Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
938/14.8TBGMR-D.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA FORTUITA
SOCIEDADES COMERCIAIS
SÓCIOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Os requerentes da insolvência, na qualidade de representantes e sócios/acionistas de sociedade(s) comercial(ais) não são «titulares de uma empresa», nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 18º nº 2 do CIRE;
2. É uniforme a interpretação de que o n.º 2 do artº 186 do CIRE elenca diversas situações em que o legislador presume, de forma taxativa e inilidível, ou seja, sem possibilidade de prova em contrário, que a insolvência é culposa.
3. E o legislador fê-lo porque a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Fê-lo para facilitar essa qualificação mas concretizou-o a partir de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.
4.Lidando com uma presunção, sabemos que ela vai perdendo sustentação com um tempo excessivo decorrido entre o ato e o processo. Já se o ato ocorre próximo do processo ou durante o mesmo, a sua ligação à criação ou agravamento da insolvência é mais forte, sustentando melhor a presunção de culpa e o nexo de causalidade.
Decisão Texto Integral: - Acordam em Conferência No Tribunal da Relação de Guimarães -

I. RELATÓRIO
J.. e E.. vieram em 04.04.2014 apresentar-se à insolvência e requereram a exoneração do passivo restante.
Foi proferida sentença que declarou a insolvência dos requerentes (fls. 76 e seguintes) e foi proferido despacho em que se indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante (fls. 93 e seguintes), ao abrigo do disposto nas alíneas b), d) e e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE.
Na sequência do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante que havia sido formulado pelos devedores, e pelos fundamentos desse indeferimento, foi oficiosamente despoletado o presente incidente de qualificação da insolvência, por se entender que os factos apurados em tal sede apontavam para a respectiva qualificação como culposa.
O Exmo. Sr. Administrador da Insolvência apresentou o parecer previsto no art. 188.º/3 CIRE, no qual propôs a qualificação da insolvência dos devedores como culposas, parecer que foi acompanhado pelo MP.
Notificados os devedores, pelos mesmos foi deduzida oposição, onde, em suma, aduziram que nenhuma censura poderá ser dirigida à sua conduta, já que os créditos por que são directamente responsáveis foram contraídos numa altura em que, fundadamente, perspectivavam continuar a cumprir as obrigações assumidas e nenhum deles após o primeiro incumprimento (das obrigações assumidas no âmbito de um contrato de mútuo); também os créditos de que foram responsabilizados por força do incumprimento da devedora originária (a F..) foram contraídos por esta num quadro de gestão corrente da empresa em datas em que a mesma tinha rendimentos. Aduzem ainda que atenta a activa procura de emprego por parte do insolvente-marido sempre estiveram convictos de que obteriam rendimentos que lhes permitiriam recuperar o equilíbrio económico-financeiro e cumprir as obrigações assumidas.
O despacho saneador foi proferido com a respectiva identificação dos temas da prova.
Produzida a prova foi proferida sentença que:
- Qualificou as insolvências de J.. e de E.. como culposas;
- Decretou a inibição de J.. e de E.. para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período de 4 (quatro) anos.
- E condenou os requeridos em custas

Inconformados com esta decisão, vieram os recorrentes J.. e E.. interpor o presente recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 68).
Não foram apresentadas contra alegações.
Colhidos que foram os vistos cumpre apreciar e decidir.

Nas suas alegações, os apelantes formulam as seguintes conclusões:
1.ª A presente apelação tem por fundamento a não concordância dos recorrentes com a decisão do tribunal recorrido que qualificou as suas insolvências como culposas e que decretou a inibição dos insolventes para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período de 4 (quatro) anos.
2.ª Foi ao abrigo do disposto no art.º 186.º, n.º 2, al. g, do CIRE, que a insolvência foi qualificada como culposa.
3.ª O Administrador de Insolvência apresentou parecer no qual pugnou pela qualificação da insolvência dos ora recorrentes culposa.
4.ª O Ministério Público, concordando com o Administrador de Insolvência, foi de parecer que a insolvência devia ser qualificada como culposa.
5.ª Entendem os recorrentes ter sido incorrectamente julgado não provado na decisão recorrida “Que o insolvente-marido procure activamente emprego”.
6.ª Os recorrentes convocam para a decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnada o depoimento das testemunhas por si arroladas e inquiridas em sede de audiência de julgamento, a saber: A.., M.. e J.., todas devidamente identificadas na acta de audiência de julgamento de 16 de Junho de 2015, encontrando-se gravados os seus depoimentos.
