Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
590/15.3T8PTL.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CITAÇÃO
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS OFICIOSAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora):

I. O actual sistema de citação tem na regra da oficiosidade das diligências do acto uma das suas traves mestras, traduzindo-se em a secretaria dever dar impulso à citação pessoal, sem necessidade de prévio despacho do juiz, nem de requerimento do autor (arts. 226º, nº 1e 562º, ambos do C.P.C.).

II. Constituem pressupostos da deserção da instância, não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual da parte com ele onerada, mas também que a omissão desta se deva à respectiva negligência (art. 281º, nº 1 do C.P.C.).

III. Por forma a se poder decidir se a falta de observância do ónus de impulso processual por mais de seis meses, da parte que estava onerada com o mesmo, se deve a negligência sua, deverá o Tribunal ouvi-la previamente, já que a mera objectividade da paragem do processo por ausência do dito impulso processual não pode ser feita corresponder automaticamente à omissão da diligência normal e exigível em face das circunstâncias do caso concreto (art. 3º, nº 3 do C.P.C.).

IV. Tendo o autor indicado interveniente principal - cidadão português - como residente em morada certa em França, vindo devolvida a carta registada com aviso de recepção remetida para sua citação, com indicação de «não reclamado», cabia à secretaria, autónoma e oficiosamente, promover a sua citação por intermédio do consulado português da sua área de residência (arts. 226º, nº 1, 239º, nº 1 e nº 3, 319º, nº 1 e 562º, todos do C.P.C.).

V. São nulos os despachos de juiz que, perante a omissão de cumprimento pela secretaria de diligência tendente a assegurar a citação, que exclusivamente lhe cabia, determinou que o processo aguardasse por seis meses o impulso processual do autor, e depois declarou a instância extinta por deserção, face à inércia deste, sem previamente o ouvir sobre as razões da respectiva inacção (art. 195º, nº 1 e nº 2 do C.P.C.).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Manuel (aqui Recorrente), residente na Rua (…), em Ponte de Lima, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Maria e marido, D. C. (aqui Recorridos), residentes na Travessa (…), em Ponte de Lima, pedindo que

· se declarasse que ele próprio é legítimo proprietário do prédio rústico «Eido F.» (que melhor identificou);

· os Réus fossem condenados a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o referido prédio rústico;

· os Réus fossem condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que impedissem em toda a sua extensão e plenitude o seu direito de propriedade sobre o dito prédio rústico;

· os Réus fossem condenados a pagarem-lhe a quantia de € 8.504,30, a título de indemnização pelos prejuízos resultantes da privação de uso do dito prédio rústico;

· os Réus fossem condenados a pagarem-lhe a quantia diária de € 50,00, a título de sanção pecuniária compulsória, desde a respectiva citação até efectiva entrega do referido prédio rústico.

Alegou para o efeito, em síntese, terem sido os seus Pais e da Ré (sua irmã) proprietários do prédio rústico «Eido F.» e de um prédio urbano; e terem depois os mesmos sido atribuídos, após a morte daqueles e em inventário para partilha da respectiva herança, a ele próprio, o rústico, e à Ré, o urbano.

Mais alegou que, mercê de errada descrição do prédio rústico, e não obstante sucessivas rectificações, foram-lhe indevidamente subtraídos seis mil metros quadrados, de que a Ré se apropriou desde 24 de Maio de 2014, recusando-se a devolvê-los, não obstante reiteradas notificações para o efeito.

Alegou ainda o Autor sofrer, por isso, prejuízos correspondentes à perda do valor de uso dos ditos seis mil metros quadrados, fazendo corresponder o seu montante ao valor locativo daquela área, isto é, a € 500,00 por mês, a que acresceria a despesa de € 504,30, exigida pela remoção da vedação indevidamente nela colocada pelos Réus.

1.1.2. Regularmente citados, os Réus (Maria e marido, D. C.) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada; e deduziram reconvenção, pedindo que

· se declarasse que a Ré (Maria) é dona e legítima possuidora do prédio urbano composto por casa de habitação, anexos e terreno (que melhor identificaram), condenando-se o Autor a reconhecê-lo.

Alegaram para o efeito, em síntese, encontrar-se verificada nos autos a excepção dilatória de ilegitimidade activa, uma vez que, sendo o Autor (Manuel) casado em comunhão de adquiridos, teria de ter proposto a presente acção conjuntamente com a sua mulher, o que não fez (existindo assim a preterição de um litisconsórcio necessário activo).

Mais alegaram serem falsas a área e as confrontações apresentadas pelo Autor (Manuel) para o respectivo prédio, não tendo ainda eles próprios sido notificados de quaisquer pedidos de rectificações do prédio rústico que lhe foi adjudicado em sede de processo de inventário (não lhes sendo, por isso, oponíveis eventuais decisões que os hajam deferido); e impugnaram a verificação dos danos alegados pelo Autor.

Já em sede de reconvenção, os Réus (Maria e marido, D. C.) alegaram pertencer a área reivindicada pelo Autor (Manuel) ao prédio rústico adjudicado à Ré (Maria) em sede de processo de inventário, conforme o Autor bem saberia, pedindo por isso a respectiva condenação como litigante de má fé, em multa e em indemnização atribuída a seu favor.

1.1.3. O Autor (Manuel) replicou, defendendo o acerto da sua pretensão inicial, e a falta de fundamento da defesa e da reconvenção apresentadas pelos Réus (Maria e marido, D. C.).

