Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
103/17.2T9CBT.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: ABUSO CONFIANÇA SEGURANÇA SOCIAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÂMBITO DE APRECIAÇÃO
REPETIÇÃO NOTIFICAÇÃO DO ART. 105º
N.º 4
AL. B)
DO RGIT
VERIFICAÇÃO CONDIÇÃO OBJETIVA PUNIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - A impugnação da matéria de facto dirige-se a sindicar o juízo probatório feito pela primeira instância, expresso na decisão sobre os factos provados e não provados, cabendo ao tribunal da relação confrontar esse juízo com a sua própria convicção.

II - Daí que não possa abranger factos que, no entender do recorrente, tenham resultado da discussão da causa e sejam relevantes para a mesma, mas sobre os quais o tribunal a quo não se pronunciou, não os dando nem como provados nem como não provados.

III – O mecanismo processual adequado a alcançar tal desiderato é a invocação da nulidade da sentença, prevista no art. 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, que também é de conhecimento oficioso.

IV - A repetição da notificação prevista no art. 105º, n.º 4, al. b), do RGIT é insuscetível de pôr em causa a verificação da condição objetiva de punibilidade decorrente da realização da primeira notificação, pelo que eventuais irregularidades relativas à segunda notificação são inócuas para que se tenha por verificada tal condição.

V - De todo o modo, a existência de uma disparidade entre o valor constante da segunda notificação e o valor que foi considerado como relevante para efeitos do crime de abuso de confiança jamais invalidaria que se tivesse por verificada a referida condição objetiva de punibilidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 103/17.2T9CBT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Competência Genérica de Celorico de Basto, foi proferida sentença, em 01-04-2019, a condenar os arguidos, “X, Lda.” e J. L., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos arts. 107º, n.º 1, e 105º, n.º 1, e, em relação à arguida pessoa coletiva também pelos arts. 6º e 7º, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), e pelo 30º, n.º 2, do Código Penal, nas penas de, respetivamente, 400 (quatrocentos) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz um total de € 3.200,00 (três mil e duzentos euros), e 24 (vinte e quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução nos termos dos arts. 50º, n.º 1, do Código Penal e 14º do RGIT, por igual período ao da sua duração, e condicionada ao pagamento da quantia de € 10.703,46 (dez mil, setecentos e três euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de acréscimos legais, no prazo de 5 (cinco) anos. Mais foi julgado procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante "Instituto da Segurança Social, I.P." contra os demandados “X, Lda.” e J. L., condenando-os no pagamento da referida quantia de € 10.703,46, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal prevista no art. 3.º, n.º 1, do DL n.º 73/99, de 16 de Março, com a alteração introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, desde a data dos respetivos vencimentos e até ao termo do prazo do arguido para contestar o pedido de indemnização civil, e vencidos e vincendos desde aquela data e até efetivo e integral pagamento, nos termos dos arts. 805º, n.º 3, 806º, 559º, todos do Código Civil.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido J. L., formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição[1]):

«Fundamentação do Recurso

- Verifica-se pela existência de erro na apreciação da prova;
- Deve ser dado com provado, da existência de 2ª Notificação pessoal datada de 14.05.2018, nos termos e para os efeitos do art. 105º, nº 4 alínea b) do RGIT e que nesta data, o valor em dívida relativo a quotizações constante desta 2ª notificação padeceu de erro;
- A 2ª Notificação pessoal para pagamento de valor em dívida da Segurança Social datada de 14.05.2018 e entregue nesta data ao arguido, nos termos e para os efeitos do art. 105º, nº 4 alínea b) do RGIT, substitui a 1ª Notificação pessoal de 29.10.2015;
- A errada ou incorreta notificação prevista no art. 105º, nº 4 b) do RGIT constituí um requisito essencial para a verificação da condição de punibilidade, impondo-se a absolvição do Recorrente pela não verificação dessa condição objetiva.