7.ª O depoimento da testemunha A.., gravado no sistema habilus media studio de 00:00:01 a 00:04:50, tal como consta da ata de audiência de julgamento de 16/06/2015, com início às 14:15:23 e fim às 14:20:13, e com relevância para apreciação da matéria de facto impugnada aos concretos minutos: 01:26; 02:43; 03:40; 03:44 e 03:48.
8.ª No seu depoimento a referida testemunha A.., afirmou, entre o mais, que “Numa altura o Sr. J.. disse-me, isto mais recentemente, que em princípio poderia ser uma possibilidade de, de ter uma possibilidade de trabalhar com um, um colega dele, mas até aí…, depois não soube mais nada, foi a última vez que falei com ele que ele tinha dito isso”; “Depois quando me encontrava com ele perguntava:
“Então já conseguiu alguma coisa?” Sei que ele foi procurar emprego onde já tinha estado a trabalhar. (…) E ele dizia-me que sim, que procurava, procurou aqui e ali, falou-me em alguns sítios, poucos, mas falou-me em alguns sítios”; mais disse que
“Quando eu saí. Eu saí, quando me encontrava com ele, é óbvio que pergunto sempre como é que estão as coisas e soube uma ou outra empresa que ele foi à procura de trabalho.”
9.ª O depoimento da testemunha M.., gravado no sistema habilus media studio de 00:00:01 a 00:03:40, tal como consta da ata de audiência de julgamento de 16/06/2015, com início às 14:21:01 e fim às 14:24:42, e com relevância para apreciação da matéria de facto impugnada aos concretos minutos: 01:19; 01:52; 02:10 e 02:35.
10.ª No seu depoimento a referida testemunha M.., referindo-se ao insolvente marido disse “Anda à procura de emprego, sempre à procura de emprego.”; “Já falamos sobre isso. Às vezes encontramo-nos, falamos. Ele anda desanimado e vai falando que anda à procura de emprego. Às vezes: “se souberes”, não é? Aquelas coisas assim.”
11.ª O depoimento da testemunha J.., gravado no sistema habilus media studio de 00:00:01 a 00:06:52, tal como consta da ata de audiência de julgamento de 16/06/2015, com início às 14:25:40 e fim às 14:32:33, e com relevância para apreciação da matéria de facto impugnada aos concretos minutos: 01:50; 02:03; 02:11; 02:39; 02:44; 03:48 e 04:17.
12.ª No seu depoimento a referida testemunha J.., filho dos insolventes, afirmou que “É assim, ele foi procurando emprego. Já mandou currículos, até alguns fui eu que o ajudei a fazer e a mandar os currículos. Não teve resposta.”; “Fomos sempre mandando, para alguns trabalhos no estrangeiro e assim, também.”; “Era relacionado com a profissão dele, com ar condicionado e assim.”; “Sim, sim. Mesmo as empresas que ele procurou aqui. Procurou já empresas que já tinha trabalhado anteriormente, antes de ter aberto a empresa. À F.., à F.., empresas de refrigeração.”; e quanto aos locais no estrangeiro para onde foram enviados currículos, afirmou “Um acho que foi para as Caraíbas, também já foi para Espanha, para Inglaterra. Foi, os sítios que me lembro que mandamos.”; no tocante ao período de procura de emprego “Desde que deixou de trabalhar”.
13.ª Assim, os depoimentos prestados pelas testemunhas A.. e M.., corroborando a alegação dos insolventes e mostrando-se credíveis, devem ser valorados e concorrer para a prova do facto sobre que versam, não podendo a sua valoração ser prejudicada por deporem sobre factos de que têm conhecimento por lhe terem sido narrados pelos insolventes, não se podendo, aliás, estranhar que os insolventes partilhem as suas preocupações, angústias e ansiedade com aqueles que lhes são próximos e nisso mostram interesse.
14.ª A testemunha J.. narrou ao Tribunal de forma profícua factos concretos atinentes à procura de emprego pelo seu pai, o insolvente marido, demonstrando ter conhecimento directo – “Já mandou currículos, até alguns fui eu que o ajudei a fazer e a mandar os currículos” , e não obstante a sua qualidade de filho dos insolventes depondo de forma isenta, credível e verosímil.
15.ª Os depoimentos das testemunhas supra identificadas, arroladas pelos insolventes e inquiridas em audiência de julgamento, são coincidentes, todas revelando ter conhecimento da busca de emprego pelo insolvente marido, afirmando que o insolvente marido procura emprego desde que se encontra desempregado, e globalmente objectivos, directos, isentos, consistentes e pormenorizados.
16.ª Entendem os recorrentes que o facto indicado na antecedente conclusão 5.ª deve ser considerado provado, em face dos elementos probatórios indicados.
17.ª Deste modo, do elenco dos factos provados constante do ponto 1.1. da fundamentação da douta sentença deve constar: “Que o insolvente-marido procura emprego activamente”.
