Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
107776/18.0YIPRT-C.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: AÇÃO DECLARATIVA ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATOS
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
DEFESA POR EXCEPÇÃO
EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A injunção inicial, de valor inferior a metade da alçada da Relação, após a distribuição e por virtude da oposição deduzida, segue os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (arts. 3.º a 5.º do Dec. Lei n.º 269/98 e art. 10.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 62/2013).

II - A simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a ação em causa não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional, nomeadamente para fazer atuar a compensação-reconvenção.

III - Não sendo admissível reconvenção, é de admitir a defesa por invocação da exceção perentória de compensação, a fim de não coartar ao réu um meio de defesa importante e eficaz.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

“X AUTOMATION SYSTEMS, UNIP., LDA.” requereu providência de injunção para exigir o cumprimento da obrigação emergente de fornecimento de bens e serviços contra “Y - MÁQUINAS E TECNOLOGIAS LASER , S.A.”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 2.387,92, sendo € 2.070,00 de capital, € 66,92 de juros de mora, € 200 de outras quantias e € 51 a título de taxa de justiça.
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Regularmente citada, a Ré apresentou oposição, reconhecendo que as facturas indicadas no requerimento injuntivo correspondem a produtos adquiridos, não as contestando. Impugna, porém, o pedido de € 200,00 a título de outras quantias, alegando não terem sido alegados factos concretos que o enformem.
Por outro lado, invocou a compensação (em reconvenção e, subsidiariamente, por excepção), declarando ser credora da Autora da quantia de € 128.571,96, com fundamento em danos provocados pelos defeitos nos produtos adquiridos.
Peticiona, assim, a sua absolvição do pedido (e a condenação no pagamento da quantia remanescente da quantia compensada).
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Por despacho datado de 28/11/2018, e ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, foi determinada a notificação da Autora, para se pronunciar, “quanto à reconvenção e bem assim quanto à matéria fáctica integrante da excepção de compensação ali deduzida a título subsidiário, bem como quanto à possibilidade de conhecimento de tal questão nos presentes autos”.
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Respondeu a autora, pugnando pelo indeferimento da reconvenção deduzida pela R., bem como também, como consequência, da compensação subsidiariamente peticionada.
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Por despacho de 21/09/2018, foi decidido não admitir o pedido reconvencional formulado pela requerida.
De igual modo, foi julgada liminarmente improcedente a invocada compensação.
Foi de seguida proferida sentença, nos termos da qual a Mm.ª Julgadora “a quo” decidiu julgar a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 2.070,00, acrescida dos juros moratórios vencidos, à taxa comercial, desde 60 dias após a data de emissão de cada uma das facturas e até efectivo e integral pagamento, e da quantia de € 40,00, acrescida de juros de mora à taxa legal comercial desde a citação até integral pagamento.
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Inconformada, a requerida interpôs recurso dessa decisão (cfr. fls. 80 a 86) e formulou, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1ª - Vem a presente Apelação quer da sentença proferida nos presentes autos, que, por um lado, julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 2.070,00, acrescida de juros moratórios, e, por outro lado, fixa o valor da causa em € 2.387,92, quer do despacho que precede a sentença que, por um lado, não admite a reconvenção, e, por outro lado, julga liminarmente improcedente a compensação. 2° - Deduzido procedimento de injunção pela Requerente, aqui Recorrida, no qual reclama da Requerida, aqui Recorrente, a condenação no pagamento da quantia de € 2.387,92, esta deduziu Oposição e formulou Reconvenção pretendendo a condenação daquela no pagamento da quantia de € 128.571,96.
3° - A sentença, proferida sem realização de audiência de julgamento, fixou à causa o valor de € 2.387,92, presumindo-se que assim o haja feito por, previamente, não ter admitido a Reconvenção.
4° - A Recorrente, de entre o mais, fundamenta o presente recurso na alínea b) do nº 2 do art. 629° do CPC, nos termos da qual
"Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso das decisões respeitantes ao valor da causa ... "
5° - É nosso entendimento que o Tribunal a quo não decidiu correctamente, salvo o devido respeito, pois que dispõe o art. 299° n.ºs 1 e 2 do CPC que,
"Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ... "
"O valor do pedido formulado pelo réu ( ... ) só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 530°"
6° - E afigura-se incontroverso que os pedidos - da Recorrida/Reconvinda e da Recorrente/Reconvinte - são distintos, pois que esta, com o pedido reconvencional, para além de pretender compensar o crédito - € 2.070,00 ¬que reconhece à Reconvinda, pretende que o Tribunal condene esta a pagar-lhe o excedente - € 126.501, 96 (cfr. artº 530°, nº 3, parte final, a contrario, do CPC).
7° - Deduzida reconvenção, o valor da causa deve ser imediatamente o resultado do somatório dos dois pedidos, ficando delineada a utilidade económica imediata dos interesses das partes na demanda.
8° - A soma de tais pedidos - inicial e reconvencional - não está dependente de despacho sobre a admissibilidade do pedido reconvencional, da competência ou incompetência material do Tribunal a quo ou da procedência ou não da acção e reconvenção.
9° - Aliás, assim o tem entendido a Jurisprudência, de que se cita, a título ilustrativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.06.2017:
"A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.0 e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor" (Sic., ponto III do sumário, Proc. 147667/15.5YIPRT.P1.S2, in http://dgsLptljstj.nsf).
10° - Em nosso modesto entendimento, o Tribunal a quo devia ter fixado á causa o valor correspondente à soma de ambos os pedidos, inicial e reconvencional, ou seja, € 130.959,88, e, como assim, a presente Apelação é admissível e deve ser admitida!
11 ° - O Tribunal a quo decidiu não admitir o pedido reconvencional formulado pela aqui Recorrente com apoio num argumento decisivo e nuclear: "O regime espraiado nos artigos 1° a 5° do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro traduz-se em dois articulados - petição inicial e contestação" (Sic.)
12° - Tentando pôr termo à velha querela que, durante muito tempo, diríamos, excessivamente longo, ia grassando na Doutrina e na Jurisprudência sobre qual o meio processual adequado para se adjectivar processualmente a compensação, e que tão sérios e graves prejuízos criou a quem demandava a Justiça, o Legislador de 2013, seguramente prenhe de boas intenções, quis tomar posição expressa e decisiva nessa polémica, através da criação de uma norma dispondo que
"A reconvenção é admissível ( ... ) quando o réu pretende o reconhecimento de um direito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor" (alínea c) do nº 2 do artº 266° do Código de Processo Civil).