Alegou para o efeito, em síntese: não se verificar qualquer excepção de ilegitimidade nos autos (nomeadamente, por o bem em causa revestir a natureza de próprio); não poder ser admitida a reconvenção deduzida (por não o ter sido separadamente no corpo da contestação); sendo admissível, verificar-se quanto a ela a excepção de ilegitimidade passiva (já que, podendo dela resultar a perda de bem que só por ambos os cônjuges poderia ser alienado, não ter sido demandada a sua mulher); serem falsos todos os factos alegados pelos Réus (Maria e marido, D. C.) de forma desconforme com a versão inicial dos mesmos que apresentara; e não existir qualquer actuação sua em litigância de má fé.

1.1.4. Foi proferido despacho: admitindo a reconvenção; fixando o valor da acção em € 45.504,30; ordenando o registo oficioso da acção; e convidando o Autor (Manuel) a suscitar o incidente de intervenção provocada da sua mulher, Maria, por forma a sanar a excepção dilatória de ilegitimidade activa (quanto à acção) e passiva (quanto à reconvenção), tida por verificada.

1.1.5. Tendo o Autor (Manuel) deduzido incidente de intervenção principal provocada da sua Mulher (Maria), afirmou encontrar-se «separado de facto da mesma, razão pela qual não mantém qualquer tipo de relacionamento com» ela, dando-a como como «actualmente residente (…), France».

1.1.6. Admitido o incidente de intervenção principal provocada, e ordenada a citação de Maria, foi a mesma realizada por carta registada com aviso de recepção, para a morada antes indicada como sua pelo Autor, vindo a mesma carta devolvia com indicação «Non Réclamé».

1.1.7. Foi então proferido despacho, determinando que os autos aguardassem o impulso processual do Autor, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«Aguardem os autos que algo seja requerido sem prejuízo do decurso do prazo de deserção.
(…)»

1.1.8. Face à inércia do Autor, veio depois a ser proferido novo despacho, julgando deserta a instância, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«Uma vez que os presentes autos estão, por negligência exclusiva do autor, a aguardar impulso processual há mais de seis meses, declaro-a deserta e, consequentemente, declaro a presente instância extinta - art. 281º., 1 e 4 e 277º., c) do Código de Processo Civil.
Custas pelo autor.
Notifique e, oportunamente, arquive.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformado com esta decisão, o Autor (Manuel) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse o despacho recorrido, e se ordenasse o prosseguimento dos autos, com realização das diligências necessárias à citação da pretendida Interveniente Principal (Maria).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis):

1. O Recorrente não se conforma com o douto despacho que julgou deserta a instância.

2. O Recorrente notificado em 26/10/2016, para o efeito, requereu em 10/11/2016 a intervenção principal provocada da sua ainda mulher, MARIA, indicando como morada para ser citada, (...), France.

3. A secretaria procedeu à citação da Chamada, mediante carta registada com AR, a qual veio devolvida com a menção, não reclamada, tendo tal diligência, sido notificado ao Autor, pela secretaria, em 23/02/2017.

4. O Recorrente, em 17/05/2017 foi notificado do seguinte despacho: “Aguardem os autos que algo seja requerido sem prejuízo do decurso do prazo de deserção”.

5. O Recorrente nada disse, pois não existia qualquer impulso processual que lhe fosse devido, conforme se demonstrará infra.

6. Entretanto, foi notificado do despacho com o seguinte teor: “Uma vez que os presentes autos estão, por negligência exclusiva do autor, a aguardar impulso processual há mais de seis meses, declaro-a deserta, e, consequentemente, declaro a presente instância extinta…”.

7. Ora, salvo o devido respeito que é muito, a secretaria deveria, de acordo com o disposto no artigo 239.° do CPC, na citação do residente no estrangeiro observar o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais, o que não aconteceu.

8. O que diz a lei é que: Na falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de receção, e se esta se frustrar, sendo o réu português, a mesma será feita por intermédio do consulado.

9. Sobre a citação de residentes no estrangeiro, dispõe o art.º 239.º n.º1 do CPC que deve observar-se o estipulado nos tratados e convenções internacionais.

10. É aplicável o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais.

11. O Regulamento consagra o princípio da transmissão descentralizada e direta dos atos (art.º 2. º e 4.º n. º1), segundo o qual os atos serão transmitidos de e para os funcionários, autoridades ou outras pessoas designadas com competência para transmitir e receber os atos judiciais (entidades de origem e entidades requeridas).

12. No âmbito da transmissão descentralizada e direta, vigoram os princípios da cooperação, da celeridade e simplicidade formal na transmissão e da recusa da receção do ato.

13. Para além da transmissão direta entre as entidades de origem e entidades requeridas, com ou sem intervenção auxiliar da entidade central, o Regulamento admite outros meios de transmissão e de citação, expressamente previstos na Secção II: (1) transmissão por via diplomática ou consular (art.º 12.º); (2) citação ou notificação por agentes diplomáticos ou consulares (art.º 13.º; (3) citação ou notificação pelo correio ( art.º 14º.); (4) o pedido direto de citação ou notificação (art.º 15.º ).

14. Não obstante prever uma pluralidade de meios de transmissão, o Regulamento não estabelece qualquer prioridade ou hierarquia entre eles, embora por força do princípio da celeridade se deva adotar o que for mais rápido e eficaz.