18.ª Com base na matéria considerada provada foi proferida decisão do seguinte teor: “Pelo exposto, o Tribunal decide: - qualificar as insolvências de J.. e de E.. como culposas; - decretar a inibição de J.. e de E.. para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa durante um período de 4 (quatro) anos.”
19.ª Entendem os recorrentes que a matéria de facto dos autos não permite que se considerem verificados os fundamentos de qualificação da insolvência como culposa.
20.ª Quanto ao fundamento de qualificação previsto na al. a), do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, entendem os recorrentes não se encontrar o mesmo verificado.
21.ª Desde logo, por entenderem que sendo os insolventes pessoas singulares não titulares de empresas, não estão obrigados a apresentar-se à insolvência, nem a sua situação de insolvência é de presumir nos termos do n.º 3, do art.º 18.º, do CIRE, mas antes ser a situação dos presentes autos subsumível ao disposto no art.º 18.º, n.º 2, do CIRE e no art.º 186.º, n.º 5, também do CIRE.
22.ª A aplicação da disciplina do n.º 5, do art.º 186.º, do CIRE, implica o afastamento da presunção de existência de culpa grave prevista na al. a), do n.º 3, do mesmo preceito, porquanto nos termos daquele normativo se a pessoa singular insolvente não estiver obrigada a apresentar-se à insolvência, esta não será considerada culposa em virtude da mera omissão ou retardamento na apresentação, ainda que determinante de um agravamento da sua situação económica.
23.ª Afastada a presunção de existência de culpa grave prevista na al. a), do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, a qualificação da insolvência como culposa exige a verificação casuística dos requisitos do n.º 1 do citado preceito, ou seja, pressupõe a efectiva demonstração de que a insolvência foi criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, dos devedores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
24.ª A actuação imputada na sentença recorrida aos insolventes reside no facto de já após a instalação da situação de insolvência os devedores terem contraído um contrato de mútuo junto do C...
25.ª Dir-se-á quanto ao contrato de mútuo alegadamente celebrado pelos devedores com a C.., como se refere na motivação da douta sentença, que tal contrato, como decorre da factualidade provada constante do ponto 1.1 da fundamentação da sentença recorrida, foi sim celebrado pela F.. tendo-se o insolvente marido constituído fiador, nenhuma intervenção tendo havido da insolvente mulher, como aliás não consta da matéria provada.
26.ª A isto acresce que tal actuação não se insere no âmbito temporal estabelecido no art.º 186.º, n.º 1 in fine, do CIRE.
27.ª Como decorre da factualidade dada como provada constante do ponto 1.1 da fundamentação da sentença recorrida temos que a única referência aí feita à C.. o foi sob a alínea i) onde consta “- €20.395,03 foram reclamados pela C.. SA, com fundamento em contrato de mútuo celebrado com a F.. em 08.09.2008 e incumprido desde 05.03.2009 e garantido por fiança prestada pelo insolvente marido;”
28.ª O início do processo de insolvência ocorreu em 04/04/2014 pela apresentação à insolvência efectuada pelos próprios insolventes – cfr. al. a) do ponto factos Provados da Fundamentação da sentença de que se recorre.
O contrato celebrado com a C.. a que a sentença recorrida faz referência foi-o em momento anterior aos 3 anos que precederam o início do processo de insolvência.
30.ª Do mesmo modo, todos os demais actos praticados pelos recorrentes e elencados nos factos provados ocorreram em momento anterior aos 3 anos que precederam o início do processo de insolvência.
31.ª Pelo que a actuação dos recorrentes, ainda que se entendesse integradora da hipótese prevista na al. a) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, não poderia nunca ser atendida para efeito de qualificação da insolvência como culposa por não se mostrar preenchido o requisito do n.º 1 in fine do mesmo preceito.
32.ª A única actuação dos insolventes que poderia relevar para efeitos de qualificação da insolvência não ocorreu nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, não estando, assim, reunidos os pressupostos enunciados no citado n.º 1 e de cuja verificação dependia a qualificação da insolvência como culposa.
33.ª Sem prescindir, ainda que se entenda que os recorrentes estavam obrigados à apresentação à insolvência, sendo por isso aplicável a presunção de culpa grave da al. a) do n.º 3, do art.º 186.º, do CIRE, sempre a qualificação da insolvência como culposa dependeria da demonstração do necessário nexo de causalidade entre a omissão ou retardamento da apresentação e a criação ou agravamento da situação de insolvência nos termos do n.º 1 do mesmo preceito.