Com efeito,

A – Em 14 de Maio de 2018, a Segurança Social notificou o Recorrente pela 2ª vez, para, querendo, proceder ao pagamento, no prazo de trinta dias, das quantias em dívida e acréscimos legais, de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
B – O documento faz parte dos autos não tendo sido impugnado.
C – A 2ª notificação da segurança Social anulou os efeitos da primeira.
D – Valendo para todos os efeitos legais a 2ª Notificação, nomeadamente quanto à data, término do prazo para pagamento do valor constante no respetivo mapa discriminado junto em anexo.
E – O valor em dívida constante da 2ª Notificação padece de erro. Reconhece como dívida o montante de 10.094,70 Euros, quando na verdade a dívida correspondia a 8.877,19 Euros.
F – Caso existisse incerteza quanto ao momento do pagamento parcelar, o que não se concebe, sempre deveria baixar os autos a 1ª Instância, a fim de certificar esse momento.
G – Sem conceder, ao abrigo do disposto no art. 431º a) do CPP, impõe-se então proceder à alteração da matéria de facto constante da sentença recorrida e, nessa sequência, determinar que a factualidade relativa à efetivação da 2ª notificação de 14.05.2018 e da errónea quantificação do valor em dívida nesta data, passe doravante a figurar no item dos fatos provados.
H – Assim, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo considerar como factos provados os seguintes:
a) – Em 14 de Maio de 2018, a Segurança Social efetuou uma 2ª Notificação ao Recorrente, para proceder ao pagamento, no prazo de trinta dias, das quantias em dívida de quotizações no montante de 10.094,70 Euros e acréscimos legais, de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias;
b) - O valor em dívida relativo a quotizações constante do mapa discriminativo da 2ª Notificação de 10.094,70 Euros, não corresponde ao efetivamente devido em 14 de Maio de 2018 que era de 8.877,19 Euros.
I – Alterada que foi a matéria de fato como supra determinado, entendemos que a questão agora a decidir reconduz-se, assim, a saber de que modo a inexatidão constante da notificação afeta a regularidade da mesma e se repercute no preenchimento do crime.
J - O nº 4 do art. 105º do RGIT, prevê duas condições objetivas de punibilidade da conduta descrita no nº 1 do mesmo preceito legal.
a) – os factos apenas são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal para a entrega da prestação;
b) - os factos apenas constituem crime se a prestação comunicada à Autoridade Tributária através da correspondente declaração não for paga acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
L – Esta notificação destina-se a dar ao arguido uma faculdade excecional e extinção da responsabilidade criminal, a qual deve ser rigorosa, inteligível e corresponder à realidade fiscal do devedor, ou seja, a notificação deve conter:
- o prazo e consequência de pagamento
- o montante total das prestações em dívida e juros correspondentes devidamente individualizados
- montante da coima aplicável
M – A notificação efetuada ao Recorrente nos termos da al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT foi feita de forma irregular, pois na data em que este foi notificado para pagar 10.094,70 Euros, já tinha pago por conta deste montante a quantia de 1.217,51 Euros, o que reconduziu a dívida a 8.877,19 Euros.
N – Esta irregularidade foi conhecida em sede de audiência de julgamento, e nos termos do disposto no art. 129º, nº 2 do CPP, o meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, deveria ordenar oficiosamente a reparação desta irregularidade, porquanto a mesma pode afetar o valor do ato praticado.
O – Ao não existir notificação com o valor em divida correto, conclui-se pela falta de verificação de uma condição de punibilidade.
P – O que naturalmente obsta à punição do Recorrente pelo crime de abuso de confiança fiscal.
Q – Com efeito, o Recorrente não foi devidamente notificado, nos termos e para os efeitos da al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT e ao não o ser não lhe foi dada a possibilidade de poder vir a optar, de forma esclarecida livre e consciente, pelo cumprimento ou não, daquela notificação,
R – Podendo na primeira situação eximir a responsabilidade através do eventual pagamento, e assim sendo, não se mostrava preenchida aquela condição de punibilidade relativamente ao Recorrente, o que se traduzia na não punibilidade das apuradas condutas.
S – A condenação do Recorrente só deverá existir caso a notificação a que alude a al b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, tenha sido efetuada em conformidade com todos os requisitos supra referenciados.
T – Pois a exigida notificação constitui um requisito essencial para a verificação da condição de punibilidade, inevitavelmente se imporá a absolvição do Recorrente por ser manifesta a não verificação dessa condição objetiva de punibilidade plasmada na al b) do nº 4 do art. 105º RGIT.
U - Com efeito, toda a fundamentação da decisão e a respetiva valoração da prova produzida em Audiência de Julgamento subverteu os princípios fundamentais e estruturantes de um Estado de Direito.
V - A decisão recorrida viola o disposto na al. b) do nº 4 do art. 105 do RGIT, bem como o nº 2 do art. 129º do CPP, na medida em que, deveria ter sido conhecido da irregularidade da notificação e concluir pela falta de condição de punibilidade.
X – Além disso, a sentença recorrida não fez correta apreciação da prova, ao não considerar relevante a existência de uma 2ª notificação e não considerar ainda o erro grosseiro que padece esta notificação quanto ao valor real da dívida.
Z – Violando os seguintes normativos legais:
Art. 105, nº 4 al b) do RGIT, nº 2 do art. 374, al c) do nº 2 do art. 410 do CPP, por violação, incorreta interpretação, ou não aplicação das referidas normas jurídicas ao caso em apreço.

TERMOS EM QUE deverá conceder-se integral provimento ao presente Recurso, substituindo-se a douta Sentença recorrida por outra em que, aderindo-se aos argumentos supra expostos, absolva o Recorrente do crime de abuso de confiança fiscal.

Assim se fazendo inteira e sã Justiça!»

3. A Exma. Procuradora Adjunta respondeu à motivação do recorrente, entendendo que deverá ser negado provimento ao recurso, pelos fundamentos que sintetizou nas conclusões que a seguir se transcrevem:

«1. O abuso de confiança à segurança social implica o preenchimento de três elementos típicos: o agente tenha deduzido e retido o montante das contribuições das remunerações dos trabalhadores/membros dos órgãos sociais; não tenha entregado esse montante à Segurança Social; e tenha atuado dolosamente; ilícito que se consuma no termo do prazo legal da entrega da prestação (artigo 5.º, n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias).
2. A punibilidade da conduta está ainda dependente da verificação de duas condições de punibilidade: tenham decorrido mais de 90 dias do termo do prazo legal da entrega da prestação e esta não tenha sido paga, acrescida dos juros e da coima, no prazo de 30 dias após notificação (105.º, n.º 4, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infrações Tributárias).
3. Em sede de audiência apurou-se que a sociedade arguida, através do seu gerente, o ora recorrente, pagou salários aos trabalhadores e ao gerente, no período temporal constante da sentença, e não entregou à Segurança Social as quotizações deduzidas e efetivamente retidas, no valor global de € 10.094,70 (dez mil e noventa e quatro euros e setenta cêntimos) até ao dia 20 do mês seguinte àquele que respeitavam, como estava obrigada, nem nos 90 dias seguintes.
4. Mais se provou que recorrente e a sociedade, através dele, foi notificado pessoalmente em 29.10.2015 para proceder ao pagamento, querendo, das quantias em dívida e acréscimos legais, em 30 dias, o que não fez.
5. A descrita factualidade, dada como assente em sede decisória, foi livre e integralmente confessada pelo arguido, não sendo impugnada em recurso.
6. O objetivo da notificação do artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, não é dar a conhecer ao devedor quantias concretas, sendo antes uma oportunidade concedida ao agente de regularizar a sua situação tributária, querendo, liquidando os montantes devidos e eximindo-se à responsabilidade penal por um ilícito que, concretamente, já se consumou.
7. Ora, a benesse do legislador não se renova a cada notificação, sendo certo que, à data da segunda notificação, a tipicidade e a punibilidade da conduta se encontravam materializadas.
8. Sem prescindir, ainda que se considere a verificação da punibilidade da conduta somente com uma segunda notificação, a eventual incorreção dos montantes constantes não constitui qualquer irregularidade, sequer afetando o valor do ato praticado.»

