Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3005/17.9T8VCT.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONCEITO
PRESUNÇÃO LEGAL
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I. Ao sinistrado compete a prova da verificação dos pressupostos fácticos do acidente de trabalho, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, inexistindo qualquer presunção legal a seu favor quanto à demonstração dos mesmos, bem como, aliás, quanto à demonstração da própria lesão.

II. O art. 10.º, n.º 1 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, apenas estabelece uma presunção quanto à existência de nexo de causalidade (facto presumido), através de ilação que se extrai da prova, por um lado, da ocorrência dum acidente de trabalho, e, por outro lado, duma lesão constatada no local e no tempo de trabalho (factos conhecidos).
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

J. D. intentou acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra Companhia de Seguros Y, S.A. e X – Construções, Lda., pedindo a condenação das RR. no reconhecimento do acidente de trabalho que sofreu e a pagarem-lhe:

- a quantia de € 4.894,40 a título de indemnização pelas incapacidades temporárias;
- a quantia de € 30,00 a título de despesas de transportes;
- a pensão a que tiver direito de acordo com a IPP que lhe vier a ser fixada;
- juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 21 de Julho de 2017, enquanto trabalhava por conta da 2.ª R. numa obra em Ourense, durante o seu horário de trabalho, ao erguer-se a carregar barras de ferro para montar a estrutura da armadura metálica do betão, com aproximadamente 150 kgs, deu um “mau jeito” no joelho esquerdo, que sentiu estalar e começar a inchar, pois tinha feito uma entorse, parando imediatamente de trabalhar.
Acrescentou que a lesão foi logo constatada pelos colegas de trabalho do A. e até pelo seu superior hierárquico, que representava a entidade patronal, sendo que esta só no dia 27/07/2017 fez a competente participação do acidente de trabalho à seguradora, ora 1.ª R., para a qual se encontrava transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho, em função da retribuição anual de 16.791,50 € [(1.110,00€/mês x 14 meses) + (126,50€/mês x 11 meses)].
A 1.ª R. veio contestar, aceitando que a responsabilidade por acidentes de trabalho da 2.ª R., relativamente ao A., estava para si transferida em função da retribuição anual de € 11.880,86 (€ 749,24 x 14m + € 126,50 x 11m).
Porém, não aceita que o A. tenha sofrido um acidente de trabalho, uma vez que, por razões sem qualquer ligação ao seu trabalho, terá sofrido uma lesão por volta do dia 17, que lhe provocava dores, tendo surgido subsequente edema no dia 21.
Termina, pedindo a sua absolvição do pedido.
A 2.ª R. veio contestar, reiterando que aceita que o A. auferia a retribuição reclamada pelo mesmo na tentativa de conciliação, isto é, a retribuição anual de € 11.880,86 (€ 749,24 x 14m + € 126,50 x 11m), estando a sua responsabilidade transferida para a 1.ª R. em função da retribuição anual de 16.791,50 € [(1.110,00€/mês x 14 meses) + (126,50€/mês x 11 meses)].
No mais segue a posição da 1.ª R..
Termina, pedindo se declare a sua ilegitimidade, ou, assim não se entendendo, a improcedência do pedido.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.
No competente apenso foi decidido que o A. é portador de uma IPP de 3%, tendo tido as incapacidades temporárias atribuídas pelo GML.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, no início da qual a R. seguradora confessou que se encontrava para si transferida a responsabilidade em função do salário alegado pelo A., isto é, a retribuição anual de € 16.791,50.
No termo da audiência, foi proferido despacho de decisão da matéria de facto, após o que pelo Mmo. Juiz foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:
Julgar a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência absolver as RR. dos pedidos contra si formulados.
Custas pelo A. – sem prejuízo do apoio judiciário.»