13° - À face da actual Lei de Processo, seja o contra-crédito do réu superior ou inferior ao crédito do autor, a sua adjectivação processual terá de ser feita não como mera excepção peremptória, mas, antes e sempre, em via de reconvenção.
14° - Se a intenção do legislador de 2013, aliás louvável e a benefício do Direito e da boa administração Justiça, foi, que efectivamente foi, esconjurar os constrangimentos de ordem processual então existentes, pode dizer-se, com propriedade, que "saiu da toca do lobo e se meteu na toca da mãe" ...
15° - O cenário hoje existente é de uma enorme confusão, e inclusive, subverte por completo o propósito do Legislador de 2013 de facilitar e simplificar a adjectivação processual do direito substantivo.
16° - Sobre a nóvel alínea c) do nº 2 do artº 2660 do CPC as várias interpretações já começaram a subir numa espiral de "para todos os gostos", fazendo-nos mergulhar numa situação pior do que a antes existente!
17° - A solução dada pelo despacho recorrido e, por consequência, pela própria sentença recorrida, choca aos mais elementares princípios do Direito, constituindo, em si mesma, um absurdo, um contra-senso, uma abstracção da boa aplicação da Justiça!
18° - Em rigor e a final, a nova norma da alínea c) do nº 2 do artº 266º do CPC é potencialmente mais problemática que a solução legislativa anterior.
19° - Vejamos o que, a este propósito, entende, de forma lapidar, o Acórdão do STJ acima citado (Proc. 147667 j15.5YIPRT.P1.S2, in http://dgsLptljstj,nsf ):
"Apreciando esta argumentação cumpre dizer, em primeiro lugar, que nos parece exacto que, se a reconvenção for considerada inadmissível por só se preverem no processo especial dois articulados tal não prejudicará a Recorrente em termos de caso julgado ou de efeito de caso julgado já que a apreciação material do Tribunal não incidirá sobre o pedido reconvencional, não se produzindo, tão-pouco, qualquer efeito preclusivo.
No entanto, tal não significa que não haja efectivamente um prejuízo para a Recorrente. Muito embora a compensação seja fundamentalmente uma causa de extinção das obrigações, a verdade é que ela permite a quem a invoca com sucesso não suportar (total ou parcialmente consoante o seu âmbito) o risco de insolvência da contra parte. Se a compensação não for admitida neste caso a Recorrente terá que pagar neste momento a quantia que porventura deve (suponhamos a quantia pedida de (€4265A 1) para depois exigir em outra acção o pagamento dos €50.000,OO (se a contraparte então os puder pagar); mas se a compensação for admitida não se expõe (ou não se expõe na mesma medida) a esse risco de insolvência, ficando satisfeita imediatamente na parte em que houver compensação.
Por outro lado, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido gera, efectivamente, uma desigualdade - aliás, o Acórdão recorrido afirma expressamente que "a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece" (f.104). Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4265A 1, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000,00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção - e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor - o credor de €4265A 1 já poderia invocar a compensação. Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade.
Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos" (Sic.)
20° - A solução sufragada no despacho recorrido, e, como sua consequência, também na sentença recorrida, dá prevalência ao formal e ao formalista, em detrimento do substantivo, do material!
21 ° - Uma decisão que assenta num tal fundamentalismo formal em prejuízo do fundo ou do material, se pode ser legal, não é seguramente uma decisão justa!
22° - Poder-se-á brandir a arma da lei positiva, obtemperando que o Dec.-Lei 269/98, de 01.09, só admite dois articulados, a petição ou requerimento inicial e a contestação ou oposição: mas a objecção não procede.
23° - Citando as Lições do Mestre de Direito Constitucional do Professor Doutor Gomes Canotilho
"O positivismo jurídico coaduna-se, no plano da praxis pedagógica, com o universo concentracionário fascista"
24° - O intérprete tem de ter em consideração a unidade do sistema jurídico, e desde logo que o processo civil é meramente instrumental, pelo que sempre o juiz da causa deverá fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual, ajustando a tramitação da acção especial que tem pela frente.
25° - Nesta nossa linha de raciocínio, transcreve-se uma passagem do velho, mas vetusto, Assento do Supremo Tribunal de Justiça 12/94, in DR 12.08.1994:
"O processo é, existencialmente, uma organização normativa de actos, cuja essência é a constituição de caminho global tendente à solução de diferendos e ao respeito pelos valores e interesses legítimos.
O direito, designadamente o processual, deve estar ao serviço da vida, contribuindo para a boa decisão das causas, tanto quanto possível sem espartilhos conceptualísticos e desumanizados.
O juiz deve ser um interventor, ressalvada a privacidade das pessoas, a imparcialidade do tribunal e, especialmente, o princípio do contraditório" (Sic.).
26° - É na esteira desta linha de raciocínio que vai a Jurisprudência mais recente, que, na verdade, começa a dar-se conta dos resultados perversos resultantes dos termos como o legislador de 2013 moldou a alínea c) do nº 2 do artº 266º do CPC, e decide atalhar no sentido de proteger a verdade material e a Justiça: ACÓRDÃO (RECENTÍSSIMO) DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, de 17.12.2018, Proc. 110141 /17.3YIPRT.G1, in http://www.dgsLpt/jtrg.nsf:
I. No âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o da autora.
/I. Para tal, deve o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Ver, também, ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO, de 13.06.2018, Proc. 26380/17.0YIPRT.P1, in http://www.dgsLpt/jtrp.nsf; ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO, de 24.01.2018, Proc. 200879 /11.8YIPRT.P1, in http://www.dgsLpt/jtrp.nsf;ACÓRDÃODARELAÇÃODELlSBOA.de 09.10.2018, Proc. 102963/17.1 YIPRT.L 1 -7, in http://www.dgsLpt/jtrl.nsf; ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA, de 16.01.2018, Proc. 12373/17.1 YIPRT¬A.C1, in http://www.dgsLpt/jtrc.nsf
27° - Em nosso modesto entendimento o Tribunal a quo devia ter admitido a Reconvenção, seguindo os autos a sua ulterior tramitação, decisão errada que Vossa Excelências, Meritíssimos Senhores Juízes-Desembargadores, seguramente agora repararão.
TERMOS EM QUE
deve ser dado provimento à presente Apelação, anulando-se quer a douta sentença recorrido na parte em que fixou o valor da causa em € 2.387,92, quer o despacho que precede a sentença que, por um lado, não admite a reconvenção, e, por outro lado, julga liminarmente improcedente a compensação, e substituindo-os por outros decisões que admitam a reconvenção, cometendo o seu conhecimento e decisão ao Tribunal a quo, e fixem à causa o valor de € 130.959,88, tudo com os legais consequências.
ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s) – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1.ª – Do valor da ação.
2ª – Da admissibilidade da invocação da compensação de créditos por via de reconvenção no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) regulada pelo Dec. Lei n.º 269/98, de 1/09.
3ª – Da admissibilidade da invocação da mera compensação de créditos.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

A. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que, com escopo lucrativo, se dedica à comercialização a retalho de equipamentos audiovisuais, em estabelecimentos especializados.
B. No exercício da sua actividade e no período de tempo compreendido entre 09/03/2017 e 21/06/2018, a Autora vendeu e entregou à Ré, a pedido desta, diversos materiais e artigos, de acordo com as seguintes faturas:
a) fatura nº FAC MFR/3695, de 09/03/2018, no montante de €44,82; Detalhe do produto: Disjuntor Motor AZ MPW40-3-D063 4-6, 3A AZ, Quantidade: 2 unidades Preço por produto: €18,22 cada, total: €36,44 Portes de transporte: Gratuito IVA: 23%
b) fatura nº FAC MFR/3733, de 23/03/2018, no montante de €526,93; Detalhe do produto: Disjuntor Motor AZ MPW18-3-D063 4-6, 3A, Quantidade: 30 unidades Preço por produto: €14,28 cada, total: €428,40 Portes de transporte: Gratuito IVA: 23%
c) fatura nº FAC MFR/3749, de 28/03/2018, no montante de €1.154,82; Detalhe dos produtos: - Grelha Metálica 120X120; Quantidade: 1.000 unidades; Preço por produto: €0,44 cada, total: €440,00; Portes de transporte: Gratuito IVA: 23% - Contactor CWB9-11-30C03 24VDC; Quantidade: 32 unidades Preço por produto: €15,59 cada, total: €498,88 Portes de transporte: Gratuito IVA: 23%
d) fatura nº FAC MFR/3969, de 21/06/2018, no montante de €17,53; Detalhe do produto: Moto-Ventilador AC230V 82X82X95 E14mm 34W H03VV-F 3G0,35mm 0,5m, Quantidade: 1 unidade Preço por produto: €14,25 cada, total: €14,25 Portes de transporte: Gratuito IVA: 23%
e) fatura nº FAC MFR/3970, de 21/06/2018, no montante de €325,90; Detalhe dos produtos: - Bloco Contactos Montagem Lateral ACBS-11 1NA+1NF AZ; Quantidade: 30 unidades; Preço por produto: €3,12 cada, total: €93,60; Portes de transporte: Gratuito IVA: 23% - Disjuntor Motor AZ MPW18-3-D063 4-6, 3A; Quantidade: 12 unidades Preço por produto: €14,28 cada, total: €171,36 Portes de transporte: Gratuito IVA: 23%
C. O montante total das facturas referidas em B., correspondente ao preço das respectivas mercadorias fornecidas ascende a €2.070,00 (dois mil e setenta euros).
D. A data estabelecida para o pagamento do preço dessas mercadorias era o sexagésimo dia a contar da data de emissão das indicadas facturas.
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V. Fundamentação de direito.

1 – Do valor da ação.

A Mmª Juíza “a quo” decidiu fixar o valor da causa em € 2.387,92, ao abrigo do disposto no art. 297.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e art. 18.º do diploma anexo ao DL. 269/98.
A razão para assim decidir, subentende-se, foi por previamente não ter admitido o pedido reconvencional formulado pela Ré, por entender que o processo especial em causa não comporta a dedução de reconvenção.
Dessa decisão discorda a apelante, aduzindo para o efeito que, deduzida reconvenção e tratando-se de pedidos distintos, independentemente do despacho sobre a admissibilidade do pedido reconvencional, o valor da causa deve ser imediatamente o resultado do somatório dos dois pedidos, ou seja, €130.959,88.

Decidindo.

A reconvenção consiste numa acção declarativa (condenatória, constitutiva ou de mera apreciação) intentada através da contestação, pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), assente em factos materiais e causadora, quando admissível, de uma acumulação, no âmbito de um processo pendente, de acções cruzadas e sincrónicas (a acção inicial ou original e a acção reconvencional: conventio et reconventio pari passu ambulant)"(1).
A reconvenção traduz-se, assim, numa modificação do objeto da acção e consiste na formulação de um pedido substancial ou pretensão autónoma por parte do réu contra o autor.
Ao réu-reconvinte compete indicar o valor processual do pedido reconvencional.

Essa indicação é obrigatória, sob pena de, não o fazendo, a reconvenção não ser atendida (art. 583º, n.º 2 do CPC).
Segundo o art. 299º, n.º 1, do CPC, “[n]a determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal”.

Todavia, a soma dos valores atinentes ao pedido da ação e da reconvenção não é automática, apenas tendo lugar quando o pedido reconvencional ou o pedido do interveniente se distingam do pedido formulado pelo autor.

Com efeito, nos termos do n.º 2 do art. 299º do CPC, “o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º” do CPC, normativo este que estabelece:

“Não se considera distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos”.
Ou seja, se a pretensão do réu visar exercer a mera compensação-exceção (até ao montante do crédito do autor), não estamos perante um pedido distinto.
Mas já estaremos perante um pedido do réu distinto do do autor se àquele corresponder, de acordo com a regra do art. 296º, n.º 1 do CPC, uma diversa utilidade ou valor económico (2). Quer dizer, a soma entre os valores da ação e da reconvenção só se justifica nos casos em que o pedido reconvencional traga para o processo uma mais-valia, afastando-se qualquer aumento artificial do valor da ação fundado num pedido indistinto (3).

