Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
445/13.6TAGMR.G1
Relator: JOSÉ ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: COMPETÊNCIA
CUSTAS
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O Juízo de Execução de Guimarães carece de competência material para conhecer de execução por custas emergentes de processo de insolvência que, por inexistir tribunal de comércio, correu pelos juízos cíveis de Guimarães.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 445/13.6TAGMR.G1 – 1ª Secção.
Recorrente: Ministério Público.
Recorrido: T…, Lda

*

Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
*
O Ministério Público intentou no Juízo de Execução, acção executiva para pagamento das custas decorrentes do processo de insolvência de pessoa colectiva nº 445/13.6TAGMR do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães.
De imediato foi proferido despacho que, julgando o Juízo de Execução incompetente em razão da matéria, indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
É deste despacho que vem interposto o presente recurso pelo Ministério Público, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
III. CONCLUSÕES
I - Os Juízos de Execução foram criados pelo Decreto-Lei n". 148/2004 de 21/01, tendo o Juízo de Execução de Guimarães sido instalado pela Portaria n°. 262/2006 de 16/03, com efeitos a partir de 20 de Março de 2006;
2 De acordo com o disposto no artigo único do Decreto-Lei n". 35/2006 de 20/02, as acções executivas instauradas ao abrigo do regime introduzido pelo Decreto- Lei n° 38/2003 de 8 de Março, que se encontrem pendentes nos Tribunais das Comarcas de Guimarães, nos termos da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, que sejam da competência dos juízos de execução transitam para o juízo de execução;
3 Estipula-se ainda no artigo 102°-A da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - Lei n03/99, de 13/01, com as alterações posteriores - que compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil;
4 - Decorre do disposto no artigo 89.0, n. ° 1, al. a), da mesma Lei, compete aos tribunais de comércio preparar e julgar os processos de insolvência se o devedor for uma sociedade comercial ou a massa insolvente integrar uma empresa;
5 - Porém, na comarca de Guimarães não existe tribunal de comércio, pelo que, de acordo com o disposto nos artigos 94° e 97° da citada Lei Orgânica, tal competência é exercida pelos juízos cíveis e pelas varas de competência mista.
6 - Acresce que a execução por custas não está conexionada directamente com qualquer execução de decisão proferida no âmbito de processo da jurisdição dos tribunais de comércio, da competência exclusiva destes;
7 - O título executivo consiste tão-só numa liquidação (conta) efectuada pela secretaria, cujo montante não foi voluntariamente pago, não tendo havido lugar, nos autos de insolvência, a liquidação da massa insolvente, por força de encerramento nos termos do artigo 232°, nºs 1 e 2 do CIRE.
8 - A douta decisão viola, além do mais, o disposto nos artigos 102°-A e 82°, n°. 1 aI. a), da LOFTJ (Lei n.º3/99, de 13/01 e alterações posteriores) e o disposto no artigo 35° do RCP (Regulamento das Custas Processuais), pelo que deve ser substituída por outra que, julgando competente o Juízo de Execução de Guimarães em razão da matéria, ordene o prosseguimento e a tramitação do processo até final.
Nestes termos, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, julgando competente o Juízo de Execução de Guimarães, ordene o prosseguimento e a tramitação do presente processo até final, assim se fazendo a melhor JUSTIÇA.
A executada não apresentou alegações.
*
Cumpre agora decidir.
*
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil.
Das conclusões formuladas pelo Apelante resulta que a questão a dirimir consiste em saber se o Juízo de Execução do Tribunal da Comarca é o competente em razão da matéria para conhecer de acção executiva instaurada para pagamento das custas decorrentes de processo de insolvência de pessoa colectiva nº 445/13.6TAGMR do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães.
***
Vejamos:
A competência é um pressuposto processual relativo ao tribunal, medida da jurisdição atribuída a cada tribunal.
Para Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1979, págs. 94 e 95) a competência em razão da matéria é a competência das diversas espécies de tribunais, diversas ordens de tribunais dispostas horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação, baseando-se a definição desta competência na matéria da causa, ou seja no seu objecto, encarado sob o ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada, sendo que o tribunal regra é o da comarca.