15. Inviabilizada a citação da Chamada, por carta registada com aviso de receção, com a menção não reclamada, que a lei considera como citação pessoal (art.º 225.º n.º2 alínea b) do CPC), considerando, que a Chamada reside em França, assim foi indicado pelo Autor, e porque o Código de Processo Civil contem norma especial sobre a citação de residentes no estrangeiro (art.º 239.º), e sendo aplicável o Regulamento, uma vez frustrada a citação por carta registada com aviso de receção, teriam que se esgotar os outros meios nele previstos para a citação.

16. Só não seria assim se do processo constassem elementos seguros no sentido de que a Chamada já não residia em França, (o que poderia acontecer hipoteticamente, se por exemplo ocorresse uma simples consulta pela secretaria à base de dados e tal se verificasse !!!).

17. A ação encontra-se ainda na fase da citação, fase esta que, nos termos do art.º 226.º, n.º 1, do CPC, obedece à regra da oficiosidade.

Por maioria de razão, se as diligências de citação não dependem de despacho judicial, muito menos dependem de requerimento do autor.

18. Não se pode afirmar que tal é consequência de falta de atividade do autor, pois os atos a praticar para dar continuação à ação são atos que devem ser praticados pela secretaria.

19. No caso das diligências de citação de réu residente no estrangeiro, em conformidade com o ínsito no art.º 239.º do CPC.

20. Quando muito, aquele artigo, no seu n.º 4, manda ouvir o Recorrente quanto à possibilidade de se efetuar a citação por carta rogatória, mas nunca o Recorrente foi notificado para se pronunciar quanto a tal modalidade de citação.

21. O Recorrente nunca foi notificado para tomar posição quanto a qualquer questão relativa à citação da Chamada.

22. A secretaria não tem que estar inativa a aguardar “instruções” da parte, tem que cumprir as formalidades previstas na lei processual.

23. Não existe qualquer ato que se encontre por praticar por parte do Autor, pois este forneceu a morada em que a Chamada reside há dezenas de anos, mas mesmo que já lá não residisse (hipoteticamente, pois não é o caso!!!), nunca seria razoável exigir ao Recorrente que pratique atos para se proceder à citação, pois o Recorrente não tem meios para descobrir o paradeiro da citanda, caso esta não morasse naquela morada, pelo que, a sua não citação não se pode imputar a negligência do mesmo.

24. Falta pois verificar-se o pressuposto da negligência.

25. Assim, estamos perante as nulidades constantes dos artigos 188.º, n.º 1 al. a) e artigo 191.º do CPC, as quais expressamente se invocam, para os devidos efeitos legais.

26. Não pode o Tribunal, interpretar o artº. 281.º, n.º 1., do CPC, no sentido de decretar a deserção da instância sem convite prévio à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência, sendo inclusive notória que a falta de impulso não é negligência sua, não lhe é imputável. A lei é clara, ao mencionar as regras de como deve ser efetuada a citação e por quem é que deve ser efetuada. Sendo inclusive inconstitucional, tal interpretação, por violação do princípio do acesso à justiça previsto na constituição e do princípio da confiança decorrente do art.º 2.º, que prevê o estado de Direito Democrático.

27. Atenta a gravidade dos efeitos da deserção da instância e visando o atual processo civil dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (cf. Artigo 278.º, nº.3, do Código de Processo Civil), deve o juiz atuar de forma preventiva de molde a que o processo não sucumba por deserção, sem prejuízo do princípio da autorresponsabilidade das partes. Com efeito, nos termos do dever de gestão processual consagrado no Artigo 6.º, n.º1, do Código de Processo Civil, «Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (…)». De acordo com o princípio da cooperação, deve também o juiz cooperar com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio – Artigo 7.º, nº.1, do Código de Processo Civil.

28. Salvo o devido respeito, que é muito, tal não aconteceu no presente caso.

29. Revertendo a aplicação destes princípios e do dever de prevenção à situação de negligência das partes em impulsionar o processo, cremos que o juiz deve sinalizar – de forma clara – à parte que a respetiva inércia, lhe é imputável (o que nos presentes autos não é!!!), no que tange a um concreto impulso processual poderá desembocar na extinção da instância por deserção.

30. Ora, da matéria de facto apurada não resulta que o Mmo. Juíz a quo tenha atuado com o dever de gestão processual e conexo dever de prevenção nos termos explicitados, quanto à citação da Chamada residente no estrangeiro. A omissão do dever de gestão por parte do juiz integra uma nulidade, nos termos do art.º 195.º do CPC, a qual expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

31. Face ao exposto, deve ser revogado o douto despacho de 29/11/2017, que declare a existência das nulidades, ora invocadas, constantes dos artigos art.º 188.º, n.º 1 a), art.º 191.º, n.º 1 e art.º 195.º do CPC, e nessa sequência, ordene o prosseguimento dos autos, com a realização das diligências necessárias à citação da Chamada residente em França, em cumprimento do art.º 239.º do CPC, face à inexistência, em concreto, de qualquer negligência do Recorrente em promover o seu andamento. Atendendo até, às consequências gravosas da extinção da instância.
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1.2.2. Contra-alegações

Os Réus (Maria e marido, D. C.) contra-alegaram, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - A falta de impulso processual do Autor (Manuel), nos seis meses subsequentes à prolação do despacho que o advertiu de que os autos o aguardariam, consubstanciou incumprimento negligente de dever seu em promover a citação da pretendida Interveniente Principal (Maria) e, por isso, fez com que a instância se haja extinto por deserção ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Citação de residente em país estrageiro

4.1.1.1. Oficiosidade das diligências destinadas à citação

Lê-se no art. 226º, nº 1 do C.P.C. que incumbe «à secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efectivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato».