34.ª Entendeu o Tribunal a quo que “Provado ficou que já após a instalação dessa situação de insolvência os devedores contraíram um contrato de mútuo junto da C.., tendo-se continuado a vencer as contribuições junto do ISS. / Houve, pois, um agravamento da situação de insolvência dos requeridos, em virtude da omissão do dever de se apresentar à insolvência.”
35.ª Sucede que, tal como consta do probatório e como supra transcrito na antecedente conclusão 27.ª, o contrato de mútuo a que se faz referência na douta sentença não foi celebrado pelos recorrentes mas sim pela sociedade F.., de que apenas o recorrente marido era sócio e gerente, e de que apenas este se constituiu fiador.
36.ª Assim, se nenhuma conduta culposa ou dolosa que tenha contribuído para o agravamento da situação de insolvência dos recorrentes se pode atribuir ao recorrente marido ocorrida nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, menos ainda se pode atribuir à recorrente mulher que nenhuma intervenção teve no contrato celebrado a que a douta sentença faz referência. E que, do mesmo modo, não sendo sócia e/ou gerente da sociedade F.. nenhuma relação tem com o crédito reclamado pelo ISS.
37.ª Já no que tange ao fundamento da al. g), do n.º 2, do art.º 186.º, do CIRE, por cuja verificação o tribunal concluiu, entendem os recorrentes, que os factos enunciados na sentença recorrida não são igualmente subsumíveis a tal previsão legal.
38.ª Entendem os recorrentes que a subsunção de uma dada situação a qualquer das alíneas do n.º 2 do art.º 186.º, do CIRE, faz presumir a culpa e dispensa a concreta demonstração do nexo de causalidade da actuação e da criação ou agravamento da situação de insolvência, todavia, não prescinde do preenchimento do requisito referente ao âmbito temporal da actuação previsto no n.º 1 in fine do mesmo preceito.
39.ª Ora, reiterando-se o teor nas antecedentes conclusões 27.ª a 30.ª temos que o contrato celebrado com a C.. bem como todos os demais actos praticados pelos recorrentes e elencados nos factos provados ocorreram em momento anterior aos 3 anos que precederam o início do processo de insolvência.
40.ª A actuação dos recorrentes ainda que se entenda ser integradora da hipótese prevista na al. g) do n.º 2, do art.º 186.º, do CIRE, não poderá ser atendida para efeito de qualificação da insolvência como culposa por não se mostrar preenchido o requisito do n.º 1 in fine do mesmo preceito.
41.ª Sem prescindir, nada se provou que permita afirmar que os insolventes explorassem – e que, como tal, tivessem prosseguido – qualquer actividade (deficitária ou não) e muito menos se provou que tal actividade fosse exercida no interesse pessoal de outras pessoas que não os insolventes, sabendo ou devendo eles saber que tal exploração conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
42.ª Na procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos supra propugnados e alterada a matéria de facto provada em conformidade, nela passando a incluir-se o seguinte facto: O insolvente-marido procura emprego activamente, terá de concluir-se que os insolventes efectivamente perspetivavam uma melhoria da sua situação económica que lhes permitiria reequilibrar a sua situação económico-financeira, e, desse modo, cumprir com todas as obrigações assumidas que, aliás, como resulta do probatório, se mantiveram a cumprir, muito para além da celebração do contrato de mútuo com a C...
43.ª Perspectivando os recorrentes uma melhoria da sua situação económico financeira não se pode afirmar que sabiam ou deviam saber que a exploração que prosseguiam conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
44.ª Na ausência de prova dos factos integradores da situação prevista na al. g), do n.º 2, do art.º 186.º, do CIRE, não se pode concluir pela verificação do correspondente fundamento da presunção de insolvência culposa.
45.ª Com a decisão recorrida, interpretou e aplicou o Tribunal a quo os art.ºs 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, 185.º, 186.º, n.º 1, n.º 2, al. g), n.º 3, al. a), n.ºs 4 e 5, todos do CIRE, em sentido contrário ao exposto nas antecedentes conclusões.
46.ª Violou, por isso a sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação, entre os mais, os art.ºs 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, 185.º, 186.º, n.º 1, n.º, al. g), n.º 3, al. a), n.ºs 4 e 5, todos do CIRE.
47.ª Devia a decisão recorrida ter interpretado e aplicado os preceitos citados com o sentido vertido nas antecedentes conclusões, qualificando a insolvência dos recorrentes como fortuita.
Termos em que, com o douto suprimento, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que qualifique a insolvência dos recorrentes como fortuita.

Consideradas as conclusões acima transcritas, são as seguintes as questões suscitadas pelos Apelantes:
a) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
b) Se deverá ser alterada a decisão que qualificou a insolvência como culposa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) De Fato
Foram considerados provados os seguintes factos:
: a) Por sentença datada de 08.04.2014, a fls. 90ss dos autos principais, já transitada em julgado foi decretada a insolvência de J.. e de E.., na sequência da apresentação à insolvência efectuada pelos próprios em 04.04.2014;
b) Aos insolventes foram apreendidos os móveis que constituem o recheio da sua habitação, sem valor comercial, e um veículo automóvel, com um valor estimado de €3.500, e encontrando-se sobre o mesmo registado o ónus de reserva de propriedade (auto de apreensão no apenso A);
c) O insolvente-marido foi desde a sua fundação em 2001 e até à declaração da sua insolvência, em 28.10.2013 sócio e gerente da F.., Lda.; entre 2007 e 2013 foi o único sócio e gerente da sociedade (cf. relatório a fls. 334ss dos autos principais e certidão a fls. 43ss dos autos principais);
d) Desde 2008 que a F.. não tem actividade e que o insolvente-marido não tem fontes de rendimento;
e) A insolvente-mulher é desde a sua fundação em 21.02.1978 gerente da L.., Lda; entre a sua fundação e 02.06.2010 foi igualmente sócia da referida lavandaria (cf. certidão a fls. 494ss dos autos principais);
f) Aquando da apresentação à insolvência, a insolvente declarou (apenas) ser empregada de balcão dessa sociedade, auferindo um salário mensal de €500 (cf. relatório a fls. 334ss dos autos principais);
g) Os insolventes residem em habitação arrendada, contra o pagamento de uma renda mensal de €340 com um filho maior, desempregado (cf. relatório a fls. 334ss dos autos principais);
h) A habitação foi tomada de arrendamento em 29.11.2010 e consubstancia vivenda com três pisos;
i) Pelo Exmo. Sr. AI foram reconhecidos créditos no valor global de €157.992,71 (cf. fls. 6 do apenso B), sendo que (pastas contendo as reclamações de créditos):
- €12.793,21 foram reclamados pelo Banco.. com fundamento em:
- Contrato de mútuo celebrado com a insolvente mulher em 27.12.2007 e incumprido desde 20.10.2011;
- Contrato de mútuo celebrado em 21.12.2009 com ambos os insolventes para pagamento de débitos anteriores e incumprido desde 20.01.2012;
- €35.396,30 foram reclamados pelo B.. com fundamento em:
- €1.231,84 em saldo devedor (pelo menos desde 23.06.2009) de conta de depósitos à ordem titulada pelo insolvente marido; para cobrança coerciva do valor em dívida foi instaurada a AECOP que sob o n.º 3104/09.0TBGMR correu termos por este juízo, à qual foi atribuída força executiva e Outubro de 2009, e posteriormente a execução que sob o n.º 302/11.0TBGMR correu termos pelo Juízo de Execução deste Tribunal, tendo a insolvente mulher sido citada para tal processo em 24.03.2011 e o insolvente marido em 2013 (cf. certidão a fls. 286ss dos autos principais);
- O remanescente, em contrato de mútuo com hipoteca celebrado com ambos os insolventes em 09.10.2006 e incumprido desde 12.11.2008; para cobrança coerciva do valor em dívida foi instaurada a execução que sob o n.º 3007/09.9TBGMR corre termos pelo Juízo de Execução deste Tribunal, tendo os insolventes sido para ela citados em 14.09.2009 (cf. certidão a fls. 173ss dos autos principais);
- €20.395,03 foram reclamados pela C.., SA, com fundamento em contrato de mútuo celebrado com a F.. em 08.09.2008 e incumprido desde 05.03.2009 e garantido por fiança prestada pelo insolvente marido;
- €18.630,36 foram reclamados pelo ISS, com fundamento em contribuições devidas e não pagas pela F.. reportadas ao período compreendido entre Setembro de 2008 e Agosto de 2011;
- €47.593,93 foram reclamados pela I.. e encontra-se titulado por livrança subscrita em 11.06.2007 pela F.. e avalizada pelos insolventes e vencida em 11.11.2009; para cobrança coerciva do valor titulado por esta livrança foi instaurada a execução que sob o n.º 2267/11.1TBGMR corre termos pelo Juízo de Execução deste Tribunal, tendo os insolventes sido citados para tal acção em 15.01.2014 e 12.02.2014;
-€23.019,43 foram reclamados pela S.., SA, com fundamento em livrança subscrita em 21.06.2012 pela F.. e avalizada pelo insolvente marido e vencida em 12.07.2012; a livrança havia sido entregue em branco em 30.05.2007 para garantia de um contrato de mútuo celebrado entre a S.. e a F.. para cobrança coerciva do valor titulado por esta livrança foi instaurada a execução que sob o n.º 3792/13.3TBGMR corre termos pelo Juízo de Execução deste tribunal (cf. certidão a fls. 470ss dos autos principais);