4. Também o demandante civil, "Instituto da Segurança Social, I.P.", respondeu à motivação do recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição):

«1. No que concerne à Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro, o artigo 95º alterou a redação do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, passando a consagrar, na sua alínea b), que os factos só são puníveis se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
2. Ou seja, através desta norma foi introduzida uma nova condição objetiva de punibilidade pelo que em virtude do princípio da consideração da lei penal mais favorável, a aludida notificação foi efetuada. Só depois de constatada a ausência de pagamento no prazo fixado (30 dias), é que o processo prosseguiu os seus termos.
3. Só no caso de não ter sido efetuada aquela notificação é que estaria em causa a violação de quaisquer princípios legais aplicáveis
Acresce que,

4. A alteração legislativa referida não veio descriminalizar o facto – cfr neste sentido, entre outros, o Relação de Guimarães de 11/09/2007.
5. Na verdade, mesmo que o agente regularize a situação tributária no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito, o que não foi o caso da Recorrente, os factos não perdem a sua natureza ilícita, uma vez que o seu sancionamento se faz no âmbito do Direito de Mera Ordenação Social, nomeadamente através do pagamento da coima aplicável, nos termos do artigo 114º do RGIT.
6. No caso em apreço, a notificação a que alude o artigo 105 n.º 4 al. b) do RGIT foi remetida com a indicação dos montantes e inerentes juros de mora e do período temporal em causa.
7. É certo que no momento da elaboração da notificação, datada de 14 de maio de 2018, o recorrente já havia procedido ao pagamento de certas quantias.
8. De referir que, esses pagamentos foram refletidos no mapa de divida que serviu de base ao pedido de indemnização civil (aliás, basta confrontar esse mapa com o mapa das cotizações devidas referentes ao período descrito no despacho de acusação) bem como na resposta à contestação apresentada pelo arguido.
9. Ora, independentemente da aferição sobre a ausência de especificação/concretização do montante efetivamente devido, torna-se evidente que, à data em que não entregou a quantia devida, o recorrente tinha que estar ciente da cominação legal da sua conduta omissiva como crime de abuso de confiança, previsto por lei prévia.
10. A circunstância de – no seu entendimento – a notificação para pagamento não se encontrar devidamente fundamentada por não concretizada não invalida que aquele conhecesse o montante em débito e, consequentemente, que pudesse concluir que, caso não o entregasse, estaria a cometer o referido ilícito típico criminal.
11. Os arguidos são notificados apenas da possibilidade de, num prazo de 30 dias, efetuarem o pagamento de uma prestação em divida. A notificação é uma hipótese dada aos arguidos de liquidarem os montantes devidos, sendo que, para tal efeito, terão de diligenciar pela concretização desse mesmo pagamento e, posteriormente, comprovar o pagamento dos autos.
12. Ora, a notificação foi efetuada, mas os montantes nela constantes não foram questionados então pelo ora recorrente ou pelo seu mandatário que compareceu à diligência em que o arguido foi notificado de forma pessoal e presencial.
13. Numa situação similar impõe-se invocar o Acórdão da Relação de Guimarães, de 26.09.2011 (no âmbito do processo judicial n.º 2305/08.3 TAGMR).
14. Ora, de facto, foi cumprido a nova condição objetiva de punibilidade introduzida com a referida alteração legal.
15. A este propósito o Acórdão da Relação do Porto, de 06.01.2016 (no âmbito do processo judicial n.º 130/03.7 IDAVR.P1), o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.01.2015 (no âmbito do processo judicial n.º 735/09.2 TAOAZ.P1) e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06 de junho de 2012.
16. Assim, conforme decorre do Acórdão da Relação de Guimarães de 10-10-2016, no âmbito do processo judicial n.º 263/11.6IDBRG.G1, “Não está ferida de irregularidade a notificação do sujeito tributário nos termos do artº 105, nº 4, do RGIT, por não haver concretizado os valores que têm de ser pagos. É que o legislador quis conceder ao arguido uma última oportunidade de se eximir à responsabilidade criminal por via do pagamento das quantias devidas e da respetiva coima, sendo único ónus daquele inteirar-se dos valores, junto das entidades competentes”.
17. Deste modo, reunidos todos os elementos constitutivos do crime em causa, deverá haver lugar ao pagamento da indemnização devida por efetivos danos causados em consequência da conduta infratora relativa à não entrega, por decisão dos arguidos na qualidade de gerentes, das contribuições deduzidas e não entregues à segurança social.
18. E, assim, deverão os arguidos ser condenados ao pagamento da quantia de €10.703,46 acrescidos dos inerentes juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Termos em que, mantendo a douta sentença farão V. Exas a habitual JUSTIÇA.»

5. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, porquanto «(…) os factos que o recorrente pretende que sejam dados como provados não constam do elenco dos factos não provados. Não foi, pois, proferida qualquer decisão quanto aos mesmos (que não estavam descritos nem na acusação, nem na contestação), suscetível de ser impugnada por via de recurso, não sendo este o meio adequado para a introdução de factos novos no objeto do processo. Destarte, não havendo decisão, não se pode concluir que esta matéria foi incorretamente julgada, pelo que o Tribunal recorrido não pode ter incorrido em erro de julgamento. Por outro lado, pelos argumentos que constam da resposta do Ministério Público, (…), a introdução dos novos factos no elenco dos factos provados não tem a virtualidade que o recorrente pretende extrair de tal aditamento, ou seja, a falta da condição objetiva de punibilidade, prevista no art. 105º, n.º 4, al. b), do RGIT, (…). Nesta conformidade, não sofre a sentença, (…) do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (…), uma vez que os factos em questão não são relevantes para a decisão da causa».
6. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente respondeu a esse parecer, mantendo tudo quanto alegou em sede de recurso, em ordem a concluir-se que não foi devidamente notificado, nos termos e para os efeitos da al. b) do n.º 4 do art. 105º do RGIT, e, ao não o ser, não lhe foi dada a possibilidade de poder vir a optar, de forma esclarecida livre e consciente, pelo cumprimento ou não daquela notificação.
7. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Constitui entendimento pacífico que são as conclusões que definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando, assim, para o tribunal ad quem, as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam[2].

No caso vertente, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a apreciar são as seguintes:

a) - A impugnação da matéria de facto.
b) - A não verificação da condição objetiva de punibilidade prevista no art. 105º, n.º 4, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributárias.

2. DA SENTENÇA RECORRIDA

É do seguinte teor a fundamentação de facto da sentença recorrida (transcrição):
«Factos provados:

1. A arguida X, Lda. foi constituída em 19.12.2013 e tem como objeto social a confeção de vestuário em série.
2. Inscreveu-se no Instituto da Segurança Social, I.P. em 20.09.2013, com o NISS ….
3. O arguido J. L. é gerente da sociedade arguida X, LDA. desde 19.12.2013 e mantém esse cargo até à presente data.
4. O arguido J. L. tomava todas decisões atinentes à gestão da sociedade arguida, gerindo os pagamentos, recebimentos e contactos a clientes e fornecedores, a gestão das contas bancárias, a contratação de trabalhadores, o pagamento de salários, a autorização do gozo de férias, a justificação de faltas e a entrega no Instituto da Segurança Social, I.P. das declarações de remunerações e do valor das quotizações no período compreendido entre julho de 2014 a junho de 2015.
5. A arguida X, LDA., através do seu gerente, também arguido, nesse período temporal, exerceu a sua atividade e pagou os salários aos seus trabalhadores e a remuneração ao seu gerente.
6. Porém, não entregou no INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. as quotizações deduzidas e efetivamente retidas, nos seguintes montantes:

PeríodoQuotizaçõesQuotizaçõesTotal
11%11%
2014/07€ 1.164,16€ 53,35€ 1.217,51
2014/08€ 1.028,70€ 106,70€ 1.135,40
2014/09€ 702,90€ 53,35€ 756,25
2014/10€ 533,29€ 33,81€ 567,10
2014/11€ 840,40€ 55,55€ 895,95
2014/12€ 744,18€ 55,55€ 799,73
2015/01€ 659,20€ 64,81€ 724,01
2015/02€ 705,02€ 55,55€ 760,57
2015/03€ 746,48€ 55,55€ 802,03
2015/04€ 710,65€ 55,55€ 766,20
2015/05€ 721,23€ 55,55€ 776,78
2015/06€ 837,62€ 55,55€ 893,17
Total€ 9.393,83€ 700,87€ 10.094,70

7. Os arguidos sabiam que a entrega do valor das quotizações deduzidas nas remunerações dos trabalhadores e gerente devia ser efetuada entre os dias 10 e 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam, na proporção de 11% para trabalhadores e membros dos órgãos estatutários.
8. O valor global de quotizações retidas foi de € 10.094,70 (dez mil e noventa e quatro euros e setenta cêntimos).
9. Após ter descontado e retido as quotizações por determinação expressa do arguido gerente J. L., a sociedade arguida não entregou os montantes ao INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. até ao dia 20 do mês seguinte àquele que respeitava, como estava obrigada, nem nos 90 dias seguintes àquelas datas.
10. O arguido J. L. e a sociedade, através dele, foi notificado pessoalmente em 29.10.2015 para, em representação da X, LDA. querendo, proceder ao pagamento, no prazo de trinta dias, das quantias em dívida e acréscimos legais, de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, o que não fez.
11. O arguido agiu num contexto de dificuldades económicas, tendo optado por satisfazer os encargos financeiros da sociedade com pagamentos a fornecedores, clientes e trabalhadores, o que motivou a retenção de quotizações ao longo de todos os meses compreendidos no referido intervalo temporal.
12. O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de lesar o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. à custa da sociedade que com a sua conduta vinculava, obtendo uma vantagem patrimonial mediante a não entrega das contribuições retidas de modo atempado e integral no valor de € 10.094,70 (dez mil e noventa e quatro euros e setenta cêntimos), que fez ingressar no património da sociedade.
13. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e como crime.
14. Permanecem em dívida à SS as quotizações retidas descontadas nos salários pagos aos trabalhadores (11%), a quantia de € 8.877,19, acrescida de juros de mora no montante de € 1.744,35 (contados à data da apresentação do pedido de indemnização civil) e € 81,92 referente a juros de mora legais por pagamento fora do prazo legal das cotizações referentes ao mês 07-2014, num total de € 10.703,46.

Mais se provou que:

15. A sociedade arguida foi declarada insolvente por sentença datada de 25 de Fevereiro de 2019.
16. O arguido ainda continua a exercer a sua atividade de gerente na sociedade arguida auferindo o correspondente ao SMN.
17. É casado e a esposa também trabalha na sociedade arguida aferindo igualmente o correspondente ao SMN.
18. Tem 4 filhos maiores e independentes.
19. Vive com a esposa em casa da Mãe.
20. Tem o 11.º ano de escolaridade.
21. Reconheceu a prática de todos os factos que lhe eram imputados, manifestando arrependimento relativamente aos mesmos.
22. O arguido J. L. já foi condenado:
- por acórdão proferido em 12.11.2003 no processo comum coletivo n.º 82/97.0IDBRG do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de dois crimes de abuso de confiança fiscal em Abril de 1995 na pena de 210 dias de multa à taxa diária de € 5, pena esta extinta pelo pagamento em 16.02.2008;
- por sentença proferida em 26.11.2008 no processo sumaríssimo n.º 199/07.5TACBT do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de um crime de desobediência em 5 de Julho de 2006, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 3, pena esta extinta pelo pagamento em 21.09.2009;
- por sentença proferida em 09.12.2009 no processo comum singular n.º 207/07.0TACBT do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social em Julho de 2001 na pena de 320 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pena esta extinta pelo pagamento em 02.09.2013;
- por sentença proferida em 16.12.2015 no processo comum singular n.º 92/15.8IDBRG do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal em 18-08-2014 na pena de 10 meses de prisão suspensa por 1 ano condicionado ao pagamento no período da suspensão da quantia da prestação tributária em falta no valor de € 5.825,42, pena esta extinta pelo cumprimento em 30.01.2017;
- por sentença proferida em 7.03.2016 no processo comum singular n.º 74/14.7TACBT do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de um crime de abuso de confiança contra a SS em 19-03-2008 na pena de 17 meses de prisão suspensa por 17 meses condicionado ao pagamento no período da suspensão da quantia da prestação tributária em falta no valor de € 41.355,46; e
- por sentença proferida em 27-06-2017 no processo comum singular n.º 256/15.4IDBRG do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal em 17-11-2014 na pena de 10 meses de prisão suspensa por 1 ano condicionado regra de conduta de não praticar crime doloso no período da suspensão, pena esta extinta pelo cumprimento em 12-09-2018.
23. A sociedade arguida já foi condenada:
- por sentença proferida em 16.12.2015 no processo comum singular n.º 92/15.8IDBRG do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal em 18-08-2014 na pena de 100 dias de multa, num total de 1.000,00, pena esta extinta pelo cumprimento em 13.11.2017; e
- por sentença proferida em 27-06-2017 no processo comum singular n.º 256/15.4IDBRG do Tribunal Judicial de Celorico de Basto pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal em 17-11-2014 na pena de 120 dias de multa, num total de 1.080,00.
*
Com relevo para a decisão a proferir não ficaram por provar quaisquer factos.
*
Motivação

Os factos constantes da acusação e descritos em 1 a 13 resultaram provados com base nas declarações integralmente confessórias do arguido J. L., que assumiu a prática dos factos de que vinha acusado, esclarecendo que a não entrega das quantias em causa nos autos, referentes aos montantes devidos pelos trabalhadores à segurança social, ficou a dever-se a dificuldades económicas vivenciadas pela sociedade arguida “X,Lda.”. Justificou a não entrega de tais montantes com a necessidade de manter a empresa a laborar, sem deixar de pagar os vencimentos dos trabalhadores.
Para além disso, a prova da factualidade acima enunciada fez-se ainda com base na prova documental junta aos autos, a saber: Notificação de fls. 42 a 44; Notificação de fls. 46 a 48; Extrato de remunerações do arguido singular de fls. 72 a 80; Certidão de registo comercial da X, LDA, a fls. 82 a 86; Extrato de conta corrente de fls. 66 a 67; Declarações de remunerações a fls. 46 e 47; Recibos de vencimento dos trabalhadores, a fls. 110 a 117, 126 a 131 e 136 a 141; Declarações anuais de rendimentos para efeitos de IRS a fls. 118 e 119; Contrato de trabalho de trabalhadora, de fls. 120 a 121; Carta de fls. 141; e o Requerimento de prestações de desemprego de fls. 142 a 146.
O vertido em 14 ficou provado com base nas declarações confessórias do arguido, conjugadas com a prova documental acima enunciada e o depoimento absolutamente credível porque isento e objetivo de M. R. (técnica superior do Núcleo de Contribuições da Unidade de Prestação de Contribuições do Centro Distrital de …), que apenas conhece os arguido do exercício das suas funções e não pessoalmente, mas tão-só da consulta do sistema interno informático da SS e que esclareceu os montantes atualmente em dívida pelos arguidos tal qual foram plasmado no ponto dado como assente ora em apreço.
A facticidade descrita no ponto 15 foi dada como provada através da certidão permanente atualizada junta aos autos da sociedade arguida.
Quanto à situação pessoal do arguido J. L. (matéria vertida em 16 a 21), o Tribunal atentou e valorou as declarações do arguido as quais mereceram credibilidade, inexistindo razões para as desacreditar.
Finalmente, quanto aos antecedentes criminais dos arguidos (pontos 22 e 23), foram valorados pelo Tribunal os respetivos certificados de registo criminal juntos aos autos a fls. 305 a 314.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - Da impugnação da matéria de facto

O recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, com fundamento na existência de erro de julgamento, traduzido em o tribunal a quo não ter dado como provado, com base no documento junto por si em audiência, que em 14 de maio de 2018, a Segurança Social lhe efetuou uma 2ª notificação, para proceder ao pagamento, no prazo de trinta dias, das quantias em dívida a título de quotizações, no valor de € 10.094,70 e acréscimos legais, e que esse valor não corresponde ao efetivamente devido naquela data, que era de € 8.877,19.

3.1.1 - Nos termos do art. 428º do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência, os tribunais da relação conhecem não só de direito mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto, sendo que uma das vertentes admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento.
Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Tal erro pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.

De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 374º, a fundamentação da sentença consta, nomeadamente, da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
Por seu lado, em face do disposto no art. 368º, n.º 2, a enumeração dos factos provados e não provados traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua aprecia­ção e sobre os quais a decisão terá de incidir, isto é, sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização, e ainda sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado da discussão da causa.
Dispõe expressamente o n.º 4 do art. 339º que a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.
A enumeração dos factos provados e não provados revela aqueles que foram efetivamente considerados e apreciados pelo tribunal e sobre os quais recaiu um juízo de prova.

3.1.2 - No caso vertente, a factualidade impugnada pelo recorrente não consta do elenco dos factos provados nem dos não provados.
Assim, como pertinentemente assinala a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, a pretensão do recorrente não é suscetível de ser alcançada através da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sob pena de se estar a permitir a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso, face às provas produzidas perante o tribunal a quo.
Não é esse o fundamento do recurso sobre a matéria de facto, o qual, conforme jurisprudência constante[3], não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
A impugnação da matéria de facto dirige-se, pois, à sindicância do juízo probatório feito pela primeira instância, expresso na decisão sobre os factos provados e não provados, cabendo ao tribunal da relação confrontar esse juízo com a sua própria convicção.
Daí que não possa abranger factos que, no entender do recorrente, tenham resultado da discussão da causa e sejam relevantes para a mesma, mas sobre os quais o tribunal a quo não se pronunciou, não os dando como provados nem como não provados.

Assim temos vindo a decidir noutros processos[4], aderindo ao entendimento perfilhado, nomeadamente, nos acórdãos da Relação de Évora de 22-11-2011 e de 26-04-2016[5].

Nesse primeiro aresto pode ler-se o seguinte:

«Embora constituam objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e ainda os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil (cf. art. 124.º do CPP) e em julgamento, sem embargo do regime aplicável à alteração dos factos (art. 358.º e 359.º), a discussão da causa tenha por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os art. 368.º e 369.º do CPP, a impugnação da matéria de facto não pode extravasar os limites vertidos na sentença ou acórdão e que, em obediência ao disposto no n.º 2 do art. 374.º do mesmo diploma, hão de ser enumerados na sentença, sob pena de nulidade.

Se a sentença não enumera factos, que eventualmente resultaram da discussão da causa e tinham relevância para a decisão, essa omissão não pode ser suprida por uma reapreciação da prova pelo tribunal de recurso. Não foi essa a solução processual querida pelo legislador. A motivação do recurso não é o meio adequado para introduzir factos novos no objeto da ação penal.

(…)
Assim, não se pode dizer que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento da matéria de facto que o recorrente visa aditar, pois o tribunal só pode incorrer em erro de julgamento nesta matéria, quando julga mal factos concretos invocados por um dos sujeitos processuais e sobre os quais houve deliberação e votação, nos termos do art. 368.º do CPP.

A impugnação da matéria de facto pressupõe, pois, que os factos submetidos à apreciação do tribunal superior tenham sido apreciados na 1.ª instância e, como tal, tenham sido enumerados na decisão de que se recorre, seja nos factos provados, seja nos não provados.»

Este entendimento foi sancionado no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, em cujo acórdão, de 21-03-2012[6], foi aduzido, nomeadamente, o seguinte:

«Quando, então, impugne a decisão proferida ao nível da matéria de facto tal impugnação faz-se por referência à matéria de facto efetivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspetiva interessada, não equidistante, com o devido respeito, em relação àquilo que o tribunal tem para si como sendo a boa solução de facto, entende que devia ser provada.

Por isso, segundo os termos da lei, a impugnação é restrita à “decisão proferida“, e realmente prolatada, e não a qualquer realidade virtual, de sobreposição da sua convicção probatória, pessoal, intimista e subjetiva, à convicção desinteressada formada pelo tribunal.»

Assim, também o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que a impugnação ampla da matéria de facto se restringe à matéria vertida na fundamentação factual da sentença, nos termos previstos no art. 374º, n.º 2, só podendo incidir sobre os factos provados ou não provados.

Tendo essa interpretação normativa sido submetida ao crivo do Tribunal Constitucional, com vista a aferir se a mesma punha em causa a garantia do direito de defesa, designadamente do direito ao recurso de uma sentença condenatória, foi proferido o acórdão n.º 312/2012[7], em que se decidiu «a) Não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 410.º, n.º 1, 412.º, n.º 3, e 428.º, conjugados com os artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objeto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objeto da prova produzida na 1ª instância, que o Recorrente-arguido sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida; (…)».

Como se refere neste último aresto, «Isto não quer dizer que a falta de consideração pela sentença recorrida de factos abordados na discussão da causa, não fazendo recair sobre eles um juízo de prova, não deva ser passível de reação pelo arguido, de forma a assegurar na plenitude os seus direitos de defesa (vide sobre a importância do tribunal incluir na lista dos factos provados e não provados os factos relevantes para a decisão da causa, mesmo que apenas tenham sido referidos em julgamento, SÉRGIO POÇAS, em “Da Sentença Penal – fundamentação de facto”, na Revista Julgar, Setembro-Dezembro 2007, págs. 24-25).
Mas o mecanismo processual que possibilite essa reação não passa necessa­riamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de recurso que ajuíze, em primeira mão, se os factos omitidos, face à prova produzida, resultaram demonstrados, sendo suficiente que o arguido tenha a possibilidade de invocar a nulidade resultante da respetiva omissão de pronúncia, cabendo ao tribunal de recurso verificá-la e determinar o seu suprimento pelo tribunal de 1.ª instância.
Esse meio de reação encontra-se, aliás, previsto no artigo 379.º, do Código de Processo Penal, que no n.º 1, a), sanciona com a nulidade a sentença que não conte­nha as menções referidas no n.º 2, do artigo 374.º, onde consta a enumeração dos factos provados e não provados, o que inclui aqueles que resultaram da discussão da causa (artigo 368.º, n.º 2), devendo essa nulidade ser arguida ou conhecida em recurso, sem prejuízo do tribunal recorrido a poder suprir (n.º 2, do artigo 379.º)».
Pelo exposto, conclui-se que a impugnação da matéria de facto apenas poderá incidir sobre os factos (provados e não provados) que constam da sentença recorrida e não sobre quaisquer outros.

Por conseguinte, no caso vertente, tendo o recorrente lançado mão da impugnação ampla da matéria de facto, improcede a sua pretensão em ver aditados à matéria provada factos resultantes da discussão da causa, em seu entender relevantes para a decisão da mesma, mas sobre os quais o tribunal a quo não se pronunciou, não emitindo um juízo de prova.

3.1.3 - Como vimos, o mecanismo processual adequado a alcançar tal desiderato seria a invocação da nulidade da sentença, prevista no art. 379º, n.º 1, al. a), traduzida na omissão das menções referidas no n.º 2 do art. 374º, ou seja, in casu, a inclusão de determinados factos como provados com relevo para a decisão da causa e resultantes da discussão da mesma.
Conquanto o recorrente não tenha invocado tal nulidade, de acordo com a jurisprudência largamente maioritária[8], que se nos afigura ser de seguir, as nulidades da sentença previstas no art. 379º, n.º 1, são de conhecimento oficioso.
Com efeito, com a alteração do Código de Processo Penal operada em 1998, esse artigo foi reformulado, aditando-se a al. c) do n.º 1, bem como o n.º 2, cujo teor é o seguinte: «As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414º».
A expressão inovadora “ou conhecidas em recurso” deve ser entendida no sentido do conhecimento oficioso dessas nulidades, justificando-se o afastamento do regime do processo civil que, diversamente do penal, é enformado pelo princípio da livre disponibilidade das partes.
Esse n.º 2 do art. 379º veio consagrar para as nulidades da sentença um regime específico, sem necessidade de reporte ao art. 119º, que estabelece o elenco das nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento.
Compreende-se essa diferenciação de regimes, porquanto as nulidades da sentença distinguem-se claramente das nulidades do processo, uma vez que estas “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de atos processuais[9].
Em processo penal, as nulidades da sentença são as que constam do citado art. 379º, n.º 1, ao passo que as nulidades processuais se traduzem na violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal (cf. art. 118º).
Prescrevendo a lei em relação a alguns desses atos processuais o regime das nulidades insanáveis, mal se compreenderia que, em caso de incumprimento do estabelecido para o ato decisório por excelência, que é a sentença, o conhecimento da respetiva nulidade não fosse oficioso.
Acresce que também não se compreenderia a diferença de tratamento entre os vícios da decisão previstos no art. 410º, n.º 2, que são de conhecimento oficioso[10], e as nulidades da sentença previstas no art. 379º, n.º 1, sendo que a justificação para a defesa da posição de cognição oficiosa daqueles se aplica também a estas.
Com efeito, o cerne da fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, que consagrou o entendimento do conhecimento oficioso dos vícios previstos no art. 410º, n.º 2, é o de o ordenamento jurídico não aceitar, em princípio, que os tribunais criminais se contentem com uma verdade formal, dissociada da realidade, e tenham de, como é imperativo legal e de consciência, procurar, na medida possível, averiguar a verdade material.
Cumpre, pois, averiguar se é de concluir no sentido de a sentença recorrida padecer da referida nulidade, com fundamento na omissão de menção dos factos invocados pelo recorrente, por os mesmos deverem ser considerados relevantes para a decisão da causa, o que nos remete já para a análise da segunda questão supra elencada.

