Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5694/21.0T8VNF-A.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: LEVANTAMENTO DE SIGILO BANCÁRIO
ENTIDADE BANCÁRIA EM TERRITÓRIO ESTRANGEIRO
LEGITIMIDADE DA RECUSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: INCIDENTE DE QUEBRA DO DEVER DE SIGILO BANCÁRIO
Decisão: INCIDENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Estando em causa a obtenção de provas, não podem os tribunais portugueses solicitar diretamente a Bancos sediados noutros Estados, informações sobre contas bancárias também sediadas fora de Portugal, por estarem os mesmos sujeitos às normas daqueles estados.
II- Consequentemente, também não pode este tribunal Superior apreciar e decidir o Incidente de Levantamento do sigilo bancário relativamente a essas entidades bancárias sediadas fora do território nacional.
III- É pressuposto do incidente de levantamento do sigilo bancário, a legitimidade da recusa, por parte da entidade bancária, em prestar a informação pretendida pela parte, fundada no dever de segredo bancário.
IV- Para aferir da legitimidade da recusa, é necessário que seja notificada previamente a entidade bancária em causa, para fornecer ao tribunal a informação pretendia.
V- Notificado o alegado titular da conta, para se pronunciar sobre se concede o seu consentimento a que seja facultada ao tribunal a informação pretendia ao banco, com a advertência de que se nada disser a concede, entende-se que o seu silêncio vale como assentimento a essa permissão, pelo que, em princípio, será ilegítima a recusa do banco em prestar a informação solicitada.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: José Manuel Alves Flores
2ª Adjunta: Sandra Maria Vieira Melo
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Incidente de Levantamento de Sigilo Bancário
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Acordam (em Conferência) no Tribunal da Relação de Guimarães:
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Da decisão singular da Relatora que julgou procedente o Incidente de Levantamento de Sigilo Bancário deduzido pela requerente, veio a Interveniente AA dela reclamar para a conferência, alegando, no essencial, que não se verificam, no caso em apreço, os pressupostos de facto e de direito que legitimem o sentido da decisão proferida, suscitando ainda, como questão prévia, a existência de caso julgado formal, de conhecimento oficioso deste tribunal, o qual impede que seja proferida decisão em sentido contrário, impedindo ainda o prosseguimento do presente incidente.
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A requerente veio responder à reclamação apresentada, pugnando pela sua improcedência.
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Profere-se então Acórdão sobre o Incidente de Levantamento do Sigilo Bancário suscitado nos autos pela requerente no seguinte sentido:
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BB, melhor identificada nos autos, propôs ação comum contra CC e DD, também melhor identificados nos autos, pedindo a condenação dos RR a reconhecerem que os bens constantes da reclamação apresentada pela A. contra a relação de bens apresentada pela 1ª R. no processo nº 4226/10...., bem como os ativos referidos nesta ação (em 33 e ss) integram a herança a partilhar do falecido DD, e que os respetivos valores sejam sujeitos a colação e considerados no preenchimento do quinhão hereditário de cada um dos mencionados RR.
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Alega para tanto e em síntese que A e RR são os únicos herdeiros de DD, falecido em .../.../2010, sendo a 1ª R a viúva, e a A e o 2º R seus únicos descendentes, estando a herança (ainda indivisa) a ser partilhada no âmbito do processo nº 4226/10...., a correr termos no Juízo Local Cível ..., tendo nesse processo a 1ª R., enquanto cabeça-de-casal, apresentado a relação de bens, que mereceu da A. a reclamação contra a mesma, acusando nela a falta de vários bens, entre eles contas bancárias e aplicações financeiras, quer em bancos, quer em seguradoras, tituladas pelo falecido e por outros cotitulares, cujos contornos desconhece.
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Apresenta, a final, requerimento probatório, no qual solicita ao tribunal (e que reitera na nova petição inicial entretanto apresentada) o seguinte:

“E) - Para prova da factualidade alegada nos artºs 1 a 109 do presente articulado (e considerando a factualidade invocada em 37 a 48), requer o envio de ofício ao Banco 1..., ao Banco 2..., e ao Banco 3... para que estes remetam para os autos relação de todas as contas bancárias e/ou aplicações, produtos ou quaisquer activos financeiros titulados pelo falecido ou por qualquer um dos RR. e ainda por AA, com referência aos 12 meses anteriores ao falecimento de DD a .../.../2010 (uma vez que, face à doença que provocou a sua morte, é altamente provável que tenha havido levantamentos feitos por outrem que não o de cujus pelo menos nos doze meses anteriores ao óbito com vista a reduzir artificialmente os saldos existentes) e respectivos saldos e movimentos;
F) Para prova da factualidade alegada em nºs 1 a 109 do presente articulado (e considerando a factualidade invocada em 37 a 48), requer o envio para o Banco de Portugal para que este remeta para os autos relação de todas as contas bancárias e/ou aplicações, produtos ou quaisquer activos financeiros titulados pelo 2º R., com referência aos 12 meses anteriores ao falecimento de DD a .../.../2010 (uma vez que, face à doença que provocou a sua morte, é altamente provável que tenha havido levantamentos feitos por outrem que não o de cujus pelo menos nos doze meses anteriores ao óbito com vista a reduzir artificialmente os saldos existentes) e respectivos saldos e movimentos”.
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Os RR vieram Contestar a ação e Reconvir, impugnando os factos alegados pela A.
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A A veio apresentar Réplica, reafirmando tudo o que havia alegado na petição inicial (que entretanto viria a ser aperfeiçoada, por determinação do tribunal) pugnando ainda pela improcedência da Reconvenção.
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Foi proferido Despacho Saneador assim como Despacho a fixar o Objecto do litígio e a enunciar os Temas da prova, inserindo-se no âmbito do objecto do litígio, entre outras, a apreciação da seguinte questão jurídica:

“Se pertencem, total ou parcialmente, à herança indivisa aberta por óbito de DD, as coisas imóveis, móveis e dinheiro indicados no pedido da Autora”.

E foi enunciado como um dos Temas da prova, entre outros, o seguinte:
“2. Valores de rendimentos e poupanças de DD, depositados em contas bancárias (artigos 38º a 42º e 109º c) da p.i. aperfeiçoada)”.
Foram também apreciados os requerimentos probatórios, determinando-se o seguinte:
“Notifique-se o Banco 1... (a notificação deverá ser remetida previamente à Autora para proceder à respetiva tradução), solicitando a informação a que se reporta a alínea E) até “titulados pelo falecido” do requerimento de prova junto pela Autora com a p.i. aperfeiçoada (fls. 343). Uma vez que a divulgação do que aí se requer também a partir de “ou por qualquer um dos RR. ainda por AA”, bem como da alínea F) do mesmo requerimento de prova, está sujeita a sigilo bancário, notifiquem-se os Réus e a outra titular indicada para, em dez dias, informarem se consentem na prestação de tais informações com a advertência de que, nada dizendo, se terá por consentido”.
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Compulsados os autos, não detetamos que tenha sido solicitada informação aos aludidos bancos.
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AA, também melhor identificada nos autos, notificada para informar se prestava o seu consentimento para que fossem prestadas pelas entidades bancárias as informações pretendidas pela A nas alíneas E) e F) do requerimento de prova junto à sua petição inicial aperfeiçoada (fls. 343), veio pronunciar-se dizendo que “não presta o seu consentimento” a que sejam prestadas pelos Bancos as informações pretendidas pela A.
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Nenhum dos RR veio pronunciar-se sobre a notificação efetuada.
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A A veio tomar posição quanto à recusa da Interveniente AA, considerando-a irrelevante para o caso, dizendo que o respetivo consentimento não era necessário, uma vez que tratando-se de ativos de que o falecido DD era cotitular, não pode ser oposto o sigilo bancário aos herdeiros do falecido.
Ainda assim, veio suscitar o incidente de levantamento do sigilo bancário, requerendo a remessa dos autos a este Tribunal da Relação para o efeito.
Diz que o que está em causa nos presentes autos é a descoberta da verdade dos factos, ou seja, apurar se o falecido DD é (era) cotitular de ativos bancários existentes em contas das quais não era o único titular, ou em contas de que não era o titular formal. Que caso o sigilo bancário não seja levantado, a requerente ficará impossibilitada de comprovar perante o tribunal a verdade dos factos, porquanto não há forma alternativa de conseguir apurar o que se passa, sendo certo que nenhum sujeito processual deduziu qualquer oposição, apenas se tendo oposto quem não é parte, o que, além de tudo o mais, comprova adicionalmente a necessidade de obtenção dos elementos bancários em causa. Assim, colocando nos pratos da balança a verdade e o sigilo bancário, considera que os interesses superiores e preponderantes da Justiça se realizarão se prevalecer a verdade e for levantado o sigilo bancário.
