Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
393/17.0T8VCT-D.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
GARANTIA DO PAGAMENTO DE CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O apoio judiciário é o mecanismo encontrado pelo legislador para assegurar aos mais carentes no plano económico um efetivo "acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos (…) direitos e interesses legalmente protegidos", uma vez que a justiça não pode "ser denegada por insuficiência de meios económicos".
Não há direito algum que a executada, a quem foi concedido apoio judiciário, deixe de poder exercer se, pelo produto da venda do imóvel penhorado, também forem pagos os honorários e despesas da agente de execução e do mandatário da exequente. Consequentemente, não há qualquer colisão entre o fim tido em vista pelo apoio judiciário e o princípio da precipuidade consagrado no artigo 541.º do Código de Processo Civil; eles são conciliáveis.
Inexiste, assim, motivo que justifique que o Estado e/ou a exequente acabem por arcar com encargos que podem ser suportados pelo produto da venda do bem penhorado na execução.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I
Na presente execução, que corre termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, em que é exequente a Caixa … CRL e são executados J. P. e A. R. (1), a 24-2-2022, na sequência de uma reclamação da executada contra a nota de despesas e honorários elaborada pela agente de execução, a Meritíssima Juiz proferiu o seguinte despacho:

"Antes do mais, deverá a AE diligenciar pela retificação da nota oportunamente apresentada no sentido de serem retirados da mesma as despesas e honorários tendo em conta que foi atribuído apoio judiciário à executada, com a consequente retificação quanto às custas da exequente.
Após, concede-se novo prazo de pronúncia às partes."

Inconformada com esta decisão, a exequente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1.ª - Por efeito do contrato, as partes procedem a uma aproximação entre os efeitos jurídicos previstos na lei e os efeitos práticos por si idealizados, deste modo, realizando a autonomia privada e a liberdade contratual - vd. JOÃO CALVÃO DA SILVA, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 4.ª Ed. Almedina, págs. 32 e 33 - vd. art.º 405.º CC.
2.ª - O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou, pelo que, o cumprimento constitui o fim último de qualquer contrato, bem como, o principal efeito querido pelas partes - vd. n.º 1, art.º 762.º CC.
3.ª - A declaração negocial constitui um elemento do negócio jurídico, sendo o "instrumento de exteriorização da vontade psicológica do declarante", adquirindo eficácia plena logo que chegue ao conhecimento ou poder do respetivo destinatário
- vd. art.ºs 217.º e ss. CC
- vd. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, "Teoria Geral do Direito Civil", 4.ª Ed. Por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, pág. 414
- vd. n.º 1, art.º 224.º CC
4.ª - O contrato deve ser cumprido, ponto por ponto
- vd. n.º 1, art.º 406.º CC
- vd. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Código Civil Anotado", Vol. I, 4.ª Ed., Coimbra Editora, pág. 373.
5.ª - Os recorridos comprometeram-se expressamente a reembolsar a recorrente de todas as despesas, judiciais e extrajudiciais, que a mesma tivesse de suportar na recuperação do seu crédito
- cfr. requerimento executivo inicial e docs. n.ºs 1 e 2 anexos ao mesmo
- cfr. al. a), cláusula 18.ª, doc. n.º 1 junto ao requerimento executivo inicial
- cfr. al. c), doc. n.º 2 junto ao requerimento executivo inicial
- cfr. ponto 6, cláusula 6.ª, Documento Complementar, anexo ao doc. n.º 2 junto ao requerimento executivo inicial.
6.ª - Desde sempre foi vontade expressa, livre e desimpedida dos recorridos reembolsar a recorrente dessas despesas judiciais e extrajudiciais e a recorrente fundou a sua vontade de contratar nessa assunção de responsabilidades.
7.ª - Os recorridos leram e depreenderam todas as condições contratuais constantes dos títulos dados em execução, subscrevendo-as na íntegra, e beneficiaram do crédito concedido pela recorrente, nos exatos termos contratados.
8.ª - A recorrente respeitou cada uma das cláusulas contratuais do empréstimo em questão, pelo que, no inverso, também os recorridos terão de respeitar e fazer cumprir cada uma dessas cláusulas.
9.ª - Os recorridos vincularam-se a reembolsar a recorrente de todas essas despesas judiciais e extrajudiciais, exatamente do mesmo modo que se obrigaram a restituir o capital em dívida, os juros, as comissões, entre outros.
10.ª - Os honorários e despesas da agente de execução e do mandatário da recorrente constituem despesas inerentes à recuperação do crédito desta e, por tal efeito, constituem encargos que emergem dos próprios títulos dados em execução.
11.ª - É o património dos recorridos, e não o da recorrente, que deve responder pelo pagamento dessas despesas judiciais e extrajudiciais - vd. art.º n.º 1, art.º 406.º e art.º 601.º CC.
12.ª - O despacho recorrido viola a vontade das partes, o teor dos títulos dados em execução e o princípio do cumprimento pontual dos contratos - vd. n.º 1, art.º 406.º CC.
13.ª - Nunca os recorridos, ou quem quer que fosse, suscitaram a ilegalidade, nulidade ou invalidade de qualquer uma das cláusulas dos títulos dados em execução.
14.ª - Nunca foi declarada a ilegalidade, nulidade ou invalidade das cláusulas dos títulos executivos, nomeadamente daquelas que imputam aos recorridos a responsabilidade pelo pagamento dessas despesas e honorários.
15.ª - Os recorridos nunca colocaram em causa a exequibilidade dos títulos dados em execução, pelo que, devem todas as cláusulas contratuais constantes dos mesmos ser respeitadas por todos os intervenientes processuais e pelos tribunais.
16.ª - O pagamento das despesas e dos honorários da agente de execução e do mandatário da recorrente é da responsabilidade dos recorridos, a concretizar-se no final da execução
- vd. Ac. TR Porto de 01.03.2011, proc. n.º 101/07.4TBMGD-B.P1
- vd. Ac. TR Coimbra de 11.12.2018, proc. n.º 17/14.8TBVLF-B.C1
17.ª - Os honorários e despesas do agente de execução são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o artigo 541.º do CPC - vd. n.º 1, art.º 721.º CPC.
18.ª - As custas da execução, incluindo os honorários e despesas do agente de execução, entre outros, devem sair precípuas do produto dos bens penhorados - vd. art.º 541.º CPC.
19.ª - Caso o património do devedor assim o permita, pode o exequente reaver o reembolso dessas quantias através da venda dos bens penhorados.
20.ª - O incumprimento que motiva a entrada de uma ação executiva em juízo é imputável ao devedor, pelo que, não faria o menor sentido forçar o exequente a suportar os encargos dessa execução quando o património do devedor é suficiente para o efeito.
21.ª - Entendimento contrário equivaleria ao empobrecimento do exequente / credor em virtude de uma conduta ilícita do executado / devedor.
22.ª - Dos autos consta uma proposta de aquisição do imóvel penhorado, propriedade dos recorridos, no valor de € 205.000,00 (duzentos e cinco mil euros) - cfr. ref.ª Citius 3281034.
23.ª - O valor dessa proposta é mais do que suficiente para liquidar o montante do capital em dívida e demais acessórios, honorários e despesas da agente de execução e, ainda, honorários e despesas do mandatário da recorrente, tal como contratualmente estipulado pelas partes.
24.ª - O acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou económica, do conhecimento, do exercício ou da defesa dos seus direitos - vd. n.º 1, art.º 1.º Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
25.ª - Os bens penhorados nos autos constituem o património dos recorridos, pelo que, constituem a garantia geral do crédito da recorrente - vd. art.º 601.º CC.
26.ª - Sendo o património dos recorridos suficiente para pagar tais despesas judiciais e extrajudiciais, o respetivo pagamento deve sair precípuo da sua venda - vd. art.º 541.º CPC
27.ª - O n.º 1, do art.º 721.º do CPC não significa que a recorrente seja a principal obrigada a pagar os honorários e despesas devidas à agente de execução - vd. Ac. TR Guimarães de 15.10.2020, proc. n.º 1367/14.9T8CHV-B.G1.
28.ª - Apenas quando não haja mais bens a penhorar, poderão os recorridos invocar a concessão de apoio judiciário para poder, eventualmente, furtar-se ao pagamento desses honorários e dessas despesas, pelo que, o tribunal recorrido interpretou e aplicou incorretamente o n.º 1, do art.º 721.º e o art.º 541.º do CPC.
29.ª - O benefício do apoio judiciário concedido à recorrida A. R. não inibe a aplicação do art.º 541.º CPC, devendo os honorários e despesas da agente de execução e do mandatário da recorrente serem pagos pelo produto da venda, e não pelo IGFEJ
- vd. Ac. TR Guimarães de 02.05.2016, proc. n.º 1208/12.1TBBGC.G1
- vd. Ac. TR Porto de 11.05.2020, proc. n.º 2835/13.5TBGDM-D.P1
- vd. Ac. TR Évora de 14.01.2021, proc. n.º 2004/16.2T8LLE-C.E1.
30.ª - A hipoteca constituída sobre o imóvel penhorado nos autos garante o pagamento do total de € 188.732,65, ou seja, garante o pagamento de todos os valores em causa nos autos - cfr. Ap. 8 de 2005.12.22, doc. n.º 1, ref.ª Citius 3414755.
31.ª - A venda do prédio penhorado nos autos cobre todos os custos da execução, neles se incluindo as despesas e honorários da agente de execução do mandatário da recorrente, conforme contratado pelos recorridos junto da recorrente - vd. Ac. TR Coimbra de 15.10.2019, proc. n.º 17/14.8TBVLF-D.C1.
32.ª - O despacho recorrido viola o direito de crédito da recorrente e dos demais credores, forçando-os a suportar honorários e despesas, entre outros, do agente de execução, mesmo quando os devedores tenham património suficiente para fazer face a tais encargos.
33.ª - Tal entendimento é apenas apto a beneficiar quem incumpre com as suas obrigações, podendo, inclusive, originar rutura económica e financeira do IGFEJ.
34.ª - O despacho impugnado parece pretender dispensar os executados com património suficiente para suportarem os honorários e as despesas, entre outros, do agente de execução, mesmo quando a isso aqueles se vincularam expressamente.
35.ª - O despacho impugnado provocará a procura desenfreada pelos mecanismos de proteção jurídica do estado português, por parte dos devedores, motivada por fundamentos estranhos ao objetivo primacial do apoio judiciário - vd. art.º 1.º LAJ.
36.ª - O despacho impugnado responsabiliza o IGFEJ pelo pagamento dos honorários e despesas de agente de execução, mesmo quando os executados detenham bens suficientes para suportar tais encargos, pelo que, para além de ilegal, o despacho recorrido é também contrário à ordem social.
A executada A. R. contra-alegou sustentando a improcedência do recurso.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil (2), delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se "o benefício do apoio judiciário concedido à recorrida A. R. não inibe a aplicação do art.º 541.º CPC" (3).

II
1.º
Para a decisão deste recurso importa ter presente, para além do mais, os seguintes factos:
- Na escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada a 19 12-2005, os executados assumiram o pagamento das "despesas que a Caixa ... faça, incluindo as com honorários de advogados ou outros mandatários), que para efeitos de registo se computam em cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos".
- Nessa escritura consta também que "os documentos, sejam de que natureza forem em que os segundos outorgantes figurem como responsáveis ou que titulem qualquer obrigação deles perante a Caixa ..., consideram-se em conexão com a presente escritura e desta ficarão a fazer parte integrante para efeitos de execução, nos termos do artigo cinquenta do Código do Processo Civil".
- No documento n.º 1, subscrito pela exequente e pelos os executados a 19-12-2005, na qualidade de "mutuários", denominado "crédito a particulares", na cláusula 18.ª a) consta que "são obrigações dos mutuários (…) pagar as despesas judiciais e extrajudiciais que esta [a exequente] faça para assegurar e haver os seus créditos".
- Por despacho de 28-2-2018 foi concedido à executada apoio judiciário nas modalidades de nomeação de patrono e de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
- a 17-6-2021 a executada informou que "surgiu uma pessoa interessada em adquirir (…) [o] prédio" penhorado, "inscrito na matriz predial da Freguesia da ... sob o art.º ….º U e descrito no Registo Predial sob o nº …/..., com o valor patrimonial de 218.936,93 €", e requereu à agente de execução que juntasse "aos autos a conta da execução final, sem incluir eventuais custas de parte e despesas com honorários de mandatário e/ou agente de execução que não poderão ser assacadas à Executada em virtude de esta litigar, em todos os processos, com apoio judiciário".
- A 28-6-2021 a agente de execução apresentou uma nota de honorários e despesas, contra a qual a executada reclamou a 10-7-2021.
2.º
Não obstante a escassa fundamentação que se encontra no despacho recorrido, percebe-se que a Meritíssima Juiz ordenou que fossem retiradas da "nota" apresentada pela agente de execução "as despesas e honorários" em virtude de ter sido "atribuído apoio judiciário à executada".
A exequente discorda de tal entendimento, pois considera que "o benefício do apoio judiciário concedido à recorrida A. R. não inibe a aplicação do art.º 541.º CPC" (4).
Por sua vez, a executada A. R., em linha com a posição do adotada pelo tribunal a quo, defende que "o/a Executado/a a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo, não tem de pagar custas, não lhe podem ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução - seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art.º 541.º CPC), seja por reclamação do Exequente a título de custas de parte (art.º 721.º do CPC) e as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução não devem, sequer, ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (art.º 847.º do CPC) - como aqui sucede".
Vejamos.
A exequente e a executada citam diversa jurisprudência e doutrina, pelo que se procurará não cair em repetições. E dessas citações resulta claro que há divergências na jurisprudência quanto à solução a dar à questão sub iudice.
Da nossa parte, temos como boa a doutrina exposta no Ac. Rel. Porto de 11-5-2020 no Proc. 2835/13.5TBGDM-D.P1 (5), onde se afirma que:
«Como se sabe o sistema de justiça não é um serviço público gratuito, importando, antes diversos custos.
Assim, como contrapartida da prestação desse serviço, o Estado exige, para si próprio, taxas de justiça a qualquer dos pleiteantes, bem como o pagamento dos encargos que o processo venha a originar.
Depois, há ainda que ter em conta que as mais das vezes as partes terão de recorrer a advogado, solicitador ou agente de execução, aos quais terão de pagar honorários. (…)
Uma das componentes (…) [das] custas processuais são as custas de parte, compreendendo estas as taxas de justiça pagas, os encargos suportados, bem como os honorários e despesas do advogado e do agente de execução (artigo 533.º, nº 2).
Significa isto que a parte vencedora irá depois reaver aquilo que pagou (mais rigorosamente, a proporção indicada no artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais) ou os custos suportados com esses itens, de acordo com o princípio da justiça gratuita para o vencedor.
E por assim ser é que, para evitar que a carência de meios económicos para suportar todos estes custos coartasse às pessoas a possibilidade de efetivarem ou discutirem os seus direitos nos tribunais, existe o mecanismo do apoio judiciário. (…)
Importa, porém, trazer, no caso concreto, à colação o artigo 541.º que sobre a epígrafe "Garantia de pagamento de custas" estatui: "As custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados".
O princípio da precipuidade significa que sendo penhorados bens do executado, e procedendo-se à liquidação judicial de tais bens, antes de se dar qualquer destino ao produto da liquidação há-de retirar-se a quantia necessária para pagamento das custas, ou seja, o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento.
Evidentemente que as custas que saem precípuas serão as da execução, respetivos apensos, nestes se abrangendo as ações declarativas processadas por apenso - ex., oposição à execução, reclamação de créditos e embargos de terceiro -, e as da respetiva ação declarativa.
Contudo, como é óbvio, tal precipuidade só pode abranger as custas de que o executado seja devedor. (…)
Por fim, tal precipuidade só funciona se os bens forem efetivamente vendidos (ou adjudicados) na execução a que respeitam tais custas.
Sob este conspecto importa ainda ter presente o artigo 721.º, nº 1 do CPCivil (…).
Ou seja, quando o produto da venda dos bens penhorados não é suficiente para liquidar as custas da execução, onde se incluem os honorários e despesas devidos ao agente de execução, a responsabilidade pelo seu pagamento recai sobre o exequente.
Responsabilidade essa que igualmente vem plasmada no artigo 45.º, nº 1 da 282/2013, de 29 de agosto (…).
Significa, portanto que no pagamento dos honorários ao agente de execução a primeira regra é a precipuidade dos honorários (artigo 541.º); a segunda regra, ou seja, na falta de produto da venda, é a que resulta do artigo 45.º, n.º 1 da portaria 282/2013, isto é, aqueles honorários, são da responsabilidade do exequente. (…)
E o funcionamento da referida regra não pode, como nos parece evidente, ser afastada pela circunstância de à recorrente ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade acima referida.
Aliás, diga-se, não vemos como poderia ser de outra forma.
Efetivamente se o direito do credor comum é satisfeito sem que tal inculque a ideia de que o devedor fica afetado na satisfação das suas necessidades básicas - o que é obviado através da regra da impenhorabilidade-artigos 737.º e 738.º do CPCivil - não faria sentido que o crédito do Estado, contrapartida da prestação de um serviço comunitário essencial, eivado de cariz eminentemente social, qual seja a administração da justiça, ficasse por satisfazer.
É que o artigo 541.º do CPCivil acaba por ser um mero reflexo do disposto nos artigos 738.º, nº 1 e 746.º do C. Civil, que estabelecem um privilégio creditório por despesas de justiça feitas para conservação, execução ou liquidação desses bens diretamente no interesse comum dos credores, como aqui acontece, o qual tem preferência sobre os demais privilégios ou outras garantias que onerem esses bens.»
Não podemos esquecer que o apoio judiciário é meramente instrumental. Uma vez que a justiça não pode "ser denegada por insuficiência de meios económicos", o apoio judiciário foi o mecanismo encontrado pelo legislador para assegurar aos mais carentes no plano económico um efetivo "acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos (…) [seus] direitos e interesses legalmente protegidos" (6).

No nosso caso, regista-se que até este momento a executada tem exercido todos os direitos que considera assistirem-lhe; praticou nos autos os atos que teve por conveniente, sem obstáculos de natureza económica. A condição económico-social da executada não originou qualquer limitação na sua atuação processual.
Por conseguinte, o fim do apoio judiciário tem sido plenamente atingido.
A questão que agora se coloca é a de saber se no caso de se respeitar o princípio da precipuidade, consagrado no artigo 541.º, daí advém para a executada alguma restrição no "acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos (…) [seus] direitos e interesses legalmente protegidos".
A resposta é negativa; não há direito algum que a executada deixe de poder exercer se, pelo produto da venda do imóvel penhorado, também forem pagos os honorários e despesas em causa. Neste cenário a executada ou simplesmente nada receberá a título de remanescente do produto dessa venda ou, em vez de receber x, receberá x-y. Por isso mesmo, não há qualquer motivo que justifique que o Estado e/ou a exequente acabem por arcar com encargos que podem ser suportados pelo produto da venda do bem penhorado na execução. Portanto, não se verifica qualquer colisão entre os objetivos do apoio judiciário e o princípio da precipuidade; eles são conciliáveis.
Note-se que o apoio judiciário não visa conceder ao beneficiário uma vantagem patrimonial; pretende unicamente garantir que a sua situação económica desfavorecida não o impede de aceder ao direito e aos tribunais.
3.º
Considerando o alegado pela executada nas suas contra-alegações é ainda oportuno deixar duas notas finais.
Em primeiro lugar, não é verdade que "o contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrado entre as partes fixa um valor (5.985,58 €) para despesas que a Exequente faça para assegurar ou obter o pagamento dos créditos, incluindo as com honorários de advogados ou outros mandatários".
O que aí se estabeleceu foi, sim, a obrigação dos executados de pagar as "despesas que a Caixa ... faça, incluindo as com honorários de advogados ou outros mandatários", acrescentando-se que, de tais despesas, as que se referem ao "registo" desde já se liquidam em "cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos".
Logo, inexiste o alegado limite de 5.985,58 €.
Em segundo lugar, não se percebe que relação pode haver entre o facto de a executada ter pago inicialmente "várias prestações do empréstimo bancário concedido" e o concreto montante dos honorários do Ilustre Mandatário da exequente relativos à atividade levada a cabo em virtude do incumprimento das "prestações" vencidas após 19-2-2016.
Como é que aquela "circunstância releva para a fixação das eventuais despesas com honorários de mandatário"?

III
Com fundamento no atrás exposto julga-se procedente o recurso, pelo que:
a) se revoga a decisão recorrida;
b) se determina que da "nota oportunamente apresentada" não sejam "retirados da mesma as despesas e honorários".

Custas pela executada.
9 de junho de 2022

António Beça Pereira
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes


1. Chegou a ser admitida a "intervenção principal, como associados dos executados, de Flávio André Macedo Vilas Boas, Bruna Micaela Macedo dos Santos e Vanessa Carolina Macedo Santos". Mas, posteriormente julgou-se "extinta a presente instância executiva relativamente aos executados Bruna Micaela Macedo dos Santos, Flávio André Macedo Vilas Boas e Vanessa Carolina Macedo Santos, por impossibilidade superveniente da lide - cfr. artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil".
2. São deste código todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
3. Cfr. conclusão 29.ª.
4. Cfr. conclusão 29.ª.
5. www.gde.mj.pt.
6. Cfr. artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República. Veja-se também o n.º 1 do artigo 1.º da Lei 34/2004, de 29 de julho.