Isto mesmo é reafirmado no art. 562º do C.P.C., quando nele se lê que incumbe «à secretaria proceder às diligências necessárias à citação do réu, nos termos previstos nos nºs 1 a 3 do artigo 226º».

O art. 226º, nº 1 do C.P.C. corresponde ao art. 234º, nº 1 do C.P.C. de 1961, na redacção inovadora que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 329-A, de 12 de Dezembro, que procedeu à eliminação do sistemático controlo jurisdicional liminar que antes se exercia em todas as acções, logo após a petição inicial: a primeira intervenção judicial passou a coincidir, em regra, com o termo dos articulados; e cometeu-se «às secretarias judiciais a realização, nos casos considerados “normais”, das diligências necessárias à citação o réu (desse modo se aligeirando a intervenção do juiz em relação a um acto que se considerou poder ser atribuído aos funcionários judiciais).

Pesaram em tal opção legislativa diferentes razões, derivadas essencialmente do princípio da economia processual e da “desburocratização” das intervenções processuais do juiz» (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários do Código de Processo Civil, Almedina, Dezembro de 1999, p. 173, com bold apócrifo, e onde se detalham de seguida as ditas «diferentes razões»).

Com efeito, «generalizara-se a prática de, “sempre que era encontrado um obstáculo à citação do réu, se notificar o autor para requerer a diligência seguinte. Apresentado o requerimento, o processo ia concluso ao juiz e só após o despacho deste se seguia nova diligência. E era frequente este jogo de pingue-pongue prolongar-se durante semanas ou meses, até que o tribunal lograsse finalmente, nem que fosse editalmente e por conta do autor, citar o réu. Muitas vezes acontecia mesmo que, requerida a citação edital, o autor fosse ainda notificado do resultado negativo das diligências oficiosamente ordenadas para encontrar o réu e tivesse então que requerer novamente a citação edital”» (José Lebre de Freias e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 431, citando Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, em nome da Ordem dos Advogados, Parecer, p. 642).

Logo, o art. 226º, nº 1 do C.P.C. «comete à secretaria uma competência autónoma e oficiosa no sentido de diligenciar pela efectivação da citação, segundo as diversas modalidades, sem ter de aguardar despacho judicial ou requerimento da parte. Reforçados os poderes e as responsabilidades correspondentes da secretaria, exige-se uma atuação expedita, diligente e criativa, a qual, dispensando a sucessiva apresentação de requerimentos ou a prolação de despachos judiciais de mero expediente, se deve encaminhar para a realização célere e segura da diligência de citação, evitando o incompreensível bloqueio do processo na sua fase inicial, com graves lesões para o autor e para a imagem de eficácia dos tribunais» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 258).

Dir-se-á, por isso, que o actual sistema de citação, «proveniente da revisão de 1995-1996 tem na regra da oficiosidade das diligências do ato (…) uma das suas traves mestras», traduzindo-se, «prima facie, em a secretaria dever dar impulso à citação, sem necessidade de despacho prévio do juiz nem de requerimento do autor», no que tange à citação pessoal (e não também à citação edital, que carece sempre de despacho prévio). Caber-lhe-á, nomeadamente, «praticar os atos e respeitar as formalidades prescritas em geral para cada modalidade de citação (…), assim como remover as dificuldades com que se depare na realização efectiva» de cada uma delas.

«Esta competência autónoma da secretaria insere-se numa função mais vasta, em sede de processo declarativo ordinário: incumbe à secretaria promover os termos do processo até ao despacho pré-saneador (art. 590-2); só neste despacho conhecerá o juiz da regularidade do processo, não havendo em regra, lugar a despacho liminar, sem prejuízo de o juiz poder determinar (normalmente após chamada de atenção pela secretaria ou pelo agente de execução) que lhe seja para o efeito apresentada a petição inicial (art. 590-1)» (José Lebre de Freias e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 431 e 432, com bold apócrifo).
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4.1.1.2. Citação de residente em país estrangeiro

Lê-se no nº 1, do art. 239º do C.P.C. que quando «o réu resida no estrangeiro, observa-se [na respectiva citação] o que estiver estipulado nos tratados e convenções internacionais».

Encontram-se em vigor neste domínio: o Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 (citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros), que abrange os Estados-Membros da União Europeia, à excepção a Dinamarca; e a Convenção de Haia, de 15 de Novembro de 1970 (citação e notificação no estrangeiro de actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial), cujos Estados abrangidos, nas relações com Portugal, se encontra discriminados em htpp://wwww.cji-dgaj.mj.pt».

Precisando o regime do Regulamento (CE) nº 1393/2007 (obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros, prevalecendo sobre o direito nacional, nos termos do art. 249º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia), dir-se-á que a citação realizada ao abrigo do que nele se dispõe poderá ser levada a cabo directamente pelos serviços postais de um Estado-Membro quanto a pessoas que residam - e não que sejam necessariamente nacionais - noutro Estado-Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalente (conforme arts. 6º, nº 1 e 14º, respectivos).