Nas palavras de Teixeira de Sousa (4), a interpretação mais razoável do n.º 3 do art. 530º do CPC é a que distingue duas situações:

«-- O valor do contracrédito alegado pelo réu é igual ou inferior ao valor do crédito invocado pelo autor; nesta hipótese, o réu só pode pretender obter a "mera compensação de créditos", pelo que o valor do contracrédito não se soma ao valor do crédito;
-- O valor do contracrédito invocado pelo réu é superior ao valor do crédito alegado pelo autor; neste caso, o réu pretende obter quer a compensação de créditos, quer a condenação do autor a pagar o excesso do valor do contracrédito, pelo que não se pode dizer que o réu quer obter apenas a "mera compensação de créditos"; isto implica que ao valor do crédito do autor se deve somar o excesso do contracrédito do réu sobre esse crédito do autor; por exemplo: o autor alega um crédito no valor de € 25.000 e o réu um contracrédito no valor de € 35.000; o valor da causa resulta da soma de € 25.000 com € 10.000, ou seja, esse valor corresponde ao valor do maior dos créditos alegados pelas partes (€ 35.000)».
Por outro lado, o aumento do valor só produz efeitos quanto aos atos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção (n.º 3 do art. 299º do CPC).
Todavia, tal como o valor da ação se determina apenas em função do pedido ou dos pedidos formulados, ficando imune à generalidade das vicissitudes processuais, também a simples dedução da reconvenção ou do incidente de intervenção principal podem determinar um efeito processual imediato que não será prejudicado pelas posteriores vicissitudes processuais.
Assim, se de algum destes atos decorrer aumento do valor processual, este estabilizar-se-á nessa ocasião e não será prejudicado ainda que, a posteriori, seja declarada a extinção da instância reconvencional, por motivos formais ou materiais, ou rejeitada a intervenção principal (5).
É, assim, erróneo decidir-se que, julgada improcedente ou inadmissível a reconvenção mas prosseguindo a ação, esta volta a ter o valor que tinha de início (6).
Daí que se possa delinear o princípio de que a reconvenção (tal como a intervenção principal) produz o efeito de acréscimo do valor processual da causa logo após a sua formulação, não carecendo de decisão a avaliar dos pressupostos, de ordem processual ou substantivo, que condicionam a dedução de tal pedido
Em consequência, o facto de o pedido reconvencional ou de intervenção principal ser admitido em termos definitivos não é pressuposto necessário do aumento do valor processual da causa (7).

No caso dos autos a recorrente/reconvinte formulou reconvenção, pedindo que se declare:

a) - que tem sobre a reconvinda um crédito de € 128.571,96;
b) - a compensação do crédito de 2.070,00 que a reconvinda reclama até ao limite em que ambos os créditos coincidem ou se equivalem;
c) - a condenação da reconvinda no pagamento á reconvinte da quantia de € 126.501,96;
d) - a condenação da reconvinda no pagamento das despesas e custos em que a recorrente venha a incorrer por virtude de novas avarias nas máquinas vendidas aos seus clientes causadas pelos sensores MD fornecidos por aquela, relegando-se para execução de sentença a sua liquidação, conforme alegado.

Ora, como bem refere a recorrente, não oferece dúvidas que os pedidos - da Recorrida/Reconvinda e da Recorrente/Reconvinte - são (parcialmente) distintos, pois que esta, com o pedido reconvencional, para além de pretender compensar o crédito - € 2.070,00 - que reconhece à Reconvinda, pretende que o Tribunal condene esta a pagar-lhe o excedente - € 126.501,96.
Assim, entendemos que só deverá ser somado ao valor (da injunção inicial) indicado pela Autora o montante do pedido reconvencional que o ultrapassa (ou seja, 126.501,96€), nos termos dos arts. 299º, n.º 2, e 530º, nº 3, do CPC.
Pelo exposto, o valor da causa deve ser fixado no montante de 128.889,88 € (€2.387,92 + € 126.501,96€).
Procede, assim, parcialmente este fundamento da apelação.
*
2. Da admissibilidade da invocação da compensação de créditos por via de reconvenção no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias e, em caso de resposta negativa, da admissibilidade da invocação da mera compensação de créditos.
2.1. No despacho que antecede a sentença recorrida foi decidido não admitir o pedido reconvencional formulado pela requerida, atenta a natureza simplificada da acção em causa.
Mais se decidiu julgar liminarmente improcedente a invocada (exceção perentória) de compensação por o crédito invocado pela Ré não se encontrar nem reconhecido judicialmente, nem pela própria Autora, carecendo “o mesmo de ser reconhecido na presente acção, o que só poderia, (…), ser efectuado através da dedução de reconvenção, que, (…)”, que no caso não é admissível.
A apelante discorda de tais despachos que precederam a sentença, pugnando pela admissibilidade da reconvenção, bem como pela admissão da invocação da compensação, louvando-se, além do mais, no art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC, e na jurisprudência que cita.

Decidindo.

O procedimento de injunção tem sede legal no Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, sendo definido, no art. 7.º, nos seguintes termos: «Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro».
A injunção é uma providência que visa conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.0000,00 ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, inexistindo, nesse caso, qualquer limite quanto ao montante do crédito.
Consiste num processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo extrajudicial na sequência de uma notificação para pagamento, sem a intervenção de um órgão jurisdicional, sob condição de o requerido, pessoalmente notificado, não deduzir oposição.
Foram objetivos de celeridade, simplificação e desburocratização da atividade jurisdicional, tendo em vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efetivação de pretensões pecuniárias de médio ou reduzido montante, pressupondo a inexistência de litígio atual e efetivo entre o requerente e o requerido, que estiveram na base da criação deste mecanismo processual (8).
O art. 1º do referido Dec. Lei n.º 269/98 (diploma preambular), na redação dada pelo art. 6º do Dec. Lei n.º 303/2007, de 24.08, prevê os procedimentos (especiais) destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.0000,00 cujo regime consta dos arts. 1º a 5º do Anexo ao citado Dec. Lei n.º 269/98.
Por sua vez, o n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio [aplicável por força da remissão prevista no art. 7.º do Dec. Lei n.º 269/98, de 1/09, face ao disposto no art. 13.º do Dec. Lei n.º 62/2013, de 10/05], define como seu âmbito de aplicação “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais”, excluindo o n.º 2 do âmbito desse diploma: “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
A alínea b) do art. 3.º do citado Dec. Lei n.º 62/2013, de 10/05, define «[t]ransação comercial», como «uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração».

Por fim, o art. 10.º do mesmo diploma legal estabelece o seguinte regime de “Procedimentos especiais”:

«1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação».

Resulta dos citados dispositivos legais que a providência injuntiva apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento:

a) de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 (art. 1.º do diploma preambular citado);
b) ou, independentemente desse valor (art. 10.º do Dec. Lei n.º 62/2013), de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 2.º do Dec. Lei n.º 62/2013.

Por outro lado, após ser deduzida oposição, o procedimento de injunção transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor:
i) nas injunções destinadas à cobrança de dívida fundada em transação comercial, com valor superior a €15.000,00, em que tenha sido deduzida oposição, segue os termos do processo comum (art. 10.º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 62/2013);
ii) nas injunções destinadas à cobrança de dívida de valor não superiores a €15.000,00, a forma de processo especial (arts. 3.º a 5.º do Dec. Lei n.º 269/98 e art. 10.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 62/2013).

No caso dos autos, a requerente reclamou um crédito no montante de €2.336,92, pelo que, tendo sido deduzida oposição, o presente procedimento segue os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, tramitando-se de acordo com o regime processual aprovado pelo Dec. Lei n.º 269/98, 1.09.

E, não obstante o antecedentemente decidido a propósito (da impugnação) do valor da ação – fixada, nesta instância, no valor de 128.838,88 € –, aquela forma de processo afigura-se-nos ser a adequada, posto que é em função do valor do pedido injuntivo ou da injunção inicial (e não do valor da ação) (9) que se define o regime processual aplicável (cfr. art. 10.º, n.º 4, do Dec. Lei n.º 62/2013), não havendo para esse efeito que adicionar o (valor) que resulta da dedução da reconvenção (a qual não corresponde a uma pretensão injuntiva nos termos supra definidos). Daí que se entenda que aquela alteração do valor da ação não tenha relevância quer para efeitos de alteração da regra da competência do Tribunal ou da interposição de recurso.
Feito este percurso é altura de questionar – e, subsequentemente, responder – se será viável, no procedimento especial em causa, a dedução de pedido reconvencional, nomeadamente visando a realização da compensação de créditos?
À questão colocada responde Salvador da Costa nos termos seguintes (10): «é manifesto o propósito do legislador de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie processual em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da relativa reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver. Com efeito, a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a acção em causa, cuja particular especificidade se centra na celeridade derivada da simplificação, não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional. Não se vê que esta solução afecte o direito de defesa do réu, certo que pode, se tiver para tal algum fundamento legal, fazer valer em acção própria a situação jurídica que eventualmente possa estar de algum modo conexionada com aquela que o autor faz valer na acção».

Acrescenta o citado autor, «[n]ão obstante a compensação só poder ser suscitada por via de reconvenção, pensamos que, se neste tipo de ação ela for deduzida, deve ser liminarmente indeferida, caso em que o respetivo valor processual é insuscetível de adição ao valor processual da ação, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso».
E, no que respeita às injunções de valor superior a €15.000,00, acrescenta o citado autor (11): «Nessa hipótese (…) é admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de a tramitação processual imprimida ter passado a ser, após a oposição, a do processo comum».
A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a viabilidade da dedução da reconvenção deverá ser aferida em função da natureza da forma processual que se segue à oposição à injunção (e consequente distribuição como ação declarativa), concluindo que tal articulado será sempre viável nas ações de natureza comum (decorrentes de injunção referente a transação comercial de valor superior a €15.000,00); já no que respeita às ações com processo especial (decorrentes de injunção destinada à cobrança de dívida de valor não superior a €15.000,00, como ocorre com aquela que apreciamos) a jurisprudência em geral tem entendido não ser viável a reconvenção (12).
Todavia, face ao disposto na alínea c) do n.º 2 do art. 266.º do atual Código de Processo Civil (que impõe que a compensação deve ser deduzida por via da reconvenção), tem-se vindo a questionar a aplicação desse regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Sob a epígrafe “Admissibilidade da reconvenção, postula o citado normativo que a reconvenção é admissível, designadamente, [q]uando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
A generalidade da doutrina reconhece que a alteração da redação de tal alínea revela que a intenção do legislador terá sido a de por fim à querela antecedente (13), assumindo claramente a posição de que, sempre que o réu se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento do seu crédito na ação em que é demandado, deverá formular pedido reconvencional, independentemente do valor dos créditos compensáveis, seja para obter a compensação de créditos (e a sua inerente absolvição total ou parcial do pedido), seja para obter a condenação do autor no pagamento do valor em que o seu crédito do réu exceda o do autor (14).
Concomitantemente com a alteração do regime adjetivo da reconvenção-compensação, o legislador alterou as formas de processo, tendo abolido o processo sumaríssimo. O processo declarativo passou a seguir uma forma única em que é sempre admissível reconvenção (art. 548.º do CPC).
Da conjugação destas alterações legislativas é plausível concluir que a intenção do legislador foi a de estabelecer que a compensação tinha de ser sempre invocada através de reconvenção, mas, simultaneamente, admitir a reconvenção em todas as formas de processo no âmbito do processo civil, o que impedia que o réu fosse forçado a ter que intentar uma ação autónoma apenas para obter o reconhecimento do seu crédito e, posteriormente, fazer um acerto de contas com o autor, procedendo à compensação (15).
A questão de índole processual atinente à proibição de reconvenção está longe, porém, de ser ultrapassada, posto que continuaram a existir formas de processo específicas, previstas em diferentes diplomas legais, em que não é admissível reconvenção, como é o caso do procedimento de injunção sempre que é deduzida oposição e é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 269/98.

Sem embargo do que antecede, vejamos as três grandes vias interpretativas delineadas sobre a dedução da compensação em sede de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias regulada pelo Dec. Lei n.º 269/98:

1ª - Considerando que a opção legislativa foi no sentido de a compensação de créditos apenas poder ser invocada por via reconvencional, e uma vez que nesse processo especial não é (legalmente) admissível reconvenção – porquanto esta forma de processo especial só comporta dois articulados, não havendo lugar a um terceiro articulado/resposta à contestação, sendo que o legislador pretendeu um processo particularmente célere –, o réu poderá fazer valer o seu direito de crédito em ação autónoma, sendo de excluir que neste tipo de acções, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como exceção perentória (16).
2ª - No âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de invocar a compensação de créditos (quer exceda ou não o contra crédito) por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor, sendo que para tal deve o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional (arts. 547º e 6º do CPC) (17).

Na doutrina, esta posição tem sido, sobretudo, sufragada pelo Professor Miguel Teixeira de Sousa.

Escreveu este Professor o seguinte no blogue do IPPC, em 26.4.2017, sob o título “AECOPs e compensação” (18):

1. Tendo presente que, no actual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9).
Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.°, n.° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs.
Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.
Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs -- nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere -- não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objectar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas acções.
Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções.
Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
No mesmo sentido, veja-se Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259) “(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica.
Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efectivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica.
Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.
- Nas ações em que não é admissível reconvenção, como as especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Dec. Lei n.º 269/98, de 01.09, é de admitir a defesa por invocação da exceção perentória de compensação (que é uma forma de extinção das obrigações – art. 847º, n.º 1, do CC), a fim de não coartar ao réu um meio de defesa importante e eficaz (19) e sob pena de solução contrária se traduzir num caso de efetiva denegação de justiça material.

Como explicita Maria Gabriela Cunha Rodrigues (20):

(…)
Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos.
Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CC), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida.
E o artigo 395.º do Código Civil integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos da obrigação.
Parece-nos que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa.
É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção”.

No mesmo sentido escreve o Professor Rui Pinto (21):

«3. Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Tal não é de estranhar porquanto estes perseguem desideratos próprios associados a um timing processual breve e a um específico objeto processual – os processo declarativos especiais são moldados sobre uma certa espécie de pretensão do autor do requerente, pelo que a defesa do réu ou requerido é correlata dessa pretensão.
Não se julgue que, por isso, a compensação judicial em processo especial fica afastada. Não: no plano da teoria geral do processo não existe identidade entre exceção de compensação e reconvenção: se aquela tem sempre expressão processual, esta não tem de ser sempre a via reconvencional.
O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental.
Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória.
Em qualquer caso, o que nenhum processo – e muito menos os processos especiais – tem de assegurar é que o réu devedor possa obter a condenação do autor credor na parte do crédito não compensada».
Segundo a posição assumida por José Lebre de Freitas (22), apesar da intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do atual regime do CPC é a de que nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa.
Para tal autor, em primeiro lugar, a lei não diz que a compensação só pode ser feita valer em reconvenção, mas sim que esta é admissível como fundamento de reconvenção. O termo “pretende” apoia igualmente a interpretação de que a reconvenção se mantém facultativa. Em segundo lugar, ainda que se fale de um “ónus de reconvir”, cuja inobservância não extingue o direito de crédito do réu, mas que este tem de observar se pretender obter o efeito extintivo do direito de crédito do autor, não é seguro que a lei estenda esse ónus de reconvir aos casos em que a vontade de compensar já tenha sido declarada pelo réu, extraprocessualmente, visto que o efeito extintivo mútuo se produz, automaticamente, com a receção, por uma parte, da declaração da outra de querer compensar crédito e débito (art. 848º, n.º 1 do CC).
Esta posição de que a via da reconvenção permanece facultativa ou de que ao réu deverá sempre ser facultada a invocação da compensação (por uma via ou por outra) é, quanto a nós, a que melhor se coaduna com o regime substantivo da compensação – compensação por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (art. 848º, n.º 1 do CC) e extinção dos créditos com eficácia retroativa ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (art. 854º do CC).
Acresce que a tramitação típica da ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária, na sequência da dedução de oposição ao requerimento de injunção, apenas comporta dois articulados (petição inicial e oposição), notificando-se a contestação ao autor apenas com a notificação da data para realização da audiência de julgamento, razão pela qual se deve concluir que não há lugar ao articulado de resposta à contestação.
A parte poderá responder, oralmente, às exceções invocadas na contestação no início da audiência de julgamento (art. 1º do regime anexo ao Regime dos Procedimentos a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular ao Decreto-Lei n.º 269/98 e arts. 3º, n.ºs 3 e 4 do CPC) (23).
Por outro lado, a opção por essa posição é, salvo melhor entendimento, a que resulta do princípio geral quanto à aplicação subsidiária do processo comum nos processos especiais.
Com efeito, como explicita Rui Pinto (24), os processos especiais não são processos incompletos ou lacunosos, a que o art. 549º do CPC “acrescentaria articulados, mas processos que veriam diminuída a sua eficácia específica se fossem engordados por normas do processo comum”. O “legislador especial regulou o que considerou mais importante e deixou para a lei processual comum o que era secundário.
Assim, quando o legislador especial determina que um processo especial apenas tem dois articulados, quis mesmo limitar esse número. Não há lacunas. Mas se o legislador não regula questões como as do procedimento instrutório, i.e, o direito probatório formal, é porque as quis deixar para o disposto no processo civil comum”.

No mesmo sentido, o Ac. da RP de 23.02.2015 (relator Manuel Domingos Alves Fernandes), disponível em www.dgsi.pt., concluiu que “não pode considerar-se que a ausência de menção neste procedimento especial à possibilidade de articulado de resposta à contestação configura uma lacuna a integrar por aplicação das disposições gerais e comuns, sendo antes uma clara intenção do legislador de simplificar o processado e encurtar os prazos, razão pela qual, se entende não ser de admitir a possibilidade de tal articulado de resposta no âmbito deste referido processo especial”.
Impõe-se, por conseguinte, uma interpretação restritiva do art. 266.º, n.º 2, al. c), do CPC por forma a que seja aplicável somente nas formas de processo que admitem reconvenção. Nas formas de processo em que não é admissível reconvenção (como é o caso da presente ação especial) deve ser permitido ao réu invocar a compensação como mera exceção até ao limite do crédito do autor, apenas para impedir o efeito jurídico deste crédito (25).

