Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
641/09.0TBMNC-A.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
HIPOTECA
DOCUMENTOS COMPLEMENTARES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Não há manifesta insuficiência de título executivo, e não há causa de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art.º 820º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura pública de constituição de hipoteca, dada à execução, ao abrigo do art.º 50º do mesmo código, que o credor realizou prestação posterior em cumprimento do negócio, tendo-se o devedor ali obrigado a restituir certo capital financiado e juros de mora em caso de incumprimento do contrato que lhe seja imputável.
2- O incumprimento, como causa do reembolso, não obsta à suficiência do título, por estar previsto no mesmo, como causa do certo reembolso garantido pela hipoteca, e os executados não ficam prejudicados nos seus direitos, podendo defender-se no incidente de oposição que deduziram, de natureza declarativa, como fariam na ação declarativa comum.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I.
Na execução comum, destinada ao pagamento de quantia certa, que lhe é movida por I…, I.P, com sede na…, Lisboa, veio o executado J…, com domicílio na…, Monção, deduzir oposição à execução pela qual discute a relação que se estabeleceu entre ambas as partes no âmbito de um contrato de atribuição de ajuda do exequente ao executado para execução de um projeto de investimento agrícola.
Citando o título executivo, o executado refere o seguinte:
«8. O título executivo apresentado pelo exequente é uma escritura de hipoteca voluntária na qual resulta escrito o seguinte:
“Que o I…, com sede em Lisboa (…) vai proceder ao pagamento de uma ajuda de OITO MILHÕES QUINHENTOS E CINQUENTA E QUATRO MIL SEISCENTOS E QUARENTA E CINCO ESCUDOS, decorrente da celebração de um contrato de atribuição de ajuda ao abrigo (…).
Que no caso de incumprimento por eles outorgantes de qualquer das obrigações que o contrato visa assegurar ou o desaparecimento, que lhes seja imputável, de qualquer requisito de concessão de ajuda, eles outorgantes, obrigam-se a reembolsar o I… de quanto tenham recebido a título de ajuda (…).
Que no caso de mora deles outorgantes no reembolso da ajuda, nos ternos previstos no contrato referido na cláusula primeira, passará a incidir sobre a importância em dívida, juros à taxa de 17% (…)”.
9. Por sua vez retira-se o seguinte, em súmula, do requerimento executivo:
a) que o executado apresentou ao exequente um projecto. (nº 2 RE).
b) os objectivos do executado eram a sua primeira instalação como jovem agricultor, aquisição de prédio rústico, construção de 4 estufas, implantação de roseiras, aquisição de motocultivador, alfaias e sistemas de rega. (nº 3 RE).
c) o projecto foi aprovado(…) condicionado à constituição de uma hipoteca. (nº 4 RE).
d) O executado enganou o exequente, apresentando-lhe um documento falso. (art13 do RE).
e) No caso de incumprimento do beneficiário (…) o exequente pode unilateralmente rescindir o contrato de atribuição de ajuda (nº 16 RE).» (sic)
Passa depois o executado a tentar demonstrar que o exequente abusa do seu direito e age com má fé, tentando executar aquilo a que sabe não ter direito. O exequente em nada contribuiu para o projeto, sem que com isso o executado não tivesse cumprido na íntegra, com elevado risco e sacrifício.
O exequente não ofereceu contestação.
Nesta sequência, após algumas vicissitudes ligadas à junção do contrato de apoio, o tribunal proferiu despacho saneador, onde, conhecendo oficiosamente uma questão prévia nos termos do disposto no art.º 510º nº 1 al. a), do Código de Processo Civil, decidiu julgar extinta a execução por manifesta fata de título executivo.

