Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
16/10.9TBAMR.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
VÍCIOS DA SENTENÇA
CONTRADIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGAD IMPROCEDENTE
Sumário: Os fundamentos de facto que, de forma clara e inteligível, sejam conducentes logicamente à decisão proferida não configuram qualquer nulidade da sentença, por contradição, obscuridade ou ambiguidade.
Decisão Texto Integral:

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Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

Proc. n.º 16/10.9TBAMR.G1


I - P e A vieram propor contra C S.A., J e JS a presente acção com processo comum e forma ordinária, pedindo a condenação destes a pagarem ao Autor a quantia de € 50.000,00 ( cinquenta mil euros ), acrescida dos juros de mora vencidos no montante de € 1.556,16, e vincendos até efectivo e integral pagamento.
Fundamentaram esta sua pretensão no facto de o administrador da sociedade Ré, J, ter asseverado ao Autor que aquela lhe pagaria a quantia de 50.000 € e que tendo já falado com o outro administrador (ambos) garantiam pessoal e solidariamente o seu bom pagamento, em troca da renúncia dele ao exercício do direito de preferência e ao arrendamento relativo ao Quintal da Casa ou Quinta do Eirado que, a Ré ou os Réus, pretendiam adquirir e de uma outra apalavrada compra do denominado “Eido de Cima”, ao que ele acedeu, com tudo isso tendo, posteriormente, o Réu Silvério concordado pessoalmente, e que o negócio por aqueles visado foi feito em 2006.
O Réu JS contestou, aceitando a generalidade do alegado pelos Autores, alegando apenas, em sua defesa, que o negócio se destinava à Ré C SA, nunca ele se tendo negado a pagar aos Autores a quantia em causa na qualidade de administrador de Ré C SA.
Por seu turno, a Ré C SA apresentou contestação, declarando aceitar a decisão que for proferida pelo Tribunal.
O Réu J contestou, impugnando, por falsa, toda a matéria alegada na petição, alegando que era ele próprio o arrendatário da parte rústica dos prédios que adquiriu, não tendo ele solicitado fosse o que fosse ao Autor. Relativamente ao documento nº 2 junto com a petição inicial declarou não se recordar de alguma vez o ter assinado, “sendo certo que a letra do mesmo constante não foi feita pelo seu punho”.
Os Autores replicaram, impugnando, por falso, o alegado pelo Réu J e aceitando a confissão de factos feita pelo Réu JS.
O Réu JS apresentou ainda tréplica.
Os autos prosseguiram e efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu:

Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a Ré C SAa pagar ao Autor a quantia de 50.000 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 05.03.2009 até efectivo pagamento;
b) Absolvo os Réus J e JS do pedido contra cada um deles formulado.

Inconformada a ré interpôs recurso cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
Determina o artigo 607.º, n.º 4, do CPC que “na fundamentação da sentença (…) o juiz toma em consideração os factos que estão admitidos por acordo ou confissão das partes”;
ii.- Os factos alegados nos artigos 16.º, 17.º, 19.º e 20, da Petição Inicial, e 35.º e 37.º, da Réplica, foram (ou) confessados (vide, artigos 1.º, 2.º e 3.º da contestação de JS e artigo 33.º da Réplica) ou admitidos por acordo (vide, artigos 35.º e 37.º da Réplica e 1.ºa 9.º da Tréplica) pelo Réu JS, razão pela qual deveriam ter sido, ainda que com o limite ao interesse deste último, declarados provados – cfr., artigos 46.º, 574.º, n.º 2, 587.º, n.º 1, 607.º e n.º 4, do CPC; 490.º, n.º 2, e 505.º, do Código de Processo Civil pregresso; 352.º, 255.º, n.º 2, e 356.º, n.º 1, do Código Civil;
iii.- Isto é, deveria ter sido considerado provado que o Réu JS, conforme confessado ou admitido (por acordo) pelo próprio, garantiu pessoal e solidariamente o pagamento da quantia de € 50 000,00 aos Autores;
iv.- Ainda que os factos confessados ou admitidos por acordo tenham também por objecto factos/actos/vontade não só imputáveis ao confitente, tal não obsta à eficácia da confissão, desde que restringida ao interesse do confitente, atento que o litisconsórcio entre os Réus é voluntário – cfr., artigo 353.º, n.º 2, do Código Civil; artigos 30.º, n.º 3, e 32.º do Código de Processo Civil;
v.- A omissão de considerar provado que o Réu JS garantiu pessoal e solidariamente o pagamento da quantia de € 50 000,00 aos Autores consubstancia, por violar o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, uma nulidade que expressamente se argui;
vi.- A selecção da matéria de facto feita pelo Tribunal «a quo» ao abrigo do disposto no artigo 511.º, do Código de Processo Civil pregresso, não faz caso julgado formal;
vii.- Considera a Recorrente que foram incorrectamente julgados os factos referidos nas alíneas F) e G) matéria de facto julgada provada;
viii.- Impunham decisão diversa da recorrida o depoimento da testemunha Joaquina (constante da gravação da audiência final, realizada através do sistema integrado de gravação digital e que se encontra disponível na aplicação informática em uso no Tribunal «a quo», depoimento este prestado entre as 14 horas, 56 minutos e 49 segundos e as 15 horas, 28 minutos e 41 segundos, do dia 8 de Janeiro de 2014; ficheiro 20131204095606_21434_64135), mais concretamente às passagens do 5.º minuto até ao segundo 25 do minuto 6.º, e do minuto 43.º ao minuto 44.º do referido depoimento, e a prova testemunhal resultante do depoimento da testemunha Daniel (constante da gravação da audiência final, realizada através do sistema integrado de gravação digital e que se encontra disponível na aplicação informática em uso no Tribunal «a quo», depoimento este prestado entre as 15 horas, 49 minutos e 30 segundos e as 16 horas, 22 minutos e 16 segundos, do dia 8 de Janeiro de 2014; ficheiro 20131204095606_21434_64135), mais concretamente à passagem do 24.º minuto até ao minuto 25.º do referido depoimento, testemunhas as quais, mostrando conhecimento directo dos factos e demonstrando a propriedade das razões de ciência do referido conhecimento, foram peremptórias em assinalar que, ainda antes do ano de 2004, o Autor já não era arrendatário do prédio rústico denominado “Quinta do Eirado” ou “Quintal da Casa”;
ix.- Atento o exposto, entende a Recorrente que o Tribunal «a quo» deveria ter dado como provado, atentos dos depoimentos referidos, que “Aquando da negociação pelo Réu Fernando Silva do prédio rústico denominado “Quinta do Eirado” ou “Quintal da Casa”, que culminou na aquisição referida em D), o Autor já não era arrendatário do mesmo”;
x.- No que respeita aos factos constantes da alínea G) dos factos provados, impunha decisão diversa da recorrida a inexistência de prova quanto aos referidos factos, seja testemunhal, documental ou outra (a prova testemunhal não teve por objecto os referidos factos; o depoimento prestado pelo autor não pode ser atendido em ordem à prova de qualquer dos factos constantes da dita alínea, uma vez que os mesmos não lhe são desfavoráveis – cfr., artigos 452.º, CPC; 352.º, 355.º e 356.º, do Código Civil; do depoimento prestado pelo Réu JS, e do afirmado pelo Autor nos respectivos articulados - vide, nomeadamente, artigo 19.º da petição - resulta que o conhecimento do mesmo sobre o aludido acordo é indirecto e tem por fonte o próprio Autor; de toda a maneira, de acordo com a assentada, o Réu JS não confessou os factos constantes da alínea G) dos factos provados – vide, acta da Audiência de Julgamento -, pelo que está fora de causa a existência de prova por confissão dos referidos factos; por último, o documento junto a fls. 311 é apenas apto a provar, no caso de se considerar que não foi impugnado, o que não se aceita, que o Réu J deve € 50 000,00);
xi.- Por conseguinte, o Tribunal «a quo» deveria ter dado como não provado os factos constantes da alínea G) dos factos provados;
xii.- Modificada a matéria de facto de acordo com o entendimento ora pugnado pelos Recorrentes, surge evidente que a acção teria de ser julgada totalmente improcedente, uma vez que inexistindo prova da celebração do acordo, o pedido tem necessariamente de soçobrar;
xiii.- Ainda que assim não se entenda, considerados os factos constantes da alínea G), interpretados à luz do alegado pelos Autores (vide, artigos 15.º e 16.º da Petição), conclui-se que entre Autor e a aqui Recorrente foi celebrado um negócio do qual decorrem, para as partes, dois vínculos essenciais: a) a obrigação do Autor renunciar ao arrendamento e abandonar o Quintal, prescindindo direito de preferência na aquisição do “Quintal da Casa ou Quinta do Eirado e b) a obrigação da aqui Recorrente pagar, cumprida a obrigação do Autor, a quantia de € 50 000,00 a este último;
xiv.- Em ordem ao Autor ter direito à quantia de € 50 000,00, mister se tornava a demonstração que o mesmo havia renunciado ao arrendamento e abandonado o Quintal, prescindindo direito de preferência na aquisição do “Quintal da Casa ou Quinta do Eirado;
xv.- Sucede que os referidos factos, reveladores do cumprimento, pelo Autor, do acordo celebrado com Ré (vide, alínea G) dos factos provados), não foram julgados provados, pelo que não podem ser tidos por acontecidos;
xvi.- Constituindo tais factos pressuposto essencial da exigibilidade do direito dos Autores, a sua não demonstração acarreta necessariamente a inexigibilidade do direito do Autor e, em consequência, a ilegalidade da condenação da Ré;
xvii.- Os factos essenciais de uma qualquer causa de pedir somente se podem considerar demonstrados se integrados no elenco dos factos provados; não pertencendo a este elenco, os factos devem ter-se por não acontecidos e, em consequência, não pode a decisão de direito alicerçar-se nos mesmos;
xviii.- Por conseguinte, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal «a quo», entre outros, as disposições previstas nos artigos 406.º e 762.º, do Código Civil;
xix.- Por outro lado, ao contrário do alegado na douta sentença, não houve, na situação em apreço, qualquer acordo entre a Recorrente, na pessoa do administrador da sociedade Ré J, em renunciar ao arrendamento e abandonar o Quintal, prescindindo do direito de preferência na aquisição do “Quintal da casa ou Quinta do Eirada”, a troco de uma compensação, pela Ré, correspondente à quantia de € 50.000,00 (al. G) dos Factos Provados);
xx.- O Réu Jnão subscreveu o documento cuja cópia foi junta a fls. 32, com original junto a fls. 311;
xxi.- Aliás, a tal conclusão, com o devido respeito, se pode chegar pelo depoimento de parte do Réu J, do depoimento da testemunha Francisco e do depoimento de parte do Autor/Recorrido P, mas também da prova junta aos autos;
xxii.- O Réu J, impugnou o referido documento, bem como a assinatura.
xxiii.- Resulta da contestação do Réu J que apesar de este ter mencionado que “não se recorda de alguma vez ter assinado o «documento» junto à Petição Inicial sob o n.º 2”, diz ainda que “a letra do mesmo constante não foi feita do seu punho” e que “impugna-se, desta forma, a letra e o conteúdo do documento supra referido”;
xxiv.- Assim, o referido Réu e administrador da aqui Recorrente ao impugnar a letra e o conteúdo do documento, está a impugnar todo o teor do mesmo, inclusive a assinatura e, como tal, ao contrário do alegado na douta sentença não houve qualquer reconhecimento tácito de dívida por aquele, não sendo a assinatura verdadeira;
xxv.- A isto acresce que, o Réu J alegou que “a letra do mesmo constante não foi feita do seu punho”, que ao contrário do alegado na douta motivação da douta sentença afigura-se relevante, uma vez que o próprio Autor/Recorrido P no seu depoimento de parte mencionou ter sido o mesmo o autor dos dizeres constantes do referido documento;
xxvi.- O Autor/Recorrido não só deu a entender como também disse que a letra do documento era sua, logo o mesmo preencheu os dizeres constantes do indicado documento, alegada “confissão de dívida”;
xxvii.- Assim, o facto de o recorrido ter mencionado que a letra constante do referido documento é sua e que o Réu J mencionou que a mesma não foi feita pelo seu punho, sempre se dirá que, caso se entenda que a assinatura é deste Réu, o que não ficou provado, sendo que o Recorrido não provou que a assinatura era deste Réu, nem houve tal concretização no seu depoimento de parte;
xxviii.- Além disso, do depoimento de parte do Recorrido P claramente se depreende, caso se considere que a assinatura é do referido Réu, o que não se aceita, tem de se ter em conta que quando houve a assinatura não estava escrito os dizeres constantes do documento junto aos autos com o original a fls. 311, onde o Recorrido mencionou que escreveu os mesmos, e, como tal, tem de se ter em conta a vontade da pessoa que assinou;
xxix.- In casu, ficou demonstrado que houve viciação material do documento;
xxx.- Do alegado documento entendeu o tribunal recorrido condenar a Recorrente quando, por um lado, a assinatura não é do Réu J, mas também, por outro lado, não houve a observância da forma de obrigar a sociedade que é a assinatura de dois administradores, uma vez que não se tratava, se fosse o caso de a assinatura ser do Réu J de um acto de mero expediente;
xxxi.- A sociedade Recorrente só se vincula com a assinatura de dois administradores, o que não se verificou na situação em apreço e, tendo o tribunal recorrido constatado tal facto, devia ter absolvido a Recorrente do pedido;
xxxii.- Tão pouco se pode aceitar que o Réu JS concordou verbalmente “em nome da Ré, com os termos do mencionado acordo” (al. H) dos factos provados), uma vez que para haver condenação da Recorrente é necessário haver a assinatura conjunta dos dois administradores e menção dessa qualidade, o que não consta do documento junto aos autos;
xxxiii.- Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal Recorrido não fez a mais correcta interpretação, subsunção e aplicação dos artigos 27.º e 28.º da antiga Lei do Arrendamento Rural (Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro) e artigos 374.º, 376.º, 378.º do Código Civil.
xxxiv.-Sendo certo que, para o eventual exercício de direito de preferência, se é que o mesmo estivesse em causa, o que não se aceita, nem o mesmo ficou provado, teria de se ter em conta, neste caso, a antiga Lei do Arrendamento Rural (Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro).
xxxv.- Determina o artigo 28.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, que assiste direito de preferência, “no caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato”. Por outro lado, o artigo 27.º do mesmo diploma prevê que quando “a cessação do contrato de arrendamento ocorrer por causa não imputável ao arrendatário, este goza do direito de preferência nos contratos de arrendamento celebrados nos cinco anos seguintes”.
xxxvi.- Claramente se constata que se estivesse em causa um direito de preferência, o que não se aceita, nem tal ficou provado, há muito que havia caducado o exercício desse direito, uma vez que está ultrapassado o prazo de cinco anos.
xxxvii.- Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal «a quo», entre outras, as disposições previstas nos artigos 374.º e 375.º, do Código Civil; 27.º e 28.º da antiga Lei do Arrendamento Rural (Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro); 409.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais.

Os recorridos apresentaram contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
A) O Autor marido é natural de Amares, onde reside, exercendo, principalmente, nesta Comarca e no respectivo distrito judicial, há mais de trinta anos, a sua profissão de Advogado (A) dos Factos Assentes)
B) O Autor marido adquiriu, através de partilha de bens de seus pais, diversos prédios rústicos, que formam a “ Quinta da Pena”, sitos na freguesia de B…, deste concelho. (B) dos Factos Assentes)
C) Os prédios dos Autores confinam com o prédio rústico, denominado “Quinta do Eirado” ou “Quintal da Casa”. (C) dos Factos Assentes)
D) O Réu J adquiriu a H, por escritura pública celebrada em 13.02.2006, o prédio identificado em C) (nº 1-A da BI – cópia certificada de fls. 330 e 331)
E) Até 17.08.2006, data em que foi apresentada a registo a respectiva transformação em sociedade anónima, a Ré era uma sociedade por quotas, que tinha como gerentes os Réus J e JS; a partir da aludida data, os referidos Réus passaram a integrar o Conselho de Administração, composto por um presidente e um vice-presidente (certidão permanente da Ré C S.A)
F) Aquando da negociação pelo Réu J do prédio rústico denominado “Quinta do Eirado” ou “Quintal da Casa”, que culminou na aquisição referida em D), o Autor era arrendatário do mesmo (nº 1 da BI)
G) Antes da aquisição da Quinta do Eirado pelo Réu J, no contexto de bom relacionamento que mantinha com os Réus J e JS, o Autor acordou com a Ré, na pessoa do gerente da sociedade Ré, J, em renunciar ao arrendamento e abandonar o Quintal, prescindindo do direito de preferência na aquisição do “Quintal da Casa ou Quinta do Eirado”, a troco de uma compensação, pela Ré, correspondente à quantia de € 50.000,00 (nºs 2, 3, 4, 5 e 7 da BI)
H) Posteriormente, o Réu JS, quando confrontado pelo Autor com a cópia do documento junto a fls. 311, datada de 19/05/2006 referente ao aludido compromisso, concordou, em nome da Ré, com os termos do mencionado acordo (nº 8 da BI)
I) Apesar de instado nesse sentido, o Réu J recusa, quer pessoalmente, quer em nome da Ré, pagar ao Autor, a quantia acordada de 50.000,00 euros (nº 9 da BI)
J) O Autor, por carta dirigida à Ré em 05.03.2009, solicitou que esta honrasse o compromisso referido em G) (art. 25º da petição, não impugnado pela Ré).

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Nulidade da sentença
A recorrente alega que a sentença é nula, uma vez que nos termos do disposto no artigo 607º n.º 4 do Código de Processo Civil , não se considerou como provado que “ o réu JS garantiu pessoal e solidariamente o pagamento da quantia de € 50.000,00 aos autores.
As nulidades da sentença estão previstas no artigo 615º do Código de Processo Civil.
O alegado pela recorrente não consubstancia qualquer das nulidades aí previstas.
A recorrente alega que a omissão de considerar provado que o Réu JS garantiu pessoal e solidariamente o pagamento da quantia de € 50 000,00 aos Autores consubstancia, a violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC.
Como resulta da sentença, a mesma especificou quais os factos provados e não provados bem como fundamentou a convicção do julgador, nos termos do disposto no artigo 607º do citado código.
Depois, a sentença analisando a matéria de facto provada, analisou o pedido formulado pela autora à luz do direito. Os fundamentos de facto conduziriam à decisão, não se verificando qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem qualquer vício de raciocínio que tenha levado a uma decisão em sentido oposto àquele que deveria ter sido, atenta a matéria de facto dada como provada.
Também não se verifica qualquer ambiguidade que torne a sentença ininteligível.
Entendemos assim, que não se verifica nulidade da sentença, mas que tal matéria diz respeito à impugnação da matéria de facto.

Impugnação da matéria de facto.
A recorrente impugna a matéria de facto dada como provada nas alíneas g) e f) da sentença.
Invoca como elementos de prova que conduziriam a uma resposta diversa os depoimentos das testemunhas Joaquina da Silva Duarte, Daniel Machado de Sousa, e a ausência de prova em relação à alínea g).
A parte que pretender impugnar a matéria de facto tem que cumprir determinados ónus, sob pena da rejeição do recurso.
Tais ónus do recorrente consistem em, de acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 640 do Código de Processo Civil (cfr, na jurisprudência, embora no domínio do Código revogado, mas inteiramente aplicável ao código actual, os acórdãos do S.T.J. de 7/07/2009 e do TRP de 20/10/2009, entre outros, ambos acessíveis em www.dgsi.pt):
- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (que deverá referir na motivação do recurso e nas conclusões), mencionando o sentido em que, no seu entender, o tribunal deveria ter decidido relativamente a cada um dos concretos pontos de facto impugnado (ver o actual art. 640 n.º 1 al. a) e c) do C. P. Civil);
- fundamentar as razões da discordância, referindo os concretos meios probatórios em que fundamenta a impugnação ( actual art. 640 n.º 1 al. b) do C. P. Civil);
- quando se baseie em depoimentos testemunhais que tenham sido gravados, indicar os depoimentos em que se funda, indicando com exactidão as passagens da gravação em que se fundamenta, sem prejuízo da possibilidade de proceder à respectiva transcrição (indicação exacta dos trechos da gravação, com referência ao que tenha ficado assinalado na acta, diz Abrantes Geraldes na sua obra Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Dec-Lei n.º 303/07 de 24 de Agosto, pág. 136, Almedina, Fevereiro de 2008).
Conforme consta da sentença o tribunal recorrido não fundamentou a sua convicção apenas nos depoimentos destas testemunhas. Para além destes depoimentos foram considerados outros depoimentos, bem como os documentos juntos aos autos.
É entendimento dominante na jurisprudência que a convicção do julgador, firmada no principio da livre apreciação da prova (artigo 607 n.º 5 do Código de Processo Civil), só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando fundamentada em provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou então quando afronte as regras da experiência comum.
Pretende a recorrente que os factos dados como provados nas alíneas f) e g) sejam dados como não provados.
Também quanto ao facto de o réu JS ter confessado ou admitido (por acordo) pelo próprio, que garantiu pessoal e solidariamente o pagamento da quantia de € 50 000,00 aos Autores, dir-se-á que o mesmo aceitou na sua contestação que o fez em nome da recorrente.
Conforme consta dos autos, nesta matéria na sua contestação a ré nada disse (não impugnou qualquer facto) e o réu JS representante da mesma aceitou tal facto.
Perante a posição da ré no que respeita à matéria alegada na petição, em que não impugnou os factos que foram alegados, não pode agora em sede de recurso vir dizer que tais factos não foram admitidos por si.
O que está em causa em que a actuação dos réus se processou em nome da recorrente.
Por outro lado, o Réu JS disse que “não se recorda de alguma vez ter assinado o “documento” junto à petição inicial com o nº 2” o que, nos leva a concluir como o tribunal recorrido quando refere que tal “equivale a dizer que não sabe se a assinatura ali aposta lhe pertence, acrescentando, de seguida, “sendo certo que a letra do mesmo constante não foi feita pelo seu punho”, o que se mostra irrelevante dado que a letra da declaração inserida nesse documento não lhe é imputada pelo Autor”.
E se efectivamente a declaração contida no documento não é atribuída ao Réu J, o facto é que o mesmo o assinou não podendo deixar de ser relevante o facto de o ter assinado.
No que respeita ao depoimento das testemunhas referidas pela recorrente, conforme consta da decisão, respeitante à matéria de facto, o tribunal recorrido não lhe deu credibilidade.
A testemunha Joaquina demonstrou grande hostilidade para com o autor, tendo deposto de forma contrária a todos os depoimentos prestados.
Por outro lado, o acordo foi admitido na contestação e ficou demonstrado que o recorrido deixou os prédios
Os documentos existentes nos autos (nomeadamente a assinatura do que consta a fls. 32 e 311, não foi impugnada) também foram decisivos para a convicção do tribunal recorrido.
Ouvido os depoimentos das testemunhas referidas não vemos quaisquer razões para que essa convicção seja alterada.
Depois, o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção noutros depoimentos, nomeadamente o da testemunha Maria, João que disse que em 2005/06, o recorrido era arrendatário
Atenta a matéria de facto provada a acção teria que ser julgada procedente, nos termos em que consta da sentença recorrida.
O que está em causa é saber se os recorridos eram ou não arrendatários à data e celebraram o acordo com a recorrente.
Nessa matéria o depoimento de parte do Réu JS corrobora a versão apresentada pelo Autor, e a testemunha João (trabalhador agrícola desde há mais de 30 anos na Quinta da Pena) disse que a exploração do terreno em causa pelo Autor se manteve até 2005/2006, durante pelo menos dois anos após a desactivação da vacaria do Autor, tendo sido ele próprio a enfardar o último feno cultivado no “Quintal da Casa” a mando do Autor .
Efectivamente foi celebrado com o recorrido e com os gerentes da recorrente, um acordo que a ré não cumpriu – factos sob a alínea e) , f), h) e i) .
Não está em causa apurar os pressupostos do direito de preferência do recorrido, nem era isso que estava em causa nos presentes autos, mas sim o direito do autor em ver cumprido o acordo que celebrou com a recorrente.
Improcede, deste modo, o recurso.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida
Custas pela apelante
Guimarães, 15 de Janeiro de 2015.
Conceição Bucho
Antero Veiga
Maria Luísa Duarte