Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
12/23.6 PBGMR-A.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: METADADOS
DADOS CONSERVADOS POR OPERADORA DE COMUNICAÇÕES
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: MAIORIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- A Lei nº 32/2008, de 17.07, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, de 15 de março, que alterou a Diretiva n.º 2002/58/CE, de 12 de Junho, regula a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização de comunicações eletrónicas relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes.
II- A Diretiva 2006/24/CE, visou (face às grandes divergências de leis nacionais que criavam sérias dificuldades práticas e de funcionamento do mercado interno) estabelecer normas de harmonização, no espaço da União Europeia, de conservação de dados de tráfego e dados de localização, bem como dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, que são normas de tratamento dos dados pelos fornecedores de comunicações para determinada finalidade, mas não regulou, nem podia regular, a atividade das autoridades públicas (órgãos de polícia criminal, Ministério Público, juízes e tribunais) com competência para assegurar a realização daquela finalidade.
III- Importa distinguir a atividade de conservação de dados de tráfego e de localização da atividade de acesso a esses dados, as quais constituem ingerências distintas em matéria de direitos fundamentais, como é o caso do direito à privacidade.
IV- O regime de acesso a dados pessoais pelas autoridades competentes, para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais encontra-se previsto na Lei n.º 59/2019, de 08.08 (Lei de Proteção de Dados Pessoais), que transpôs a Diretiva (UE) 2016/680.
V- O acesso, no âmbito do processo penal, a dados conservados na posse de fornecedores de serviços de comunicações encontra-se previsto nos artigos 187.º a 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do CPP e na Lei n° 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime).
VI- Nesta conformidade, por se situarem em planos distintos, a Lei nº 32/2008, de 17.07, não revogou, nem podia ter revogado os artigos 187º a 189 do CPP.
VII- O legislador, na Lei nº 32/2008, de 17.07, excedeu-se na transposição da Diretiva 2006/24/CE , legislando não apenas sobre a conservação e a transmissão de dados, mas também sobre o acesso a esses dados para prova em processo penal (cfr. artigo 9º, declarado inconstitucional pelo Ac. TC nº 268/2022). Ora, tal alteração deveria ter sido efetuada no local próprio, ou seja, no Código de Processo Penal, o que não sucedeu, mantendo-se inalterada a redação dos artigos 187º, nº 1 e 189º, nº 2. Em resultado disso passou a existir um catálogo de crimes para cuja prova desses dados poderiam ser utilizados, ou seja, os crimes graves previstos no artigo 2º, nº 1 al. g), que é diferente do catálogo previsto para as interceções do nº 1 do artigo 187º do CPP.
VIII- O artigo 189º, nº 2 do CPP, que não foi revogado pela Lei nº 32/2008, de 17.07, constitui, pois, a norma fundamento para acesso aos dados tráfego e de localização conservados para prova dos crimes previsto no nº 1 do artigo 187º do CPP que não integram o conceito de crimes graves do artigo 2º, nº 1 al. g) da referida lei.
IX- Mas ainda que assim não fosse, atualmente face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 9º da Lei nº 323/2008, de 17.07, por força do Ac. TC nº 268/2022, tendo em conta o preceituado no artigo 282º da CRP, o nº 2 do artigo 189º do CPP sempre seria de considerar-se repristinado. O que quer dizer que atualmente este preceito legal sempre constituiria a única norma que permite o acesso a dados de tráfego e de localização conservados relativamente aos crimes indicados no nº 1 do artigo 187º do CPP.
X- O acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 manteve intocado o referido regime acesso a dados conservados pelas autoridades com vista à investigação de determinados crimes, designadamente os referidos artigos 187º a 189º do CPP e a aludida Lei nº 109/209 (Lei do Cibercrime).
XI- Mas, declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da Lei nº 32/2008, com o sentido que ficou assinalado, e tendo anteriormente sido declarada invalidade a Diretiva 2006/24/CE (Acórdão de 08.04.2014, Digital Rights Ireland) subsiste a Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12.06, transposta pela Lei nº 41/2004, de 18.08.
XII- A Lei 41/2004, de 18.08, grosso modo, impõe aos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas a obrigação de conservarem os dados de tráfegos e de localização para efeitos de faturação pelo prazo de 6 meses contados de cada comunicação.
XIII- Não se destinando, segundo esta lei, os dados conservados para efeitos de prova em processo penal, nada obsta a que eles possam ser utilizados para esse efeito.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo de inquérito (atos jurisdicionais) nº 12/23...., da Procuradoria da República da Comarca ..., em que se investigam factos suscetíveis de integrarem a prática, por individuo desconhecido, do crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º, nº 2 do Código Penal, do qual é vítima a ofendida, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução não autorizou a obtenção dos dados requeridos pelo Ministério Público, por despacho datado de 27 de fevereiro de 2023 (ref.ª citius ...11).
2. Não se conformando com o mencionado despacho, dele interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões (transcrição)[1]:

1. «Os presentes autos iniciaram-se com a denúncia apresentada por AA contra indivíduo de identidade desconhecida dando conta que no período entre Julho de 2022 e Dezembro de 2022 recebeu vários telefonemas a várias horas do dia, com ocultação da linha chamadora, que provocaram inquietação e perturbação psicológica. 2. São, pois, investigados factos susceptíveis, em abstracto, de configurar, entre outros, a prática de um crime de perturbação da vida privada, previsto e punível pelo artigo 190.º, nº2 do Código Penal, crime esse cometido por meio telefónico.
3. Torna-se imperativo apurar da identidade do(s) autor(es) de tais telefonemas, designadamente os realizados no período entre Julho de 2022 e Dezembro de 2022 (sem prejuízo do prazo máximo de 6 meses para conservação dos dados), com origem num “número privado” para a ofendida AA, titular do telemóvel com o nº ...25.
4. A Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, transpôs para o ordenamento jurídico português a chamada Diretiva Europeia de Retenção de Dados. Este diploma legal nacional, em cumprimento da obrigação de transposição daquela Diretiva, veio obrigar os operadores de comunicações a proceder à retenção de dados (designadamente de tráfego).