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A Interveniente AA veio ainda responder ao requerimento apresentado pela A.,

Após o que foi proferido o seguinte Despacho:
“…O incidente é tempestivamente deduzido, porque na sequência de recusa de consentimento expressa por AA a 08.11.2022.
Notificados para consentirem na divulgação das informações bancárias melhor descritas em E) a partir de “ou por qualquer um dos RR. ainda por AA” até “titulados pelo falecido”, bem como na alínea F), ambos do requerimento de prova junto pela Autora com a p.i. aperfeiçoada (fls. 343), AA declarou não consentir e os demais nada declararam.
A divulgação do que aí se requer está, nos termos declarados por despacho de apreciação dos meios de prova proferido na data do saneador, protegido pelo sigilo bancário. Requerido que foi, pela Autora, o incidente de levantamento do sigilo bancário, impõe-se, nos termos previstos pelo artigo 135º, n.º 3 do CPC, ex vi do disposto no artigo 417º do CPC, suscitá-lo perante o Tribunal da Relação de Guimarães.
Instrua-se o incidente em separado, com certidão dos articulados, requerimentos de prova, despacho-saneador, requerimentos com as referências ...32 e ...63 e do presente despacho. Após, remeta-se ao Tribunal da Relação de Guimarães para apreciação. Notifique”.
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Da exceção do Caso julgado formal:

Na reclamação ora apresentada à decisão proferida, veio a reclamante suscitar a questão prévia da ocorrência de caso julgado formal, de conhecimento oficioso (art.ºs 577º-i) e 578º, ambos do CPC), com força obrigatória dentro do processo, obstativo de pronúncia posterior em sentido contrário ao da decisão, cujo trânsito formou aquela figura processual.
Diz que no processo de ação comum donde emergiu o presente incidente foi proferido, em 31 de Outubro de 2022, despacho saneador, no qual foi proferida a seguinte decisão instrumental: «Uma vez que a divulgação do que aí» (requerimento de prova junto pela Autora com a p.i. aperfeiçoada) «se requer também a partir de “ou por qualquer um dos RR e ainda por AA”, bem como da alínea F) do mesmo requerimento de prova, está sujeito a sigilo bancário, notifiquem-se os Réus e a outra titular indicada para, em dez dias informarem se consentem na prestação de tais informações com a advertência de que, nada dizendo, se tem por consentido.»
E que não há dúvida que nesta parte do despacho saneador foi decidida a existência do sigilo bancário referente às informações bancárias pretendidas pela autora, a qual foi imediatamente notificada daquela decisão e não houve da sua parte qualquer reação a tal decisão, pelo que a mesma (o despacho saneador) há muito transitou em julgado.
Conclui assim a reclamante que se formou caso julgado formal sobre a referida decisão, o que impede que seja proferida decisão em sentido contrário.
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Mas não assiste razão à reclamante, como passaremos a demonstrar.
Como consta do relatório acima descrito, foi efetivamente proferido despacho nos autos, a apreciar os requerimentos probatórios das partes, no qual se refere que uma vez que “…a divulgação do que aí se requer (…) está sujeita a sigilo bancário, notifiquem-se os Réus e a outra titular indicada para, em dez dias, informarem se consentem na prestação de tais informações com a advertência de que, nada dizendo, se terá por consentido”.
Esse despacho viria a ser renovado na decisão proferida posteriormente, a admitir o Incidente de Levantamento do Sigilo Bancário, no qual se reafirma que “A divulgação do que aí se requer (…) está, nos termos declarados por despacho de apreciação dos meios de prova proferido na data do saneador, protegido pelo sigilo bancário”.
Ora, embora não esteja fundamentada legalmente a decisão proferida – a afirmar que as informações pretendias pela A estão protegidas pelo sigilo bancário -, trata-se, seguramente, de matéria relativamente à qual as entidades bancárias referidas pela A estão obrigadas a observar o dever de segredo profissional, conforme previsto no art.º 78º do DL 298/92, de 31 de dezembro, sendo certamente a essa disposição legal que se quis referir o tribunal da primeira instância, considerando, ainda que de forma implícita, que a recusa dos bancos em fornecer as informações pretendidas pela A seria legítima (porque coberta pelo sigilo bancário a que se refere o preceito legal citado).