Contudo, é essencial que o destinatário desta forma de citação seja avisado de que pode recusar a recepção da carta, quer no acto de citação, quer devolvendo-a à entidade que a haja remetido no prazo de uma semana, se não estiver redigia ou não for acompanhada de tradução numa língua que o destinatário compreenda ou numa língua oficial onde deva ser efectuada a citação (arts. 5º e 8º, do Regulamento (CE) nº 1393/2007).

O Regulamento (CE) nº 1393/2007 admite ainda outras formas de citação, discriminadas no seu art. 12º (v.g. a efectuada por meio de agente diplomático ou consular, nomeadamente quando o citando seja um nacional do Estado-Membro de origem).

Mais se lê, no nº 2, do art. 239º citado, que, na «falta de tratado ou convenção, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais».
Logo, o que aqui se determina (bem como nos números seguintes do mesmo artigo) reveste indiscutível natureza subsidiária, isto é, apenas se aplica na ausência de tratados ou convenções internacionais vigentes sobre a matéria.

A regra é, pois, a da citação do réu (português ou não) residente em país estrageiro se fazer por via postal, mediante carta registada com aviso de recepção, a cuja entrega se aplicará o regulamento local dos serviços postais. Esta aplicação poderá implicar a inviabilização do cumprimento dos deveres cominados aos distribuidores portugueses do serviço postal no art. 228º do C.P.C. - v.g. entrega da carta a terceiro, advertência a este do dever de pronta entrega ao seu destinatário, identificação de quem a recebeu, ou determinação da data de entrega quando não conste do aviso de recepção o dia em que foi assinado.

Lê-se ainda, no nº 3 do mesmo art. 239º que, se «não for possível ou se frustrar a citação por via postal, procede-se à citação por intermédio do consulado português mais próximo, se o réu for português; sendo estrangeiro, ou não sendo viável o recurso ao consulado, realiza-se a citação por carta rogatória, ouvido o autor».

Dir-se-á, por isso, e face ao predomínio do princípio do contraditório, que se pretende a todo o custo viabilizar a citação pessoal do réu residente no estrangeiro, antes de se ter de o citar por via edital. «Na verdade, representando a citação edital sempre uma substancial compressão do contraditório, só deve ser possível quando se hajam previamente esgotado as possibilidades razoáveis e adequadas de localizar o citando» (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários do Código de Processo Civil, Almedina, Dezembro de 1999, p. 190).

A frustração da citação por via postal poder-se-á dever a uma multiplicidade de causas, nomeadamente por a carta ser devolvida sem indicação alguma, com indicação de não reclamada, ou de o citando ser desconhecido naquela morada, ou de se encontrar em parte incerta, ou de se ter recusado a recebê-la.

A citação de português por meio do consulado local, ou por meio de tribunal estrageiro (caso aquele outro meio seja inviável), a promover de seguida, e oficiosamente, pela secretaria, far-se-á de acordo com o previsto nos arts. 172º e seguintes do C.P.C..

Por fim, lê-se no nº 4 do referido art. 239º que, estando «o citando ausente em parte incerta, procede-se à sua citação edital, averiguando-se previamente a última residência daquele em território português e procedendo-se às diligências a que se refere o artigo 236º» (isto é, obtenção pela secretaria de «informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais»).
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4.1.2. Subsunção do caso concreto (ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo o Autor (Manuel) indicado que a Interveniente Principal (Maria), presumida cidadã portuguesa, residiria em França, em morada que igualmente discriminou, foi tentada, directa e oficiosamente, pela secretaria a sua citação por carta registada com aviso de recepção, ao que se crê ao abrigo do disposto no art. 239º, nº 1 do C.P.C. e do art. 14º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 (citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros).

Vindo, porém, a dita carta registada com aviso de recepção devolvida com menção de «Non Réclamé» - frustrando desse modo a citação por via postal -, deveria a secretaria, de novo directa e oficiosamente, ter promovido a sua citação por meio do consultado português da sua área de residência, nos termos do art. 239º, nº 2 do C.P.C. (já que não fora dada notícia no processo de que a Interveniente Principal deixara de residir naquela morada).

Contudo, e ao invés de o fazer, abriu conclusão nos autos, tendo o Tribunal a quo proferido despacho, determinando que os mesmos aguardassem «que algo seja requerido sem prejuízo do decurso do prazo de deserção», ao invés de determinar então, ele próprio, a realização da diligência de citação em falta e claramente imposta por lei.

Foi, assim, omitida a prática de um acto que a lei prescreve, com indiscutível influência no exame ou decisão da causa, e que por isso consubstancia uma nulidade do processado (nº 1, do art. 195º do C.P.C.), que afecta a validade dos seus termos subsequentes, nomeadamente do despacho proferido de imediato à referida omissão (nº 2, do art. 195º citado).
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4.2. Deserção da instância

4.2.1.1. Pressupostos

Lê-se no art. 281º, nº 1 do C.P.C. que «considera-se deserta a instância quando, por negligência das parte, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».

Este artigo contém em si o regime que, no anterior C.P.C., se encontrava disperso por dois outros artigos, pertinentes: à interrupção da instância, que pressupunha que o processo estivesse parado por mais de um ano, por falta de impulso pela parte a quem competia a prática do acto de que dependia o seu prosseguimento, sendo essa falta de impulso devida a negligência sua (art. 285º do anterior C.P.C.); e à subsequente deserção, que pressupunha que sobre a primeira tivessem decorridos dois anos (art. 291º do anterior C.P.C.).