O A., inconformado, interpôs recurso da sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões e pedido:

«1º Os recursos são meios de obter a reforma da sentença injusta, da sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento.
2º Para além de existir erro na apreciação da prova pois, em resultado da prova produzida, a verdade material é diferente daquela a que chegou o M. Juiz a quo, a douta sentença recorrida também não fez correcta aplicação do direito aos factos nem teve em conta as especificidades da lei laboral.
3º A justiça social refere-se às situações de desigualdade social e define a busca de equilíbrio entre partes desiguais, por meio da criação de proteções (ou desigualdades de sinal contrário), a favor dos mais fracos. Para ilustrar o conceito, diz-se que, enquanto a justiça tradicional é “cega”, a justiça social deve “tirar a venda” para ver a realidade e compensar as desigualdades que se produzem.
4º Quem julga em matéria laboral deve ter em conta que a debilidade económica do trabalhador foi um fenómeno indispensável para a formação do direito do trabalho e que a proteção que o ser humano que trabalha recebe da legislação trabalhista é característica marcante deste ramo do Direito. nulidade processual por falta de notificação da resposta aos quesitos
5º A notificação serve para “dar conhecimento de um facto” (art.º 219.º, n.º 2 do CPC). O Autor/Recorrente não foi notificado da resposta aos quesitos e devia tê-lo sido.
6º A omissão de um acto ou uma formalidade que a lei prescreve produz a NULIDADE quando “a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa” (art.º 195.º, n.º 1 do C.P.C.) como sucede in casu pois foi vedado à parte a hipótese de reclamar sobre a resposta aos quesitos. E a nulidade do acto em falta determina a nulidade dos actos subsequentes que dele dependem (art.º 195.º, n.º 2 do CPC). nulidade processual por falta ou insuficiência da fundamentação da decisão
7º Estabelece o art.º 205.º, n.º 1 da CRP que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. E fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram ao Tribunal a tomar aquela decisão, é enunciar as premissas de facto e de direito.
8º A obrigação de fundamentação representa um importante sustentáculo da legalidade, e o direito à fundamentação constitui um instrumento fundamental da garantia contenciosa, pois que é elemento indispensável na interpretação da decisão judicial.
9º Na D. sentença recorrida o tribunal a quo não analisou criticamente as provas produzidas, não indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais nem especificou os demais fundamentos decisivos para a sua convicção. Pelo contrário, limitou-se a identificar os factos provados, sem qualquer fundamentação para a determinação dos mesmos e até mesmo sem fazer referência à prova produzida.
10º A omissão – a falta ou insuficiência – dos fundamentos de facto e de direito – à qual equivale a sua ininteligibilidade – que justificam a decisão, determina a sua NULIDADE (art.º 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPT). incorrecta apreciação da prova e incorrecta aplicação do direito
11º O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal dar como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente a contrária.
12º E tanto sucede in casu quando o tribunal a quo dá como provado que no dia 21/7/2017, às 8h 30, quando trabalhava como armador de ferro sob as ordens, direcção e fiscalização da R. “X” numa obra desta em Ourense o Autor, a carregar barras de ferro, apenas « sentiu dores mais agudas no joelho esquerdo» (facto 4 dos factos dados como provados),
13º ao arrepio das regras da experiência e do normal acontecer e da prova produzida, nomeadamente a documental e sobretudo a pericial - os relatórios/laudos dos médicos peritos de que não há motivo para discordar, nem o M. Juiz o faz…
14º Tendo
i) o Autor descrito o sucedido dizendo que no dia 21 de julho de 2017, durante o seu horário de trabalho, precisamente por volta das 08:30 horas, o Autor/Recorrente ao erguer-se, carregando barras de ferro para montar a estrutura metálica do betão, com aproximadamente 150kg, deu um “mau” jeito ao joelho esquerdo, o qual estalou e começou a inchar e sentiu fortes dores;
ii) a X, entidade patronal do Autor participado à Companhia de Seguros Y, S.A este acontecimento como acidente de trabalho, no prazo de 8 dias após a sua ocorrência, como impõem os art.ºs 100.º e 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro;