Revertendo ao caso sub júdice, importa atentar nas seguintes circunstâncias:

i) encontramo-nos perante uma forma de processo em que à ré é vedada a dedução de reconvenção (forma esta escolhida unilateralmente pela autora);
ii) a vontade de compensar foi declarada judicialmente;
iii) o contra-crédito invocado pela ré situa-se no âmbito da mesma relação jurídica que foi alegada pela autora, e é superior ao crédito desta – pretendendo a autora cobrar o preço de determinados bens fornecidos (sensores ou detectores), a ré contrapõe que alguns desses bens fornecidos vieram a revelar-se defeituosos e não conformes com as especificações técnicas contratadas, o que lhe causou prejuízos que computa no valor de 128.571,96, arrogando-se o direito de reclamar, como reclamou na ação, o pagamento desses créditos.

Ora, à semelhança do decidido no Ac. da RC de 16/01/2018 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt., é de concluir que, no caso em apreço, deve ser permitido à ré “defender-se mediante a invocação da compensação, sob pena de tal meio de defesa lhe ficar definitivamente vedado – com efeito, ainda que não se encontre impedido de, em ação a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito do autor, sendo que, se [a autora] vier a propor ação executiva, dificilmente logrará o reconhecimento da compensação mediante a dedução de embargos de executado. Ou seja, vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente ação, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra [a autora, a ré será obrigada] a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito [da autora], correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito” (26).

Como salientava Adriano Vaz Serra (27), declarada a compensação pela parte (extrajudicial ou judicialmente), o tribunal não pode decidir, sem mais, que o demandado deve pagar o crédito do autor (e ainda que o crédito daquele seja ilíquido), já que o demandado tem o direito de não pagar, na medida em que a sua dívida se compense com uma dívida do autor para com ele.
Improcedendo, por conseguinte, a apelação na parte em que pugna pela admissibilidade da reconvenção, é, porém, de proceder a apelação na parte em que censura a decisão da 1ª instância por não ter (sequer) conhecido da compensação de créditos por via de exceção perentória, para o efeito de o tribunal apreciar a sua pretensão (subsidiariamente deduzida) a ver compensado o crédito da requerente com o crédito da requerida, tendo em vista a declaração de extinção do crédito da requerente.
*
3. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada parcialmente procedente, sendo que ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso – a recorrente pugnava pela admissibilidade da reconvenção, pretensão esta que improcedeu, ao passo que a recorrida pugnou, em sede de ação, pela inviabilidade da dedução da compensação, quer por via reconvencional, quer através de exceção, sendo que esta última não foi confirmada por esta Relação – entende-se que ambas devem ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso.
Assim, nos termos do disposto no art. 527º, n.º 2 do CPC, fixa-se as custas na proporção de metade a cargo de cada uma delas.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – A injunção inicial, de valor inferior a metade da alçada da Relação, após a distribuição e por virtude da oposição deduzida, segue os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (arts. 3.º a 5.º do Dec. Lei n.º 269/98 e art. 10.º, n.º 4 do Dec. Lei n.º 62/2013).
II - A simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a ação em causa não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional, nomeadamente para fazer atuar a compensação-reconvenção.
III - Não sendo admissível reconvenção, é de admitir a defesa por invocação da exceção perentória de compensação, a fim de não coartar ao réu um meio de defesa importante e eficaz.
*
VI. DECISÃO.

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência:

i) - Fixam à ação o valor de € 128.889,88 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e oitenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
ii) – Revogam a decisão recorrida na parte em que julgou liminarmente improcedente a invocada compensação (bem como a subsequente sentença recorrida) e determinam que o Tribunal da 1ª instância conheça da compensação de créditos por via de exceção perentória.
iii) Mantêm a decisão recorrida que não admitiu o pedido reconvencional.
Custas da apelação a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção de 1/2 a cargo de cada uma delas.
*
Guimarães, 13 de junho de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)