Exigia-se, porém, para a anterior interrupção da instância, um despacho judicial que a reconhecesse (v.g. Ac. do STJ, de 13.05.2003, Moreira Alves, Processo nº 03A584, Ac. do STJ, de 15.06.2004, Silva Salazar, Processo nº 04A1519, ou Ac. do STJ, de 28.02.2008, Salvador da Costa, Processo nº 08B520, todos in www.dgsi.pt, como qualquer outro citado sem indicação de origem); e discutia-se se a respectiva natureza seria meramente declarativa (v.g. Ac. do STJ, de 12.01.1999, Ribeiro Coelho, BMJ, nº 483, p. 167, ou Ac. do STJ, de 30.10.2002, Duarte Soares, Processo nº 02P2756), ou constitutiva (v.g. Ac. do STJ, de 13.05.2003, Moreira Alves, Processo nº 03A584, Ac. do STJ, de 31.01.2007, Gil Roque, Processo nº 06B3632, Ac. do STJ, de 28.02.2008, Salvador da Costa, Processo nº 08B520, ou Ac. do STJ, de 12.02.2009, Silva Salazar, Processo nº 09A0150).

Já a deserção da instância operava ope legis, como do próprio art. 291º, nº 1 resultava («Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial (…)»).

Logo, dir-se-á que são hoje pressupostos da deserção da instância:

. a paragem do processo por mais de seis meses, por ter sido omitida a necessária prática do acto de que dependia o seu prosseguimento (respeitante ao próprio processo, ou a incidente de que dependia o prosseguimento da acção principal);
. e ser essa omissão devida à negligência da parte que tinha o ónus da sua prática, isto é, dever o acto ser praticado por si - e não pela parte contrária, pela secretaria, pelo juiz, ou por terceiro -, e ter a sua omissão um carácter censurável.
(Contudo, reservando o sentido de negligente a «imputável à parte» - omissão não devida a facto de terceiro ou de força maior - Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa - Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 5).

Ora, num «processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (art. 6.º, n.º 1), deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efetiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os atos que que só a parte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo. A promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe» (Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 4. No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 328 e 329, onde se lê que a «conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou actividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores»).

Precisa-se (e à semelhança do anterior regime da interrupção da instância) que deverá existir um qualquer prévio despacho, a fazer notar à parte onerada com a prática do acto de que depende o prosseguimento dos autos, da necessidade da sua prática.

Com efeito: provindo a norma do nº 4 ipsis verbis do anterior C.P.C., nada justifica na sua redacção actual que se tenha por dispensado o anteriormente exigido despacho judicial prévio, que ganha hoje maior justificação, em virtude do drástico encurtamento do prazo conducente à deserção (e, acrescenta-se aqui, pelo acentuar dos deveres do juiz na condução do processo, conforme art. 6º, nº 1, em colaboração com as partes, conforme art. 7º, ambos do C.P.C.); e enquanto que a deserção da instância no processo executivo continua hoje a ocorrer «independentemente de qualquer decisão judicial» (nº 5 do art. 281º do C.P.C.), a deserção da instância própria do processo declarativo não a dispensa (nº 4 do art. 281º citado), em regime distinto que o intróito do nº 1 do art. 281º é expresso em ressalvar (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 356.

Em sentido contrário, defendendo que o «prazo conta-se do dia (dies a quo) em que a parte tomou conhecimento do estado do processo (ou que tenha tido obrigação de dele conhecer) que implica a paragem deste e torna necessário o seu impulso, não sendo exigido pela lei, para que o prazo se inicie, que o juiz o declare expressamente ou que o demandante seja notificado do seu início (com a receção dessa notificação)», Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa - Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 7. Contudo, não deixa o mesmo Autor de defender que o «juiz tem o dever de comunicar às partes que o processo aguarda o seu impulso, esclarecendo-as sobre os efeitos da sua conduta», no mesmo artigo, a p. 23.

Já numa solução mitigada, distinguindo consoante seja, ou não, evidente quer a necessidade de impulso processual a cargo da parte, quer o efeito extintivo da instância decorrente da inércia prolongada, com exemplos concretos e decisões jurisprudenciais conformes, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 329 e 340).

Por outras palavras, «deverá o julgador (…), por força do princípio da cooperação, reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto» (Ac. da RL, de 26.02.2015, Ondina Carmo Alves, Processo nº 2254/10.5TBABF.L1-2. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 09.09.2014, Cristina Coelho, Processo nº 211/09.3TBLNH-J.L1-7, ou Ac. da RC, de 07.01.2015, Maria Inês Moura, Processo nº 368/12.6TBVIS.C1.

Em sentido contrário, Ac. do STJ, de 08.03.2018, Rosa Tching, Processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, onde nomeadamente se lê que, tendo «sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da acção, não impende sobre o Tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/ negligência»).

Compreende-se, por isso, que o prazo de seis meses deverá ser contado, «não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não perentório), a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 557).
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4.2.1.2. Audição prévia da parte relapsa

Assegurada a prévia prolação do referido despacho de alerta ou advertência, e tendo ainda o juiz que apreciar se a posterior omissão da prática do acto de que dependia o prosseguimento dos autos se deveu a negligência da parte sobre que recaía esse ónus (um dos pressupostos da deserção em causa), deverá ouvi-la previamente, dando-lhe a possibilidade de alegar e demonstrar o contrário.