iii) o relatório médico do GML – sufragado pela Junta Médica – registado que o Autor/Recorrente «realizou ecografia, RX e RMN», «refere dores ao aninhar-se e com esforços», apresenta lesão meniscal MI sintomática»; «não apresenta lesões ou sequelas sem relação com o evento»; reconhecido que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, atendendo que «existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante»; «existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante»; «o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática»; «o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões»; «exclui-se a existência de causa estranha relativamente ao traumatismo» e «exclui-se a pré-existência do dano corporal»; e, tendo em conta as sequelas e a Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, atribuído ao sinistrado «a incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual de 3,000%»; forçoso é ALTERAR-SE o ponto nº 4 dos factos dados como provados, que deve passar a ser «No dia 21/7/2017, quando o A. se encontrava no exercício da actividade descrita em B), numa obra da R. “X”, em Ourense, Espanha, a carregar barras de ferro, deu um “mau jeito” ao joelho esquerdo, o qual estalou e começou a inchar e sentiu dores mais agudas neste joelho»;
16º e considerar-se que o sinistro descrito pelo Autor/Recorrente, verificado no local e no tempo de trabalho e que lhe produziu directamente lesão corporal - existente ainda a esta data - de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho – e ao Autor foi atribuída a IPP de 3%, em consequência do sucedido no dia 21/7/2017 – não é sinónimo de uma “simples” e “esporádica” manifestação orgânica e patológica, sendo, sim, um acidente de trabalho.
17º É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” (art.º 8.º n.º 1 da Lei n º 98/2009 de 04 de Setembro).
18º São características essenciais do acidente de trabalho: i) uma causa exterior - uma origem estranha à constituição orgânica da vítima -; ii) a subitaneidade - algo que atua num espaço de tempo muito breve -; iii) a acção lesiva do corpo humano (Adrien Sachet, Trabalho Teórico e Prático da Legislação sobre Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais).
19º «A lesão é o efeito de que o acidente (o evento lesivo) é a causa. [...] E a lesão corporal pode ser uma lesão física ou psíquica, aparente ou oculta, externa ou até, muito tempo depois.
Necessário é que exista um nexo de causa e efeito (nexo de causalidade) entre o acto lesivo e a lesão corporal» (Prof. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 39).
De acordo com o princípio da causalidade adequada, concretizado consagrado no artigo 563.º de Código Civil, a invocada causa – o “mau jeito” no joelho esquerdo – só deve ser arredada se, de todo em todo, for indiferente à produção dos efeitos. E não é!!!
21º No caso dos presentes autos, no dia 21/07/2017, o Autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da X – CONSTRUÇÕES LDA., sua entidade patronal e,
a. no seu local de trabalho, mais concretamente na obra que a sua entidade patronal executava em Ourense, Espanha e onde ele se encontrava em virtude do seu trabalho;
b. durante o tempo de trabalho, ou seja, numa 6ª feira, dia útil e às 8h 30m, dentro do seu horário de trabalho;
c. e quando desenvolvia as tarefas correspondentes à categoria profissional de armador de ferro, isto é, ao levantar-se para carregar barras de ferro que seriam utilizadas para fazer a armadura do betão armado;
d. deu um “mau jeito” ao joelho e sentiu um “estalo” e dores muito fortes no joelho, o que lhe produziu direitamente lesão corporal, perturbação funcional - entorse do joelho esquerdo, com lesão meniscal – de que resultou redução na sua capacidade de trabalho e de ganho; pelo que, o Autor/Recorrente sofreu um acidente de trabalho.
22º Mesmo que assim não fosse – e não é –, sempre o sinistrado teria de beneficiar da presunção legal estabelecida no art.º 10.º, n.º 1 da LAT de que “a lesão constatada no local e no tempo de trabalho (…) presume-se consequência de acidente de trabalho”, dada a imediação entre o facto traumático e a lesão.
23º Como o Autor/Recorrente foi vítima de um acidente de trabalho tem este direito à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho ocorrido no dia 21/07/2017.
24º A D. Sentença em crise violou o disposto no art.º 205.º da CRP, nos art.ºs 195,º, n.ºs 1 e 2, 219.º, n.º 2 e 615º, n.º 1b) do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º do CPT e os art.ºs 2.º, 3.º, 8.º, n.º 1 e 10.º, nº 1 da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, deve

