Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4963/18.1T8GMR.G1
Relator: PEDRO CUNHA LOPES
Descritores: PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
PRESCRIÇÃO
OMISSÃO ELEMENTO SUBJECTIVO
COIMA
ART.º 3º/1
B)
D.L. N.º 156/05
15/9
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Relevante para efeitos de definição do prazo prescricional do procedimento contraordenacional é a coima máxima abstratamente aplicável e não a coima que concretamente foi aplicada, ainda não transitada.

2 - O facto de, no direito de audição e defesa conferido nos termos do previsto no art.º 50º R.G.C.O. não constar o elemento volitivo não se traduz em qualquer nulidade, bastando tão-só ao direito de defesa a descrição naturalística dos factos, para que o arguido possa defender-se, exercendo o contraditório.

3 - De qualquer modo, no caso dos autos, a expressão no sentido de que o arguido recusou a entrega do livro de reclamações congrega já, esse elemento subjetivo.

4 - Em recurso de contraordenação no Tribunal da Relação, o arguido deve pôr em causa a decisão judicial e, só por arrastamento, a decisão administrativa.

5 - Quando é o próprio arguido que não colabora na definição da sua situação económica, depois de para isso ser notificado, não pode o mesmo depois alegar vícios daí decorrentes.

6 - Não ofende o princípio Constitucional da proporcionalidade, o facto de a coima mínima para a recusa em facultar o livro de reclamações num estabelecimento seja de 1 750€.

7 - Não é quem se encontra a dirigir o estabelecimento que deve aferir da razoabilidade da reclamação que um cliente quer fazer, mas a entidade estadual competente para tal.

8 - Só deve ser aplicada admoestação em processo contraordenacional, nos casos em que a infração é leve e a culpa do agente reduzida, o que não é o caso dos autos.
Decisão Texto Integral:
1 – Relatório

Nestes autos em que é arguido M. J. foi produzida, em 1ª instância, decisão judicial no sentido da confirmação da decisão administrativa, tomada nos autos.

Nesta, por seu turno, fora o arguido recorrente condenado pela prática dolosa da contraordenação prevista no art.º 3º/1, b), D.L. n.º 156/05, 15/9, versão atualizada, no pagamento de coima no valor de 1 800€ (mil e oitocentos euros) – por não ter facultado o livro de reclamações.

Discordando desta decisão, da mesma interpôs recurso o arguido. Apresenta, no mesmo, as seguintes conclusões:

“1ª - A sentença recorrida julgou improcedente a prescrição invocada pelo recorrente, enquadrando os factos em causa na alínea b) do art.º 27.º, do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando, no nosso modesto entendimento, a matéria factual em causa enquadra-se na alínea c) do citado artigo 27º.
2ª - Com efeito, a coima aplicada ao recorrente pela ASAE foi do montante de € 1.800,00, sendo que a contra - ordenação em causa é p. e p. pela conjugação dos artigos 3º, nº 1 e 4, alínea b) e 9º, nº 3 do DL 156/2005 de 15 de Setembro, punível com coima de € 1.750,00 a € 3.500,00, por se tratar de pessoa singular.
3ª - Ora, dispõe o art.º 27.º, al. c) do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redação em vigor, que define e regula o Regime Geral das Contraordenações (RGCO), que “o procedimento por contra – ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da mesma haja decorrido “Um ano”, como é o presente caso.
4ª - Os factos imputados ao recorrente remontam a 27 de Dezembro de 2014; o recorrente foi notificado para o exercício do direito de defesa a 16-08-2016, a decisão administrativa foi proferida a 21-05-2018 e a sua notificação ocorreu apenas a 14-08-2018 (cfr. fls. 99).
5ª - Se se entender que estes factos são interruptivos do prazo de prescrição, é manifesto que, ainda assim, o mesmo já decorreu, desde a prática dos factos, o prazo normal de prescrição do procedimento contra - ordenacional acrescido de metade (1 ano + meio).
6ª - A sentença recorrida violou assim o disposto na alínea c) do artigo 27º al. c) do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro. No caso, tendo os factos ocorrido em 27-12-2014, não se compreende que o recorrente só em 14-08-2018 tenha sido notificado a decisão da entidade administrativa.
7ª - Pelo exposto, nos presentes autos, haver-se-á de concluir, por força das referidas normas, que o procedimento contra - ordenacional em causa se encontra prescrito.

SEM PRESCINDIR:

8ª - Sem conceder da invocada prescrição do procedimento contra ordenacional, ainda se dirá que se verifica a nulidade da decisão administrativa por violação do artigo 50º do RGCOC; e artigo 32º, nº 10 da CRP.
9ª - A notificação que foi dirigida ao recorrente nos termos e para os efeitos do art.º 50.º do RGCOC não foi efetuada em termos que lhe permitissem exercer, de forma cabal, o seu direito de audição e defesa, na medida em que não lhe haviam sido imputados factos que integrassem o elemento subjetivo do tipo de ilícito em presença.
10ª - A referida notificação omitiu os factos necessários para o conhecimento dos aspetos relevantes da decisão, tendo sido efetuada a imputação da prática da infração não se mencionando os factos integradores de tal elemento subjetivo, em violação do disposto no art.º 50.º do RGCOC e 32.º, n.º 10 da CRP.
11ª - Assim, ao não inovar relativamente à notificação para pronúncia do auto de notícia, a decisão administrativa padece de idêntico vício que aquela.
12ª – Desde logo, dos factos carreados aos autos não se retira qualquer menção sobre qualquer facto que, integrando o elemento subjetivo da alegada contra – ordenação, seja imputável ao recorrente, designadamente, demonstrativo de uma conduta dolosa, sequer negligente.
13ª - Não basta a mera constatação do elemento do tipo objetivo da contraordenação para, sem mais, concluir-se pela verificação do elemento subjetivo, não podendo tal juízo ser formulado com base em mera presunção, nem dar-se como pressuposto, antes devendo fundar-se em factos que permitam fundamentar o necessário nexo de imputação.
14ª - O princípio da culpa, consagrado no art.º 8.º do RGCOC, consubstancia-se na exigência da imputação e punição dos factos contra-ordenacionais da existência de um nexo de imputação subjetiva dos factos ao comportamento do agente.
15ª - Assim, salvo o devido respeito pelo entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, o recorrente entende que a decisão administrativa vai até contra a jurisprudência fixada no Assento n.º 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/02, quando menciona que, quando a nota de ilicitude não forneça ao Arguido “(…) todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afetado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado(…)”.
16ª - Não foi transmitido ao recorrente, no decorrer da instrução do procedimento contra-ordenacional, todos os elementos essenciais ao exercício do seu Direito de defesa. Importa ter presente que o art.º 41.º do RGCOC manda aplicar subsidiariamente o processo penal a todo o procedimento contra-ordenacional, gozando os Arguidos dos mesmos direitos e garantias concedidos pela lei processual penal.
17ª - Atenta a nulidade invocada deverá a douta decisão ser revogada e ser o procedimento contra-ordenacional ser declarado nulo. Ao contrário do entendimento perfilhado na sentença recorrida, a nulidade invocada não está sanada, pois o arguido, quer na defesa escrita quer no recurso de impugnação judicial, arguiu a dita nulidade, além, de, à cautela, ter sido exercido o seu direito de defesa quanto aos demais factos, como, sem prescindir, se exige à defesa.