Por outras palavras, no «despacho que julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas» (Ac. da RL, de 26.02.2015, Ondina Carmo Alves, Processo nº 2254/10.5TBABF.L1-2, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 09.09.2014, Cristina Coelho, Processo nº 211/09.3TBLNH-J.L1-7, Ac. da RP, 20.10.2014, Soares de Oliveira, Processo nº 189/13.9TJPRT.P1, Ac. da RC, de 07.01.2015, Maria Inês Moura, Processo nº 368/12.6TBVIS.C1, Ac. da RP, de 02.02.2015, Manuel Domingos Fernandes, Processo nº 4178/12.2TBGDM.P1, Ac. da RG, de 07.05.2015, Filipe Caroço, Processo nº 243/14.0TBFAF.G1, Ac. da RL, 16.06.2015, Maria da Conceição Saavedra, Processo nº 1404/10.6TBPDL.L1-7, Ac. da RL, de 09.07.2015, Esagüy Martins, Processo nº 3224/11.1TBPDL.L1-2, Ac. da RC, de 01.12.2015, Barateiro Martins, Processo nº 2061/10.5TBCTB-A.C1, Ac. da RG, de 02.05.2016, Cristina Cerdeira, Processo nº 1417/10.8TBVCT-A.G1, Ac. da RC, de 07.06.2016, Maria João Areias, Processo nº 302/13.6TBLSA.C1, Ac. da RC, de 14.06.2016, Falcão de Magalhães, Processo nº 4386/14.1T8CBR.C1, Ac. da RC, de 14.06.2016, Catarina Gonçalves, Processo nº 500/12.0TBAGN.C1, Ac. da RC, de 06.07.2016, Barateiro Martins, Processo nº 132/11.0TBLSA.C1, Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1, ou Ac. da RC, de 04.04.2017, Luís Cravo, Processo nº 407/09.8TBNZR-A.C1).

Discorda-se, assim, do entendimento de que a negligência a que se refere o nº 1 do art. 281º do CPC não possa ser aferida para além dos elementos que o processo, só por si e imediatamente, revela, por se tratar de uma negligência ali objectiva e necessariamente espelhada (negligência processual ou aparente), tornando desse modo injustificada a prévia audição da parte relapsa (conforme sustentado no Ac. do STJ, de 20.09.2016, José Rainho, Processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1.

No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 14.12.2016, Salazar Casanova, Processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, Ac. da RG, de 01.03.2018, António Barroca Penha, Processo nº 1218/14.4T8VCT.G1, e Ac. do STJ, de 08.03.2018, Rosa Tching, Processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, lendo-se nomeadamente no primeiro aresto que resulta da lei «que, decorrido esse prazo, sem que nada seja requerido nos autos, o Tribunal não pode deixar de considerar verificada ipso facto uma situação de negligência e isto porque o Tribunal, para proferir a decisão, apenas se pode socorrer dos elementos que estão nos autos (quod non est in actis non est in mundo) e não dos elementos que os interessados podiam ter apresentado no processo que pudessem então viabilizar ao juiz considerar que, não obstante o decurso do prazo de seis meses, não ocorria situação de negligência.

Na doutrina, sustentado entendimento idêntico à última jurisprudência citada - que também refere -, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, p. 330).

Entende-se ainda que o exercício desta faculdade deverá ser possibilitado mesmo à parte que antes tenha sido advertida da necessidade da prática do acto (conforme se referiu supra): aquela advertência constitui apenas o termo inicial do prazo de seis meses em causa, enquanto que esta audição verifica se a omissão de impulso processual se deveu a negligência sua - da parte onerada com o mesmo.

(Considerando, porém, que, se «as partes já tiverem sido alertadas para a consequência da omissão do impulso pelo prazo de deserção, a lei não exige a sua audição após o decurso de tal prazo», Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 23.)

«Aliás, tal dever decorre expressamente do artº 3º nº 3 do C.P.C. ao dispor que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (Ac. da RC, de 07.01.2015, Maria Inês Moura, Processo nº 368/12.6TBVIS.C1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RE, de 06.10.2016, Bernardo Domingos, Processo nº 775/14.0T8SLV.E1, ou Ac. da RC, de 27.06.2017, Isaías Pádua, Processo nº 522/05.7TBAGN.C1. Na doutrina, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, p. 255, onde se lê que as «partes devem ser ouvidas antes da prolação do despacho, por força do art. 3º nº 3»).

Discorda-se, assim, do entendimento de que «o nº 3 do art. 3º do CPCivil não importa ao caso, visto que não se trata aqui do direito de influenciar a decisão (em termos de factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto dialético da causa, nem tão-pouco é configurável uma decisão-surpresa, antes trata-se simplesmente de fazer atuar uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo» (conforme sustentado no Ac. do STJ, de 20.09.2016, José Rainho, Processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, com bold apócrifo.

No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 14.12.2016, Salazar Casanova, Processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, quando nele se afirma que o «princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal (…) convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram»; e «se a lei aqui não cuidou de impor a prévia audição das partes foi porque considerou que a fixação perentória da deserção da instância nos termos assinalados a impor, no caso de inércia, a prolação de decisão leva a que esta não possa considerar-se inesperada ou surpreendente».