Ou seja, é sempre pressuposto da dedução do Incidente de Levantamento do Sigilo Bancário, que o Sigilo se verifique, e que a entidade bancária se escude no mesmo para recusar as informações que lhe são solicitadas pelo tribunal. Por isso se apelida o referido incidente de “Levantamento do Sigilo Bancário”.
Dispõe efetivamente o nº1 do art.º 78º do DL 298/92, de 31 de dezembro (Diploma que aprova o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL n.º 1/2008, de 03/01 e pelo DL n.º 157/2014, de 24/10), intitulado “Dever de segredo”, que “Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”, acrescentando o nº 2 do mesmo art.º que “Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”, e o nº 3 que “O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços”.
Este dever de segredo ou de sigilo profissional delimita, assim, negativamente, o dever de colaboração dos cidadãos ou instituições com os tribunais, respondendo a solicitações, ou praticando em geral todos os atos que lhe forem determinados, no escopo do apuramento da verdade material – art.º 417º nº1 CPC.
Consagra-se assim naquele preceito legal o princípio de que o dever de cooperação para a descoberta da verdade não é absoluto, admitindo a lei situações em que a recusa a esse dever se mostra legítima, como é o caso do respeito pelo sigilo profissional (nº 3 al. c) do preceito legal citado - no qual se dispõe que “A recusa é porém legítima se a obediência importar a violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado…”).
Como se decidiu no Ac. da RLisboa de 09.02.2017 (disponível em www.dgsi.pt), “os valores protegidos pelo sigilo bancário são, por um lado, o regular funcionamento da actividade bancária, baseada num clima generalizado de confiança e segurança nas relações entre os bancos e seus clientes, e o direito à reserva da vida privada desses clientes…”.
Esta é a regra – consagrada no citado art.º 78º do DL 298/92, de 31 de dezembro.
No art.º 79.º do mesmo diploma legal (com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109/2017, de 24/11), vêm previstas as várias “Exceções ao dever de segredo”, prevendo-se desde logo no nº 1 que “Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição”, e prevendo-se as demais exceções no nº 2 do preceito em análise (as entidades a quem podem ser revelados factos e elementos cobertos pelo dever de segredo, entre elas as autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal (alínea e).
Cremos que resulta claro do exposto, que a afirmação feita pelo Sr. Juiz no primeiro despacho proferido (no despacho saneador) foi a constatação da aplicação ao caso dos autos do primeiro preceito legal citado - art.º 78º do DL 298/92, de 31 de dezembro -, e daí ter notificado os RR e a interveniente AA (alegadamente co-titular das contas bancárias, juntamente com o inventariado), para informarem os autos se consentiam na prestação de tais informações (com a advertência de que, nada dizendo, se considerava que consentiam) – nos termos previstos no nº1 do art.º 79.º do DL 298/92, de 31 de dezembro.
Como a interveniente AA se veio pronunciar, dizendo que não prestava o seu consentimento a que fossem prestadas pelos Bancos as informações pretendidas pela A, foi então proferido o segundo despacho a admitir o incidente deduzido pela A, e a determinar a remessa do mesmo a este tribunal para apreciação e decisão.
Ora, é manifesto que a decisão proferida no despacho saneador – de afirmação de que as informações pretendidas pela A estavam a coberto do sigilo bancário –, não constitui caso julgado formal relativamente à decisão proferida posteriormente, a admitir o Incidente de Levantamento daquele sigilo. Muito pelo contrário: como dissemos acima, essa decisão é mesmo pressuposto da dedução do Incidente de levantamento do sigilo bancário por parte da parte interessada em obter as informações: só se pode promover o levantamento de um sigilo (no caso o sigilo bancário) se ele existir.
Não se verifica pois nos autos a exceção de caso julgado formal, invocado pela reclamante.
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Do incidente de Levantamento do sigilo bancário:

Alega também a reclamante que não se verificam, no caso em apreço, os pressupostos de facto e de direito que legitimem o sentido da decisão proferida, de levantamento do sigilo bancário, aduzindo, além do mais, que sendo as informações a prestar por entidades bancárias sediadas fora de Portugal, o incidente de quebra de sigilo bancário não é adequado à obtenção de informações bancárias respeitantes a contas sediadas fora de Portugal.