-€134,46 foram reclamados pela Z.., com fundamento em facturas vencidas entre Setembro de 2008 e Janeiro de 2009 e não pagas;
j) Encontra-se pendente desde 02.02.2011 no Juízo de Execução deste Tribunal a execução n.º 517/11.1TBGMR instaurada pelo B.., SA contra a F.., Lda., os insolventes e ainda F.. e C.. com vista à cobrança coerciva da quantia de €13.087,62, titulada por livrança subscrita em 12.03.2003 pela F.. e avalizada pelos demais executados, vencida em 24.11.2010, tendo a insolvente mulher sido citada para tal execução em 14.09.2012 (cf. certidão a fls. 450ss dos autos principais);
k) Encontra-se pendente desde 24.11.2010 no Juízo de Execução deste Tribunal a execução n.º 4294/10.5TBGMR instaurada pela Administração do Condomínio.. contra o insolvente marido com vista à cobrança coerciva da quantia de €535,29, referente a condomínios reportados aos anos de 2008, 2009 e 2010 (cf. certidão a fls. 225ss dos autos principais);
l) Encontra-se pendente desde 24.04.2010 no Juízo de Execução deste Tribunal a execução n.º 1623/10.5TBGMR instaurada pelo Banco.. contra ambos os insolventes com vista à cobrança coerciva da quantia de €26.565,49, titulada por livrança subscrita por ambos em 23.08.2007 e vencida em 15.03.2010 (cf. certidão a fls. 248ss dos autos principais).
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1.2. Factos não provados
a) Que o insolvente-marido procure emprego activamente.

B)De Direito
Os apelantes discordam da decisão quanto à matéria de facto, no que se refere à matéria que consta da única alínea dos fatos não provados, que tem o seguinte teor; “ Que o insolvente-marido procure emprego activamente”.
Entendem que tal fato deve ser considerado “Provado”.
Os recorrentes convocam para a decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnada o depoimento das testemunhas por si arroladas e inquiridas em sede de audiência de julgamento, a saber: A.., M.. e J.., todas devidamente identificadas na acta de audiência de julgamento de 16 de Junho de 2015, encontrando-se gravados os seus depoimentos.
Ouvida a prova indicada, não podemos deixar de concordar com a apreciação que foi efectuada na 1ª instância.
Na verdade a depoente “A.. apenas pôde reproduzir aquilo que o próprio insolvente lhe contou, em encontros ocasionais, tal como a testemunha M.. reconheceu que desconhece concretamente onde e a que portas foi o insolvente bater na sua alegada busca por emprego, apenas se limitando a contar em juízo aquilo que a sua amiga (a insolvente-mulher) lhe transmite. No que tange ao filho dos insolventes, apesar de referir que o pai “ia mandando CV”, quando questionado sobre a inscrição do pai em centro de emprego respondeu espontaneamente ao que cria tal inscrição apenas fora efectuada no ano passado, para efeitos de candidatura dele, depoente, à concessão de uma bolsa de estudo para estudante do ensino superior.
Tais declarações são manifestamente insuficientes para se poder afirmar que o insolvente marido efectivamente se encontre ativamente à procura de emprego”.
Acresce dizer que, a instrução da causa refere-se exclusivamente à demonstração de fatos, e a fundamentação de fato das decisões não pode conter senão matéria de fato (arts. 410 º e 607º, nº 3 do CPC).
Decorre também do artº 607 nº4 do mesmo diploma legal que “ devem na sentença discriminar-se os fatos considerados provados.
Ora fatos são as ocorrências concretas da vida real, respeitem eles aos acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem) ou antes aos eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo [1] .
Constituem ainda matéria de fato os juízos de fato, enquanto realidade empírica integradora de pressupostos de fato de certas normas e não do cerne do juízo de valor legal, como é o caso dos juízos periciais de fato [2].
Fora do conceito normativo de facto situam-se as provas (os meios de prova) – as provas têm por função a demonstração da realidade dos fatos (art. 341º do CC).
Por sua vez as afirmações feitas por testemunhas ou partes relativas a determinadas ocorrências da vida real ou as afirmações constantes da prova pericial não são fatos, mas antes meios de prova que o julgador pode/deve utilizar para formar a sua convicção sobre a concreta materialidade relevante (sobre a realidade do fato).
Ora a matéria pretendida apurada, no seu conjunto – considerar que o insolvente-marido procure emprego activamente”; reporta-se, precisamente, não a qualquer realidade de fato tida por demonstrada, mas antes a uma conclusão a retirar de fatos que deviam ter sido alegados e provados, o que não aconteceu.
Fixados os fatos resta, pois, aplicar-lhes o direito, tendo em vista a resolução da outra supramencionada questão que constitui o objecto do recurso , que ora cumpre apreciar e decidir (al b).
Em abstracto, as normas, definições e conceitos de direito a considerar no conhecimento de mérito em regra estão sinalizadas tanto na sentença como nas alegações do recurso, pelo que em tal plano da nossa parte prescindiremos de insistir na sua evocação até à exaustão.
A decisão proferida nos autos, objeto de recurso, entendeu verificar-se no caso em análise as situações previstas no art.º 186/3 al)a) e 186º/2 al g) do CIRE, que fundamentaram a qualificação da insolvência como culposa.
Quanto ao primeiro fundamento (dever dos recorrentes de apresentação à insolvência) esta questão já foi por nós apreciada, quer como relatora, quer como adjunta, precisamente nos recentes acórdãos datados de 17 de Setembro de 2015 e proferidos nos processos 821/14.7 TGMR-C.G1 e 938/14.8 TBGMR.C.G1.
Entendemos pois que “ os atuais sujeitos passivos da declaração de insolvência, atento o disposto pelo artigo 2º, do CIRE, são as pessoas singulares, as pessoas jurídicas e os patrimónios autónomos, sendo certo que a empresa só é por tal abrangida se tiver personalidade jurídica ou autonomia patrimonial, pois que, caso contrário, é o seu titular que será declarado insolvente [3].
Por seu turno, o artigo 5º do CIRE, estatui que, “para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho, destinada ao exercício de qualquer atividade económica”.
Prevalece, assim, a conceção de empresa como organização, próxima do sentido subjetivo do termo, ou seja, a empresa é o próprio empresário ou o comerciante, mas com algo de objetivo, como decorre do preceituado pelos artigos 18º nº 2 e 162º do CIRE [4] .
Por outro lado, nos termos do preceituado pelo artigo 13º do Código Comercial, a lei só reconhece duas espécies de comerciantes, ou seja, os comerciantes em nome individual e as sociedades comerciais [5] não sendo, assim, os sócios comerciantes, uma vez que a sociedade representa uma individualidade jurídica, distinta e autónoma, dos sócios, sendo os atos de comércio praticados pelos sócios, enquanto sócios, atos da pessoa jurídica sociedade e não daqueles, em nome próprio [6] .
Deste modo, podendo ser titulares de empresas comerciais as sociedades e os comerciantes individuais, e sendo certo que, na linguagem jurídica, os comerciantes têm vindo, gradualmente, a ser equiparados a empresários e as suas organizações produtivas, uniformemente, designadas como empresas [7], resta concluir que os requerentes da insolvência, “na qualidade de representantes e sócios/acionistas de várias sociedades comerciais”, como ficou demonstrado, não são «titulares de uma empresa», nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 18º nº 2 do CIRE.
Ora, não sendo os requerentes da insolvência «titulares de uma empresa» e inexistindo, consequentemente, o dever de apresentação à insolvência, dentro dos 60 dias seguintes (atualmente 30) à data do conhecimento da situação, a mera omissão ou retardamento na apresentação não importa (automaticamente) a classificação da falência como culposa, ainda que tal tenha conduzido a um agravamento da situação económica do insolvente, em conformidade com o preceituado pelos artigos 18º nºs 1 e 2 e 186º nº 5 do CIRE.
Nesta conformidade, importa, pois, apurar se, in casu, é possível imputar aos insolventes uma actuação dolosa ou com culpa grave, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, a qual deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra (segundo o critério plasmado no nº 1, do art. 186º, do CIRE) ou, ainda, se a situação é enquadrável em alguma das alíneas do nº 2, daquele artigo.
É uniforme a interpretação de que o n.º 2 da norma em análise elenca diversas situações em que o legislador presume, de forma taxativa e inilidível, ou seja, sem possibilidade de prova em contrário, que a insolvência é culposa [8] .
E o legislador fê-lo porque a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Fê-lo para facilitar essa qualificação mas concretizou-o a partir de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência. (sublinhado nosso). [9]
Na verdade lidando com uma presunção, sabemos que ela vai perdendo sustentação com um tempo excessivo decorrido entre o ato e o processo. Já se o ato ocorre próximo do processo ou durante o mesmo, a sua ligação à criação ou agravamento da insolvência é mais forte, sustentando melhor a presunção de culpa e o nexo de causalidade.
Manuel A. Carneiro da Frada [10] chama a atenção para o facto de o período de três anos durante o qual são relevantes as condutas causadoras ou agravadoras da insolvência não corresponder a um prazo de prescrição ou de caducidade de determinado direito, mas antes a uma modelação temporal da situação de responsabilidade relevante que não carece de ser invocada, sendo, como todo o direito objectivo, de conhecimento oficioso.
Tem sido defendido que estes factos índice mais do que simples presunções inilidíveis são situações típicas de insolvência culposa [11].
Assim, provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do nº2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento.
De todo o modo, sejam presunções ou factos-índice, o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação para a insolvência.
Segundo a decisão recorrida a factualidade dada como provada é subsumível às previsões do artº 186 nº2 al g).
Também aqui não se concorda com a sentença.
De facto, no caso dos autos tendo em conta os factos elencados nada nos permite afirmar que os insolventes no período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência (04.04.2014) explorassem – e que, como tal, tivessem prosseguido – qualquer actividade (deficitária ou não) e muito menos se provou que tal actividade fosse exercida no interesse pessoal de outras pessoas que não os insolventes, sabendo ou devendo eles saber que tal exploração conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
Na verdade quer o contrato celebrado com a C.. não pelos insolventes mas pela sociedade F.., bem como todos os demais actos praticados pelos recorrentes e elencados nos factos provados ocorreram em momento anterior aos 3 anos que precederam o início do processo de insolvência.
Acresce que, nada nos autos nos permite concluir que o empréstimo referido na decisão recorrida tenha sido contraído depois da instalação da situação de insolvência pois ambas as situações ocorreram no ano de 2008 (ver fatos elencados nas alíneas d) e 1) dos fatos provados.
Não fora esta situação jurídica, outra também não se verifica, inevitavelmente comprovativa de insolvência culposa.
Não esquecendo os objectivos (também moralizadores) do Código da Insolvência (ver o preâmbulo da lei), neste particular importará assinalar pelo contexto factual descrito, que, a solução que se impõe é a de qualificar como fortuita a insolvência em apreço.
E devido a esta constatação fica prejudicada a extensão da referida qualificação (culposa) aos recorrentes e a declaração de inibição de que também foram alvo na douta sentença recorrida, a qual, assim, tem que ser revogada, por procedência da apelação.
Em conclusão
Os requerentes da insolvência, na qualidade de representantes e sócios/acionistas de várias sociedades comerciais, como ficou demonstrado, não são «titulares de uma empresa», nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 18º nº 2 do CIRE;
É uniforme a interpretação de que o n.º 2 do artº 186 do CIRE elenca diversas situações em que o legislador presume, de forma taxativa e inilidível, ou seja, sem possibilidade de prova em contrário, que a insolvência é culposa.
E o legislador fê-lo porque a indagação do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor, ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e o facto da insolvência ou do seu agravamento, de que depende a qualificação da insolvência como culposa, revela-se muitas vezes extraordinariamente difícil. Fê-lo para facilitar essa qualificação mas concretizou-o a partir de factos graves e de situações que exigem uma ponderação casuística, temporalmente balizadas pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.
Lidando com uma presunção, sabemos que ela vai perdendo sustentação com um tempo excessivo decorrido entre o ato e o processo.
Já se o ato ocorre próximo do processo ou durante o mesmo, a sua ligação à criação ou agravamento da insolvência é mais forte, sustentando melhor a presunção de culpa e o nexo de causalidade.

III. DECISÃO
Nesta conformidade, os juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, qualificando-se a insolvência como «fortuita» e ficando sem efeito as inibições ali declaradas.
Sem custas.
Notifique
Guimarães, 15 de outubro de 2015
Maria Purificação Carvalho
Maria Cristina Cerdeira
Espinheira Baltar
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[1] A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 406 e 407.
[2] Autores e obra citados na nota 1, pp. 408 e 409
[3] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 4ª edição, Almedina, 2010, 25.
[4] Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, I, 2011, 76 e 77; Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001, 356 e 357.
[5] Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2ª edição, 1970, 236 e segs.
[6] Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo 1º, 1946, 196].
[7] Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, revista e atualizada, 2007, 42 e 46.
[8] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Iuris Editora, 2009, pág. 610; entre muitos outros, acórdãos do STJ, de 6.10.2011, no processo 46/07.8TBSVC-D.L1.S e acórdão desta Relação em que fomos Relatora proferido no processo nº 2127/12 com data de 01 de Outubro de 2013 e publicado em Jusnet50452013.
[9] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Iuris Editora, 2013, pág. 719; Epifânio Maria do Rosário n Estudos de Direito de Insolvência 2015 pp 120 e Mota, Luísa Teixeira in “ A insolvência culposa no CIRE e a Insolvência Dolosa no Código Penal, Mestrado Forense, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Março de 2013.
[10] Vide A responsabilidade dos administradores na insolvência in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66, Vol. II
[11]Neste sentido Ac Tribunal Constitucional de 26.11.2008 DR 2ª Série nº 9 de 14.01.2209