Reiterando-o, Ac. do STJ, de 08.03.2018, Rosa Tching, Processo nº 225/15.4T8VNG.P1-A.S1, onde nomeadamente se lê que, no «contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual», uma vez que a «negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência»).
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4.2.2. Subsunção do caso concreto (ao Direito aplicável)

4.2.2.1. Omissão de impulso processual devido pelo Autor

Concretizando, e tal como já referido supra (em «4.1.2. Subsunção do caso concreto»), verifica-se que, tendo-se frustrado a citação por via postal da Interveniente Principal (Maria) - por a carta registada com aviso de recepção remetida para o efeito ter vindo devolvida com a menção «Non Réclamé» -, foi proferido despacho, advertindo nomeadamente o Autor (Manuel) de que os autos aguardariam «que algo seja requerido sem prejuízo do decurso do prazo de deserção».

Verifica-se ainda, e tal como igualmente referido supra, que não cabia ao Autor (Manuel) qualquer ónus de impulso processual, mas sim à secretaria, a quem estava então cometido promover, directa e oficiosamente, a citação da Interveniente Principal, cidadã portuguesa a residir em França, por intermédio do consulado português da sua área de residência.

Por fim, verifica-se que, decorridos seis meses, foi proferido despacho, considerando que, uma «vez que os presentes autos estão, por negligência exclusiva do autor, a aguardar impulso processual há mais de seis meses, declaro deserta, e, consequentemente, declaro a presente instância extinta - art. 281º., nº 1 e 277º., c) do Código de Processo Civil».

Contudo, reitera-se, não obstante esta «paragem do processo por mais de seis meses», não se verificou igualmente «um nexo de causalidade adequada» entre ela e uma «omissão culposa do ónus do impulso processual» que coubesse ao Autor (Manuel), conforme o impõe o nº 1 do art. 281º do C.P.C. para a verificação da deserção da instância (Ac. da RP, de 14.03.2016, Rita Romeira, Processo nº 317/06.0TBLSD.P1).

Com efeito, para «que haja lugar à deserção da instância, é indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não faça, nos termos e prazos que a lei impõe» (Ac. da RG, de 02.05.2016, Cristina Cerdeira, Processo nº 1417/10.8TBVCT-A.G1). Ora, aquela omissão de impulso processual, real, verificou-se, não na pessoa do Autor (Manuel, mas sim na secretaria: só esta estava encarregue por lei de promover o regular andamento dos autos, nomeadamente a célere e eficaz realização da citação da Interveniente Principal (Maria).

Assim, e face à sua omissão de impulso processual, caberia ao Tribunal a quo reagir à mesma, determinando-lhe a prática do acto omitido (v.g. citação da Interveniente Principal pelo consulado português da sua área de residência, em França), ou convidando então expressamente o Autor (Manuel) a pronunciar-se sobre a conveniência da prática de outra diligência prévia que se lhe afigurasse preferível (v.g. confirmação da residência actual da Interveniente Principal na morada antes indicada por ele).

Concluindo, cabendo o ónus do impulso processual, no caso dos autos, à secretaria, deveria o Tribunal a quo ter posto termo à omissão do seu cumprimento, nomeadamente determinando-lhe a prática do concreto acto devido.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando que no caso dos autos nem mesmo estava verificado o primeiro pressuposto da deserção da instância (encontrar-se o processo, há mais de seis meses, sem o necessário impulso processual, devido pelo Autor).
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4.2.2.2. Negligência do Autor (na omissão de prévio impulso processual devido)

Concretizando novamente, verifica-se que, tendo o Tribunal a quo entendido de outro modo (considerando que recaía sobre o Autor o ónus de impulsionar os autos, nomeadamente de diligenciar pela efectiva citação da Interveniente Principal), entendeu ainda que apenas «por negligência do autor» o processo se encontraria «a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Logo, não só julgou estar o Autor (Manuel) efectivamente onerado com um dever de acção, como julgou imputar-se a negligência sua a falta de cumprimento daquele.

Contudo, e salvo novamente o devido respeito pela sua opinião contrária, reafirma-se aqui, «de forma impressiva, que a ´solução final` (extinção da instância, por deserção) que se pretende dar ao processo, não pode ser sentenciada sem sujeitar a contraditório o que objectivamente resulta dos autos».

Com efeito, e ainda «que possam existir casos em que o contraditório prévio se mostre, aparentemente (em face de elementos dos autos), desnecessário e inútil - tanto por a negligência ser já patente, como por ser evidente a falta dela -, mesmo em tais hipóteses, há (sempre) que admitir que possa ter acontecido algo que, num plano de normalidade, não se entrevê, pelo que há que conceder ao ´visado` a possibilidade de o explanar» (Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1, com bold apócrifo, seguindo de perto o Ac. da RC, de 06.07.2016, Maria João Areias, Processo nº 132/11.0TBLSA.C1).

Deveria, assim, o Tribunal a quo, previamente à decisão que proferiu, ter sujeitado ao crivo do contraditório do Autor (Manuel) o seu presumido juízo (de que se deveria à sua negligência a respectiva omissão de impulso do processo nos últimos seis meses).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando que no caso dos autos não estava igualmente verificado o segundo pressuposto da deserção da instância (dever-se a falta, por mais de seis meses, do devido impulso processual a negligência do Autor).
*
Mostra-se, pois, totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (Manuel).
*
V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor (Manuel), e, em consequência:

· em revogar o despacho recorrido (que julgara deserta a instância), devendo a acção prosseguir os seus ulteriores e normais trâmites.
*
Custas da apelação pelos Réus (Maria e marido, D. C.) (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
*
Guimarães, 31 de Outubro de 2018.

Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha