Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2372/18.1T8VRL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
CÁLCULO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
No cálculo da indemnização por incapacidade temporária, a retribuição anual a atender é o produto de 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de Natal e de férias e de outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade, sem que acresçam valores correspondentes a subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de duração de incapacidade superior a 30 dias, se for este o caso.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrada I. M., patrocinada pelo Ministério Público, e responsável X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., foi proferida sentença, onde se diz, além do mais:

«II – Mostram-se provados os seguintes factos:
1. A autora, em Abril de 2018, exercia a actividade de auxiliar de saúde para o “Centro Hospitalar de …, E.P.E”.
2. No dia 10 de Abril de 2018, cerca das 11 horas, no Hospital de …, quando se encontrava no desempenho das suas funções, ao serviço e cumprindo ordens da sua referida empregadora, a autora ao proceder à transferência de um doente da cadeira para a cama, sentiu, por via do esforço então efectuado, dores na perna esquerda, sofrendo as descritas e examinadas no relatório médico-legal elaborado pelo GML de fls. 54 a 56 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
3. Como consequência directa e necessária daquele evento, a autora esteve:
i) com incapacidade temporária absoluta (ITA) no período compreendido entre os dias 12/04/2018 a 14/09/2018 (156 dias); e
ii) com incapacidade temporária parcial de 10% (ITP 10%) entre 15/09/2018 a 26/11/2018 (73 dias).
4. As mencionadas lesões, após consolidação, ocorrida em 26/11/2018, determinaram à autora uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 1,00%.
5. A autora auferia, á data do acidente, uma retribuição mensal de €580,00, acrescida da quantia de €104,94 a título de subsídio de alimentação e valores variáveis pagos em função de trabalho suplementar que regularmente prestava.
6. A entidade empregadora havia transferido para a aqui ré, X -Companhia de Seguros, S.A., a sua responsabilidade infortunística de natureza laboral, através de um contrato de seguro titulado pela apólice nº. 8289544, com base numa retribuição anual de €9.478,18 [€580,00 x 14 meses) + (€104,94 x 11 meses de subsídio de alimentação) + (€15,68 x 13 meses respeitantes à média de valores pagos a título de trabalho suplementar).
7. A autora recebeu da ré/seguradora a quantia de €2.903,45 a título de indemnização por IT,s.
8. A autora despendeu, com transportes e alimentação, ocasionadas/determinadas pelo presente processo, a quantia de €50,00.
9. Na tentativa de conciliação, realizada na fase não contenciosa deste processo, a autora e a ré/seguradora aceitaram [a] a existência e circunstâncias do participado e descrito sinistro e a sua caracterização como acidente de trabalho; [b]o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas e descritas; [c] as lesões/sequelas e períodos de incapacidade temporária (ITs) sofridas, em consequência do mesmo; [d] a atribuída desvalorização e respectivo grau de que (aquele) ficou afectado: IPP de 1%; [e] o valor das reclamadas despesas de transporte e alimentação no valor de €50,00.
10. A ré/seguradora aceitou a retribuição relevada transferida no valor anual de €9.478,18.
11. A autora não vem recebendo qualquer quantia a título de pensões provisórias.
12. A autora nasceu a - de Abril de 1979.
(…)
Perante essa assente factualidade, como supra já referido, a questão a decidir nos autos (objecto de discórdia), compreende tão só, e apenas, aferir qual o valor do cálculo da indemnização pelas IT,s sofridas pela autora/sinistrada como consequência directa e necessária do acidente de que foi vítima, cujos períodos contam do ponto 3º i) e ii) dos factos provados.
(…)
Resulta provado que à autora com períodos de It,s superiores a 30 dias e que, a esse título, lhe foi paga, a quantia de €2.903,45..

Nos termos supra expostos para cálculo das It,s , a sinistrada tem direito:

- €2.835,66, correspondente ao total da indemnização que lhe é devida pelo período de ITA – 156 dias [€9.478,18 x 70% : 365 x 229 dias]; e
- €132,69, correspondente ao total da indemnização que lhe é devida pelo período de ITP de 10% – 73 dias [€9.478,18 x 70% : 365 x 10% x 73 dias].
Totalizando a quantia de €2.968,35. Como já recebeu a quantia de €2.903,45, tem a receber da entidade seguradora a diferença, ou seja, €64,90 [€2.968,35 - €2.903,45].
(…)
V. - DECISÃO.
Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente, por não provada a acção (na parte que foi objecto de litígio) e, em consequência:
(…)
2. – Condenar a ré seguradora “ X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, a pagar à sinistrada:
(…)
b)- a quantia de €64,90 (sessenta e quatro euros e noventa cêntimos), a título de indemnização/diferença por IT´s., acrescido de juros, à taxa legal, desde do dia seguinte ao do acidente e até integral pagamento;
(…)»

A sinistrada, inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1ª) De acordo com a disciplina normativa inscrita na LAT, o cálculo da indemnização por ITs tem sempre por base a retribuição anual do sinistrado, tal como enunciada na LAT: produto de 12 vezes a sua retribuição mensal, acrescida de subsídio de férias e de Natal e outras prestações anuais a que tenha direito com carácter de regularidade (cfr. seu artº 71º, nº1 e 3);
2ª) Devendo na incapacidade temporária superior a 30 dias ser paga, em acréscimo, a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do nº 3 do artº 48º (cfr. seu artº 50º, nº3);
3ª) Resultado interpretativo esse decorrente directamente do texto dos citados incisos legais, que nenhuma contradição evidenciam, antes se compatibilizam, denotando opção do legislador nesse sentido (que deles emana);
4ª) Sabido sendo que em sede de interpretação jurídica não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. artº 9º, nºs 2 e 3 do C.Civil);
5ª) Só se devendo recorrer à interpretação correctiva “quando a fórmula normativa é tão mal inspirada que nem sequer consegue aludir com uma clareza mínima às hipóteses que pretende abranger e, tomada à letra, abrange outras que decididamente não estão no espírito da lei” e à interpretação revogatória ou ab-rogante “quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável” (v. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1989, p. 186);
6ª) Tendo o acidente de trabalho dos autos determinado à Autora/sinistrada IT superior a 30 dias, o cálculo da correspondente indemnização constante da proposta de acordo formulada na tentativa de conciliação realizadas na fase não contenciosa do processo e replicado na petição inicial teve em consideração a atrás referida disciplina normativa (e o nela contemplado acréscimo referente ao período excedente a 30 dias);
7ª) Sucede que o Sr. Juiz recorrido, desaplicando os comandos insertos nos arts 71º, nºs 1 e 3 e 50º, nº3 da LAT, procedeu ao cálculo da indemnização por ITs devida à Autora/sinistrada, sem relevação do acréscimo estatuído na última das indicadas normas;
8ª) Ponderação essa fundada em errada interpretação da disciplina vertida, de forma coerente e não contraditória, nos citados preceitos legais e de que resultou a atribuição à Autora/sinistrada de valor de indemnização por ITs inferior à que dela, imperativamente, decorre;
9ª) Em face do exposto, deverá proceder-se à revogação, na aqui questionada parte, da douta sentença recorrida e à sua substituição por outra que determine e atribua à Autora/sinistrada a indemnização por ITs que, nos termos do disposto nos atrás citados normativos da LAT, lhe é devida, em função dos respectivos tipos e períodos de duração (com relevação do acréscimo prescrito no seu artº 50º, nº3).»

Não foi apresentada resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, a única questão que se coloca a este Tribunal é a do cálculo da indemnização por incapacidade temporária superior a 30 dias.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que resultam do Relatório supra.

4. Apreciação do Recurso

Antes de mais, importa salientar que este Tribunal da Relação de Guimarães, ultimamente, foi chamado a apreciar a questão em apreço em diversos recursos, tendo a jurisprudência do mesmo se mostrado dividida durante algum tempo.

Assim, pronunciou-se em diversos arestos no sentido ora sustentado pela Apelante, designadamente nos seguintes relatados pela ora Relatora, com excepção do primeiro:

- Acórdão desta Relação de Guimarães de 6 de Dezembro de 2018, proferido no processo n.º 399/16.7T8BGC.G1;
- Acórdão desta Relação de Guimarães de 7 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 1223/16.6T8BGC.G1;
- Acórdão desta Relação de Guimarães de 21 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 142/18.6T8BGC.G1;
- Acórdão desta Relação de Guimarães de 21 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 1617/17.0T8BGC.G1;
- Acórdão desta Relação de Guimarães de 24 de Abril de 2019, proferido no processo n.º144/17.0T8BGC.G1;
- Acórdão desta Relação de Guimarães de 24 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 123/18.0T8BGC.G1;
- Acórdão desta Relação de Guimarães de 19 de Junho de 2019, proferido no processo n.º 182/18.5T8BGC.G1.