3.2 – Da não verificação da condição objetiva de punibilidade prevista no art. 105º, n.º 4, al. b), do RGIT

3.2.1 - Dispõe o art. 105º, n.º 4, al. b), do RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de junho), relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, mas aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social por força da remissão do art. 107º, n.º 2, do mesmo diploma, que os factos só são puníveis se “a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito”.

Com esta alínea, introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, o legislador visou «evitar a proliferação de procedimentos criminais, a melhoria da eficiência do sistema, bem como distinguir em lei expressa o comportamento do arguido cumpridor das suas obrigações declarativas perante a administração fiscal e a segurança social daqueles outros que ocultam tal informação, por não serem atuações com a mesma valoração criminal».
Através do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2008[11], o Plenário das Secções Criminais do STJ pôs termo à controvérsia gerada a respeito da interpretação de tal preceito, fixando jurisprudência no sentido de que «A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redação introduzida pela Lei 53-A/2006, configura uma nova condição objetiva de punibilidade que, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo (alínea b) do n.º 4 do art. 105.º do RGIT)».

Pode ler-se na fundamentação desse aresto que «Suportados na letra da lei, mas fazendo apelo a um critério teleológico na sua interpretação e com plena consciência de que o direito criminal se dirige à proteção de valores, ou bens jurídicos, não vislumbramos uma outra intenção do legislador que não a de evitar a criminalização de condutas que podiam ter um mero tratamento de natureza administrativa. Então, a denominada proliferação de inquéritos será evitada dando àquele que assumiu a sua obrigação declarativa perante a administração fiscal a possibilidade de regularizar a sua situação tributária. Os elementos teleológico e histórico convergem, assim, em abono de uma interpretação segundo a qual o legislador terá pretendido descriminalizar o facto nos casos em que, tendo havido declaração da prestação não acompanhada do pagamento, este vem a ser efetuado após intimação da Administração para que o «indivíduo» regularize a sua situação tributária.
Pretendeu-se alcançar tal objetivo fazendo surgir para administração fiscal a obrigação de notificar o contribuinte em mora (e não em falta de declaração) e para este a condição de pagamento do montante em falta como condição de não acionamento do procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança fiscal. (…)
A alteração legal produzida, repercutindo-se na punibilidade da omissão e ligada, de forma inextricável, ao tipo de ilícito, é, todavia, algo que é exógeno ao mesmo tipo. (…)
As condições objetivas de punibilidade são, assim, circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o atuar antijurídico importe consequências penais.(…)».
Posto isto, é incontroverso que, a acrescer à verificação da outra condição objetiva de punibilidade, prevista na al. a) do mesmo preceito (decurso de mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação), somente após o não pagamento, no prazo de 30 dias, após notificação para o efeito, da prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, é que estão verificados todos os pressupostos indispensáveis para que a punição se possa desencadear-se.

3.2.2 - No caso presente, encontra-se dado como provado, no ponto 10, que «O arguido J. L. e a sociedade, através dele, foi notificado pessoalmente em 29.10.2015 para, em representação da X, LDA. querendo, proceder ao pagamento, no prazo de trinta dias, das quantias em dívida e acréscimos legais, de acordo com o disposto no n.º 4 do art. 105º do Regime Geral das Infrações Tributárias, o que não fez».
Tal facto, admitido pelo arguido em audiência de julgamento, deriva do teor dos documentos juntos a fls. 42 a 48, dos quais também consta que o valor em dívida à Segurança Social, referente ao período de julho de 2014 a junho de 2015, era de € 10.094,70, respeitante às quotizações retidas dos salários pagos aos trabalhadores naquele período, a que acresciam juros de mora.
Em face de tal factualidade, mostra-se verificada a condição objetiva de punibilidade em questão.
Invoca, no entanto, o recorrente a existência de uma segunda notificação, que lhe foi efetuada em 14-05-2018, em nome próprio e também na qualidade de legal representante da sociedade arguida, juntando, para prova do alegado, os documentos que juntou em audiência e que se encontram a fls. 315 a 317.
Tratam-se de duas certidões de notificação pessoal do recorrente, com indicação expressa do art. 105º, n.º 4, al. b), do RGIT, uma em nome próprio e outra na qualidade de legal representante da sociedade arguida, “para, no prazo de 30 dias, pagar ou apresentar prova de ter pago o valor das quotizações em dívida à Segurança Social”, acrescentando que “se não for recebida prova do pagamento nos próximos 30 dias, o procedimento criminal irá prosseguir contra o contribuinte” que “o montante em dívida dependerá da data do pagamento”, que “o valor das quotizações retidas e não entregues à Segurança Social é de € 10.094,70, sendo que a esse valor somam-se os juros de mora e a(s) coima(s) aplicável(is)” e ainda que “o cumprimento da presente notificação pode determinar o eventual arquivamento do processo de inquérito atualmente em curso”.

O recorrente chama à colação essa segunda notificação para invocar que o valor em dívida nela indicado, coincidente com o constante da primeira notificação (€ 10.094,70), não é o correto, na medida em que só estavam em dívida € 8.877,19, por já ter pago € 1.217,51, concluindo, assim, pela invalidade da notificação efetuada em segundo lugar e, consequentemente, pela falta de verificação da condição objetiva de punibilidade prevista no citado preceito legal.
Antes de mais, note-se que as referidas certidões de notificação juntas aos autos não se mostram assinadas pela pessoa a notificar, mas apenas pela inspetora instrutora do processo.
Todavia, muito possivelmente tal dever-se-á ao facto de se tratarem de duplicados das certidões entregues ao notificado, tendo o original, assinado por este, ficado em posse do Instituto da Segurança Social.
De todo o modo, partindo do pressuposto de que tais notificações tiveram lugar (facto que não é posto em causa por qualquer outro sujeito processual nas respostas ao recurso), o certo é que não se lhes pode atribuir o efeito pretendido pelo recorrente.
Em primeiro lugar porque, contrariamente ao sustentando por este, a realização de uma segunda notificação, repetindo, no essencial, o teor da primeira, não implica a anulação ou a perda dos efeitos derivados desta, regularmente efetuada.
Na verdade, tratou-se apenas de um ato de todo dispensável, através do qual a entidade tributária concedeu uma nova oportunidade ao sujeito tributário de regularizar a situação, pagando a quantia em dívida, o que, refira-se, no caso em apreço, ele não fez.
A nosso ver, essa repetição da notificação é insuscetível de pôr em causa a verificação da condição objetiva de punibilidade decorrente da realização da primeira notificação e da subsequente omissão por parte do sujeito tributário do pagamento da prestação tributária.
Por conseguinte, eventuais irregularidades relativas à segunda notificação são inócuas para a verificação da condição objetiva de punibilidade prevista na al. b) do art. 105º do RGIT, com a consequente irrelevância da realização da mesma para a decisão da causa.
Por outro lado, e ainda que assim não fosse, o certo é que a existência de uma disparidade entre o valor constante na notificação efetuada ao arguido nos termos do art. 105º, n.º 4, al. b) do RGIT (€ 10.094,70, acrescido dos juros legais e da coima aplicável), e o que foi considerado como relevante para efeitos do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social em causa nos autos (€ 8.877,19, igualmente acrescido dos juros legais e da coima), jamais invalidaria que se tivesse por verificada a condição objetiva de punibilidade aí estabelecida.
Com efeito, não perfilhamos o entendimento do recorrente, que considera essencial a indicação, na notificação, dos valores exatos a pagar, antes sufragando a orientação que, em sentido contrário, defende que a lei não exige a menção expressa de tais montantes na notificação realizada[12].
Na verdade, a não se entender assim, sempre que da prova produzida resultasse uma redução do valor considerado em dívida na acusação, haveria que concluir no sentido da não verificação da condição objetiva de punibilidade, o que seria absurdo.
Aquilo que o legislador pretendeu foi que se concedesse ao sujeito tributário uma derradeira oportunidade de se eximir à responsabilidade criminal, procedendo ao pagamento das quantias devidas e da coima aplicável, sobre ele incidindo o ónus de se inteirar dos valores exatos em dívida junto da autoridade tributária.
Ao arguido que esteja interessado em efetuar o pagamento caberá diligenciar junto dessa entidade pelo apuramento do montante exato em dívida e do total a pagar, sendo certo que o valor das prestações retidas e não pagas serão do seu conhecimento, porque as declarou, o mesmo sucedendo com eventuais pagamentos parcelares que entretanto tenha efetuado.
Daí que seja defensável o entendimento de que a notificação em apreço não se destina a dar conhecimento ao sujeito tributário, com exatidão, das prestações ainda em dívida, uma vez que ele próprio delas terá conhecimento, mas sim conceder-lhe uma nova oportunidade para pagar, agora já com os juros de mora respetivos e o valor da coima aplicável, a fim de se eximir à sua responsabilidade criminal.
Decisivo para a verificação da condição objetiva de punibilidade é que o arguido não venha a ser condenado por falta de pagamento de prestações tributárias em relação às quais não lhe foi dada a oportunidade de proceder à respetiva regularização, o que, manifestamente, não é o caso dos autos.
Aliás, importa realçar que a condição de punibilidade não reside, em si mesma, no conteúdo concreto da notificação efetuada pela entidade tributária, mas sim na atitude que o contribuinte toma perante ela, liquidando ou não as quantias em dívida.
Inexiste, pois, qualquer razão para não considerar validamente preenchida a condição objetiva de punibilidade posta em causa pelo recorrente, em relação às prestações em função das quais os arguidos foram condenados, por as notificações efetuadas ao abrigo do disposto no art. 105º, n.º 4, al. b), do RGIT não padecerem de qualquer irregularidade.
Donde emerge a conclusão de que a aludida discrepância entre os valores indicados na segunda notificação e os efetivamente devidos também não assume relevância para a decisão da causa, o que arreda a existência de qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

Pelo exposto, improcede o recurso.

III - DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J. L., confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

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Guimarães, 11 de novembro de 2019

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(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)



1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator.
2. - Conforme jurisprudência uniformizada pelo acórdão n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995).
3. - Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
4. - Com os NUIPC 134/16.0GAVFL.G1 (disponível em http://www.dgsi.pt.), 129/17.6T9PRG.G1 e 108/18.6GAEPS.G2.
5. - Proferidos nos processos, respetivamente, 130/10.0JAFAR.E1 e 371/14.1TATVR.E1, disponíveis em http//www.dgsi.pt.
6. - Processo n.º 130/10.0JAFAR.F1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
7. - Proferido em de 20-06-2012, no processo n.º 268/12, 2ª Secção, disponível em http://www. tribunalconstitucional.pt /tc/acordaos/20120312.html.
8. - Cf., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 12-09-2007 (processo n.º 2601/07), de 27-11-2007 (processo n.º 3862/07) e de 03-10-2012 (proc. n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1) e o acórdão do TRP de 25-03-2009, todos disponíveis em http//www.dgsi.pt., bem como o acórdão do TRP de 21-01-2002, disponível em http//www.gde.mj.pt, e ainda os acórdãos do STJ de 04-07-2007 (processo n.º 2049/07), 11-01-2012 (proc. n.º 197/08.1GAMLD.C1.S1), e de 10-09-2008 (proc. n.º 1887/08), não publicados.
9. - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pág. 176.
10. - Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão n.º 7/95 do STJ, de 19 de outubro, in Diário da República, I Série-A, de 28-12-1995.
11. - De 09-04-2008, publicado no Diário da República, 1.ª série - n.º 94, de 15 de maio de 2008.
12. - Cf., nomeadamente, os acórdãos da RG de 10-07-2019 (processo n.º 290/15.4IDBRG.G1), de 10-10-2016 (processo n.º 263/11.6IDBRG.G1) e de 03-05-2011 (processo n.º 2371/07.9TABRG.G2) e da RP de 07-01-2015 (processo n.º 735/09.2TAOAZ.P1), de 17-10-2012 (processo n.º 425/10.3IDPRT.P1), de 06-01-2010 (processo n.º 130/03.7IDAVR.P1), de 24-09-2008 (processo n.º 0811683), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.