1. Cfr. Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção em Processo Civil, Teses, Almedina, 2009, pp. 99-100.
2. Cfr. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância em Processo Civil, 9ª ed., 2017, Almedina, p. 33 e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª edição, Almedina, 2018, p. 606.
3. Cfr. Miguel Mesquita, obra citada, p. 136.
4. Cfr. “Reconvenção, valor da causa e admissibilidade de recurso ordinário”, em 15/10/2018, https://blogippc.blogspot.com/2018/10/reconvencao-valor-da-causa-e.html
5. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 347.
6. Cfr. Eurico Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância, 3ª ed., Petrony, 1999, p. 53.
7. Cfr. Salvador da Costa, obra citada, p. 35 e Eurico Lopes Cardoso, obra citada, pp. 51/53, Ac. da RP de 29/03/2007 (relator Mário Baptista Fernandes), in www.dgsi.pt; em sentido contrário, sufragando, no fundo, a “tese da soma condicionada”, o Ac. da RG de 8/10/2015 (relator José Estelita Mendonça), in www.dgsi.pt., decidiu que, não tendo sido admitido o pedido reconvencional por ter sido entendido que o tribunal não era competente em razão da matéria, o valor da causa foi bem fixado, por corresponder ao valor do pedido formulado na petição inicial.
8. Cfr. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª ed., Almedina, 2008, pp. 150/151, Mariana França Gouveia e João Pedro Pinto-Ferreira, A oposição à execução baseada em requerimento de injunção comentário ao acórdão do tribunal constitucional n.º 388/2013, https://docentes.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/MFG_MA_27006.pdf e o Ac. da RL de 13/11/2018, CJ, Ano XLIII -T. V/2018, pp. 57/66.
9. Cfr., neste sentido, o recente Ac. da RE de 30/05/2019 (relatora Isabel de Matos Peixoto Imaginário), in www.dgsi.pt.
10. Cfr. A Injunção (…), p. 88.
11. Cfr. A Injunção (…), pp. 88 e 89.
12. Cfr. Acs. da RP de 2.05.2015 (relator Rodrigues Pires) e de 24/01/2018 (relator Carlos Querido), Ac. da RC de 07.6.2016 (relator Fonte Ramos) e Ac. da RG de 22.06.2017 (relatora Ana Cristina Duarte), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
13. No pretérito CPC era controvertida a questão de saber se a compensação tinha de ser invocada sempre em sede de reconvenção ou se apenas quando o crédito do réu era superior e só na medida do excesso. Dispunha o art. 274º, n.º 2, al. b) do anterior CPC que a reconvenção é admissível, entre outros casos, “[q]uando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”. A propósito da natureza jurídico-processual da compensação de créditos confrontavam-se, essencialmente, três diferentes propostas: i) Para a tese da compensação-exceção a compensação devia ser sempre invocada como exceção perentória, só assumindo o correspondente pedido natureza reconvencional nos casos em que o contracrédito de que o réu é titular é titular for superior ao crédito do autor e apenas se o réu pretender fazer valer o seu direito quanto a essa parte excedente [cfr. Vaz Serra, in RLJ 104º, n.º 3459, pp. 276 e 292, ano 105º, n.º 3470, p. 68, Ano 109º, nº 3570, p.147, Anselmo de Castro A Ação Executiva Singular, Comum e Especial, 2º ED., Coimbra Editora, pp. 280/283]. ii) Segundo a tese da compensação-reconvenção, a compensação invocada pelo réu seria sempre objeto de um pedido reconvencional, ainda que não excedesse o montante do crédito reclamado pelo autor, por representar uma pretensão autónoma (que se pode fazer valer extrajudicialmente e judicialmente) [cfr. João de Castro Mendes Direito Processual Civil, vol. 2, AAFDL, 1980, p. 197, Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., pp. 205/206, Teixeira de Sousa, As Partes, o Objeto e a Prova na Ação Declarativa, Lex, 1995, p. 173, Paulo Pimenta, Reconvenção, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXX, Coimbra, 1994, p. 475]. iii) Para uma terceira via, a compensação traduz uma figura processual híbrida, um produto misto de reconvenção e de exceção perentória; identifica-se com a exceção perentória na parte do contracrédito até ao montante igual ao do crédito do autor, e em relação ao qual o réu não pede a condenação daquele, mas apenas a improcedência do pedido deste; mas, por outro lado, na parte que excede o pedido do autor a compensação equipara-se à reconvenção. (cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 330/333).
14. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2017, 2ª ed., Almedina, pp. 202/203, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2014, p. 259. Como salienta Miguel Mesquita, «a Reforma de 2013 fez tábua rasa das correntes até então dominantes, na adoção, à última hora, e sem qualquer nota explicativa, da tese da compensação-reconvenção» (cfr. Nota Prévia, ao Código de Processo Civil, 31ª ed. Almedina, 20013, p. 7.
15. Cfr. Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/05/20190531-ARTIGO-JULGAR-A-compensação-nas-formas-de-processo-em-que-não-é-admissível-reconvenção-Manuel-E-B-Sampaio.pdf
16. Cfr., neste sentido, que jurisprudencialmente se perfila como maioritário, os Acs. da RG de 23/03/2017 (relatora Alexandra Rolim Mendes), de 22.06.2017 (relatora Ana Cristina Duarte), Acs. da RP de 12/05/2015 (relator Rodrigues Pires) e de 30/11/2015 (relator Correia Pinto), Ac. da RC de 07/06/2016 (relator Fonte Ramos) e Ac. da RE de 09/02/2017 (relator Paulo Amaral), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Ac. do STJ de 6/06/2017 (relator Júlio Gomes), Acs. da RG de 17.12.2018 (relatora Fernanda Proença), e de 31/01/2019 (relatora Maria Purificação Carvalho), Ac. da RP de 13.06.2018 (relator Rodrigues Pires) e Ac. da RL de 09.10.2018 (relatora Cristina Coelho), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e o Ac. da RL de 13/11/2018, CJ, Ano XLIII -T. V/2018, pp. 57/66.
18. Cfr. https://blogippc.blogspot.com/2017/04/aecops-e-compensacao.html
19. Cfr., neste sentido, Ac. da RP de 23.02.2015 (relator Manuel Domingos Alves Fernandes), Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Carlos Querido) e Ac. da RC de 16/01/2018 (relatora Maria João Areias), todos disponíveis em www.dgsi.pt.; criticando esta solução, Miguel Teixeira de Sousa, blogue do IPPC, em 30/04/2018, Comentário, Jurisprudência 2018 (12) - AECOP; compensação; reconvenção, https://blogippc.blogspot.com/2018/04/jurisprudencia-2018-12.html.
20. Cfr. A Acção Declarativa Comum, p. 54, disponível in repositório.ulusiada.pt.
21. Cfr. A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013, in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, p. 166.
22. Cfr. A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., Gestlegal, 2017, pp.145-155.
23. Cfr., neste sentido, Salvador da Costa, A Injunção (…), p. 84.
24. Cfr. obra citada, p. 165.
25. Cfr., neste sentido, Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, estudo citado.
26. Apenas uma breve nota para reforçar a seguinte ideia a propósito da provável inviabilidade do reconhecimento da compensação mediante a dedução de embargos de executado: Como tem sido salientado [cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 236/237, 239 e 240, e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. II, 2014, Almedina, pp. 249 e 25], a autonomização da compensação como fundamento de oposição à execução de sentença, nos termos do art. 729º, al. h) do CPC, prende-se com a nova qualificação processual da compensação efetuada no processo declarativo comum, no qual surge adjetivamente caraterizada como reconvenção (art. 266º, n.º 2, al. c) do CPC), visando, assim, obviar a quaisquer dúvidas interpretativas que pudessem ser levantadas quanto à inadmissibilidade da dedução de oposição com tal fundamento em sede de embargos à execução de sentença, por neste não ser admissível reconvenção. Regra geral, a compensação de créditos para ser operante em embargos de executado pressupõe que a verificação dos respetivos pressupostos seja posterior à sentença. Todavia, se a peculiaridade do processo onde foi proferida a sentença condenatória exequenda não permitir a formulação de reconvenção (como a nosso ver sucede na presente ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária), tendo presente o espírito da norma contida na alínea g) do n.º 1 do art. 729º do CPC não é de concluir pela preclusão do direito de invocar o contracrédito como meio de defesa em sede de oposição à execução de sentença. Porém, no tocante ao fundamento de oposição previsto na alínea h) do art. 729.º do CPC – “contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos” –, para além de se exigir a verificação dos pressupostos da compensação previsto no art. 847º do CC, por identidade de razão (art. 9º do CC), será ainda necessário que se prove por documento com força executiva o facto constitutivo do contracrédito, em conformidade com a parte final da al. g) do art. 729º do CPC. Daí que, não sendo feita prova documental das situações de compensação invocadas, a oposição à execução com esse fundamento estará destinada ao insucesso.
27. Cfr. RLJ Ano 104, p. 356.