular autorizada.
Como referimos, e se salienta no acórdão da Relação do Porto acima citado, «a fase de pré-adopção culmina com um relatório de acompanhamento e avaliação do período de pré-adopção elaborado pelo organismo da segurança social, do qual constam, designadamente, os elementos relativos à personalidade e à saúde do adoptante e do adoptando, à idoneidade do adoptante para criar e educar o adoptando, à situação familiar e económica do adoptante e às razões determinantes do pedido de adopção, e concluindo com parecer favorável ou desfavorável à concretização do projecto adoptivo [artigo 50.º, n.º 4, e 8.º, alínea i)].
Só depois disso se pode iniciar a fase judicial do processo de adopção, conforme deixa expresso o artigo 52.º do RJPA ao estabelecer que esta fase se inicia com o requerimento apresentado pelo adoptante junto do tribunal competente, mas esse requerimento «só pode» ser apresentado «após a notificação prevista no n.º 6 do artigo 50.º ou decorrido o prazo de elaboração do relatório»….
Resulta destas normas que existe um pressuposto processual inominado da dedução da fase judicial do processo de adopção: ter sido elaborado o relatório previsto no n.º 4 do artigo 50.º e este ter concluído com parecer favorável à prossecução do projecto adoptivo ou ter decorrido o prazo para a sua elaboração. Só no caso de já ter decorrido o prazo para a elaboração do relatório é que o adoptante pode avançar para a instauração da fase judicial do processo de adopção, sendo que nesse caso o processo se inicia precisamente com a solicitação do relatório à segurança social a qual é obrigada a apresentá-lo no prazo de 15 dias, prorrogável por uma vez.»
Em síntese, na situação analisanda, os apelantes, requerentes da adopção, não alegam nem comprovam, com a junção dos documentos exigíveis, ter cumprido as etapas assinaladas e que antecedem obrigatoriamente a fase judicial do processo de adopção, não juntam o relatório ou alegam o decurso do prazo para a sua elaboração ou sequer comprovam ter-lhes sido confiado o menor com vista à adopção, como lhes impunha o disposto pelo artigo 34º n.1, pelo que não tinha cabimento legal a prolação pelo tribunal a quo de qualquer convite à Segurança Social para juntar o relatório em falta.
A omissão dos requisitos assinalados constitui a falta de um pressuposto processual da acção (5), inominado, não suprível, que conduz à sua manifesta improcedência e, por consequência, ao indeferimento liminar da petição inicial, como decidido pelo tribunal a quo. Pelo que, a nosso ver, a decisão recorrida não merece censura.
Por último, vêm os apelantes colocar em causa a sua condenação em custas (tendo-se aí consignado, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficiem), por considerarem que a manter-se a decisão, não poderá haver condenação em custas por força da isenção prevista no artigo 4º n.2 al.f) do RCP.
Assiste-lhes razão.
Com efeito, diz-nos o artigo 4º n.2 al. f) do Regulamento das Custas Processuais, que ficam também isentos de custas «Os processos de confiança judicial de menor, tutela e adopção e outros de natureza análoga que visem a entrega do menor a pessoa idónea, em alternativa à institucionalização do mesmo;»
Pelo que, deverá a decisão de custas ser alterada, no sentido de considerar a isenção referida.
A apelação é assim parcialmente procedente.
*
V. Decisão

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
- Confirmar a decisão recorrida no que se refere ao indeferimento liminar da petição inicial, por manifesta improcedência do pedido;
- Revogar a decisão de condenação em custas (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário) e considerar o processo isento de custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.
*
Sem custas da apelação (artigo 4.º, n.º 2, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais).
Guimarães, 13 de Julho de 2021

Elisabete Coelho de Moura Alves (Relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Alexandra Viana Lopes
(assinado digitalmente)


1. Como se salienta no Ac. da Relação do Porto de 25.03.2021, processo 59/21.7T8VCD.P1, in www.dgsi.pt
2. Sobre esta questão e considerando a situação dos autos ( quanto à idade do menor), é relevante salientar o elucidativo acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 9.02.2021, processo 211/20.2 T8STC.E1.S1, da relatora Maria Clara Sottomayor, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: « I. Para que o direito responda às necessidades da vida e para que o interesse do adotando seja completamente protegido, deve entender-se que a expressão “confiança”, ínsita no artigo 1980.º, n.º 3 do Código Civil, tem um sentido amplo, englobando a confiança da criança a uma terceira pessoa, ao abrigo de uma medida de proteção (por exemplo, apoio junto de outro familiar ou confiança a pessoa idónea), ou, ao abrigo de uma decisão judicial proferida num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais. II. Verifica-se o requisito de adotabilidade – capacidade da adotanda – nos casos em que, tendo a confiança administrativa com vista a futura adoção sido decretada depois de a menor atingir mais de 15 anos de idade, se demonstre que a guarda da menor foi confiada, antes de esta completar 15 anos, à requerente da adoção, por acordo entre esta e os pais biológicos, homologado pelo tribunal num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais. »
3. Processo 59/21.7T8VCD.P1, do relator ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt
4. Vide José Lino Saldanha Retroz Galvão Alvoeiro « Confiança judicial com vista a futura adoção» in http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/44560/3/Jose%20Lino%20Saldanha%20Retroz%20Galvao%20Alvoeiro.pdf
5. «Pressupostos processuais são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever do juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para à partida garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa» Manual de Processo Civil, Antunes Varela, L. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, págs. 103 e segs.