E temos de concordar com a reclamante, não obstante, nem o tribunal recorrido, nem este tribunal Superior - na decisão sumária proferida -, terem atentado no facto de a informação pretendida pela A constante da alínea E) do seu requerimento de prova ser dirigida a bancos espanhóis (Banco 1..., Banco 2..., e Banco 3...), pelo que, estando as contas bancárias sediadas fora de Portugal, e estando em causa a obtenção de provas, não podem os tribunais portugueses solicitar diretamente tais informações àqueles Bancos, Instituições sediadas noutro Estado, e sujeitas, como tal, às normas desse Estado (Ac. desta Relação de Guimarães, disponível em www.dgsi.pt. e citado pela reclamante).
Como se refere também no Ac. da Relação de Lisboa de 11/7/2013 (disponível no mesmo sítio) não dispõem os tribunais portugueses de competência internacional para ordenar diligências a uma entidade bancária que se situa em território estrangeiro, e que se rege por um ordenamento jurídico específico e diverso, devendo o tribunal onde tais provas são requeridas fazer uso dos instrumentos internacionais existentes para o efeito (à data, o Regulamento (CE) 1206/2001 do Conselho, de 28/5/2001), com vista à sua obtenção.
Resulta assim do exposto, que o incidente de levantamento de sigilo bancário para efeitos de obtenção das informações solicitadas pela A no ponto E) do seu requerimento probatório, quanto aos bancos sediados em ..., terá de ser rejeitado.
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E o mesmo se passa com a informação pretendida pela A, constante da alínea F) do mesmo requerimento – a solicitação ao Banco de Portugal da remessa aos autos da relação de todas as contas bancárias e/ou aplicações, produtos ou quaisquer ativos financeiros titulados pelo 2º R., com referência aos 12 meses anteriores ao falecimento de DD (em .../.../2010) e respetivos saldos e movimentos –, embora por outra ordem de razões, que passamos a explicar:
Como se disse, as entidades bancárias estão obrigadas ao dever de sigilo bancário (caso os seus clientes não consintam no fornecimento de informações relacionadas com as aludidas contas) –, e a coberto desse dever são obrigadas a recusar, em princípio, as informações que lhe forem solicitadas, por qualquer entidade pública ou privada (art.º 78º do DL 298/92, de 31 de dezembro).
Mas essa regra comporta exceções, desde logo a prevista no nº1 do art.º 79.º do mesmo diploma legal (com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 109/2017, de 24/11), no qual se prevê que “Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição”.
Daqui decorre que, requerido pela parte ao tribunal, que seja solicitada informação a uma entidade bancária, relacionada com factos ou elementos das relações do cliente com a instituição, a primeira diligência a fazer pelo tribunal será a de notificar o titular das contas bancárias para darem a sua autorização a que a informação seja prestada, pois se essa autorização for concedida, não poderá a entidade bancária legitimamente recusar-se a prestar a informação.
Ora, o que verificamos é que essa primeira diligência foi efetuada nos autos, logo no despacho saneador, na apreciação dos requerimentos probatórios das partes, tendo a notificação dos RR e da interveniente sido feita “…para, em dez dias, informarem se consentem na prestação de tais informações, com a advertência de que, nada dizendo, se terá por consentido”.
Acontece que, não obstante o 2º Réu, visado na diligência requerida pela A na alínea F), nada ter vindo dizer aos autos após a sua notificação, o tribunal da primeira instância não retirou do seu silêncio qualquer ilação, como deveria ter feito.
Pois que, compulsados os autos, não detetamos que tenha sido solicitada a informação pretendida pela A ao Banco de Portugal, apesar de o 2º Réu ter dado o seu consentimento (tácito) a que fossem prestadas por aquela entidade as informações por ela pretendidas.
Daí que, verificamos agora, também não poderia o presente incidente ter sido deduzido, sem se ter previamente notificado o Banco de Portugal para o efeito. E só após essa notificação - e eventual recusa do banco -, se poderia avaliar a legitimidade da recusa, que se nos afigura de difícil verificação, dado o consentimento prestado pelo R para o efeito.
Na verdade, só depois de haver escusa da instituição bancária na prestação das informações solicitadas, alegadamente a coberto do sigilo bancário – e ela ser legítima -, é que poderá ser desencadeado o incidente de levantamento do sigilo bancário, de forma a permitir/obrigar aquela entidade a fornecer os elementos em causa.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (CPC Anotado, I, pág. 492), “O incidente de quebra de sigilo profissional (art.º 135º, nº 3, do CPP), pressupõe uma escusa legítima, fundada em sigilo efetivamente existente”.
E como se enfatiza no Acórdão da Relação de Coimbra de 25.01.2011 (disponível em www.dgsi.pt), “a procedência deste incidente pressupõe, para além do mais, que o acesso à informação pretendida está, de facto, protegida por sigilo, pois só nesse caso é que se coloca a questão de saber se ele deve, ou não, ser levantado, a qual constitui o núcleo do incidente. Na verdade, se não existir sigilo a recusa não só não é legítima, como também não é necessário que, para a remover, se quebre um segredo, o que conduz à conclusão de que, nessas circunstâncias, falta um dos pressupostos do incidente.” (cfr. no mesmo sentido Acórdão desta Relação de 15.09.2014, disponível no mesmo sítio).
Resulta assim de todo o exposto que há que apurar, previamente à dedução do Incidente, se existe recusa da entidade bancária em fornecer os elementos solicitados.
Após o que, como elucida Joana Rodrigues (“Segredo Bancário e Segredo de Supervisão” – artigo publicado no E-book de Direito Bancário de Fevereiro de 2015, da Coleção de Formação Contínua do CEJ, pags. 75 e 76), “Se a autoridade judiciária, após a necessária averiguação, concluir que não existe dever de segredo relativamente à informação em causa, por se verificar, por exemplo, o consentimento do titular do segredo, considera a escusa ilegítima e ordena, ou requer ao tribunal que ordene, no caso em que a apreciação da legitimidade da escusa esteja a cargo do Ministério Público, a prestação da informação. Tendo a autoridade judiciária concluído pela ilegitimidade da escusa, e tendo sido ordenada a prestação da informação, caberá ao sujeito visado dar cumprimento a tal determinação judicial, prestando o depoimento ou entregando a documentação…”

Isso mesmo resulta também do Acórdão do STJ 2/2008 (também disponível em www.dgsi.pt), que fixou jurisprudência na matéria com o seguinte teor:

“1) Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário;
2) Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º do Código de Processo Penal;
3) Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.”

Como se explana na fundamentação do citado acórdão de fixação de jurisprudência, na situação de ilegitimidade da escusa, “não impõe a lei que se faça qualquer juízo de ponderação de interesses em ordem a determinar o que deverá prevalecer, nem o mesmo teria qualquer sentido, porque não existe segredo. Não estamos, nessa situação, perante uma quebra de segredo, simplesmente porque o facto não está legalmente coberto pelo segredo bancário, ou houve autorização do titular da conta…”
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Esta é precisamente a situação dos autos, em que o 2º R, alegadamente titular das contas cuja informação é pretendia pela A relativamente ao Banco de Portugal (alínea F), não manifestou a sua recusa em permitir que o banco fornecesse as informações pretendidas pela A – não obstante notificado para o efeito, e com a advertência expressa de que, caso nada dissesse, consentia no fornecimento dessa informação.
A situação descrita tem acolhimento, como vimos, no que dispõe o nº1 do art.º 79.º do DL nº 298/92, de 31 de dezembro, constituindo uma das exceções ao dever de sigilo bancário a que estaria sujeito o Banco de Portugal, e que lhe retira legitimidade, em princípio, para recusar prestar as informações pretendias pela A.
Perante essa realidade, haveria o tribunal recorrido de solicitar a informação pretendida pela A à entidade bancária respetiva, com a menção de que o titular da conta não se opunha ao fornecimento de tal informação.
Aliás, estão reunidos, cremos, todos os pressupostos para que a entidade bancária preste a informação pretendia pela A, sem necessidade de decisão deste tribunal Superior a determinar o levantamento do sigilo bancário solicitado.
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Decisão:

Com fundamento no atrás exposto, Julga-se Improcedente o presente incidente de Levantamento do sigilo bancário deduzido pela requerente.
Custas (do incidente) pela parte vencida a final.
Notifique
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Guimarães, 27.3.2023