Inconformado, o exequente apelou da decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Sentença recorrida, tendo sido proferida no quadro da tramitação processual dos presentes autos de Oposição à execução (Apenso A), é absolutamente omissa quanto á factualidade que o Tribunal a quo terá tido (ou poderia ter tido) por relevante na prolação da decisão nela contida, de extinção da execução (autos principais), porquanto não especifica os fundamentos de facto que terão justificado tal decisão de extinção da execução (autos principais),
2. A omissão pelo Tribunal a quo da fundamentação de facto na Sentença recorrida, constitui violação do disposto, designadamente nos nºs 2 e 3 do artº 659º do CPC, com a consequente nulidade da Sentença recorrida por força do disposto na al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC;
3. Como tal a Sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra a ser elaborada em conformidade com o disposto no artº 659º do CPC;
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4. O Instituto instruiu a execução (autos principais) com escritura pública de hipoteca na qual os outorgantes expressamente declararam “QUE todos os documentos e quaisquer escritos ou papéis respeitantes ou por qualquer modo em conexão com a presente hipoteca e com a operação de financiamento a que ela se reporta haver-se-ão, para todos os efeitos legais e especialmente com vista à força executiva da presente escritura, como passados de conformidade com ela ou nela referidos nos termos do disposto do número dois do artigo cinquenta do Código do Processo Civil.” (negrito e sublinhado do signatário), bem como com documentos “adicionais” passados em conformidade com as cláusulas dela constantes e “respeitantes ou por qualquer modo em conexão com ela e com a operação de financiamento a que ela se reporta” e nos quais se acha demonstrado que
(i) alguma prestação futura foi realizada para conclusão do negócio - o processamento e pagamento pelo Instituto ao Oponente da quantia relativa ao Prémio de 1ª Instalação;
(ii) alguma nova obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes – a obrigação de devolução de tal quantia pelo Oponente ao Instituto, imediatamente decorrente da rescisão unilateral do Contrato de Atribuição de Ajuda que, para todos os efeitos, constitui prática de acto administrativo na acepção do artº 120º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), consolidado na ordem jurídica com força de “caso decidido” porquanto o Oponente o não impugnou graciosa e/ou contenciosamente nos termos das respectivas norma processuais aplicáveis e com ele, assim, se havendo conformado;
5. Como tal, a escritura pública de hipoteca dada à execução nos autos principais, acompanhada dos documentos passados em conformidade com as cláusulas dela constantes nos quais se demonstra que alguma prestação futura foi realizada para conclusão do negócio e que alguma nova obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, constitui título executivo na acepção da al. b) do nº 1 do artº 46º do CPC, revestido de exequibilidade a que se alude o artº 50º do CPC;
6. Ao decidir como decidiu na Sentença recorrida, o Tribunal a quo errou na apreciação da realidade documental e documentada nos autos principais, assim como também violou o disposto, conjugadamente na al. b) do nº 1 do artº 46º e no artº 50º, ambos também do CPC.» (sic)
Defendeu assim a revogação da decisão e a prossecução da execução.
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Em contra-alegações, o executado defendeu, sinteticamente, que não assiste qualquer razão ao recorrente, por não resultar da hipoteca que a mesma seja título executivo válido e eficaz porquanto do mesmo não decorre qualquer assunção de responsabilidade para o oponente.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a apreciar
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redação que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável).

São duas as questões trazidas à discussão no recurso:
a) Nulidade da decisão nos termos do art.º 668º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil; e
b) Valor da escritura pública de hipoteca como título executivo nas condições trazidas ao processo de execução.
III.
1- Nulidade da decisão nos termos do art.º 668º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil [1]
Dispõe o art.º 668º, nº 1, al. b), que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta exigência aplica-se, até onde for possível, aos próprios despachos (art.º 666º, nº 3).
Nos termos do art.º 158º, “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
Diz-se sentença o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (art.º 156º, nº 2).
Esta designação não sofreu modificação substancial desde o Código de Processo Civil de 1939 [2].
Na ação declarativa a sentença só aparece [3]:
a) Quando o juiz, na altura do despacho saneador, conhece do mérito da causa;
b) Quando o processo segue os trâmites normais e, em seguida à audiência final de discussão e julgamento, ou no ato dela, o juiz decide a causa, quer conheça do objeto dela, quer absolva o réu da instância;
c) Quando o juiz homologar a confissão do réu, a desistência do autor, ou a transação das partes.