A instituição de diversas espécies de tribunais e a demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização. Este princípio constitui o fundamento da competência em razão da matéria, atribuindo a órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito, pela grande pluralidade e especificidade das normas que os integram.
Cabe às leis de orgânica judiciária definir a divisão jurisdicional do território português e estabelecer as linhas gerais da organização e da competência dos tribunais do Estado, em conformidade com o disposto nos artºs 209 e ss. da CRP. As leis de processo surgem, neste ponto, como complemento da LOFTJ, (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro e seguintes alterações).
Nos termos do artº 62, nº 1, do CPC: “A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código”, acrescentando o nº 2 que: “Na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, a hierarquia judiciária, o valor da causa, a forma de processo aplicável e o território.”.
A competência, em razão da matéria, dos tribunais de competência especializada, é determinada pelas leis da organização judiciária, cfr. artº 67 do CPC.
O artº 18 da LOFTJ, sob a epígrafe “Competência em razão da matéria”, dispõe no seu nº 2 que: “O presente diploma determina a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais, estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência específica.”.
A questão concreta posta no presente recurso, tem vindo a ser suscitada em outros recursos desta Relação.
Nos tribunais da Relação tem havido - ver, entre outros, os acórdãos desta Relação de Guimarães de 20.11.2012 (Ana Cristina Duarte), de 16.06.2011 (Isabel Rocha) e de 18 de Dezembro de 2012 (Rita Romeira)] - em casos iguais ao presente ou em casos similares (onde valem mutatis mutandis os mesmos argumentos), entendimentos divergentes.
Temos entendido que, tratando-se de execução por dívida de custas cíveis, tem aplicação o disposto no n.º 3 do artigo 102º citado, que atribui as competências previstas no Código de Processo Civil aos juízos de execução, uma vez que na comarca de Guimarães não existe o respectivo tribunal de competência especializada ao qual o artigo 103º a atribui.
Concordamos, todavia, com aqueles que sustentam que a competência num caso como o vertente não cabe ao Juízo de Execução.
A situação do caso vertente é diferente da dos processos dos tribunais de família e menores.
Isto pelo seguinte:
Estamos perante uma execução por custas emergentes de um processo de insolvência que correu por um juízo cível, na certeza de que na circunscrição judicial de Guimarães não existe tribunal de comércio (v. art.s 94º da LOFTJ).
Entretanto, regem para o caso, nuclearmente, os art.s 102º e 103º da LOFTJ, que estabelecem o seguinte:
Art. 102º:
1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
3 - Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior.
Art. 103º:
Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões.
Deste conjunto normativo vê-se que os juízos de execução não possuem competência para tramitar quaisquer execuções (incluindo portanto as execuções por custas) relativas a matérias legalmente consignadas à apreciação aos tribunais de comércio, e entre estas estão as que se reportam ao processo de insolvência (v. art. 89º nº 1 a) da LOFTJ).
Ora, quando a lei exclui da competência dos juízos de execução os processos executivos por custas cujo processamento atribui aos tribunais de comércio na medida em que estes existam na respectiva circunscrição judicial, está também a excluir dessa competência os processos que, por inexistência de tribunal de comércio, tenham caído na competência residual dos juízos cíveis. Não há qualquer razão para distinguir.
Por isso tem razão a decisão recorrida aí onde diz que a competência dos juízos de execução é delimitada pela natureza dos processos e não pela existência ou não de tribunais de competência especializada quanto a certas matérias.
Daqui que não nos parece significativo o argumento do Apelante quando afirma que não faz sentido que as execuções por custas contadas em certos processos do foro cível sejam da competência do juízo de execução e que, por não existir na circunscrição tribunal de comércio, passem a ser os juízos cíveis os competentes para as execuções emergentes de processos identificados na competência dos tribunais de comércio. Na realidade, numa situação como a sub judice faz tanto sentido que a competência caiba ao juízo cível, como faria se, existindo tribunal de comércio, a este coubesse (como teria que caber) tal competência. Pois que em qualquer dos casos estamos perante espécies processuais (processo da competência do tribunal de comércio/processo da competência do juízo cível por não existir tribunal de comércio) de natureza idêntica, onde deve valer, portanto, o mesmo tratamento.