5. O regime normativo constante da Lei n.º 32/2008 foi, desde a data da sua entrada em vigor, fonte de problemas interpretativos, designadamente na sua compatibilização quer com as normas do Código de Processo Penal, concretamente o regime previsto nos artigos 187.º a 189.º, ambos do Código de Processo Penal quer com a Lei nº 109/2009, de 15.09 – Lei do Cibercrime.
6. Para compatibilização prática destes regimes, muitas vezes até considerados contraditórios considerou-se existirem na verdade duas bases de dados armazenados distintas, para a obrigação/conveniência dos fornecedores de serviços de comunicações quanto à conservação de dados: um geral, que pelo prazo de seis meses habilita os operadores a conservar os dados para efeitos de faturação pelo qual podiam tais dados ser obtidos aplicando as regras próprias do processo penal e da Lei do Cibercrime, a partir da sua entrada em vigor e um regime especial, pelo prazo de um ano, aquele previsto na Lei n.º 32/2008.
7. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/04 foi decidido declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma constante do artigo 4 º da Lei n º 32/2008 de 17 de julho, conjugada com o artigo 6 º da mesma lei por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35 º e do n º 1 do artigo 26 º, em conjugação com o n º 2 do artigo n º 18 º, todos da Constituição.
8. Assim, apesar desta declaração de inconstitucionalidade, ficaram intocáveis e, por isso, são convocáveis no caso em apreço os seguintes normativos: artigos 189.º, n.º 2 e 167.º ambos do Código de Processo Penal, artigo 6.º da Lei nº 41/2004 de 18.08 (concretamente o artigo 6.º, nº7) e 14.º, nº3 da Lei nº 109/2009, de 15.09.
9. De acordo com os normativos citados, é permitida a obtenção e junção aos autos de dados armazenados, in casu, de registos da realização de conversações ou comunicações – “dados de tráfego” que podem ser solicitados em qualquer fase do processo, por decisão do juiz, quanto aos crimes de catálogo do artigo 187º/1 e quanto aos visados previstos no catálogo do artigo 187º/4 desde que a diligência se revista de relevância probatória, isto é, de acordo com o critério de mera necessidade para a prova e com o juízo proporcionalidade previsto no artigo 18º/2 CRP.
10. Estão, pois, preenchidos todos os requisitos de facto e de direito para a obtenção dos dados de tráfego junto das operadoras de telecomunicações, concretamente os conservados pelo período de 6 meses.
11. Não se vislumbra, deste modo, que os elementos de prova que se pretendem obter possam vir a ser obtidos de outra forma que não através da obtenção de dados de tráfego conservados pela operadora de telecomunicações nos termos dos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal e com os limites temporais previstos na Lei nº 32/2008.
12. A leitura conjugada das normas acima referidas, permite concluir que a lei autoriza a obtenção de dados de subscritor e acesso obtidos com fundamento na Lei do Cibercrime e na Lei 41/2004, bem como, permite a obtenção de dados de tráfego e localização obtidos com fundamento na Lei 41/2004, referente a crimes do catálogo e aos visados no artigo 187º/1 e 4 do CPP.
13. As diligências promovidas são indispensáveis para a descoberta da verdade material dos factos e de quem são os seus autores e, a impossibilidade de obtenção dos dados cujo acesso ora se promove, conduzirá necessária e fatalmente ao arquivamento dos autos impedindo, desta forma, a investigação, detecção e repressão de crimes e um aumento do sentimento de impunidade dos autores e de insegurança da comunidade.
14. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 187.º e 189.º, n.º 2 e 167.º ambos do Código de Processo Penal, artigo 6.º da Lei nº 41/2004 de 18.08 (concretamente o artigo 6.º, nº7) e 14.º, nº3 da Lei nº 109/2009, de 15.09.
15. Pelo exposto e com os fundamentos expendidos, deve a decisão recorrida ser revogada.»
3. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, reforçando os fundamentos do recurso, pugnando pela sua procedência.
4. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. artigos 402, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.
Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto pelo M.P., a questão a decidir reconduz-se a saber o seguinte:
Se existe suporte legal que permita o Juiz de Instrução aceder a dados conservados na posse de operadora de telecomunicações móveis, os quais, a serem divulgados, permitirão previsivelmente conhecer o autor das chamadas realizadas entre julho e dezembro de 2022 para o n.º de telemóvel da ofendida, atenta a origem anónima do chamador, o mesmo é dizer identificar o autor de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º, nº 2 do Código Penal. 

2. A promoção do M.P. sobre a qual incidiu o despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição)
No âmbito dos presentes autos são investigados factos susceptíveis, em abstracto, de configurar, entre outros, a prática de um crime de perturbação da vida privada, previsto e punível pelo artigo 190.º, nº2 do Código Penal, crime esse cometido por meio telefónico.
Por esta razão, torna-se necessário apurar da identidade do(s) autor(es) de tais telefonemas, designadamente os realizados no período entre Julho de 2022 e Dezembro de 2022 (sem prejuízo do prazo de 6 meses para conservação dos dados), com origem num “número privado” para a ofendida AA, titular do telemóvel com o nº ...25.
De acordo com o Parecer nº 21/2000 do Conselho Consultivo da PGR: “1.Os elementos de informação respeitantes aos utilizadores de serviços de telecomunicações, geralmente designados como dados de tráfego e dados de conteúdo, e bem assim os dados de base relativamente aos quais os utilizadores tenham requerido um regime de confidencialidade, que, em qualquer dos casos, se encontrem na disponibilidade dos fornecedores de rede pública e dos prestadores de serviços de telecomunicações de uso público,estão sujeitos ao sigilo das telecomunicações, nos termos dos artigos 17º, nº 2, da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto, e 5º da Lei nº 69/98, de 28 de Outubro;
2. Na fase de inquérito, tais elementos de informação, quando atinentes a dados de tráfego ou a dados de conteúdo, apenas poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei de processo penal permite a intercepção das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do juiz de instrução (artigos 187º, 190º e 269º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal);
3. Em relação aos dados de base, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, tendo em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a respectiva esfera privada íntima, os correspondentes elementos de informação poderão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal, em ordem ao prevalecente dever da colaboração com a administração da justiça…”.
De resto, conforme se defende no douto aresto da Relação de Coimbra de 09.12.2009, disponível in www.dgsi.pt “I. Na distinção entre «dados de base», «dados de tráfego» e «dados de conteúdo» os primeiros constituem elementos necessários ao estabelecimento de uma base de comunicação, estando, no entanto, aquém dessa comunicação. II. A protecção, entendida como restrição à transmissão de dados de base, opera apenas enquanto tais dados sejam considerados em interligação com outros dados (de tráfego, de localização ou de conteúdo). III. Enquanto isoladamente considerados, tais dados não podem ser considerados como conexos, não estando abrangidos pela restrição legal da Lei nº32/2008 de 17-07. IV. A identificação de um assinante ou utilizador registado está apenas coberto do sigilo profissional que impende sobre o operador da rede telefónica e pode ser obtida mediante despacho fundamentado da autoridade judiciária, aplicando o disposto no artº 355º do CPP, quando o operador deduzir escusa [sumário retirado da CJ, 2009, T5, pág.46].
A Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, não revogou o disposto no art. 189º, nº 2, do Código de Processo Penal, não impossibilitando a obtenção da identificação de assinante de serviço de telemóvel para investigação de crime que não corresponda a um dos crimes classificados como crime grave pelo art. 2º, nº 1, al. g), daquela Lei [sumário dgsi]…”.
Dispõe o artigo 2.º, nº 1 da Lei nº 41/2004, de 18.08 quanto às definições de dados de tráfego e conteúdo:
d) «Dados de tráfego» quaisquer dados tratados para efeitos do envio de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas ou para efeitos da faturação da mesma;
e) «Dados de localização» quaisquer dados tratados numa rede de comunicações eletrónicas ou no âmbito de um serviço de comunicações eletrónicas que indiquem a posição geográfica do equipamento terminal de um utilizador de um serviço de comunicações eletrónicas acessível ao público.
Dispõe, ainda, o artigo nº 2.º, nº 1, a) da Lei nº 32/2008, de 17.07 que:
«Dados» são os dados de tráfego e os dados de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador.
Assim, posto isto e pese embora o que se pretenda seja a identificação do titular do número de telemóvel que efectuou chamadas para a denunciante AA no período entre Julho e Dezembro de 2022, inclusive, sem identificação (ou com ocultação) da linha chamadora, sendo tais elementos de identificação dados de base, certo é que, para obter tal informação, é necessário o acesso a dados de tráfego, com aqueles conexionados.
Assim sendo e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 187.º, nº 1 alíneas a) e e), nº 4, c) e artigo 189.º, nº 2, ambos do C.P.P., artigo 4.º, nº 2, a), 9.º, nºs 1, 2 e 3, a) da Lei nº 32/2008, de 17.07 e Lei nº 41/2004, de 18.08 p. se oficie à operadora móvel A..., solicitando que:
a) forneça os dados necessários para encontrar e identificar a fonte das comunicações efectuadas para o titular do telemóvel com o nº ...25, no período compreendido entre Julho e Dezembro de 2022 designadamente, as chamadas efectuadas sem identificação (ou com ocultação) da linha chamadora;
b) o número de telefone de origem e o nome e endereço do assinante ou do utilizador registado;
c) No caso dos serviços pré-pagos de carácter anónimo, a data e a hora da activação inicial do serviço e o identificador da célula a partir da qual o serviço foi activado;
d) informação sobre a forma de carregamento do cartão sendo que se este for carregado via multibanco deverá ainda indicar o cartão multibanco que tem procedido aos carregamentos, os respectivos códigos de carregamento e as referências multibanco, para que possam ser continuadas as diligências de investigação em curso nos presentes autos.
Em conformidade, remeta os autos ao juiz, para apreciação e decisão.

3- O despacho recorrido

O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
«Afirmando que se investigam factos que configuram a prática de crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º/2 do CP, pretende o MP que seja solicitado à operadora de telecomunicações os dados que refere e que permitirão conhecer o autor das chamadas realizadas entre Julho e Dezembro de 2022 para o n.º de telemóvel da ofendida, considerando a origem anónima do chamador.
Decidindo:
Deve desde já dizer-se que, com referência ao que demanda intervenção judicial, estão em causa dados de tráfego conservados.
Ora, com a entrada em vigor da Lei 32/2008, de 17/07, no que concerne aos dados conservados, mostra-se revogado o regime processual previstos nos artigos 187.º a 189.º do CPP (entre outros acórdãos do STJ de 06/09/2022, proc. 618/16...., e do TRP de 07/09/2022, proc. 877/22.... e do TR... de 12/10/2022, proc. 538/22.9JALRA.C1), ou seja, parte do regime afirmado pelo MP de suporte à sua pretensão.
Regime (o da Lei 32/2008) que no que importa já se não mantém em vigor, em face da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral – acórdão do TC 268/2022, de 19 de abril – do artigo 4.º conjugado com o artigo 6.º, e do artigo 9.º da Lei 32/2008, de 17/07.
Como se diz em recente acórdão do TRC, acima citado, no caso específico de obtenção de dados de trafego conservados, isto é, a obtenção dos dados previstos no artigo 4.º/1, da Lei 32/2008, o regime processual aplicável assume especialidade nos artigos 3.º e 9.º deste diploma; desaparecendo a especialidade não é consentido recorrer à generalidade, sendo que permitir a obtenção de dados de trafego para além desses crimes é defraudar o espírito do legislado.
Tenha-se presente que a própria CNPD, em face da referida declaração de inconstitucionalidade, já ordenou às operadoras de comunicações a eliminação dos dados pessoais conservados ao abrigo do artigo 4.º. Eliminação dos conservados e, naturalmente, não conservação para o futuro.
Assim sendo, a ter existido (sendo que o caso dos autos não está em causa crime grave – artigo 3.º da Lei 32/2008), presentemente não há lei habilitante.
E, com o devido respeito por diversa posição, lei habilitante também não é a Lei 41/2004, de 18/08.
Na verdade, a ser deferido o requerido pelo MP, a coberto do conjunto normativo que indica, seria em defraudação material à jurisprudência constitucional, na medida em que nesta Lei (41/2004) estaria também em causa uma preservação indiscriminada de dados de tráfego para efeitos de investigação criminal por 6 meses, é certo, mas para crimes menos graves (face à Lei 32/2008).
Como também se diz no acórdão do TRC já referido, por sua vez, a aplicação da Lei 41/2004, de 18 de Agosto, limita-se à proteção contratual, no contexto das relações estabelecidas entre as empresas fornecedoras de serviços de comunicações eletrónicas e os seus clientes, não sendo lícito recorrer a ela para efeitos de investigação criminal – acórdão do TRC de 12/10/2022, proc. 538/22.9JALRA.C1
E na verdade, a Lei 41/2004 (redação dada pela Lei 16/2022, de 16/08) apenas habilita os operadores a conservarem dados [inclusive de tráfego e de localização em face da definição constante do artigo 2.º/1-d) e e)] até final do período durante o qual a fatura pode ser legalmente contestada ou o pagamento reclamado. Ora, salvo o devido respeito, tais dados não comportam os dados de tráfego/faturação detalhada pretendido pelo MP, pois dizem apenas respeito ao assinante, nem no quadro de conexão com os dados de base.
Como se diz no também recente acórdão do TRP, de 07/12/2022, proc. 5011/22.2JAPRT-A.P1:
I – Tendo o acórdão do Tribunal Constitucional declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho (Lei relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto de oferta de serviços de comunicações eletrónicas), não podemos tentar tornear esse acórdão, “deixando entrar pela janela” aquilo a que ele “fechou a porta”; ou seja, não podemos recorrer a outras normas para obter o mesmo efeito que resultaria da aplicação das normas declaradas inconstitucionais sem que essas outras normas contenham aquelas garantias que faltam a estas e que levaram a essa declaração de inconstitucionalidade.
Não é, por isso, legalmente possível recorrer para esse efeito aos regimes dos artigos 187.º e 189.º do Código de Processo Penal (relativo às comunicações em tempo real), nem à conservação de dados de comunicações pretéritas, da Lei n.º 4172008, de 18 de agosto (relativo à proteção contratual no contexto das relações entre empresas fornecedoras de serviços de comunicações eletrónicas e seus clientes), campo distinto do da investigação criminal) e da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime).
Não podem os tribunais substituir-se ao legislador suprindo omissões de onde resultam graves inconvenientes para a investigação.
Face ao exposto (mesmo com o conhecimento de posição jurisprudencial algo divergente: acórdão do TRL de 26/01/2023, proc. 849/20....), indefiro o requerido.
Notifique.»

4. Apreciação do recurso

O Exmo. Senhor Juiz indeferiu o pedido formulado pelo M.P. de obtenção de dados conservados junto de operadora de comunicações eletrónicas, com vista à investigação do crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º/2 do CP que aquele pretende investigar, com fundamento, nomeadamente, em que “...com a entrada em vigor da Lei 32/2008, de 17/07, no que concerne aos dados conservados, mostra-se revogado o regime processual previstos nos artigos 187.º a 189.º do CPP…. ou seja, parte do regime afirmado pelo MP de suporte à sua pretensão”, invocando jurisprudência que indica.
A posição assumida pelo Exmo. Senhor Juiz tem de facto apoio de parte da jurisprudência[2], o que é evidenciador das divergências que o tema tem gerado na prática judiciária.  
Com efeito, como se salientou no Ac. desta Relação de 05.07.2021, processo 3225/18.9T9GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt  a propósito da conjugação dos artigo s 187º a 189 do CPP, da Lei nº 32/2008, de 17.07 e da Lei nº 109/209, de 15.09,  “Estes três diplomas, porque aparentemente se sobrepõem, excluem, convergem, divergem, tornam difícil a tarefa de interpretação, dada a duplicação ou triplicação de regimes, geradores de um caos normativo - usando a expressão de Costa Andrade ( in RLJ nº 3950- Bruscamente no Verão passado, 279) – a reclamar que se positive no CPP todo o sistema referente aos meios ocultos de investigação, nos quais se deverão incluir as intromissões nas telecomunicações.”.
Contudo, não podemos concordar com o fundamento aduzido no despacho recorrido, desde logo, porque a Lei nº 32/2008, de 17/07 e o regime decorrente do disposto nos artigos 187º a 189º do CPP situam-se em planos distintos.
Efetivamente, a Lei nº 32/2008, de 17.07, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/24/CE, de 15 de março, que altera a Diretiva n.º 2002/58/CE, de 12 de Junho, regula a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização de comunicações eletrónicas relativos a pessoas singulares e a pessoas coletivas, bem como dos dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes.
Porém, o propósito da Diretiva 2006/24/CE foi o de harmonizar o direito interno dos Estados Membros  relativo às obrigações dos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas ou das redes públicas de comunicações assegurarem a conservação de dados de tráfego e de localização, mas não de conteúdo, bem como de dados conexos, necessários para identificar o assinante ou o utilizador dos serviços de comunicações eletrónicas, para determinar a data, a hora, a duração e o tipo de uma comunicação, bem como para localizar o equipamento de comunicação móvel durante um determinado período, de 6 meses a dois anos (artigo 6.º).
Repare-se que o fim último tido em vista pela diretiva foi o de melhorar a investigação e conferir maior eficácia ao combate aos “crimes graves” no espaço da União europeia, e nunca o de restringir o acesso à prova digital conservada pelas autoridades nacionais de cada Estado (vide nomeadamente os memorandos (11), (21) e (25). Isto porque a Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12.06 se revelava insuficiente para o efeito.
Acresce que, importa distinguir a atividade de conservação de dados de tráfego e de localização da atividade de acesso a esses dados, as quais constituem ingerências distintas em matéria de direitos fundamentais, como é o caso do direito à privacidade.
Assim, relativamente à Diretiva 2006/24/CE, dado o seu âmbito objetivo  e que tinha como destinatários os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas, conforme se concluiu no Ac. STJ de  13.04.2023, processo 4778/11.8JFLSB-B.S1, disponível em www.dgsi.pt “Sendo a conservação dos dados para efeitos de investigação criminal, relativamente a crimes graves, tal como definidos pela lei nacional, admitida pelo artigo 15.º,  n.º 1, da Diretiva 2002/58/CE, nas condições que o TJUE explicita nos acórdãos acima citados, a Diretiva 2006/24/CE, visou (face às grandes divergências de leis nacionais que criavam sérias dificuldades práticas e de funcionamento do mercado interno) estabelecer normas de harmonização, no espaço da União Europeia, de conservação de dados de tráfego e dados de localização, bem como dados conexos necessários para identificar o assinante ou o utilizador registado, que são normas de tratamento dos dados pelos fornecedores de comunicações para determinada finalidade, mas não regulou, nem podia regular, a atividade das autoridades públicas (órgãos de polícia criminal, Ministério Público, juízes e tribunais) com competência para assegurar a realização daquela finalidade”, sublinhado nosso.
O regime de acesso a dados pessoais pelas autoridades competentes, para efeitos de prevenção, investigação, deteção ou repressão de infrações penais ou execução de sanções penais encontra-se previsto na Lei n.º 59/2019, de 08.08 (Lei de Proteção de Dados Pessoais), que transpôs a Diretiva (UE) 2016/680.
O acesso, no âmbito do processo penal, a dados conservados na posse de fornecedores de serviços de comunicações encontra-se previsto nos artigos 187.º a 189.º e 269.º, n.º 1, al. e), do CPP e na Lei n° 109/2009, de 15 de setembro.
Nesta conformidade, por se situarem em planos distintos, a Lei nº 32/2008, de 17.07, não revogou, nem podia ter revogado os artigos 187º a 189 do CPP. Neste sentido vide, nomeadamente, o citado Ac. STJ de 13.04.2023, no qual se refere que “…a Lei n.º 32/2008 não revogou nem estabeleceu normas de natureza penal ou processual penal, de que as autoridades judiciárias se devam socorrer para acesso e aquisição da prova ou para assegurar a sua validade no processo; tais atividades dispõem de regime próprio definido pelas leis penais e processuais penais nacionais e, no que se refere aos domínios de competência da União Europeia (UE) no espaço de liberdade, segurança e justiça – que constitui competência repartida entre a UE e os Estados-Membros (artigo 5.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia – TFUE) –, pelo artigo 82.º do TFUE e pela citada Diretiva (UE) 2016/680 do Parlamento Europeu e do Conselho, transposta pela Lei n.º 59/2019, de 8 de agosto.”.
Mas a verdade é que, a nosso ver, o legislador na Lei nº 32/2008, de 17.07, excedeu-se na transposição da Diretiva 2006/24/CE[3], legislando não apenas sobre a conservação e a transmissão de dados, mas também sobre o acesso a esses dados para prova em processo penal (cfr. artigo 9º, declarado inconstitucional pelo Ac. TC nº 268/2022). Ora, tal alteração deveria ter sido efetuada no local próprio, ou seja, no Código de Processo Penal, o que não sucedeu, mantendo-se inalterada a redação dos artigos 187º, nº 1 e 189º, nº 2. Em resultado disso passou a existir um catálogo de crimes para cuja prova desses dados poderiam ser utilizados, ou seja, os crimes graves previstos no artigo 2º, nº 1 al. g), que é diferente do catálogo previsto para as interceções do nº 1 do artigo 187º do CPP. 
Em nosso entender, o artigo 189º, nº 2 do CPP não foi revogado pela Lei nº 32/2008, de 17.07, constituindo, pois, a norma fundamento para acesso aos dados tráfego e de localização conservados para prova dos crimes previsto no nº 1 do artigo 187º do CPP que não integram o conceito de crimes graves do artigo 2º, nº 1 al. g) da referida lei.
Mas ainda que assim não fosse, atualmente face à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 9º da Lei nº 323/2008, de 17.07, por força do Ac. TC nº 268/2022, tendo em conta o preceituado no artigo 282º da CRP, o nº 2 do artigo 189 do CPP sempre seria de considerar-se repristinado. O que quer dizer que atualmente este preceito legal sempre constituiria a única norma que permite o acesso a dados de tráfego e de localização conservados relativamente aos crimes indicados no nº 1 do artigo 187º do CPP.
Outrossim, importa realçar que o nº 2 do artigo 189º do CPP que, segundo o seu texto, diz respeito a “dados sobre localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações”, não se reporta à interceção e gravação desses dados em tempo real, pois que estas já se encontram previstas nos artigos 187º e 188º do CPP e versam sobre dados de conteúdo, de tráfego e de localização. Ora, o nº 2 do artigo 189º do CPP inclui na sua previsão apenas o acesso a dados conservados ou armazenados (dados de tráfego e de localização). Neste sentido, vide v.g. Ac. RE de 28.02.2012, processo 15/11.3JALRA-B.E1; Ac. RC de 01.06.2022, processo 152/21.6GGCBR-A.C1; Ac. RL 22.02.2023, processo 495/22.1JAFUN-A.L1-5; Ac. RP de 29.03.2023, processo 47/22.6PEPRT-Z.P1, disponíveis em www.dgsi.pt, e Decisão Sumária RC de 10.07.2022, processo 235/22...., que não se encontra publicada.
Como refere o Ac. STJ de 08.11.2022, processo 107/13.4P6PRT-D.S1, disponível em www.dgsi.pt “…o art. 189.º, n.º 2, do Código de Processo Penal permite aceder a dados de tráfego, neste caso, dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações e, por maioria de razão [in eo quod plus est, semper inest et minus (no que é mais está sempre compreendido o que é menos)], a dados de base relacionados, neste caso, com a identificação dos titulares dos cartões de telemóvel [nos quais, como salienta o acórdão do TC 268/2022, «o grau de agressão ao direito à intimidade da vida privada (…) é menos gravoso do que os demais metadados elencados no artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho (pois apenas identificam o utilizador do meio de comunicação em causa)»], aos quais o MP sempre poderia aceder por via do disposto no art. 14.º, n.os 1 e 4, al. b), da Lei 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime), quando se investiguem os crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º …“ .
Acresce dizer que a Lei do Cibercrime (Lei 109/2009, de 15.09) transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa. A Decisão-Quadro tinha por objetivo reforçar a cooperação entre autoridades judiciárias e outras autoridades competentes, nomeadamente as autoridades policiais e outros serviços especializados responsáveis pela aplicação da lei nos Estados-Membros, mediante uma aproximação das suas disposições de direito penal em matéria dos ataques contra os sistemas de informação. Tal decorre do entendimento de que existiam consideráveis lacunas e diferenças entre as legislações dos Estados-Membros, as quais podiam ser suscetíveis de entravar a luta contra a criminalidade organizada e o terrorismo e dificultar uma cooperação policial e judiciária eficaz no âmbito de ataques contra os sistemas de informação, os quais reclamam sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas.
A referida Lei estabelece disposições penais e processuais penais no domínio do cibercrime e bem assim disposições relativas à cooperação internacional em matéria penal no mesmo domínio. Mas daí não podemos concluir que, em consequência da sua entrada em vigor, ficou afastada a aplicação dos artigos 187º e ss do CPP, sendo que ela própria até admite, no seu artigo 18º, a sua aplicação.
Assim, o regime de acesso a dados conservados pelas autoridades com vista à investigação de determinados crimes, para além dos artigos 187º a 189º do CPP, encontra-se consagrado na Lei do Cibercrime, o qual prevê, nomeadamente, disposições relativas à recolha de prova em suporte eletrónico, cfr. artigos 1º, 11º, 12º, 13º e 14º deste diploma legal, devendo ainda ter-se em consideração o disposto na Lei nº 59/2019, de 08.08 (Lei de Proteção de Dados Pessoais).
Nos termos expostos, cai por terra o primeiro dos fundamentos aduzidos no despacho recorrido e, consequentemente, também o segundo fundamento invocado na referida decisão, que reside no facto de em consequência da declaração de inconstitucionalidade do artigo 4º, conjugado com o artigo 6º e do artigo 9º da Lei nº 32/22008, pelo Ac. TC nº 268/2022, de 19.04, se caiu num vazio legislativo por ter deixado de existir lei habilitante ( a indicada Lei nº 32/2008, de 17.07).
O acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 manteve intocado o referido regime acesso a dados conservados pelas autoridades com vista à investigação de determinados crimes, designadamente os referidos artigos 187º a 189º do CPP e a aludida Lei nº 109/209 (Lei do Cibercrime). Neste sentido, para além dos citados acórdãos do STJ, vide Ac. RL 22.02.2023, processo 495/22.1JAFUN-A.L1-5; e Ac. RP de 29.03.2023, processo 47/22.6PEPRT-Z.P1, disponíveis em www.dgsi.pt
Ou seja, a declaração de inconstitucionalidade não se reporta às normas relativas ao acesso aos metadados de comunicações pelas autoridades com competência para a investigação, deteção e repressão criminal, mas antes às normas relativas à conservação dos metadados de comunicações  para fins de investigação, deteção e repressão de crimes graves (os indicados na Lei 32/2008 de 17.07) por parte das autoridades competentes, num âmbito delimitado da referida Lei. 
Com efeito, quanto à declaração de inconstitucionalidade do Ac. do TC nº 268/2022, ela reporta-se quanto ao artigo 9º da Lei nº 32/2008, de 17.07, apenas à parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros. E o fundamento da declaração de inconstitucionalidade que incidiu sobre os artigos 4º e 6º da Lei 32/2008, de 17.07 residiu no facto de a lei não prescrever a obrigatoriedade de os dados serem conservados no território da União Europeia e de impor a universalidade da conservação (todos os utilizadores e assinantes). 
Neste sentido vide a jurisprudência do STJ, v.g., o Ac. STJ de 10.11.2022, processo 35/15.9PESTB-Z.S2, disponível em www.dgsi.pt segundo a qual “as normas declaradas inconstitucionais (pelo Ac. TC nº 268/2022) não têm natureza substantiva, isto é, não podem ser consideradas normas de natureza penal, nem normas de natureza processual penal e, muito menos de cariz material”.
Importa notar que a questão do âmbito da aludida declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não é de somenos importância, porquanto, as normas relativas ao acesso aos metadados representam uma intromissão em mais elevado grau na vida privada e no sigilo das comunicações do que as normas relativas à sua conservação.  
Mas, declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da Lei nº 32/2008, com o sentido que ficou assinalado, e tendo anteriormente sido declarada invalidade a Diretiva 2006/24/CE (Acórdão de 08.04.2014, Digital Rights Ireland) subiste a Diretiva 2002/58/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12.06, transposta pela Lei nº 41/2004, de 18.08, a qual prevê que os Estados-membros possam adotar medidas legislativas e enumera as condições de restrição da confidencialidade e de proibição do armazenamento de dados de tráfego e de localização, mas não se destina a atividades do Estado em matéria de direito penal.
A Lei 41/2004, de 18.08, grosso modo, impõe aos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas a obrigação de conservarem os dados de tráfegos e de localização para efeitos de faturação pelo prazo de 6 meses contados de cada  comunicação. Não se destinando, segundo esta lei, os dados conservados para efeitos de prova em processo penal, a questão que se coloca é a de saber se eles podem ser utilizados para esse efeito.
Ora, segundo o despacho recorrido, o regime da Lei 32/2008, de 17.07, nos seus artigos 3º e 9º é especial (prevê a conservação de dados apenas para crimes graves), pelo que em consequência do Ac. TC nº 268/2022, tendo caído o regime especial, não pode ficar em vigor o regime geral.
Contudo, temos outro entendimento, pelo que não nos revemos na posição daqueles[4] que, na sequência do Ac. TC nº 268/2022, defendem a impossibilidade de os dados conservados ao abrigo da Lei 41/2004, de 18.08, serem usados para efeitos de prova em processo penal[5].
Efetivamente, desde logo porque o Tribunal Constitucional, no referido acórdão, não se pronunciou especificamente sobre esta questão[6].
Por outro lado, o próprio Tribunal Constitucional já pronunciou em sentido favorável noutros casos em que foram utilizadas bases de dados informáticas existentes para fins diferentes da prova em processo penal. Assim, vide v.g. o Ac. TC 213/2018.  
Acresce que o uso dos dados da Lei nº 41/2004, de 18.08 para prova em processo penal não contraria o direito da União Europeia, sendo que a jurisprudência do TJUE até admite tal possibilidade, como sucedeu no Ac. (Grande Secção) de 02.10.2018, processo C-270/16, a propósito da interpretação do artigo 15º, nº 1 da Diretiva 202/58/CE, transposta da Lei 41/2004, de 18.08.
Importa também salientar que a Lei nº 58/2019 (Lei de proteção de dados pessoais) no seu artigo 23º, nº 2 não impede a transmissão de dados pessoais entre entidades públicas para finalidades diversas das determinadas na recolha. 
Não menos relevante, regista-se que própria Lei 41/2004, de 18.08 prevê a possibilidade de os dados serem usados para prova em processo penal e não apenas no âmbito do processo civil, cfr. nº 7 do artigo 6º. Nesse sentido, vide o citado Ac. TC nº 486/2009.
  Outrossim, os dados de tráfego e de localização conservados constituem prova documental e, como tal podem ser obtidos pelos meios de obtenção de prova que a lei processual penal prevê, por ex. uma busca.
Para que uma prova seja admissível em processo penal não é necessário que exista uma norma expressa que a preveja expressamente, pois que de acordo com o princípio da legalidade da prova, previsto no artigo 125º do CPP “São admissíveis as provas que não forem proibidas”.
A Lei nº 41/2004, de 18.08 não prevê a notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, porque constitui uma lei de conservação de dados, não estando nela previsto o acesso a esses dados. Ora, o Tribunal Constitucional apontou a falta de notificação apenas quanto ao artigo 9º da Lei 32/2009, de 17.07, que constituía uma norma de acesso a dados, pelo que a questão não se coloca relativamente à Lei nº 41/2004.
Por ultimo, quanto à omissão de previsão legal obrigando à conservação dos dados em território da União Europeia referida pelo no Ac. TC 268/2022 relativamente à Lei nº 38/2022, de 17.07, a Lei nº 41/2004, de 18.08 nada diz. Porém, a questão da territorialidade e da transferência na e para a União Europeia encontra-se prevista nos artigos 44º a 50 da Lei nº 59/2019, que é aplicável à base de dados da Lei nº  41/2004, de 18.08.
Por conseguinte somos levados a concluir no sentido de que relativamente aos crimes previstos no nº 1 do artigo 187.º, n.º 1, do CPP, é possível a obtenção e junção aos processos de natureza criminal de dados de tráfego e de localização celular, com fundamento no artigo 189.º, n.º 2, do CPP, e no âmbito dos dados conservados ao abrigo da Lei nº 41/2004, de 18.08, com o limite quanto ao prazo de conservação, que é de 6 meses, cfr. artigo 6º, nºs 2 e 7 e artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26.07.
No que para o caso em apreço releva, salienta-se que o crime de perturbação da vida privada p. e p. pelo artigo 190º, nº 2 do CP encontra-se previsto no nº 1 al. e) do artigo 187º do CPP, e, pese embora não seja um dos crimes previstos na Lei do Cibercrime, esta é-lhe aplicável, por força do disposto no seu artigo 11º, nº 1 al. c), segundo o qual “Com exceção do disposto nos artigos 18º e 19º, as disposições processuais previstas no presente capítulo aplicam-se a processos relativos a crimes em relação aos quais seja necessária proceder à recolha de prova em suporte eletrónico”. A norma da Lei do Cibercrime que permite o acesso a dados de subscritor (identificação do cliente) e de acesso (número contratado) é o artigo 14º, nº 4.
Em suma, impõe-se conceder integral provimento ao recurso, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que defira o pedido formulado pelo M.P., considerando, porém, o limite do prazo de seis meses de conservação dos dados conservados ao abrigo da Lei nº 41/2004, de 18.08.     

III-  DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto, pelo que se revoga o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que defira o requerido pelo Ministério Público, com o limite de 6 meses de conservação dos dados conservados ao abrigo da Lei nº 41/2004, de 18.08, nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 187º, nº 1 al. e), 189.º, n.º 2, 269º, nº 1 al. e) e 167º, do CPP, artigos 11º, nº 1 al. c) e 14º, nº 4 da Lei 109/2009, de 15.09, artigo 6º, nºs 2 e 7 da Lei nº 41/2004, de 18.08 e artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26.07.
Sem custas por não serem devidas.
Notifique.

Guimarães, 02.05.2023

(Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09).

Os Juízes Desembargadores
Armando Azevedo  (relator por vencimento)
Cândida Martinho
Fátima Furtado (vencida)

Declaração de Voto de vencido (Fátima Furtado)
 
Negaria provimento ao recurso, pela seguinte ordem de razões.
O enquadramento jurídico da prova digital é constituído por três diplomas essenciais: a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do Cibercrime), complementada (em tudo o que a contrarie) com o Código de Processo Penal; e a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho.
A Lei do Cibercrime, como o legislador fez questão de nela proclamar expressamente – no artigo 11.º, nº 2 – é cumulativa com a Lei nº 32/2008, de 17 de julho[7].
A Lei nº 32/2008 transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva nº 2006/24/CE, do Parlamento e do Conselho, de 15 de março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. Com a sua entrada em vigor o regime o regime processual das comunicações telefónicas previsto nos artigos 187.º a 190.º do Código de Processo Penal deixou de ser aplicável à recolha de prova por «localização celular conservada», respeitante à localização de comunicações relativas ao passado, ou seja, arquivadas, o que é uma das formas de recolha de prova eletrónica.
Situação que se mantinha, uma vez que na Lei do Cibercrime, que é posterior àquela, o legislador fez questão de proclamar expressamente (no já citado artigo 11º, nº 2) não ficar prejudicado o regime da Lei nº 32/2008, de 17de julho.
Conjuntamente com tais diplomas, temos agora o Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, que  veio:
«a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;
b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.»
De todo o modo, o certo é que, até esta declaração de inconstitucionalidade, no caso específico de obtenção de prova por «localização celular conservada», isto é, a obtenção dos dados previstos no artigo 4º, n.º 1 da Lei 32/2008, o regime processual aplicável assumia especialidade nos artigos 3º e 9º desta lei. Para estes casos ganhando relevo o conceito de «crime grave», já que nos termos do artigo 3º nº 1, do mesmo diploma, a obtenção de prova da localização celular conservada só é prevista para crimes que caibam em tal conceito.
Sendo por sua vez o artigo 2.º, n.º 1, al. g), igualmente da Lei nº 32/2008, que explicita a definição de crime grave nos seguintes termos:
«g) “Crime grave”, crimes de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado, falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda e crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima».
À luz das disposições legais citadas, o crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo artigo 190.º, nº 2 do Código Penal, em investigação no presente inquérito, estaria pois sempre excluído do elenco dos «crimes graves» e, como tal, da obtenção dos dados previstos no artigo 4º, n.º 1 da Lei 32/2008.[8] 
Foi esta a opção do legislador[9] e é com ela que o aplicador do direito tem de se confrontar e conformar.
Neste momento, afastada a Lei 32/2008 por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do seu artigo 4.º, conjugada com a do artigo 6.º, com fundamento de que elas permitiam uma lesão desproporcionada da reserva da intimidade e da vida privada dos cidadãos, não podem, em vez delas – e como defende o recorrente – serem repristinadas e aplicadas as disposições conjugadas dos artigos 189.º, n.º 2 e 167.º ambos do Código de Processo Penal, artigo 6.º da Lei nº 41/2004 de 18.08 (concretamente o artigo 6.º, nº 7) e 14.º, nº 3 da Lei nº 109/2009, de 15.09. Sob pena de estarmos a usar a declaração de inconstitucionalidade para permitir um efeito que antes dela não era possível e que seria inclusive contrário ao que ela definiu.
Como a propósito se pode ler no sumário do acórdão do TRC de 12.10.2022, proc. 538/22.9JALRA.C1, relator Paulo Guerra[10], «“Caída” a Lei 32/2008, e na impossibilidade de aplicação do CPP e da Lei 41/2004, recorrer, na questão da localização celular, às normas da Lei 109/2009 seria seguir um caminho espúrio, face à enunciada declaração de inconstitucionalidade e aos fundamentos que a determinaram.
O que significa que no caso específico de obtenção por localização celular conservada, isto é, a obtenção dos dados previstos no artigo 4.º, n.º 1, da Lei 32/2008, o regime processual aplicável assume especialidade nos artigos 3.º e 9.º deste diploma (para estes casos ganhando relevo o conceito de «crime grave», já que nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ainda do mesmo compêndio legislativo, a obtenção de prova da localização celular conservada só é prevista para crimes que caibam nesse conceito) - desaparecendo a especialidade, não é consentido recorrer à generalidade e permitir localização celular para além desses crimes é defraudar o espírito do legislador.»


[1] Nas transcrições de peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original.
[2] Para além da jurisprudência citada no despacho recorrido vide v.g. Ac. RP de 07.12.2022, processo 5011/22.2JAPRT-A.P1 e Ac. RP de 18.01.2023, processo 344/20.5IDPRT-B.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Assim, vide v.g. João Conde Correia, “A Prova Digital: as leis que temos e a lei que devíamos ter”, in Revista do Ministério Público, nº 139, pág. 33 e segs., e Rui Cardoso, in “A conservação e utilização probatória de metadados de comunicações eletrónicas após o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 268/2022 – o que nasce torto.., in Revista do Ministério Público, nº 172, pág. 46 .
[4] Assim, vide v.g. Ac. RC de 12.10.2022, 538/22.9JALRA.C1 e Ac. RP de 07.12.2022, processo 5011/22.2JAPRT-A.P1.
[5] Quanto a este ponto julgamos ser de seguir a posição defendida por Rui Cardoso, in estudo citado, pág. 61 e segs., da qual damos nota de uma muito breve síntese. 
[6] Salienta-se que antes da entrada em vigor da Lei nº 32/2008, de 18.07, a jurisprudência admitida o recurso à Lei nº 41/2004, de 18.08 para a conservação de dados de tráfego e de localização obtidos através das normas previstas no CPP, com a concordância do Tribunal Constitucional no Ac. 486/2009, com o argumento de que podendo eles ser obtidos através das normas dos artigos 187º e 188 (interceções) também podiam quando estivessem conservados, ou seja, quem pode o mais pode o menos, cfr. v.g. Ac. RG de 10.01.2005, processo 2013/04-I; Ac RC de 17.05.2006, processo 1265/06; Ac. RC de 15.11.2006, processo 915/06.2TAAVR-A.C1; e Ac RE de 26.02.2007, processo 843/07-I, disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Sendo que todas as medidas, gerais ou excecionais, e obrigações previstas na Lei nº 109/2009, cumulam-se ainda, em tudo o que as não contrarie, com as estabelecidas no CPP
[8] Neste sentido se tem vindo a pronunciar de grande parte da jurisprudência, de que são exemplo, entre outros, o ac. do TRP de 20.11.2019, proc. 54/19.6GDSTS-A.P1; o ac. do TRL de 07.03.2017, proc. 1585/16.5PBCSC-A.L1-5; e o ac. do TRE de 25.10.2016, proc. 223/16.0GBLLE.E1; todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Note-se que, como salienta o acórdão do TRP de 20.11.2019, proc. 54/19.6GDSTS-A.P1 (disponível em www.dgsi.pt), o legislador português poderia ter seguido outra via, como sucedeu com «a correspondente lei espanhola [que] não estabeleceu um catálogo de crimes graves (ver, disponível no Google, Ley n.º 25/2007, de 18 de Octubre, particularmente o art.º 1.º: delitos graves contemplados en el Codigo Penal o en las leys penales especiales). Enquanto o legislador português estabeleceu uma norma de reserva dos crimes que se deveriam considerar graves para o efeito da lei, o espanhol deixou a respectiva concretização para os juízes. Como se pode ler em comentário ao diploma, in “Investigación Tecnológica e Derechos Fundamentales, Javier Ignacio Zaragoza Tejada e Outros, Ed. Aranzadi, 2017, a pag. 120, o legislador espanhol, a nosso ver desde uma perspectiva plenamente acertada, inclinou-se por considerar, em primeira linha, e seguindo a doutrina antes assinalada, que a gravidade do delito não depende exclusivamente da pena prevista, em abstracto, para uma determinada conduta, mas também de outros factores, como a transcendência social do facto, a natureza dos bens protegidos ou a perigosidade da actividade investigada, aspectos estes que em seu conteúdo e alcance dificilmente podem ser pré definidos – pelo menos rigidamente, com carácter geral, antes devem ser analisados em cada caso concreto»
[10] Disponível em www.dgsi.pt