A oposição à execução é uma ação de pendor declarativo enxertada na ação executiva e, por isso, aplica-se-lhe esta doutrina.
Como assim, não basta que o juiz faça extinguir a execução, no incidente de oposição que lhe corre por apenso, para que a decisão constitua uma sentença.
A Ex.ma Juiz decidiu no saneador, mas não conheceu de mérito. Tal como lhe chama o próprio código, foi proferido um despacho de indeferimento (cf. art.ºs 812º, nº 2, al. a), 812º-E e 817º, que pode até nem ser liminar --- e no caso não foi --- ao abrigo do art.º 820º, nº 1).
Devendo ser fundamentados, as especificações previstas nos art.ºs 653º, nº e e 659º, nº 2, não são aplicáveis aos despachos, nomeadamente às decisões que não se baseiam em factos provados e não provados. No caso, o despacho sustenta-se em factos alegados e, sobretudo, nos documentos apresentados como título executivo e, como tal, referenciados e acolhidos no requerimento de execução.
Dada a discussão do valor de determinados documentos como título executivo, é à luz da sua natureza e conteúdo, a analisar pelo tribunal, porventura juntamente com outros documentos também juntos pelo exequente, que a questão deve ser decidida. Não há factos a discutir, nem a provar e não faz sentido o tribunal transcrever o documento para o despacho que o analisa nem o requerimento de execução que o possa transcrever.
O despacho recorrido desenvolve os motivos pelos quais indefere o requerimento inicial, discutindo os termos da escritura pública de hipoteca que o exequente deu à execução. Está, portanto, fundamentado.
Ademais, só uma falta absoluta de fundamentação justificaria a nulidade invocada.[4]
Falece a invocada nulidade, decaindo o apelante na primeira questão do recurso.
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2- Valor da escritura pública de hipoteca como título executivo nas condições trazidas ao processo de execução
Um dos pressupostos específicos da ação executiva, porventura o mais importante, é que o dever de prestar conste de um título: o título executivo. Sem este pressuposto, formal pela sua natureza, inexiste o grau de certeza que o sistema tem como necessário para o recurso à ação executiva, ou seja, à realização coativa de uma determinada prestação (ou do seu equivalente). Tal título há de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar. Por constituir a base da execução, pelo título se determina, além do mais [5] o seu objeto como parte dos limites da ação executiva --- cf., na lei, o art.º 45º.
Como refere Lebre de Freitas [6], “o título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto (n.º 1), assim como a legitimidade activa e passiva para a acção (art. 55-1)”.
Nenhuma ação executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objeto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação ou de simples apreciação. [7]
Foi dada à execução uma escritura pública de constituição de hipoteca, pelos executados, a favor do exequente, tendo por objeto um imóvel determinado. É um documento autêntico (art.º 369º, nº 1, do Código Civil e art.º 35º, nºs 1 e 2, do Código do Notariado).
De entre as diversas espécies de título executivo há que considerar aqui a que o art.º 46º[8] indica sob a respetiva al. b) do nº 1: «Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação» [9].
De acordo com o art.º 50º, “os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.
Antunes Varela já em 1985 [10] refere que “no caso especial da escritura pública em que se convencionem prestações futuras, quer a escritura pública seja de uma promessa de contrato (v. g., contrato-promessa de mútuo), quer seja de contrato definitivo, tendo em vista prestações futuras (abertura de crédito, contrato de fornecimento, contrato de financiamento, contrato de venda de coisas futuras, etc.), para que a escritura «possa servir de base à execução, torna-se mister provar a realização da prestação prevista, seja por documento com força executiva, seja por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura.
Enquanto se não faz a prova da efectiva realização da prestação, não pode dizer-se, com rigorosa propriedade, que o documento prova a existência de uma obrigação,…”.
Como se vê, tal prova tem que ser efetuada por documento; de duas, uma: ou o documento tem força executiva própria, autónoma, independente da escritura pública, ou então terá que satisfazer as exigências formais postas na escritura. Nesta última hipótese, o documento tem que ser passado em conformidade com as cláusulas constantes do negócio jurídico consubstanciado no documento em causa. Em qualquer caso, tem que provar que a obrigação futura, que se pretende executar, foi efetivamente constituída.
Os documentos que o exequente invoca para defender a exequibilidade do título não têm força executiva própria. São, nas suas palavras, o “documento de processamento e pagamento pelo Instituto ao Oponente da quantia relativa ao Prémio de 1ª Instalação” e o que chamou de “a obrigação de devolução de tal quantia pelo Oponente ao Instituto, imediatamente decorrente da rescisão unilateral do Contrato de Atribuição de Ajuda” [11].
O primeiro é o documento de fl.s 33 e 34.
O segundo (fl.s 41), com apoio contratual, só pode ser a carta registada com A/R, datada de 20.9.1993 e enviada pelo exequente ao executado anunciando que, por deliberação da Comissão Diretiva, o I… rescindiu unilateralmente o contrato de atribuição de ajuda referente ao projeto por ele apresentado, produzindo tal rescisão efeito a partir daquela comunicação, ali se concluindo --- sem prejuízo e qualquer esclarecimento sobre os motivos da rescisão junto dos serviços regionais daquela entidade --- que o total em dívida é de esc.1.928.831$00 (esc.1.440.015$00 de ajuda e esc.488.816,00 de juros).
São documentos que não se revestem de força executiva própria e, como tal, documentos que, necessariamente, hão de ter sido emitidos em conformidade com as cláusulas constantes do contrato de hipoteca e hão de provar que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes, sob pena de inexequibilidade do título dado à execução.
Somos agora remetidos para a escritura pública de constituição da hipoteca, de onde resulta expresso “que todos os documentos e quaisquer escritos ou papéis respeitantes ou por qualquer modo em conexão com a presente hipoteca e com a operação de financiamento a que ela se reporta haver-se-ão, para todos os efeitos legais e especialmente com vista à força executiva da presente escritura, como passados de conformidade com ela ou nela referidos nos termos do disposto do número dois do artigo cinquenta do Código do Processo Civil” [12}.
Previamente convencionou-se na mesma escritura que o I… vai proceder ao pagamento de uma ajuda no montante de oito milhões quinhentos e cinquenta e quatro mil seiscentos e quarenta e cinco escudos decorrente da celebração do contrato de atribuição de ajuda subscrito por ambas as partes. E dando tal contrato de ajuda por reproduzido [13], estabelecem ali que “em caso de incumprimento por eles outorgantes de qualquer das obrigações que o contrato visa assegurar ou do desaparecimento, que lhes seja imputável, de qualquer dos requisitos de concessão de ajuda, eles outorgantes obrigam-se a reembolsar o I… de quanto tenham recebido a título de ajuda, acrescido de juros à taxa anual de dezassete por cento…”.
Como garantia do aludido reembolso, juros, despesas e demais encargos nos termos clausulados, constituíram a hipoteca voluntária sobre um prédio rústico determinado.
Frisamos que a exequibilidade dos títulos judiciais funda-se, como acentua a doutrina processualista {14], em duas razões:
a) a relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida e, portanto, da inutilidade do processo declaratório conduzindo presumivelmente ao mesmo resultado que se pode obter pelo simples exame do título;
b) a possibilidade de se comprovar no próprio processo executivo, comportando para tanto as necessárias formalidades, que apesar do título a obrigação não existe, ou porque não chegou a constituir-se validamente, ou entretanto se extinguiu.