Nestas decisões foi acolhido o seguinte entendimento:

“No cálculo da indemnização por incapacidade temporária, a retribuição anual a atender é o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade; e, quando a incapacidade for superior a 30 dias, acrescem os valores correspondentes aos subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo da sua duração.”

Não obstante, nos Acórdãos de 26 de Setembro de 2019, proferidos nos processos n.ºs 286/18.4T8BCL.G1, 328/18.3T8BGC.G1 e 628/16.7T8BGC.G1, inverteu-se tal posição e acolheu-se o entendimento perfilhado nos demais arestos desta Secção Social sobre a questão sub judice.

Com efeito, estabelece o regime de reparação de acidentes de trabalho, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, no que agora releva:

Artigo 48.º
Prestações
1 - A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho destina-se a compensar o sinistrado, durante um período de tempo limitado, pela perda ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
(…)
3 - Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, este tem direito às seguintes prestações:
(…)
d) Por incapacidade temporária absoluta - indemnização diária igual a 70 % da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75 % no período subsequente;
e) Por incapacidade temporária parcial - indemnização diária igual a 70 % da redução sofrida na capacidade geral de ganho.
(…)

Artigo 50.º
Modo de fixação da incapacidade temporária e permanente
1 - A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.
(…)
3 - Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º

Artigo 71.º
Cálculo
1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
(…)

Ora, à luz deste enquadramento normativo, afiguram-se mais convincentes os argumentos favoráveis ao entendimento de que, no cálculo da indemnização por incapacidade temporária, a retribuição anual a atender é o produto de 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de Natal e de férias e de outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade, sem que acresçam valores correspondentes a subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de duração de incapacidade superior a 30 dias, se for este o caso.

A título meramente exemplificativo, veja-se a fundamentação explicitada no Acórdão desta Relação de 26 de Setembro de 2019, proferido no processo n.º 1586/17.6T8BGC.G1:

“Importa saber se no cálculo das indemnizações por incapacidades temporárias superiores a 30 dias, deve, além da consideração do vencimento anual (salário mensal x 14), considerar-se ainda mais dois subsídios de férias e de natal nos termos do artigo 50º, 3 da LAT.
Em alguns acórdãos tem este tribunal entendido que a indemnização em causa deve ser calculada tendo em conta o salário referido no artigo 71º da LAT, norma que define qual o salario a atender.
Defendemos esta posição no Ac. desta relação nº 1617/17.0T8BGC.G1, nos seguintes termos:
“A interpretação que se seguiu conduz em nosso entender a resultado que não pode ser sufragado.
Tendo em conta o anterior regime, onde constava norma em tudo idêntica, o nº 3 do 43 do DL n.º 143/99, de 30 de Abril que regulamentou a L. 100/97, julgamos não ter não ter estado na mente do legislador a alteração do modo de cálculo das prestações devidas por incapacidades temporárias. Daí a idêntica previsão nestas normas.
Contudo o atual artigo 71º não acompanhou o artigo 26º, 1 da L. 100/97.
O Projeto de Lei n.º 786/X/4ª, Separata do DAR, n.º 104, de 30-05-2009, na exposição de motivos dá nota de que “ A regulamentação específica que se propõe não visa romper com o regime jurídico estabelecido quer pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quer pelo Decreto-lei n.º 248/99, de 2 de Julho, quer mesmo pelas disposições normativas constantes no anterior Código do Trabalho entretanto revogadas, mas sim proceder a uma sistematização das matérias que o integram, organizando-o de forma mais inteligível e acessível, e corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente.”
Mais adiante dá nota das alterações não se referenciando em nenhum dos itens os critérios de cálculo das incapacidades temporárias, ainda mais no sentido de adicionar não dois subsídios mas quatro.
O resultado da interpretação seguida é que as indemnizações por incapacidades temporárias após 30 dias, passa a ser calculada com base num salário irreal, ou seja, passa a ser calculado com base no salário anual, já incluídos subsídios de férias e de natal, acrescido de mais dois subsídios (mais um de férias e um de natal), em desconformidade com a realidade e sem que resulte da LAT qualquer fundamento aceitável para tal facto.
Se o legislador tivesse pretendido majorar a indemnização tê-lo-ia feito no artigo 48º da LAT, o local próprio para o efeito, onde o faz no nº 3, al. d) relativamente à incapacidade temporária absoluta superior a 12 meses.

Sendo que tal consideração (de mais dois subsídios fictícios) implica violação das normas relativas à responsabilidade - pelo salário real, tomando como referência um salário não transferido – veja-se a apólice uniforme - artigo 10º:

Retribuição segura
1. A determinação da retribuição segura, ou seja, do valor na base do qual são calculadas as responsabilidades cobertas por esta apólice, é sempre da responsabilidade do tomador de seguro, e deverá corresponder, tanto na data de celebração do contrato como em qualquer momento da sua vigência, a tudo o que a lei considera como elemento integrante da retribuição, incluindo o equivalente ao valor da alimentação e da habitação, quando a pessoa segura a estas tiver direito, bem como outras prestações em espécie ou dinheiro que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar a pessoa segura por custos aleatórios, e ainda os subsídios de férias e de Natal.
O legislador, na norma em apreço, nº 3 do artigo 50 da LAT, não expressou devidamente o seu pensamento.
A questão surge porque na lei anterior se referia no artigo 26º da lei 100/97 (atual 71), que " as indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária, ou na 30.ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta represente retribuição normalmente recebida pelo sinistrado."
A nova lei não contém norma idêntica, referindo que a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
E entende-se por retribuição anual, conforme nº 3 do artigo 71º, o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de natal e de férias, e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com caráter de regularidade.

Noutro passo o atual legislador fez constar do artigo 50ª:

Modo de fixação da incapacidade temporária e permanente
1 - A indemnização por incapacidade temporária é paga em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados, e começa a vencer-se no dia seguinte ao do acidente.
2 - A pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
3 - Na incapacidade temporária superior a 30 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas d) e e) do n.º 3 do artigo 48.º

Norma idêntica à do artigo 43º do D.L. 143/99, que tinha a seguinte redação:

Modo de fixação das pensões por incapacidade e indemnizações
1 - As pensões respeitantes a incapacidade permanente são fixadas em montante anual.
2 - As indemnizações por incapacidades temporárias são pagas em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados.
3 - Nas incapacidades temporárias superiores a 15 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 17.º da lei.

Ao alterar o modo de fixação da indemnização pelo primeiro período de incapacidade temporária (agora 30 dias), passando a considerar-se o salário anual, que inclui os subsídios de férias e natal, o nº 3 do normativo queda sem sentido, já que o correspondente aos subsídios se encontra já coberto.
Atente-se em que o nº 3 do artigo 50, está em contradição quer com o artigo 71º da LAT quer com o artigo 10º da apólice uniforme. ´

Ora, o que seja a “retribuição atendível” para efeitos de cálculos indemnizatórios por danos decorrentes de sinistros laborais, encontra-se regulado no artigo 71º, onde se refere que a indemnização é calculada com base na retribuição anual, e tal como a define no seu nº 2.
Está regra é postergada pela aplicação do nº 3 do artigo 50º.
Será caso de interpretação abrogativa do citado nº 3, já que contraria o princípio da correspondência entre dano e a indemnização, no que tange ao salário a atender, contradizendo ainda como vimos o disposto no artigo 71º, da mesma LAT, que tange ao mesmo assunto (salário a atender).
Assim aquele nº 3, mantido ao que julgamos por lapso, dado o modelo anterior, não pode ser entendido como pretendendo regular a matéria objeto de regulamentação no artigo 71º, e contradizendo este, deve ser objeto de interpretação abrogativa.
E não se diga que se pretende estabelecer um modo de pagamento, similar ao que ocorre nas incapacidades permanentes (catorze vezes ao ano). É que o modo de pagamento consta do artigo 72º, e como parece manifesto não se pretendeu neste normativo majorar as indemnizações. Assim é que as pensões embora pagas catorze vezes ao ano, o são fruto da divisão da pensão anual por catorze. O facto de o pagamento ocorrer 14 vezes ao ano não altera o valor da indemnização, são catorze como podiam ser doze, mais ou menos, o valor é fixado anualmente de acordo com o salário que resulta do artigo 72º.
Sendo o pagamento das temporárias ao mês, a questão do pagamento de subsídios não se coloca, já que recebe o valor por inteiro (calculado com base no salário anual onde já estão incluídos os subsídios).
A pretender-se que nas temporárias receba também subsídios por ocasião destes, teria a lei então que determinar um modo de pagamento semelhante ao do artigo 72º para as incapacidades permanentes, seja, um pagamento ao mês de acordo com a fórmula; Valor mensal:14X12, pagando-se o valor resultante 14 vezes ao ano. Mas não foi essa a intenção, daí não se prever no artigo 72º tal tipo de pagamento para as temporárias.
Não pode é interpretar-se a lei de forma a ocorrer uma duplicação de indemnização, no caso duplicando os subsídios de férias e de natal.
E não se refira, reportando-se à suspensão do contrato nos termos do artigo 296º do CT, que “nestes casos os sinistrados apenas têm direito ao subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado (arts 263º-2 al.c) do CT), o que corresponde a uma perda ou redução da sua capacidade de ganho devido ao acidente. Redução da sua capacidade de ganho que decorre também do facto do sinistrado não receber a sua retribuição normal por força da sua incapacidade de trabalho” – ver contra alegações.
As normas de acidente de trabalho não visam regular os efeitos de eventual suspensão do contrato, e seria forma muito ínvia e deficiente (basta fazer as contas), de compensar qualquer perda a esse nível, quando o legislador o poderia fazer aumentado as percentagens do artigo 48º. Por outro, não vemos como pode falar-se em perda desses subsídios se o respectivo valor é considerado no cálculo. Questão diversa é o dos montantes indemnizatórios que resultam da aplicação das percentagens constantes do artigo 48º. A opção legislativa foi no sentido de limitar os montantes indemnizatórios, a que não foi alheio o facto de se tratar de responsabilidade pelo risco.”

Como quer que seja, por esta via ou por via corretiva, importa evitar o resultado a que conduz a aplicação do nº 3 do artigo 51º, em conflito com a norma do artigo 71º, que já considera os subsídios de férias e de natal, evitando-se a atribuição em duplicado.”

Na verdade, tendo presente que é ténue a fronteira entre interpretação correctiva e interpretação ab-rogativa, sendo esta lícita, concorda-se que a desconsideração do previsto no art. 50.º, n.º 3 é a solução que melhor se coaduna com a intenção do legislador e permite a consistência e coerência do sistema jurídico.

Assim, como se conclui nos Acórdãos desta Relação que a ora 1.ª Adjunta relatou em recursos tendo por objecto a mesma questão, por exemplo o de 12 de Setembro de 2019 no processo n.º 174/18.4T8BGC.G1, para cuja fundamentação integral se remete, “[e]m suma, sendo a indemnização por incapacidade temporária calculada com base na retribuição anual ilíquida do sinistrado, nela se incluindo a retribuição mensal vezes 12, acrescida dos subsídios de férias e de Natal, bem como de outras prestações anuais com carácter de regularidade, a base de cálculo da parte correspondente ao subsídios de férias e de Natal já ali se encontra contemplada, não existindo fundamento legal para proceder a um cálculo adicional para este efeito.”

Em face do exposto, e tendo em conta que a sentença recorrida procedeu ao cálculo da indemnização por incapacidades temporárias nos termos ora defendidos, e nessa estrita medida condenou o responsável a ressarcir a sinistrada, improcede necessariamente o presente recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo da isenção ou apoio judiciário de que beneficie.
Guimarães, 24 de Outubro de 2019

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

No cálculo da indemnização por incapacidade temporária, a retribuição anual a atender é o produto de 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de Natal e de férias e de outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade, sem que acresçam valores correspondentes a subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de duração de incapacidade superior a 30 dias, se for este o caso.

Alda Martins