Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1929/19.8T8BCL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: REQUERIMENTO DE RECURSO
NULIDADES PROCESSUAIS
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

1. A arguição de nulidades processuais a que se refere o art. 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil faz-se na própria instância em que são cometidas, salvo o disposto no n.º 3 do art. 199.º do mesmo diploma, de imediato ou no prazo geral de 10 dias, nos termos melhor explicitados neste último preceito.
2. As nulidades processuais distinguem-se das nulidades, erros materiais ou erros de julgamento de que podem enfermar os despachos ou sentenças, na medida em que estes são vícios de conteúdo de decisões judiciais, enquanto aquelas respeitam à própria existência ou formalidades dos actos processuais.
3. Assim, se é proferido um despacho a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
4. Não sendo interposto recurso desse despacho, qualquer decisão judicial posterior tem de necessariamente respeitar o caso julgado formal que se formou, sendo certo que seria ineficaz se o contrariasse (arts. 620.º, n.º 1, 625.º, n.ºs 1 e 2 e 628.º do Código de Processo Civil).

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado J. V. e responsáveis X – Seguros, S.A. e Y – Domótica e Energias Renováveis, Lda., procedeu-se a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, em 22/01/2020, na qual compareceu em representação da empregadora o advogado Dr. P. S., que juntou aos autos procuração, datada de 28/05/2019, conferida por aquela responsável a si e ainda aos Drs. A. S., M. S., A. C., P. G., R. P. e T. C., Advogados, e S. H., J. F., H. C., A. P., E. T. e N. O., advogadas estagiárias, com escritório na R. …, n.º … Porto.
A pedido do sinistrado, essa diligência foi adiada para o dia 2/03/2020, tendo comparecido nesse dia, em representação da empregadora, os Drs. P. S. e E. T..
Tendo a conciliação se frustrado pelo facto de a empregadora não aceitar que a retribuição anual ilíquida do sinistrado excedia a quantia de € 9.274,34, correspondente àquela em função da qual a responsabilidade pelo acidente se encontrava transferida para a seguradora, o sinistrado deu início à fase contenciosa do processo através da apresentação de petição inicial.
A ré empregadora apresentou contestação, afirmando que a título de subsídio de alimentação pagava ao sinistrado a quantia de 4,27 € por cada dia de trabalho prestado e que as quantias pagas a título de ajudas de custo não devem ser consideradas como retribuição por se destinarem a compensar o autor por deslocações que o mesmo efectuava para obras que a ré tinha a seu cargo em locais distantes da sua sede, e daí os valores divergentes de mês para mês.
Com a contestação, assinada pelo Dr. A. S., foi junta novamente a procuração acima indicada.
Em 28/05/2020, a contestação apresentada pela ré seguradora foi notificada ao Dr. P. S., que a leu nesse mesmo dia.
Foi proferido despacho a convidar a empregadora a concretizar os factos relativos ao alegado pagamento de ajudas de custo, indicando que custos concretos o autor teve e que quantias em concreto foram pagas para suportar cada um deles em cada um dos meses, despacho que foi notificado ao Dr. P. S. em 2/07/2020, que o leu nesse mesmo dia.

Nada tendo sido requerido, em 29/09/2020 foi proferido despacho saneador-sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Assim, e nos termos expostos, julgo a ação totalmente procedente por provada e, consequentemente, condeno as rés a pagarem ao autor J. V., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), as seguintes quantias:
I. a ré X – Seguros, S.A.:
a) 862,56€ (oitocentos e sessenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de diferença nas indemnizações por incapacidades temporárias;
b) 25,00€ (vinte e cinco euros) a título de reembolso de despesas de transporte;
c) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 28/02/2019, no montante de 194,77€ (cento e noventa e quatro euros e setenta e sete cêntimos);
II. a ré Y – Domótica e Energias Renováveis, Lda.:
a) 775,93€ (setecentos e setenta e cinco euros e noventa e três cêntimos) a título de diferença nas indemnizações por incapacidades temporárias;
b) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 28/02/2019, no montante de 81,70€ (oitenta e um euros e setenta cêntimos).
Custas pelas rés, na proporção da sua responsabilidade.»
Tendo a sentença sido notificada aos Drs. P. S. e A. S. em 7/10/2020, que a leram nesse mesmo dia, a ré apresentou requerimento, assinado pelo Dr. A. S., em 22/10/2020, dirigido ao tribunal a quo «(…) nos termos do artigo 196.º do Código de Processo Civil (…)», reclamando «[d]a nulidade processual por falta de notificação do despacho de 1 de julho de 2020 ao Advogado subscritor da contestação».

Também em 22/10/2020, a ré empregadora veio interpor recurso, assinado pelo Dr. A. S., formulando as seguintes conclusões:

«i. No pretérito dia 1 de julho de 2020, foi proferido despacho no sentido de convidar a ora Apelante a apresentar nova contestação, no prazo de dez dias.
ii. Porém, acontece que o despacho foi notificado à ora Apelante através de notificação eletrónica, elaborada em 2 de julho de 2020, dirigida a outro Advogado que não o mandatário da aqui Apelante, que também figurava na procuração forense conjunta junta aos autos.
iii. O referido Advogado que foi notificado em vez do mandatário da aqui Apelante tinha deixado de colaborar com o escritório da sociedade de Advogados a que o ora signatário pertence.
iv. Por esse motivo, a ora Apelante não deu cumprimento ao ordenado dentro do prazo para o efeito, e não teve oportunidade de apresentar nova contestação aperfeiçoada.
v. A ora Apelante só deu conta do sucedido quando o ora signatário foi notificado, no dia 7 de outubro de 2020, da sentença proferida nos autos no dia 29 de setembro de 2020.
vi. Ora, a Ré empregadora, ora Apelante, apresentou a sua contestação no dia 25 de maio de 2020, tendo então juntado procuração forense a favor do subscritor daquela peça processual, ora signatário, e dos restantes colegas Advogados e Advogados estagiários da sociedade a que o ora signatário pertence.
vii. Desta forma, uma vez que o ora signatário figurava no processo como mandatário da Ré empregadora, deveria ter sido notificado do despacho referido supra, dado que foi o único Advogado que interveio na fase contenciosa do presente processo, ao juntar aos autos o único articulado apresentado pela Ré nesta fase.
viii. Para além disso, uma vez que a notificação em causa visava aperfeiçoar um articulado que tinha sido apresentado pelo ora signatário, é evidente que deveria ter sido este a ser notificado do despacho.
ix. É de notar que os dois Advogados em causa não têm escritório conjunto, uma vez que o Advogado que foi notificado deixou de integrar a sociedade de Advogados onde trabalha o ora signatário e de representar a Apelante.
x. Portanto, é do entendimento da Ré empregadora que as notificações devem ser remetidas ao mandatário subscritor das peças processuais.
xi. E uma vez que o ora signatário subscreveu a contestação apresentada nos autos, não deve existir qualquer dúvida de que o mesmo exerce por si só o mandato forense, e não conjuntamente com os demais mandatários constituídos através da procuração forense.
xii. Nos casos de procurações conjuntas o entendimento dos tribunais superiores tem sido que se deve privilegiar o contacto com o Advogado subscritor das peças, por ser este quem de mais perto acompanha o processo.
xiii. A falta de notificação da Ré empregadora, ora Apelante, na pessoa do seu mandatário constituído, configura uma omissão grave, que veio a influir decisivamente no desfecho da ação.
xiv. Nunca poderia o Meritíssimo Juiz a quo proferir decisão final, sem antes se proceder à verificação dos procedimentos, no que diz respeito à confirmação do destinatário da notificação, bem como no que se refere ao registo de leitura das notificações eletrónicas.
xv. Desta forma, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas estatuídas no artigo 247.º, n.º 1, do CPC, no artigo 248.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 23.º do CPT, e no artigo 195.º, nº 1, do CPC.
xvi. Ademais, a referida omissão pode ser configurada como uma violação do direito fundamental a um processo justo ou equitativo, garantido pelo artigo 20.º, n.º 4, da CRP, uma vez que não foi assegurado à ora Apelante o princípio do contraditório decorrente das garantias de defesa do processo laboral.
xvii. Consequentemente, são nulos todos os atos processuais subsequentes à omissão da notificação do mandatário da Ré empregadora, ora signatário, do despacho proferido no dia 1 de julho de 2020.
xviii. Portanto, face a tudo o que se expôs supra, deverão V.as Ex.as revogar a Sentença a quo, substituindo-a por uma decisão que judicie pela anulação do subsequente processado a partir da omissão da notificação do mandatário da ora Apelante, e determine novo prazo para esta aperfeiçoar a Contestação apresentada nos presentes autos.»
Não foi apresentada resposta ao recurso.
Em 23/11/2020, foi proferido despacho que, por um lado, julgou improcedente a nulidade arguida pela ré empregadora através de requerimento dirigido ao tribunal a quo, e, por outro lado, admitiu o recurso como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo, despacho este que foi notificado ao Dr. A. S. em 24/11/2020.
Não foi interposto recurso da decisão que julgou improcedente a nulidade invocada pela ré empregadora.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, constata-se que a questão colocada pela Apelante a este Tribunal é a de saber se deve ser anulado o processado desde a notificação à ré empregadora do despacho de convite ao aperfeiçoamento da contestação, pelo facto de a mesma não ter sido dirigida ao advogado que subscreveu tal articulado.
Não obstante, previamente, coloca-se também a questão de conhecimento oficioso de saber se se verifica a excepção dilatória do caso julgado, atento o disposto, conjugadamente, nos arts. 577.º, 578.º, 608.º e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

3. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão são os que resultam do Relatório supra.

4. Apreciação do recurso

Conforme resulta das conclusões de recurso, a Apelante invoca que ocorreu omissão de notificação, ao mandatário da ré empregadora subscritor da contestação, do despacho proferido no dia 1 de Julho de 2020, a convidar ao aperfeiçoamento daquele articulado, em violação do disposto nos arts. 247.º, n.º 1, 248.º, n.º 1 e 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que acarreta a nulidade de todos os actos processuais subsequentes à omissão, nos termos do n.º 2 da última norma citada, pelo que pede a revogação da sentença e a sua substituição por uma decisão que anule aquele processado e determine novo prazo para a ré empregadora aperfeiçoar a contestação.
Resulta ainda do Relatório supra que a ré empregadora dirigiu ao tribunal a quo requerimento em que formulou idêntica pretensão, com fundamentação semelhante, o qual foi indeferido por despacho de 23/11/2020.

Estabelece o art. 195.º do Código de Processo Civil que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (n.º 1), e que, quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2).
A arguição da nulidade processual faz-se na própria instância em que é cometida, salvo o disposto no n.º 3 do art. 199.º do Código de Processo Civil, de imediato ou no prazo geral de 10 dias, nos termos melhor explicitados neste mesmo preceito.
As nulidades de que se vem falando distinguem-se das nulidades, erros materiais ou erros de julgamento de que podem enfermar os despachos ou sentenças, na medida em que estes são vícios de conteúdo de decisões judiciais, enquanto as nulidades processuais respeitam à própria existência ou às formalidades dum acto processual. Assim, se é proferido um despacho judicial a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Daí o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se”. (1)
Em conformidade, no quadro dos vícios específicos da sentença, a que se referem os arts. 614.º a 617.º do Código de Processo Civil, não está contemplado o decorrente de a mesma ser prematura, em virtude de ter sido omitido ou estar ferido de invalidade um acto da sequência processual anterior à sentença, pois o que ocorre neste caso é a aludida anulabilidade nos termos do n.º 1 do citado art. 195.º, com a consequente anulação do processado subsequente que daquele dependa, incluindo a sentença, se for o caso, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal. (2)
É certo que a questão da escolha do meio processual adequado – recurso ou requerimento de arguição de nulidade – nem sempre encontra resposta tão evidente quando o juiz, ao proferir a sentença, se abstenha de apreciar uma nulidade processual de conhecimento oficioso ou que tenha sido arguida, ou omita uma formalidade imposta por lei, tendo vindo a admitir-se que, nessas situações, a parte vencida possa reagir através da interposição de recurso fundado em omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil. (3)
Não obstante, retornando ao caso em apreço, constata-se que a Apelante utiliza o presente recurso para arguir a nulidade processual em apreço enquanto tal, ou seja, nos termos do art. 195.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e não enquanto nulidade da própria sentença de que recorre, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do mesmo diploma.
Acresce que a Apelante não se limitou a optar pela via do recurso, pois, simultaneamente, arguiu a mesma nulidade processual perante o tribunal a quo, que a indeferiu, o que significa que, como acima se explicou, a questão passou a estar coberta pelo despacho proferido, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Assim, não tendo sido interposto recurso desse despacho (art. 79.º-A, n.º 2, al. j) do Código de Processo do Trabalho), o mesmo transitou em julgado e o presente Acórdão tem de necessariamente respeitar o caso julgado formal que se formou, sendo certo que seria ineficaz se o contrariasse (arts. 620.º, n.º 1, 625.º, n.ºs 1 e 2 e 628.º do Código de Processo Civil).
Como acima referido, a excepção do caso julgado é uma questão de conhecimento oficioso, atento o disposto, conjugadamente, nos arts. 577.º, 578.º, 608.º e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento do objecto do recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Em 18 de Fevereiro de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª ed., p. 384.
2. Aut. cit., op. cit., Vol. 2.º, 3.ª ed., p. 730.
3. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Coimbra, 2010, pp. 58-59.