Há documento complementar bastante com prova adminicular da entrega, pelo credor, ao executado devedor da quantia de esc.1.440.015$00 a título de prémio de 1ª instalação. Com base naquele documento junto a fl.s 33 e 34, está feita a prova da realização de uma prestação em cumprimento do contrato, conforme, aliás, foi previsto pelas partes. Está tal documento passado em sintonia com as cláusulas que foram exaradas na escritura pública. Prevê-se ainda obrigação de restituição em caso de incumprimento. Tanto basta para que a escritura pública esteja revestida de força executiva complementada pela realização da referida prestação futura convencionada.[15]
Reveste-se, aliás, amplíssima, a forma como os executados se quiseram obrigar sob a força do título executivo, incluindo a situação de incumprimento contratual a eles imputável, com garantia da hipoteca, como obrigação futura, e prevendo abertamente os documentos destinados à prova da conformidade da prestação futura à escritura pública (quaisquer escritos ou papéis respeitantes ou por qualquer modo em conexão com a presente hipoteca e com a operação de financiamento…).
Os fundamentos que os oponentes invocam para justificarem a inexistência da dívida exequenda escapa à formação do título, estão para além dele, e constituem defesa compatível com o processo de execução. Podem, efetivamente, defender-se no incidente de oposição que deduziram, sem necessidade de recorrer à ação declarativa comum, aliás, como fizeram (art.º 816º).
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SUMÁRIO
1- Não há manifesta insuficiência de título executivo, e não há causa de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art.º 820º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas da escritura pública de constituição de hipoteca, dada à execução, ao abrigo do art.º 50º do mesmo código, que o credor realizou prestação posterior em cumprimento do negócio, tendo-se o devedor ali obrigado a restituir certo capital financiado e juros de mora em caso de incumprimento do contrato que lhe seja imputável.
2- O incumprimento, como causa do reembolso, não obsta à suficiência do título, por estar previsto no mesmo, como causa do certo reembolso garantido pela hipoteca, e os executados não ficam prejudicados nos seus direitos, podendo defender-se no incidente de oposição que deduziram, de natureza declarativa, como fariam na ação declarativa comum.
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IV.
Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, ordenando-se o normal prosseguimento da oposição.
Custas da apelação pela parte vencida, a final.
Guimarães, 13 de março de 2014
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Diploma a que pertencem as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Segundo o respetivo art.º 156º, § único, “cabe a designação de sentença ao acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente, segundo a lei, a figura de uma causa.”
[3] Alberto dos Reis assim entendia já à luz daquele Código de Processo Civil de 1939, vol. 2º, pág. 155..
[4] Cf. entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.4.2004 e de 10.4.2008, in www.dgsi.pt e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. 5º, pág. 140.
[5] O tipo de acção e a legitimidade das partes.
[6] Código de Processo Civil anotado, Coimbra editora, 1999, pág. 87.
[7] Cf. Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª edição, p. 35, nota 2, citando BRUNS-PETERS, ZVR München, 1987, p. 20; BROX-WALKER, ZVR Kõln, 1990, pág. 31).
[8] Na redação que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 226/08, de 20.11 (cf. respetivos art.ºs 22º, nº 1 e 23º).
[9] A redação desta alínea é a que fi conferida pelo Decreto-lei nº 116/2008, de 4 de julho.
[10] Manual do Processo Civil, Coimbra, 2ª edição, 1985, pág. 85.
[11] Conclusão IV, i) e ii).
[12] Vigorava então a versão do Código de Processo Civil anterior à que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, correspondendo o atual corpo do artigo ao nº 2 do art.º 50º naquela versão.
[13] As condições gerais do contrato preveem, sob a respetiva al. F. (F.1.) a rescisão e modificação unilateral do contrato, designadamente em consequência de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações que lhe seja imputável.
[14] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, ed. de 1979, pág. 60.
[15] Cf. acórdãos do STJ de 3.11.2011, proc. 1552/07.0TBOAZ-E.P1.S1 e de 20.10.1992, proc. 082622, acórdão da Relação do Porto de 18.11.2008, proc. 0825818, in www.dgsi.pt.