a) declarar-se a nulidade da d. sentença por omissão de uma formalidade que a lei prescreve e que pode influir no exame ou na decisão da causa ou, se assim se não entender,
b) declarar-se a nulidade da d. sentença por falta de fundamentação; ou ainda, se assim se não entender,
b) revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-se por outra que atenta as regras da experiência, o depoimento do autor, a prova documental e, em especial, a pericial, dê como provado que «no dia 21/7/2017, quando o a. se encontrava no exercício da actividade descrita em b), numa obra da r. “X”, em ourense, espanha, a carregar barras de ferro, deu um “mau jeito” ao joelho esquerdo, o qual estalou e começou a inchar e sentiu dores mais agudas neste joelho»; considere este evento como acidente de trabalho, condenando a/s ré/s nos pedidos formulados pelo autor, tudo com as devidas consequências, como é de justiça!»

As RR. apresentaram respostas ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- nulidade processual decorrente da falta de notificação do despacho com a decisão sobre a matéria de facto controvertida;
- nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito;
- modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- verificação de acidente qualificável como de trabalho.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:

1) O A. nasceu no dia -/04/1989.
2) Desempenha a sua actividade profissional de armador de ferro sob as ordens, direcção e fiscalização da R. “X”, mediante a retribuição anual ilíquida de € 16.791,50.
3) A R. “X” havia transferido a sua responsabilidade civil por acidente de trabalho para a R. seguradora, através de contrato de seguro que abrangia o A., pelo montante referido em 2).
4) No dia 21/7/2017, quando o A. se encontrava no exercício da actividade descrita em B), numa obra da R. “X”, em Ourense, Espanha, a carregar barras de ferro, sentiu dores mais agudas no joelho esquerdo.
5) O A. teve despesas com deslocações ao GML e a este tribunal.

4. Apreciação do recurso

4.1. Suscita-se em primeiro lugar a questão da nulidade processual decorrente da falta de notificação ao Recorrente do despacho que decidiu a matéria de facto controvertida.
Nos termos do art. 68.º, n.º 5 do Código de Processo do Trabalho, aplicável por força do art. 131.º, n.º 2, do mesmo diploma, na redacção vigente nas datas em que decorreram as sessões de julgamento, a matéria de facto era decidida imediatamente por despacho.
Resulta da acta de 17/09/2019 que, após alegações dos mandatários, foi proferido despacho a designar o dia 24/09/2019, pelas 14h00, para respostas à base instrutória, sendo que nesta data não compareceram o Recorrente nem o seu mandatário.
Nos termos do art. 254.º do Código de Processo Civil, valem como notificações as convocatórias e comunicações feitas aos interessados presentes em acto processual, por determinação da entidade que a ele preside, desde que documentadas no respectivo auto ou acta.
Por outro lado, nos termos dos arts. 195.º, n.º 1 e 197.º. n.º 2, do mesmo diploma, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, não podendo ser arguida pela parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição.

No caso em apreço, o Recorrente e o seu mandatário não foram imediatamente notificados do despacho que se pronunciou sobre os quesitos da base instrutória porque não compareceram à sessão de julgamento designada para o efeito nos termos da lei então vigente, apesar de devidamente convocados, sendo certo que, de qualquer modo, o poderiam ter consultado logo no Citius, pois tratava-se de acto com data certa.
Acresce que a falta de notificação de tal despacho não tem qualquer influência no exame ou na decisão da causa, uma vez que, aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil de 2013, por força do art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, não havia possibilidade de o Apelante reagir contra a decisão sobre a matéria de facto por qualquer meio que não fosse a interposição de recurso da sentença, como o Apelante fez, o que sempre sanaria a (inexistente) nulidade.
Aliás, dada a incongruência entre os dois Códigos de Processo nessa matéria, a Lei n.º 107/2019, de 09/09, veio expressamente revogar o n.º 5 do art. 68.º do Código de Processo do Trabalho, sendo certo que muitos o consideravam já tacitamente revogado por força do desaparecimento, no Código de Processo Civil de 2013, de decisão sobre a matéria de facto, susceptível de imediata reclamação, autonomamente proferida antes da prolação da sentença (arts. 604.º, 607.º e 640.º).

Improcede, pois, a arguida nulidade.

4.2. O Apelante vem também arguir a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.

Sucede que, por força do estatuído no n.º 1 do art. 77.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção vigente na data da decisão recorrida, que é a aplicável na matéria (art. 5.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2019, de 09 de Setembro), a arguição de nulidades da sentença devia ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de delas se não conhecer.
Este normativo pressupunha que o anúncio da arguição e a correspondente motivação das nulidades deviam constar do requerimento de interposição do recurso dirigido ao órgão judicial recorrido, permitindo-lhe aperceber-se, de forma imediata e fácil, da censura produzida, de modo a que pudesse proceder ao eventual suprimento das nulidades invocadas, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal.
Isto é, não era admissível recurso que tivesse por objecto a nulidade da sentença, se a mesma não fosse regularmente arguida perante o juiz recorrido, embora o seu conhecimento competisse ao tribunal superior, se aquele a não suprisse.
Retornando ao caso sub judice, verifica-se que o Recorrente, no respectivo requerimento de interposição de recurso, omite por completo qualquer referência a arguição da nulidade da sentença, apenas o fazendo nas alegações dirigidas ao tribunal superior.
Ora, como se disse, o n.º 1 do art. 77.º do Código de Processo do Trabalho tinha em vista que o anúncio da arguição e a motivação das nulidades constassem do requerimento de interposição do recurso dirigido ao órgão judicial recorrido, de modo que este as constatasse, para efeitos do n.º 3 do mesmo preceito legal – o que não ocorreu no caso em apreço.
Em face do exposto, entende-se que este Tribunal da Relação não pode legalmente tomar conhecimento da nulidade da sentença arguida pelo Apelante, o que se decide.
De qualquer modo, sempre se dirá que não se verifica a invocada nulidade, visto que é pacífico que, como diz Fernando Amâncio Ferreira (1), “[a] falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito (…)”.
No mesmo sentido, pronunciou-se Artur Anselmo de Castro (2), afirmando que “[t]ambém a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.

Finalmente, veja-se também o que diz Antunes Varela com particular interesse para o caso dos autos (3):

“Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
(...)
Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão.”
Ora, da leitura da sentença recorrida não ressalta uma absoluta carência de fundamentação, nem de facto, nem de direito, estando enunciada a factualidade considerada provada e feito o seu enquadramento jurídico.
Acresce que a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido discrimina clara e inequivocamente quais os factos considerados como provados e quais os factos considerados como não provados, bem como a respectiva justificação, tendo o Recorrente vindo impugnar tal decisão.
Isto é, o que o Apelante alega com relevância reconduz-se simplesmente a pretenso julgamento erróneo de certos factos, vício que, a ser procedente, não se traduz em nulidade da sentença, como resulta do estabelecido no art. 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, onde se prevê a consequência do mesmo.
Quanto ao alegado erro na aplicação do direito aos factos, não constitui também nulidade da sentença, como é sobejamente sabido.
Em face do exposto, e sem prejuízo da apreciação dos pretensos vícios no local próprio, improcede a arguida nulidade de sentença.

4.3. Como se disse, o Recorrente pretende também a modificação da decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(…)

Retornando ao caso dos autos, verifica-se que o Recorrente, no seu recurso, impugna a decisão do tribunal recorrido quanto ao quesito 1.º da base instrutória, que tinha a seguinte redacção:

«No dia 21/07/2017, quando o A. se encontrava no exercício da actividade descrita em B), numa obra da R. “X”, em Ourense, Espanha, ao erguer-se carregando barras de ferro, deu uma “mau jeito” ao joelho esquerdo, do que lhe resultou entorse desse joelho?»
Trata-se de factualidade que o A. alegara na sua petição inicial, acrescentando, aliás, que a lesão foi logo constatada pelos colegas de trabalho do A. e até pelo seu superior hierárquico, que representava a entidade patronal no local.

Em resposta a tal quesito, o tribunal recorrido deu apenas como provado, conforme ficou a constar da fundamentação de facto:

4) No dia 21/7/2017, quando o A. se encontrava no exercício da actividade descrita em B), numa obra da R. “X”, em Ourense, Espanha, a carregar barras de ferro, sentiu dores mais agudas no joelho esquerdo.

Justificando-o do seguinte modo:
«A convicção do tribunal resultou:

- quanto ao quesito primeiro – as testemunhas ouvidas em audiência, respectivamente irmã e mãe do A., apenas sabiam de concreto que este lhes telefonou de Espanha a dizer que se tinha magoado num joelho; por seu lado, o A., nas suas declarações de parte, não confirmou a versão que se encontrava quesitada e que resultava da sua alegação na petição inicial; na realidade, não referiu qualquer episódio de “mau jeito” ou entorse; pelo contrário, afirmou que já tinha dores naquele joelho há vários dias, que se agravaram naquela data, atribuindo-as ao esforço de várias jornadas de trabalho a caminhar sobre piso irregular; assim sendo, apenas se pode dar como provado o que consta da resposta a este quesito;»

O Apelante, invocando para o efeito os elementos clínicos e periciais constantes dos autos, pretende que a decisão do tribunal seja alterada no sentido de ficar a constar:

«No dia 21/07/2017, quando o A. se encontrava no exercício da actividade descrita em B), numa obra da R. “X”, em Ourense, Espanha, a carregar barras de ferro, deu um “mau jeito” ao joelho esquerdo, o qual estalou e começou a inchar e sentiu dores mais agudas neste joelho».

Ora, efectivamente, não foram prestados quaisquer depoimentos que confirmassem que o A. «deu um “mau jeito” ao joelho esquerdo, o qual estalou e começou a inchar», nem sequer pelo próprio, pelo que, tendo o tribunal recorrido se baseado nas declarações do mesmo e nos depoimentos das testemunhas inquiridas, para dar como provado que o A., no momento em apreço, sentiu dores mais agudas no joelho esquerdo, não se vislumbra como possam os meios de prova invocados pelo Recorrente impor uma decisão diferente.
Desde logo, a existência de queixas de dores no joelho, nos dias anteriores ao indicado como sendo o do acidente, foram referenciadas em 24/07/2017, quando o A. recorreu ao Centro de Saúde de Ponte de Lima, em cuja ficha clínica, junta aos autos, consta «Dores no joelho esquerdo, na fossa poplítea, desde há uma semana, edema desde há 3 dias».

Por outro lado, no relatório de exame médico realizado no âmbito da fase conciliatória, a propósito da «História do Evento», é sublinhado que a informação quanto à descrição do mesmo – entorse do joelho esquerdo – foi prestada pelo próprio A., tendo este referido ainda que o joelho já doía antes do dia do acidente e após a entorse notou apenas que inchou.

De tal relatório consta ainda:

«Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, atendendo a que: (…)
(…)
O examinando apresenta lesões concomitantes de tendinopatia que também são causa de dor e justificam que tivesse outras queixas dolorosas antes do acidente e não agravadas pelo mesmo, mas é muito provável que lesão meniscal e edema descrito tenham decorrido do entorse do joelho.»

Isto é, todas as considerações sobre as lesões e sequelas apresentadas pelo perito médico têm como pressuposto que ocorreu uma entorse do joelho na data indicada, pressuposto esse decorrente de informação prestada pelo próprio A., como, aliás, é por demais evidente, já que aquele perito médico não presenciou qualquer evento.
E o mesmo sucede, mutatis mutandis, com o relatório de junta médica e com os elementos clínicos fornecidos pela seguradora, pois, como é por demais manifesto, no que respeita à causa das lesões e sequelas, só podem ter tido como pressuposto a informação dada pelo A., visto que os médicos em causa também não presenciaram qualquer evento.
Sendo certo que, em julgamento, o próprio A. não confirmou a causa que servira de pressuposto a todos aqueles exames periciais e demais elementos clínicos, dando uma explicação que nunca tinha sido considerada.

Em suma, todos os depoimentos prestados em julgamento, conjugadamente com os relatórios periciais e elementos clínicos constantes dos autos, apenas permitem concluir que o A. vinha sentindo dores no joelho esquerdo, que se agudizaram no dia 21/07/2017, como se deu como provado, inexistindo qualquer prova quanto à respectiva causa, designadamente que o A. «deu um “mau jeito” ao joelho esquerdo, o qual estalou e começou a inchar», como ora pretende.

Em face do exposto, improcede o recurso no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto.

4.4. Mantendo-se intocada a factualidade dada como provada pelo tribunal recorrido, soçobra necessariamente a pretensão do Apelante no sentido de se concluir pela verificação de um acidente qualificável como de trabalho.

Vejamos.

Estabelece o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, no que interessa para a questão dos autos:

Artigo 8.º
Conceito

1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
(…)

Artigo 10.º
Prova da origem da lesão

1 - A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2 - Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.

De acordo com o que ensina Maria do Rosário Palma Ramalho (4), a noção legal de acidente de trabalho permite recortar a figura com recurso a um critério subjectivo, a um critério geográfico, a um critério temporal e ainda ao dano típico que resulta daquele, para além de se exigir um adequado nexo de causalidade entre o evento acidentário e o dano, nos termos gerais da responsabilidade civil.

Ora, da factualidade provada resulta apenas que, no dia 21/7/2017, quando o A. se encontrava no exercício da sua actividade profissional, numa obra da R. “X”, a carregar barras de ferro, sentiu dores mais agudas no joelho esquerdo, desconhecendo-se, todavia, a sua causa.
Não se provou, nomeadamente, que o A. tenha sido vítima de algum acidente, isto é, de um evento naturalístico, súbito, violento e de causa exterior, ocorrido naquelas circunstâncias, ficando, pois, prejudicado, que se possa presumir, nos termos do citado art. 10.º, n.º 1, que quaisquer lesões tenham resultado do mesmo.
Na verdade, ao sinistrado compete a prova da verificação dos pressupostos fácticos do acidente de trabalho, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, inexistindo qualquer presunção legal a seu favor quanto à demonstração dos mesmos, bem como, aliás, quanto à demonstração da própria lesão.
Isto é, o citado art. 10.º, n.º 1 apenas estabelece uma presunção quanto à existência de nexo de causalidade (facto presumido), através de ilação que se extrai da prova, por um lado, da ocorrência dum acidente de trabalho, e, por outro lado, duma lesão constatada no local e no tempo de trabalho (factos conhecidos).

A este propósito, entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 112/09.5TBVP.L2.S1 (5), em cujo sumário se sintetiza que “[a] presunção a que alude o art. 7º, n.º 1, DL 143/99, de 30/4 [actual art.º 10.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04.09], tem apenas o alcance de libertar os sinistrados ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o acidente e o dano físico ou psíquico reconhecido na sequência do evento infortunístico, não os libertando, todavia, do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões.”

Em face do exposto, não tendo o A. provado os elementos fácticos da ocorrência dum acidente de trabalho, improcede necessariamente o seu recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 5 de Março de 2020

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso

Sumário (elaborado pela Relatora):

I. Ao sinistrado compete a prova da verificação dos pressupostos fácticos do acidente de trabalho, nos termos gerais do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, inexistindo qualquer presunção legal a seu favor quanto à demonstração dos mesmos, bem como, aliás, quanto à demonstração da própria lesão.
II. O art. 10.º, n.º 1 do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, aprovado pela Lei n.º 98/2009, de 4/09, apenas estabelece uma presunção quanto à existência de nexo de causalidade (facto presumido), através de ilação que se extrai da prova, por um lado, da ocorrência dum acidente de trabalho, e, por outro lado, duma lesão constatada no local e no tempo de trabalho (factos conhecidos).

Alda Martins


1. Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, p. 52.
2. Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pp. 141-142.
3. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 667.
4. Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 5.ª edição, pp. 872 e ss..
5. Disponível em www.dgsi.pt.