SEM PRESCINDIR:

18ª - Ocorre ainda nulidade da decisão administrativa por violação do artigo 18º, nº 1 do RGCO (vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) e por falta de fundamentação.
19ª - Segundo o artigo 18.º, n.º 1, do RGCO, «a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra - ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra - ordenação».
20ª - No caso vertente, a decisão administrativa concluiu pela «média-alta gravidade» do recorrente, sem a fundamentar, não permitindo descortinar a razão pela qual não optou pela gravidade «pequena ou menor», seguramente menos penosa.
21º - A decisão administrativa não explica a(s) razão(oes) pela qual optou pela «média-alta gravidade» do recorrente e não pela pequena gravidade e, por isso, a mesma é nula, por falta de fundamentação.
22ª - O mesmo se diga quanto à «culpa» do recorrente. Lê-se na decisão administrativa que a conduta do recorrente “integra o conceito de dolo eventual, dizendo-se, nomeadamente, que:

“No caso em apreciação está-se, pois, perante o dolo eventual já que o arguido decidiu não entregar o livro de reclamações (…) e que em virtude da sua atividade comercial, o arguido está obrigado a conhecer os preceitos legais aplicáveis, nomeadamente que tinha de entregar o livro de reclamações logo que solicitado”.
E que agiu portanto, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, …
23ª - Tal fundamentação só pode ser «copy and paste» de outra decisão, retirada de um outro processo de contra – ordenação, pois dos autos, em momento algum, resulta a consciência da ilicitude do recorrente.
Em momento algum da instrução do processo, ficou demonstrado que o recorrente agiu portanto, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, …
24ª - Por outro lado, a sentença recorrida desconsiderou o facto de a decisão administrativa não ter fundamentado e ter ignorado a situação económica do recorrente, limitando-se a dizer que a “sua situação não era favorável”.
25ª - De qualquer modo, a entidade administrativa ASAE confessa, na determinação da medida da coima, que não quantificou o benefício económico da infração, violando assim o disposto no citado artigo 18º do DL 433/82 de 27/10.
26ª - As omissões acima referidas assacam à decisão administrativa a sua nulidade e o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, em conformidade com o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, aplicável na situação vertente por força do preceituado no referido artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.
27ª - Olhada a fundamentação da decisão administrativa, vemos que a mesma é pois omissa quanto aos elementos de que se serve para determinar a medida da coima.
Nada se diz na motivação daquela decisão, designadamente a razão por que qualificou a conduta do recorrente de «média-alta gravidade»; com «dolo eventual» e nem sequer quantificando o benefício económico que o recorrente retirou (o que não se concede) com a prática da infracção imputada.
28ª - Verifica-se que, no caso, a convicção da entidade administrativa se reduz a nada, pois que se fica pela mera indicação dos factos provados e pela conclusão, sem se explicarem as razões pelas quais aplicou a coima naquele montante.
O momento da fundamentação duma decisão é, pode dizer-se, um momento crucial, pois deve evidenciar, para todos os efeitos, as razões que alicerçam a decisão, tomando-a transparente e reveladora da imparcialidade e independência de quem aprecia e condena.
29ª - Por isso, uma decisão administrativa – ainda por cima, condenatória - não fundamentada é o mesmo que uma decisão caprichosa, pois é segredo para os outros e apenas está (estará) fundamentada na mente do seu autor.
Mas mais que nula, a decisão ora impugnada está afetada de inconstitucionalidade, porquanto nada fundamenta, violando o princípio mais geral que é o direito de defesa previsto no artº 32º, 10 da CRP.
30ª - Resulta pois que a decisão administrativa devia ter sido julgada nula, por não permitir compreender satisfatoriamente o raciocínio que conduziu à mesma, designadamente sobre a ponderação da gravidade da infração e o juízo de censura (dolo eventual).
31ª - Pelo exposto, devia a sentença recorrida ter decretado não só a anulação da decisão recorrida, mas também no que respeita à determinação do quantitativo da coima em causa.

SEM PRESCINDIR:

32ª - Considerando os factos dados como provados, ao manter a coima aplicada pela entidade administrativa de € 1.800,00, a sentença recorrida viola o princípio da proporcionalidade.
33º - Há uma série circunstâncias que são suscetíveis de diminuir largamente a culpa do arguido: o recorrente é primário, pois ficou como assente que Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais ao arguido, podendo concluir-se seguramente que sempre pautou a sua atividade pelo estrito cumprimento da lei; o estabelecimento do recorrente apenas só tem um funcionário; tem um volume de negócio anual na ordem de € 60.000,00; paga de renda mensal 832,00; paga salário de € 800,00;
34ª - O recorrente não retirou qualquer proveito económico com a invocada prática da contra – ordenação em causa; Na posse o livro de reclamações, a consumidora/utente registou a queixa que entendeu fazer.
35ª - O recorrente remeteu para a ASAE a queixa da consumidora, em respeito pelo disposto no artigo 5º do DL 156/2005 de 15.09, tendo sido dado como provado que na sequência da qual não foi adotado nenhum procedimento pela entidade competente, podendo, seguramente, concluirse que a queixa da consumidora era irrelevante, pois se assim não o fosse, a entidade administrativa teria instaurado o competente procedimento contra-ordenacional ao arguido, o que não fez.
36ª - Aliás, da queixa da consumidora junta aos autos, resulta que a mesma insurgiu-se acerca do modo como foi atendida pelo arguido, pois a troca do artigo de vestuário pelo dinheiro nunca foi proibida ou impedida pelo arguido. Reitera-se: a consumidora não foi impedida de trocar o artigo de vestuário pelo dinheiro (…apesar de o ter feito 24 dias depois de ter adquirido aquele artigo).
37ª - A troca do artigo foi efetuada pelo arguido e a queixa do modo como foi atendida foi irrelevante para a ASAE.
38ª - Verifica-se pois que a coima aplicada ao recorrente de € 1800,00 é desproporcional, sendo a decisão recorrida ainda inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da Constituição da República Portuguesa.
39ª - Invoca-se, ainda, para os devidos efeitos, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 3º, nº 1, alínea b), nº 4 e 9º, nº 3 do DL nº 156/2005 de 15/09, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da Constituição da República Portuguesa, sendo os direitos em colisão os previstos nos artigos 60º e 61º da CRP.
40ª - Perante o montante mínimo de € 1750,00, a primeira coisa que queremos registar é a de que o legislador está desfasado da realidade, quando é certo que se impõe que ele tenha um conhecimento prático da vida. O legislador não pode sensibilizar, educar, prevenir, mesmo punir, impondo um tal regime.
41ª - Como se diz no preâmbulo do D.L. 156/05 o livro de reclamações constitui um dos instrumentos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu.
42º - No caso o legislador olvidou princípios constitucionais. É necessário respeitar o princípio constitucional da proporcionalidade. Este princípio, que vem consagrado no artigo 18º da CRP e que determina que eventuais restrições de direitos apenas se justificam na medida necessária à salvaguarda de outros direitos, é uma decorrência do mais lato princípio da igualdade previsto no artigo 13º do mesmo diploma constitucional.
43ª - A resolução do conflito entre os direitos do consumidor e o direito à iniciativa económica privada (artigos 60º e 61º da CRP) deve partir do pressuposto de que nenhum deles pode ser objecto de perigo inutilização prática. Tal determina que as sanções estipuladas para a violação dos direitos do consumidor não possam ser de tal modo onerosas que ponham em perigo o direito ao exercício da actividade económica que esteja em causa a não ser em casos de extrema gravidade, o que está fora do horizonte de uma infracção isolada desta natureza a que tendencialmente serão aplicáveis coimas próximas do limite mínimo previsto.
44ª - E estamos, no caso, perante o exercício de actividade de comércio de vestuário, que, quer seja exercida em nome individual, quer o seja em nome colectivo, está povoada de estabelecimentos de pequena dimensão e baixos rendimentos.
45ª - E no cotejo das situações estritamente ligadas ao direito à iniciativa económica privada (já sem ponderação simultânea dos direitos do consumidor) torna-se claro que as coimas terão de ter uma latitude que permita exercer com justeza e adequação o princípio da igualdade, de forma que o sacrifício imposto pela coima não só não constitua um obstáculo intolerável ao exercício da actividade nos casos em que o não deva ser (para esse efeito existem as sanções acessórias) como seja tendencialmente igual para estabelecimentos de pequena e grande dimensão.
46ª - Por outro lado, é inconstitucional a norma prevista no n° 3 - do artigo 3° do DL 165/05 de 15/9, quando interpretada, pela sentença recorrida, no sentido de que a obrigatoriedade da apresentação do livro de reclamações não tem limites, podendo ser legitima a recusa da entrega do livro de reclamações em algumas circunstâncias a avaliar em concreto, como poderia ser o caso dos autos.
47ª - O direito a ter acesso ao livro de reclamações não é absoluto e ilimitado para o utente/consumidor, sob pena de virarmos tudo ao avesso, e ao crermos salvaguardar os direitos dos consumidores/utentes, por mais importantes que sejam, e são-no, podermos estar a criar no sentido totalmente oposto ao invés, e sem limites e ou sem controlo como alguém já chamou “ditadura do consumidor” ou o “fundamentalismo dos direitos dos consumidores” “passando do oito para o oitenta”, como uso despótico e desmesurado de um livro que pode ser arma de arremesso perfeitamente desvirtuada e descontrolada;
48ª - Se assim não se entender, o que não se concede, impugna-se e contesta-se o valor da coima fixada, por excessiva face às circunstâncias do caso, atrás relatadas como provadas, pugnando para que seja aplicada a pena de admoestação, por estarem cumpridos os pressupostos necessários e por se entender que, por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. artigo 60º, nº 1 do Código Penal).
49ª - Existem, no caso, condicionalismos legais que levam a concluir que a contra ordenação em causa é de reduzida gravidade.
50ª - Desde logo, a contra ordenação em causa não terá grande relevo, na medida em que a queixosa registou no livro de reclamações a queixa que entendeu fazer; a ASAE não se pronunciou sobre o teor da queixa/reclamação da consumidora, pois não adotou qualquer procedimento, o que faz presumir a sua irrelevância; a gravidade da atuação do recorrente (o que não se concede) é reduzida, não resultou qualquer dano concreto da conduta do recorrente (a consumidora trocou o artigo que pretendia, tendo-lhe sido devolvido o dinheiro despendido com a sua aquisição, apesar de legalmente o recorrente não ser obrigado a fazê-lo) e não está quantificado qualquer benefício económico.
51ª - A tudo isto acresce a circunstância do recorrente não apresentar qualquer condenação anterior, pelo que, tudo ponderado e conjugado, deve entender-se que se encontram preenchidos os pressupostos para que seja aplicada a admoestação.

Não entendeu assim a sentença recorrida, violou, por isso, o disposto no artigo 51º do RGCO.”

Ainda em 1ª instância e em contra-alegações, respondeu o M.P. referindo que ainda não ocorreu a prescrição do procedimento contra-ordenacional, que não existe qualquer nulidade por preterição de formalidades relevantes para o cumprimento do D.L. n.º 433/82, que também não existe qualquer nulidade da decisão administrativa por falta da fundamentação exigida pelo art.º 18º/1 R.G.C.O., que o montante fixado para a punição da coima não é desproporcionado nos termos previstos no art.º 18º C.R.P. e que não estão reunidos os pressupostos para que seja aplicada a pena de admoestação. Defende pois a manutenção do decidido.

Já neste Tribunal da Relação, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto defendeu semelhantes argumentos, sustentando a final a total improcedência do recurso.

Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o arguido recorrente não respondeu.

A decisão deve ser proferida em conferência, como o impõe o art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentos

Com vista a uma melhor apreciação do caso em análise, reproduz-se de seguida a decisão recorrida:

I. RELATÓRIO:
M. J., residente na Rua …, Vizela, impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida em 21-05-2018, pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, que o condenou na coima de €1.800,00, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 3º, nº 1, alínea b), do DL 156/2005, de 15 de Setembro.

Alega, em síntese:

- o procedimento contra-ordenacional está prescrito;
- nulidade da decisão administrativa porque aquando da notificação nos termos e para os efeitos do artigo 50º, do RGCO, não lhe foi comunicado ou imputado o elemento subjectivo do tipo contra-ordenacional, o que limitou o exercício do direito de defesa;
- nulidade da decisão administrativa por violação do artigo 18º, nº 1, do RGCO, na medida em que não está suficientemente fundamentada a determinação da medida concreta da coima;
- quanto aos factos, refere que a queixosa nunca lhe solicitou o livro de reclamações antes da GNR aparecer no estabelecimento comercial, altura em que, a pedido desta, entregou o referido livro;
- a decisão, atenta a coima concreta aplicada, viola o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18º, da CRP;
- as normas previstas nos artigos 9º, 3º, nº 1, alínea b) e nº 4, do DL 156/2005, de 15/09, são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18º, da CRP;
- a não se entender assim, deverá a arguida ser condenado apenas em admoestação ou, pelo menos, reduzida a coima a metade;
Termina, pois, pugnando pela revogação da decisão administrativa.
Arrolou testemunhas
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Foi realizada a audiência de julgamento.
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O Tribunal é competente.
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Da invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional:
A contra-ordenação p. e p. pela conjugação dos artigos 3º, nº 1 e 4, alínea b) e 9º, nº 3, do DL 156/2005, de 15 de Setembro, é punível com coima de € 1.750,00 a € 3.500,00, quando os factos sejam praticados por pessoal singular.

Dispõe o artigo 27º, alínea b), do DL 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), que o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 48.879,79.
A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso – artigo 27º-A, nº 1, do RGCO.
Por outro lado, a prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. – artigo 28º, nº 1, do RGCO.
Por força do disposto no artigo 121º nº 2, do Código Penal, aplicável ex vi artigo 32º, do RGCO, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
Por outro lado, de harmonia com o disposto no artigo 28º n.º 3, do RGCO, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Dito isto.
Ora, os factos ocorreram a 27-12-2014, o arguido foi notificado para o exercício do direito de defesa a 16-08-2016 (fls. 33), a decisão administrativa foi proferida a 21-05-2018 e a sua notificação ocorreu em 14-08-2018 (fls. 99).
Face a esta sucessão de factos interruptivos do prazo de prescrição, é manifesto que ainda não decorreu, desde a prática dos factos, o prazo normal de prescrição do procedimento contra-ordenacional acrescido de metade (3 anos + 1 ano e meio).
Face ao exposto, julga-se improcedente a invocada prescrição.

DA INVOCADA NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA:

Invoca o arguido a nulidade da decisão administrativa porque aquando da notificação nos termos e para os efeitos do artigo 50º, do RGCO, não lhe foi comunicado ou imputado o elemento subjectivo do tipo contra-ordenacional, o que limitou o exercício do direito de defesa.

Dispõe o artigo 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (DL 433/82 actualizado pelos Decretos-Lei 356/89, de 17.10 e DL 244/95, de 14.09) que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”
Ora, com o devido respeito, tal nulidade não ocorre. Com efeito, da leitura da notificação realizada nos termos do artigo 50º RGCO (fls. 33), surpreende-se que foi concretizada a contra-ordenação imputada ao arguido. Na notificação feita foi vertida suficiente matéria “acusatória” para que o arguido se pudesse defender – como aliás o fez, de forma clara e pormenorizada (impugnando que tenha praticado o facto que lhe é imputado).
De resto, como se disse no Acórdão da Relação de Évora, de 17-03-2015, publicado em www.dgsi.pt: “I - A falta de comunicação, na notificação a que alude o artigo 50º do regime geral das contraordenações, de factos relativos ao elemento subjetivo da infração, não é causa de nulidade do processo administrativo. E a esta conclusão não obsta a doutrina fixada pelo S.T.J., no seu Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2003 (publicado no DR, Série I-A, de 25-01-2003). II - É suficiente que seja comunicada ao arguido a conduta naturalística, que pode integrar infração ao direito de mera ordenação social, as sanções que lhe são abstratamente cominadas e o respetivo fundamento normativo.”
Mas ainda que houvesse nulidade por falta de concretização da conduta (na sua dimensão subjectiva) que constitui contra-ordenação, a nulidade em questão sempre estaria sanada, pois o arguido, no requerimento de impugnação judicial da decisão administrativa condenatória, não se limitou a arguir a dita nulidade, aproveitando também para exercer o seu direito de defesa (dele se prevalecendo) relativamente aos factos que lhe foram imputados, negando que os tenha praticado e apresentando os respectivos meios de prova – cfr. o artigo 121º, nº 1, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º, nº 1, do Regime Geral das Contra-ordenações, bem como o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-01-2007 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-02-2008, ambos publicados em www.dgsi.pt.
Improcede a invoca nulidade.
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Invoca ainda o arguido a nulidade da decisão administrativa por insuficiência da fundamentação quanto à determinação da medida da coima, designadamente por não ter sido considerada a sua situação económica.
Ora, analisada a decisão administrativa, conclui-se que a mesma respeita os requisitos previstos no artigo 58º, do RGCO, mormente no que diz respeito à fundamentação das coimas concretamente aplicadas.
Com efeito, a decisão administrativa, para fixação do montante das coimas, ponderou todos os elementos constantes do artigo 18º, nº 1, do RGCO, ou seja, ponderou a gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica da arguida (sendo certo que a ponderação cabal deste factor foi inviabilizado pelo próprio arguido que, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 50º, do RGCO, não apresentou qualquer elemento documental sobre a sua situação económica, conforme expressamente solicitado pela entidade administrativa – fls. 33, verso) e do benefício económico que a arguida retirou da prática da contra-ordenação, que a decisão administrativa entendeu não ser quantificável.
Face ao exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.
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Inexistem outras nulidades, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do objecto do processo.
*
II. OS FACTOS:

FACTOS PROVADOS:

Da decisão administrativa:

1) No dia 27 de Dezembro de 2014, pelas 13h00, a GNR de Vizela, na pessoa do Guarda B. F., foi-lhe comunicado via rádio que no estabelecimento de venda ao público de roupo, denominado “X”, sito na Praça …, Caldas de Vizela, tinha existido uma recusa de Livro de Reclamações”, propriedade do arguido.
2) À chegada ao local foram abordados por V. R., que era a cliente que pretendia reclamar.
3) A cliente em causa, no dia 26 de Dezembro de 2014, fora ao referido estabelecimento a fim de efectuar uma troca de uma peça de vestuário que ali tinha adquirido, tendo a funcionária sugerido que voltasse no dia seguinte para levantamento de um vale correspondente ao valor da peça trocada.
4) No dia 27 de Dezembro de 2014, a cliente voltou ao mencionado estabelecimento, solicitando ao arguido que ali se encontrava a entrega do referido vale, informando que já ali tinha estado no dia anterior e que lhe sugeriram que comparecesse no dia seguinte para levantamento do referido vale.
5) O arguido respondeu que não tinha conhecimento da situação e porque a cliente achasse não ter sido bem atendida, solicitou ao arguido o livro de reclamações, o que foi negado pelo mesmo.
6) O livro de reclamações apenas foi facultado à cliente quando solicitado pela GNR, que foi ao local, a pedido daquela, conforme referido em 1).
7) O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

Da impugnação:

8) A cliente, após a chegada da GNR e já na posse do livro de reclamações, registou a queixa que entendeu fazer, na sequência da qual não foi adoptado nenhum procedimento pela entidade competente.
9) O estabelecimento comercial só tem um funcionário.
10) Apresenta um volume de negócio anual na ordem de € 60.000,00.
11) Suporta de renda, a quantia mensal de € 832,00.
12) Suporta uma massa salarial mensal na ordem de € 800,00.
13) Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais ao arguido.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Da impugnação:

14) A cliente V. R. nunca solicitou ao arguido o Livro de Reclamações, pois que se o tivesse feito, tê-lo-ia facultado.
*
Os demais factos alegados na impugnação quanto à troca da peça de vestuário (designadamente a sua legitimidade ou não, por parte da cliente), a troca de impressões entre o arguido e a cliente, a legitimidade das razões para a cliente reclamar, não são mencionados por entendermos, salvo melhor opinião, serem irrelevantes para a boa decisão da causa, uma vez que, conforme infra se explanará, não cabe ao comerciante apreciar da bondade/legitimidade do teor da reclamação, sendo-lhe antes exigido que apresente o Livro de Reclamações, logo que solicitado.

III. MOTIVAÇÃO:

O Tribunal apreciou de forma crítica a prova produzida em audiência, designadamente as declarações do arguido, depoimentos das testemunhas e auto de notícia de fls. 3.
O arguido admitiu desde logo as circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas. Referiu que apesar de ser proprietário do estabelecimento em causa, apenas lá se encontrava a substituir a sua esposa. Referiu que a cliente em causa apenas solicitou o livro de reclamações quando já tinha sido definitivamente atendida e já depois de ter saído da loja, tendo regressado para aquele efeito. Ora, tais declarações não soaram nada credíveis, sendo certo que ficou bem patente nas suas declarações que era seu entendimento que o livro de reclamações deveria ser solicitado ao funcionário da loja (já que, conforme bem referiu, em audiência, não se considera funcionário) para além de que a cliente não tinha razões para reclamar.
B. F., militar da GNR, relatou que se deslocou ao estabelecimento comercial na sequência de uma queixa apresentada. Chegado ao local, o arguido referiu que não entregava o livro de reclamações por entender que a situação da cliente já estava resolvida. Mais referiu que o livro só foi entregue pelo arguido depois de lhe ter sido solicitado pela própria testemunha.
V. R., a cliente em causa, num registo que se nos afigurou sincero e objectivo, explicou por que razão fora ao estabelecimento comercial num e noutro dia, bem como toda a conduta do arguido, que revelou pouca vontade em atendê-la e resolver a sua questão (levantamento do vale/voucher de troca), bem como a recusa em entregar o livro de reclamações, o que a levou a chamar a GNR, tudo nos precisos termos dados como provados. Com relevo, foi ainda peremptória a testemunha em referir que solicitou ao arguido a entrega do livro de reclamações ainda em momento anterior à chegada da funcionária da loja, cuja presença o arguido solicitou telefonicamente.
S. D., funcionária da loja, limitou-se a confirmar a troca da peça de roupa e a emissão do vale. Mais disse que quando chegou à loja a GNR não estava lá.
Assim, da conjugação da prova, convenceu-se o tribunal que os factos ocorreram nos precisos termos descritos pela testemunha V. R., que, conforme referido, prestou um depoimento seguro, objectivo e corroborado pela testemunha B. F., que descreveu a renitência do arguido em apresentar o livro de reclamações, renitência essa que o próprio não escondeu em audiência, ao escudar-se no facto de não ser funcionário da loja e por achar que a cliente não tinha razões para reclamar.
Quanto ao elemento subjectivo da conduta do arguido, resulta o mesmo da materialidade da acção, aliada às regras da experiência comum e normalidade, pois que não podia o arguido deixar se saber que o livro de reclamações deve ser apresentado sempre que solicitado pelo cliente e que ao não actuar desse modo estava a praticar acto ilícito e punível.
Foi valorado ainda a reclamação de fls. 56 e a informação de fls. 119.
O arguido esclareceu a situação financeira/económica do estabelecimento comercial.
O facto não provado, resulta da prova do seu contrário, conforme supra referido.

IV. APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:

Vem o arguido condenado na coima de € 1.800,00, pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 3º, nº 1, alínea b), nº 4 e 9º, do DL 156/2005, de 15 de Setembro.
Dispõe o citado artigo 3º, nº 1, alínea b) (na redacção anterior à introduzida pela Lei 74/2017, de 21/06) “que o fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado.”

Por sua vez, nos termos do nº4 do mesmo normativo “Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o sector em causa.”
A violação da obrigação resultante do citado normativo, acrescida da ocorrência prevista no nº 4, do artigo 3, é punível com coima de € 1.750,00 a € 3.500,00, no caso de pessoa singular – artigo 9º, nº 1, alínea a) e nº 4.
Decorre do citado normativo que a apresentação do livro de reclamações deve ser imediata e não pode ser condicionada (não se compadece, por exemplo, com considerações sobre os motivos das reclamações ou a legitimidade de quem as apresenta).
O arguido, no recurso que apresentou, parece confundir a obrigação de apresentar o livro de reclamações ao utente com o merecimento ou não da aludida reclamação. Ora, o princípio que sustenta a exigência do livro de reclamações, praticamente em todas as entidades públicas e privadas que prestam serviços ao consumidor, vai muito além da mera possibilidade de ver o seu caso resolvido, pretendendo-se garantir uma boa prestação de serviços ao consumidor em geral e fiscalizar efectivamente como tais serviços são prestados.
Ora, atenta a matéria de facto dada como provada, é apodíctico que se encontram preenchidos os elementos objectivos da infracção bem como o elemento subjectivo, este na sua forma dolosa (artigo 14º, nº 1, do Código Penal), inexistindo qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude.
De referir que ao contrário do alegado pelo arguido, a sanção prevista no artigo 9º 1 a) e 3º do DL 156/2006 de 15/9 não viola o princípio da proporcionalidade do artigo 18º, 2, da CRP.
Com efeito, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se debruçar ou sobre a norma em causa e concluiu pela sua não inconstitucionalidade [ver Acórdão do TC n.º 132/2011, 62/2011 e 67/2011]. Na base de todas estas decisões está a seguinte consideração: “(…) como tem este Tribunal entendido, a fixação da dosimetria sancionatória, máxime, em sede contraordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cf. Acórdão n.º 574/95, disponível no mesmo sítio da internet)”

Da medida da coima:

Requer o arguido que em substituição da coima seja aplicada uma admoestação, nos termos do artigo 51º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCO) ex vi artigo 2º, da Lei 50/2006, de 29 de Agosto).
Estabelece o artigo 51º, nº 1, do RGCO, que quando a reduzida gravidade da infracção e a culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

São pois cumulativos os requisitos da aplicação da sanção de admoestação:

-a reduzida gravidade da contra-ordenação e
-a reduzida gravidade da culpa do agente.

Estando a aplicação da admoestação dependente da reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, está a mesma reservada para contra-ordenações leves ou simples (cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 11-09-2012, publicado em www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do R.G.C.O. à luz da C.R.P. e da C.E.D.H., 2011, página 223 e Simas Santos, Lopes de Sousa, R.G.C.O., Anotações ao Regime Geral, 2002, página 316).

Ora, no presente caso, os factos assumem gravidade não negligenciável, atendendo aos bens jurídicos violados para além de que o arguido actuou com dolo, pelo que, a nosso ver, está afasta a aplicação da admoestação.
*
Nos termos do artigo 18º, nº 1, do DL 433/82 de 27/10, “ a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.”

A culpa não se baseia, nesta sede, numa censura ética, dirigida à atitude interna do agente, traduzindo-se, antes, na “imputação do facto à responsabilidade social do seu autor” (Figueiredo Dias, “O Movimento de Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social”, op.cit., pág.331). A culpa constitui um pressuposto necessário da aplicação da sanção e, salvo em casos de aplicação do disposto no artigo 18º n.º2 do DL 433/82, é de considerar como seu limite máximo.

Não obstante o artigo 18º não se referir, como o artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a exigências de prevenção, quer especial, quer geral, não se poderá deixar de ter em conta, no momento da aplicação da coima, a função admonitória, de advertência, que esta desempenha, e, sobretudo, a necessidade sentida pela consciência comunitária de punição do ilícito contra-ordenacional.

O limite mínimo da coima a aplicar situar-se-á na medida da sanção que permita ainda estabilizar as expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida – numa ponderação das necessidades de prevenção geral que ao caso caibam. Finalmente a prevenção especial será considerada, não no sentido da reintegração, mas na medida em que a coima assume uma clara função de advertência admonitória. Assim, a necessidade, maior ou menor, de chamar a atenção da arguida para a importância da norma violada e para o dever de acatamento do seu comando será tida em conta para a determinação da concreta medida da coima entre o mínimo indicado pelas exigências de prevenção geral positiva e o máximo estabelecido em função da culpa.

No que toca à gravidade da contra-ordenação, deve atender-se ao grau de violação ou perigo de violação dos bens jurídicos e interesses ofendidos; ao número de bens jurídicos e interesses ofendidos e suas consequências; à eficácia dos meios utilizados.

No que toca à culpa do agente, deve atender-se ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; ao grau de intensidade da vontade de praticar a infracção; aos sentimentos manifestados no cometimento da contra-ordenação; aos fins ou motivos determinantes; à conduta anterior e posterior; à personalidade do agente.

No que toca à situação económica do agente, que se prende com a influência da sanção sobre este, deve atender-se à situação económica propriamente dita e às suas condições pessoais.
No que toca ao benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação, deve atender-se ao benefício obtido.
No caso concreto, as exigências de prevenção geral são elevadas uma vez que a prática de contra-ordenações relacionadas com os direitos do consumidor, em particular com o direito de reclamar, tem sido frequente.
Quanto às exigências de prevenção especial, são aparentemente diminutas, na medida em que se desconhecem antecedentes contra-ordenacionais.
Quanto à culpa do arguido, o mesmo actuou com dolo.
No que concerne à conduta posterior, é de salientar que o arguido acabou por entregar o livro de reclamações à cliente, tendo assim sido garantido o exercício do seu direito.
Tendo em conta o exposto, e ponderadas as circunstâncias descritas referidas no artigo 18º, do DL 433/82, atendendo à gravidade da contra-ordenação em causa, à culpa do arguido, aos limites abstractos da coima, à situação económica do arguido, tal com vem apurada, e às exigências e finalidades da punição, entendemos que a coima fixada pela entidade administrativa, muito próxima do limite mínimo, se nos afigura adequada e justa, pelo que será de manter.

Face ao exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão administrativa nos seus precisos termos.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC - artigo 8º, nº 3 e Tabela III, do RCP.
Notifique.
*
Comunique à autoridade administrativa.
Deposite – artigo 372º, nº 5, do CPP (artigo 41º, nº 1, do DL nº 433/82 de 27 de Outubro).”

2.1. – Questões a Resolver

2.1.1. – Da Prescrição do Procedimento Contraordenacional
2.1.2. – Da Nulidade da Decisão Administrativa por Ausência do Elemento Subjetivo do Tipo, na Comunicação Feita nos Termos do Disposto no art.º 50º R.G.C.O.
2.1.3. – Da Nulidade da Decisão Administrativa por Insuficiência de matéria de Facto para a Decisão e Falta de Fundamentação
2.1.4. – Da Aplicação de Admoestação

2.2. - Da Prescrição do Procedimento Contraordenacional

Quanto à invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional, há que referir o seguinte.

A contra-ordenação em causa nos autos, p. e p. pela conjugação dos artigos 3º, nº 1 e 4, alínea b) e 9º, nº 3, do DL 156/2005, de 15 de Setembro, é punível em abstrato, com coima de 1.750,00€ (mil, setecentos e cinquenta euros) a 3.500,00€ (três mil e quinhentos euros), quando os factos sejam praticados por pessoal singular.

Dispõe o artigo 27º, alínea b), do DL 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), que o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a € 2.493,99 e inferior a € 48.879,79.
Nos termos do disposto no art.º 27º/c, D.L. n.º 433/82, 27/10, nos casos restantes, o prazo prescricional é de 1 (um) ano.
No seu recurso, considera o recorrente que aplicável ao caso dos autos é o normativo constante do art.º 27º/c, do referido D.L.
Embora não o refira expressamente, estriba-se no facto de a coima aplicada em concreto ser de valor inferior a 2 493.99€ (dois mil, quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos) – foi aplicada coima, no valor de 1 800€ (mil e oitocentos euros). Porém, a moldura abstrata da contraordenação excede aqueles 2 493.99€ (dois mil, quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos).
Questão que se coloca é pois a de saber, se para se obter o prazo prescricional serve a moldura abstrata da punição ou esta em concreto.
O D.L. n.º 433/82, 27/10, não resolve a questão, mas sabe-se que as normas do Código Penal são subsidiariamente aplicáveis, ao Direito das Contraordenações (art.º 32º D.L. n.º 433/82, de ora em diante denominado como R.G.C.O.
Ora, no regime penal, o art.º 118º C.P. refere expressamente que está em causa o limite máximo da pena aplicável; o que faz todo o sentido, pois não havendo ainda pena por decisão transitada, não faria sentido aludir a essa pena (que ainda não tem quaisquer efeitos), para apurar o prazo prescricional do procedimento.
Tal situação é também a que faz sentido, no domínio contraordenacional, sendo como se disse, subsidiariamente aplicável.
Assim e para a obtenção do prazo prescricional deve servir a moldura abstrata da coima e não a que foi aplicada em concreto e que ainda não está transitada – no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 27/10/2 010, Mouraz Lopes, acessível em “www.dgsi.pt”.
Nestes termos, o prazo prescricional no caso dos autos não é o de 1 (um) ano como invoca o recorrente (art.º 27º/c, R.G.C.O.), mas o de 3 (três) anos, como invocado na decisão recorrida.
A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso – artigo 27º-A, nº 1, do RGCO.
Por outro lado, a prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se: a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima. – artigo 28º, nº 1, do RGCO.
Por força do disposto no artigo 121º nº 2, do Código Penal, aplicável ex vi artigo 32º, do RGCO, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
Por outro lado, de harmonia com o disposto no artigo 28º n.º 3, do RGCO, a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
No caso dos autos, os factos datam de 27 de Dezembro de 2014.
O referido prazo máximo é de 4 (quatro) anos e 6 (seis) quanto à prescrição, a que acrescem mais 6 (seis) meses, nos termos do disposto no art.º 27º-A, 1), b), c) e n.º 2), R.G.C.O. Com efeito, o prazo prescricional está suspenso pelo período máximo de 6 (seis) meses, desde o despacho preliminar que examina a causa no recurso para a 1ª instância, no caso proferido em 10/9/2 018 (fls. 101), logo antes de decorrido o citado prazo de 4 (quatro) anos e seis meses.
Acrescido do prazo de 6 (seis) meses pela suspensão da precrição, verifica-se que o prazo de 5 (cinco) anos desde a data dos factos não tinha sido atingido ao tempo da decisão recorrida, nem decorreu hoje.
Importa porém também verificar se, desde a prática dos factos ou após a ocorrência de um facto interruptivo, decorreu o também referido prazo prescricional normas, que é de três anos.
Ora, os factos ocorreram a 27-12-2014, o arguido foi notificado para o exercício do direito de defesa a 16-08-2016 (facto interruptivo, nos termos do disposto no art.º 28º/1, a), D.L. n.º 433/82 - fls. 33), a decisão administrativa foi proferida a 21-05-2018 (facto interruptivo, nos termos do disposto no art.º 28º/1, d), do mesmo D.L. – fls. 58/63) e a sua notificação ocorreu em 14-08-2018 (facto interruptivo da prescrição, nos termos do disposto no art.º 28º/1, a), do citado D.L. - fls. 99).

Face a esta sucessão de factos interruptivos do prazo de prescrição, é manifesto que ainda não decorreu, desde o momento da prática dos factos ou após cada interrupção, o referido prazo normal de 3 (três) anos.
Não foi assim ultrapassado, ao tempo da decisão recorrida ou agora, o prazo normal da prescrição tendo em conta as interrupções da sua contagem já verificadas, nem o seu prazo máximo da prescrição, ressalvado o prazo também máximo da suspensão.

Improcede pois, a questão da prescrição do procedimento contraordenacional, suscitada pelo arguido.

2.3. - Da Nulidade da Decisão Administrativa por Ausência do Elemento Subjetivo do Tipo, na Comunicação Feita nos Termos do Disposto no art.º 50º R.G.C.O.

Consagra o art.º 50º R.G.C.O. a necessidade de ao arguido em processo contraordenacional ser dado conhecimento dos factos que contra si pendem, assim se lhe concedendo um direito de audição e defesa. O que aliás decorre da C.R.P., pois que esta, no seu art.º 32º/10, estabelece que nos processos por contraordenação como em quaisquer outros processos sancionatórios, têm de ser assegurados aos arguidos os direitos de audiência e defesa.

Está em causa, a notificação feita a fls. 33 e v.º, nos autos. No que se refere à infração, aí se diz que a mesma decorre de “recusa em facultar livro de reclamações com presença de autoridade policial”.

Ora, o conceito de recusa congrega já em si, um elemento volitivo no sentido de não entregar voluntariamente tal livro. É diferente recusar de simplesmente não entregar, pois e por exemplo, no primeiro conceito não cabe o esquecimento, enquanto o mesmo já cabe, no segundo.

Considera-se pois, que significado do vocábulo “recusa” contém ínsito em si a vontade ou intenção de assim o fazer, o que se traduz no elemento volitivo da infração.

Aliás, tem sido Jurisprudência uniforme do S.T.J. e do Tribunal Constitucional que os direitos e garantias de defesa atribuídas em Processo Crime não devem passar sem crivo para o processo contraordenacional, sendo a proteção naturalmente mais intensa no Processo Criminal – por todos, os Acórdãos do S.T.J. de 3/11/2 010, Maia Costa, acessível em www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 487/09, de 28/9/2 009, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.

Quer isto dizer que o rigor e precisão técnicos não tem de ser igual no Direito Criminal e no Direito Contraordenacional, já que no primeiro estão em causa crimes e no segundo, normas de Direito de Mera Ordenação Social, naturalmente menos gravosas.

Aliás e mesmo que se entendesse que no caso dos autos não constava da notificação efetuada o elemento subjetivo do tipo isso não redundaria em nulidade, pois está-se numa fase incipiente do processo e só a final, após melhor investigação dos factos, pode ser imputada ao arguido a conduta dolosa em qualquer dos seus três tipos ou a negligência, num dos dois tipos existentes, bastando nesta altura a comunicação da conduta assumida, no seu aspeto naturalístico – cfr. Acórdãos da Relação de Évora de 17/3/2 015, Sérgio Corvacho e ainda da mesma Relação de 8/5/2 012, Sénio Alves. O que, como se diz em ambos sucede mesmo em face do Assento do S.T.J. n.º 1/03, de 16/10/2 002 e publicado na 1ª Série do “D.R.”, de 25/1/2 003, pois esta norma interpretativa não tratou dos elementos que devem constar da dita notificação, nos termos do disposto no art.º 50º R.G.C.O.

Com efeito, o tempo desta notificação não equivale ao da acusação em processo crime, em que a referida menção deve contar (art.º 283º/3, b), C.P.P.), sendo-lhe antes muito anterior, porque feita no início da investigação do processo e não no respetivo termo.

Porém e como se disse, no caso dos autos, considera-se que a notificação efetuada continha esse elemento vilitivo.

Esta interpretação do referido art.º 50º não será inconstitucional, em face do disposto no art.º 32º/10 C.R.P. Este normativo apenas visa assegurar os direitos de audição e defesa do arguido, em Processo de Contraordenação. O que está em causa é saber se o arguido se podia defender e pronunciar, com os elementos de que dispunha nos autos. E, sobre esta quesão resta dizer que é evidente que sim, como o fez a fls. 36/41 da sua “Defesa Escrita”, em que bastamente se pronunciou sobre o mérito, dos factos e contraordenação imputada.
Não existe pois, qualquer inconstitucionalidade, a declarar.
Pelo que, também aqui improcedem os argumentos do arguido recorrente.

2.3. - Da Nulidade da Decisão Administrativa por Insuficiência de Matéria de Facto para a Decisão e Falta de Fundamentação

Desta feita, invoca o arguido estes vícios, por referência ao art.º 18º/1 R.G.C.O.
Ora, trata este normativo das matérias relevantes, para a determinação da medida da coima, quais sejam: a gravidade da contraordenação, da culpa, a situação económica do agente e o benefício económico que este retirou, da prática da contraordenação.
São estes enfim, os elementos relevantes para a determinação da medida da coima.
Convém desde já relembrar que o ilícito contraordenacional aplicado é punível com coima, de 1 750€ (mil, setecentos e cinquenta euros) a 3 500€ (três mil e quinhentos euros). E, desde já enfatizar que a coima aplicada, no valor de 1 800€ (mil e oitocentos euros), foi concretizada em valor levemente acima, mas muito próximo do mínimo legal.
A necessidade de fundamentação com estes fatores é, naturalmente, de facto e de direito. Isto é: a decisão administrativa deve abordar estas questões, de facto e de direito, naturalmente na medida do possível.
É desde logo evidente que a recusa em facultar o livro de reclamações não tem, à partida, um objetivo de alcançar um concreto benefício económico. Naturalmente que tem objetivos de manter o bom nome do estabelecimento e de impedir que, relativamente à atividade do mesmo, não sejam levantados processos crime ou contraordenacionais. Mas isso não tem, logo à partida, um valor económico concretizado. Daí que, no caso dos autos e por exemplo, esta questão não possa ser abordada.
Refere logo de início o arguido, que a decisão administrativa qualificou a ação do arguido como de média/alta gravidade, mas sem dizer porquê. Ora e logo à partida, deve dizer-se que o que o arguido devia pôr em causa é a decisão recorrida, isto é a decisão judicial proferida sobre o recurso de contraordenação interposto e não a própria decisão administrativa. Ou, dito de outra forma, a decisão administrativa só deveria ser suscitada, por referência da decisão judicial.
Sabe-se que a fundamentação da decisão é sempre relativa, isto é pode-se sempre fundamentar mais e fundamentar menos.
Porém, basta ler o ponto 1) da decisão administrativa a fls. 62, para se ver que a decisão não disse apenas isso. Pelo contrário, falou-se no bem jurídico protegido e sua importância, sobretudo no domínio da defesa dos consumidores e no facto de este só ter conseguido aceder ao referido livro, na presença de agente de autoridade.
Ou seja: referiu-se na citada decisão, que a infração se revestia de “média-alta gravidade”, referindo-se também porquê.
Esta parte da decisão está assim, devidamente fundamentada.
Quanto à consciência da ilicitude por parte do recorrente, diz este que a fundamentação foi tipo “copy paste”, pois esta parte não resulta dos autos. Porém, é bem claro que a fls. 61V.º, a Autoridade Administrativa fundamentou a razão da prova desta matéria.
É certo que a fundamentação é algo redundante, podendo ter sido mais convincente. Contudo, a deficiência de fundamentação não corresponde à falta de fundamentação, que equivale à sua ausência total, só a esta se referindo a nulidade prevista no art.º 379º/1, a), por referência ao art.º 374º/2, todos do C.P.P. e aplicáveis às contraordenações via art.º 41º R.G.C.O. - cfr., de entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 26/3/2 014, proferido no Proc.º 15/10.0JAGRD.E2.S1, acessível em www.dgsi.pt e de 30/4/2 014, proferido no Proc.º 330/08.3PATNV.C2.S1, disponível na “Coletânea de Jurisprudência on line”, sob a referência 8 895/2 014.

Também com este argumento improcederia pois, o recurso do arguido.

Invoca ainda o recorrente a preterição do dever de fundamentação quanto à situação económica do agente, ainda nos termos do citado art.º 18º do citado R.G.C.O.

Efetivamente, na decisão referiu-se apenas que a situação económica do arguido
“não era favorável”, o que se trata de um facto conclusivo e pouco explícito ou explicativo.

Porém e como decorre de fls. 33V.º, ponto 3, quando da notificação do arguido nos termos do disposto no art.º 50º R.G.C.O., foi também o arguido notificado para “enviar elementos sobre a sua situação económica, nomeadamente fotocópias da última declaração de IRC/S ou indicação do volume de vendas, do número de empregados, das viaturas de serviço, da renda mensal paga no estabelecimento e outros encargos ou rendimentos que possua”.

O arguido respondeu a tal notificação, conforme defesa escrita de fls. 36/44 e, sobre esta questão só referiu o que consta do art.º 37º da sua defesa ou seja, que “o estabelecimento do arguido é de pequena dimensão, com um volume de negócios diminuto, o que bem ilustra um movimento de sobrevivência”. Ou seja: não forneceu sequer um dos elementos solicitados, fazendo também alegações genéricas.

Na decisão administrativa não se podia pois, ir mais além nesta matéria, devendo também relembrar-se que a punição foi em coima em valor muito próximo do mínimo legal.

Aliás, a questão está até ultrapassada, pois que na decisão judicial sobre o recurso de contraordenação interposto, constam já elementos concretos sobre a situação económica do arguido e é esta decisão que deve ser posta ora em crise, neste recurso.

Também com este argumento, sempre improcederia também, o recurso do recorrente.

Entende depois o recorrente, que a decisão administrativa não contempla o benefício económico obtido pelo arguido, através da prática da infração, como o impõe o citado art.º 18º.

Sucede que, como se já disse supra, que não havia um benefício económico direto para o arguido pela prática da infração. Aliás e mesmo no futuro, ele poderia nem existir (se a matéria reclamada não fosse sancionável) ou traduzir-se em valores díspares, nomeadamente se a referida matéria reclamada constituísse crime ou contraordenação.

Esta matéria, que não consta pois da decisão administrativa, nem da decisão judicial proferida já em sede de recurso, nem poderia das mesmas constar, uma vez que não há um benefício económico evidente, decorrente da prática da infração.
Nem se descortina assim, qualquer insuficiência da matéria de facto para a boa decisão da causa, o que constitui um vício da sentença, nos termos do disposto no art.º 410º/2, a) e 41º/1 R.G.C.O. – mais uma vez que se referindo, que o que devia ser atacado era a decisão judicial de 1ª instância e não a decisão administrativa que a antecedeu.
Finalmente, refere o arguido recorrente que a fundamentação é omissa, quanto à medida da pena.
Referiu-se já, que a decisão administrativa tinha pouca matéria de facto quanto à situação económica do recorrente, mas também se disse que isso se deve à pouca colaboração do arguido, nessa matéria, mesmo depois de a mesma lhe ter sido pedida.
Isso não acontece já e porém, na decisão judicial que constitui o objeto deste recurso, pois que aí, a mesma é bem caracterizada, como decorre de fls. 132, pontos 8) a 12).
Por não ocorrer falta de fundamentação nesta parte – quer na decisão recorrida, quer na Administrativa - também nesta parte pois, improcede o recurso do arguido.

2.4. Da Violação do Princípio Constitucional da Proporcionalidade

Refere o recorrente, em primeiro lugar, que a existência para o caso dos autos de uma coima mínima no valor de 1 750€ (mil, setecentos e cinquenta euros) é inconstitucional, por excessiva, para a recusa de entrega do livro de reclamações, em estabelecimento comercial, conduta que é p.e p. pelo art.º 3º/1, b), D.L. n.º 156/05, 15/9 (redação atualizada). Considera com isso posto em causa o princípio da proporcionalidade na restrição de direitos, previsto no art.º 18º C.R.P., por se sobrepor o direito dos consumidores, previsto no art.º 60º C.R.P., ao direito à iniciativa privada, previsto no art.º 61º C.R.P.

Ora, o referido art.º 18º C.R.P. trata do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, na restrição aos direitos, liberdades e garantias, que se subdivide noutros três: da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – por todos, Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, T. 1, 2ª Ed., “Coimbra Editora”, Coimbra, 2 010, pág. 373.

Porém e se formos ver, a incriminação visa salvaguardar o direito dos consumidores, tantas vezes postergados até porque são o ela mais franco quando fazem negócios jurídicos num estabelecimento comercial. O direito dos consumidores também é Constitucionalmente protegido, nos termos do previsto no art.º 60º C.R.P.

Mas, que direito do arguido foi restringido desproporcionadamante?

O de fazer o que quer no seu estabelecimento?

Os seus direitos patrimoniais, por ter de pagar uma coima mínima de 1 750€ (mil, setecentos e cinquenta euros), quando obstaculiza sem razão um dos direitos dos consumidores? É que estes têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação dos seus interesses económicos – art.º 60º/1 C.R.P. E, nestes direitos está com certeza incluído o direito de se queixar de intervenções menos corretas do vendedor, perante autoridade pública com competência para tratar essas queixas.

Ora e até por razões de facilidade e eficácia, o regime instituído é o de a queixa se fazer no próprio estabelecimento, no livro de reclamações que ali tem de existir e que tem de ser facultado, a pedido do cliente – arts.º 1º/2 e 3º/1, a) e b), do citado D.L. n.º 156/05, 15/9.
A moldura da coima é demasiado pesada?
A moldura abstrata prevista para a coima vai de 1 750€ (mil, setecentos e cinquenta euros) a 3 500€ (três mil e quinhentos euros).
Não é o dono ou funcionário do estabelecimento que deve aferir da razoabilidade da queixa, mas a entidade pública que tem competência para tal. A recusa em fornecer o livro de reclamações, cuja existência é obrigatória, mais não é do que uma atitude de prepotência da parte mais forte, no sentido de que a parte mais fraca não exerça os seus direitos, sendo por isso injustificável.
A coima deve refletir esse desvalor da conduta. E no caso, a moldura abstrata desta não se nos afigura como desnecessária, desadequada ou desproporcionada.
A punição por este ilícito contraordenacional, e a medida da coima aplicável não se traduzem pois em qualquer inconstitucionalidade.
Considera ainda o arguido recorrente como inconstitucional a norma prevista no art.º 3º/3 D.L. n.º 165/05, 15/9, quando interpretada no sentido de que o dono do estabelecimento tem que facultar tal livro, a qualquer solicitação. Não refere o preceito Constitucional em que se baseia.

Mas, é assim que deve ser.

Com efeito, não é ao representante do estabelecimento que cabe aferir da razoabilidade ou não da queixa, mas à entidade estadual competente para tal. Permitir-se-lhe entregar ou não o livro de reclamações, depois de o mesmo ser solicitado, seria permitir-se o “julgar em causa própria” e no reino da arbitrariedade.
Só este poderia ser o regime instituído e não se vê em que se traduz ou em nome de que princípio ou norma Constitucional ocorre a citada inconstitucionalidade.
Não há pois, qualquer inconstitucionalidade a declarar, nomeadamente em prol do princípio da proporcionalidade, previsto no art.º 18º/1 C.R.P.

Improcede pois e também na íntegra, este argumento do arguido recorrente.

2.5. – Da Admoestação

Insurge-se ainda o recorrente contra a decisão recorrida que manteve a condenação proferida na decisão administrativa, por entender a coima aplicada como excessiva, defendendo antes que lhe seja aplicada uma admoestação. Invoca o art.º 60º C.P., que efetivamente poderia ser aplicável via art.º 41º R.G.C.O., não fora este regime prever em si próprio, a referida admoestação, como sanção – cfr. art.º 51º R.G.C.O.

Nos termos do disposto no referido art.º 51º, no caso no seu n.º 1), a admoestação pode era aplicada “quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique”.

Como diz Beça Pereira, “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas Anotado”, 12ª Edição, “Almedina”, Coimbra, 2 017, “No n.º 1)” – do art.º 50º R.G.C.O. – “o adjetivo “reduzida” refere-se, tanto ao grau de culpa do agente, como à gravidade concreta da contra-ordenação cometida”.

Há pois este duplo requisito, para aplicação desta sanção.
Ora, quanto ao grau de culpa do agente, deve dizer-se que o mesmo agiu dolosamente e que apenas facultou o livro de reclamações à cliente, depois da chegada da G.N.R. e a seu pedido. Está pois em causa conduta prepotente e voluntária do recorrente.
Por outro lado, a conduta assumida tem gravidade pois, se não fosse chamada a G.N.R., poria em causa legítimos direitos dos consumidores, entidade mais fraca e por isso protegida.
A favor do arguido, só o facto de na sequência da queixa, não ter sido sancionada a sua atuação.
De qualquer forma, é grave permitir-se à entidade contratualmente mais forte, que “decida em causa própria”, contra lei explícita e sem qualquer fundamentação, de forma voluntária.
Será de se lembrar o que se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 3/3/2 015, Alberto João Borges, citando Sérgio Passos, em “Contraordenações”, pág. 365, acessível o primeiro em “www.dgsi.pt”,
“A admoestação só será de aplicar às infrações qualificadas como leves ou simples, em que o grau de culpa seja reduzido, designadamente àquelas em que há actuação por negligência ou em que ocorram circunstâncias que atenuem a culpa.”

Tal não é e pelo que já se referiu, seguramente o caso dos autos.

Pelo que não deve ser aplicada a sanção de admoestação, em substituição da coima aplicada, que como se já disse, até foi concretizada em montante muito próximo do mínimo legal abstrato.

Pelo que, também este argumento do recorrente é totalmente improcedente.
**
Termos em que,

3 – Decisão

a) se julga totalmente improcedente, o recurso apresentado pelo arguido M. J., por via disso se mantendo, na íntegra, a decisão recorrida.
b) Custas pelo arguido recorrente, com 4 (quatro) U.C.`s de taxa de justiça – arts.º 513º C.P.P. 8º/9 e tabela 3), R.C.P.
c) Notifique.

(Pedro Cunha Lopes)
(Ausenda Gonçalves)