E se assim é, como julgamos que é, então o tribunal ora recorrido carece efectivamente da competência material em discussão, estando esta deferida, ao invés, ao tribunal competente em matéria de comércio, na circunstância o 4º Juízo Cível de Guimarães.
Como se disse no Ac. deste Tribunal da Relação de 14/02/2013, Relator Manuel Bargado, Proc. n.º 140/12.8TAGMR.G1: “O processo de insolvência, que é um processo de execução universal visa, no essencial, a satisfação dos credores, designadamente através da liquidação do património do devedor, cujo produto obtido deve ser repartido pelos credores (sem prejuízo de tal satisfação se poder fazer através de insolvência baseado na recuperação da empresa insolvente).
É o património do devedor à data da declaração de insolvência, ou seja, a massa insolvente que responde pelas dívidas da insolvência, - as que já existiam antes da declaração de insolvência - e pelas dívidas da massa insolvente – aquelas que decorrem do processo de insolvência (arts. 46.º, 47.º e 51.º do CIRE).
Assim, constituem dívidas da massa insolvente as custas judicias, que, como as demais custas desta natureza, são pagas com precipuidade, o que significa que os créditos sobre a insolvência são preteridos no confronto com os créditos da massa (art. 172.º do CIRE).
Será, pois, através do processo de liquidação regulado nos artigos 156.º e ss. do CIRE, que tem a natureza de processo executivo, que deve realizar-se o pagamento das custas do processo de insolvência, tanto mais que é na liquidação que se procede à venda dos bens do devedor, para com o produto da venda serem satisfeitos os créditos da massa e os créditos da insolvência.
Acresce que, no caso das dívidas relativas a custas do processo de insolvência, nem sequer é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 89.º do CIRE: “O preceito (art. 89º do CIRE) não quadra às custas do processo de insolvência, como decorre da valorização do disposto nos arts. 182°, n° 1 do CIRE e 29°, n° 1, e) do Regulamento das Custas Processuais.
Apesar da conta de custas ser elaborada ao longo do processo, deve o seu balanço ser efectuado, nos processos de insolvência e quando elas (custas) constituam encargo da massa, 10 dias após a liquidação do activo.
A secretaria do tribunal deverá efectuar a distribuição e rateio final depois de encerrada a liquidação e de elaborada a conta. É exactamente por o apuramento do que ainda sobra para pagar aos credores depender do apuramento do que seja necessário para pagar as custas (que, como dívida da massa, goza da garantia da precipuidade) que, em linha com a nossa tradição, o rateio e distribuição final são postos a cargo da secretaria (ao contrário do que acontece com os rateios parciais, que têm de ser propostos pelo administrador e aprovados pelo tribunal). Nessa altura, e só nessa altura, procederá o administrador ao pagamento das custas e dos restantes créditos.
Resulta dos considerandos expostos que, seguindo o processo de insolvência (em vista de alcançar a sua finalidade precípua — a satisfação do interesse dos credores) a via da liquidação, a satisfação das custas do processo obedece aos termos e trâmites especialmente previstos no CIRE — é em seguida ao rateio final, encenada a liquidação da massa insolvente (e por isso com o produto da alienação dos bens aí alcançado) que tal dívida da massa é satisfeita, não podendo ela ser satisfeita com recurso a autónoma execução (sendo certo que se fosse possível recorrer à execução, autónoma, ela sempre seria da competência material do tribunal competente para a insolvência — art. 89°, n°2 do CIRE)”.
Estamos inteiramente de acordo com este raciocínio, que subscrevemos.
E se assim é, como julgamos que é, então o tribunal ora recorrido carece efectivamente da competência material em discussão, estando esta deferida, ao invés, ao tribunal competente em matéria de comércio, na circunstância o 4º Juízo Cível de Guimarães.
Donde, nenhuma censura merece o despacho recorrido, sendo por isso de confirmar.
***

Sumário (art. 713º, nº 7 do CPC):
O Juízo de Execução de Guimarães carece de competência material para conhecer de execução por custas emergentes de processo de insolvência que, por inexistir tribunal de comércio, correu pelos juízos cíveis de Guimarães.
***

Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.
Guimarães, 6 de Março de 2014
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga