Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
438/08.5TBVLN.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
IMPULSO PROCESSUAL
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da relatora):

I. Constituem pressupostos comuns da deserção da instância - quer na acção declarativa, quer na acção executiva -, não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual da parte com ele onerada, mas também que a omissão desta se deva à respectiva negligência (art. 281º, nº 1 e nº 5 do C.P.C.).

II. No actual regime desjudicializado do processo executivo, cabendo em regra ao agente de execução promover o seu regular andamento - actuando como profissional liberal e em nome do Tribunal que o haja nomeado -, a omissão do cumprimento de um concreto dever que lhe seja cometido para aquele efeito, não pode ser feita recair automaticamente no exequente, como incumprimento de um dever próprio de impulso processual, por o agente de execução não ser seu representante, nem por si contratado (art. 719º, nº 1 do C.P.C.).

III. Só perante a comunicação que seja feita ao exequente da indevida inércia do agente de execução, se constitui o respectivo ónus de tomar posição sobre o incumprimento comunicado, passando então os autos a aguardar o seu impulso processual próprio, a ocorrer necessariamente nos seis meses subsequentes (art. 281º, nº 5 do C.P.C.).

IV. Por forma a se poder decidir se a falta de observância do ónus de impulso processual por mais de seis meses, da parte que estava onerada com o mesmo, se deve a negligência sua, deverá o Tribunal ouvi-la previamente, já que a mera objectividade da paragem do processo por ausência do dito impulso processual não pode ser feita corresponder automaticamente à omissão da diligência normal e exigível em face das circunstâncias do caso concreto (art. 3º, nº 3 do C.P.C.).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
*
I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Banco A, S.A. (antes, Banco B, S.A.) (aqui Recorrente), com sede na Avenida da …, em Lisboa, propôs a presente acção executiva, contra Ana e Herdeiros de A. M. (H. R. e C. A.) (aqui Recorridos), residentes em …, Cercal, para haver deles o pagamento coercivo da quantia de € 78.218,27, apresentando como título executivo três escrituras públicas de mútuo, cada um destes garantido pela sua hipoteca, constituída sobre o mesmo prédio urbano.

1.1.2. Regularmente citados, os Executados (Ana e Herdeiros de A. M.) não pagaram a quantia exequenda, nem deduziram oposição à execução.

1.1.3. Deferindo requerimento dos Executados (Ana e Herdeiros de A. M.), determinou-se a avaliação do imóvel hipotecado por um único perito; e, realizada a mesma, foi o valor base de venda fixado em € 120.019,00, e o valor desta fixado em € 102.016,15.

1.1.4. Frustrada a venda do imóvel hipotecado por propostas em carta fechada (por falta de apresentação das mesmas), determinou-se a respectiva venda por negociação particular (encarregando-se a Agente de Execução de proceder a ela).

1.1.5. Veio depois a Exequente (Banco A, S.A.) requerer a adjudicação do imóvel a si própria, pelo valor de € 77.648,85, bem como a dispensa do depósito do preço de aquisição proposto; vieram os Executados (Ana e Herdeiros de A. M.) opor-se a essa sua pretensão (nomeadamente, por aquele valor ser inferior em € 42.310,15 àquele outro que, com trânsito em julgado, lhe fora atribuído em avaliação); e em 22 de Junho de 2017, veio o Tribunal a quo proferir despacho, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«(…)
Tendo em conta que o prédio foi avaliado nos autos, nunca poderá ser vendido ou adjudicado por valor inferior ao valor mínimo calculado com base em € 120.019,00 (cfr. Despacho de fls. 350 e artigo 816º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
(…)»

1.1.6. Aberta conclusão nos autos em 27 de Fevereiro de 2018, informando «que após o despacho de refª 4123349 (fls. 368), datado de 22-06-2017, não foi registado qualquer acto processual nos presentes autos», foi proferido despacho, declarando deserta a instância executiva, lendo-se nomeadamente no mesmo:

«Conforme preceitua o artigo 281, nº 5, do Código de Processo Civil, “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

De acordo com o artigo 712º, nº 1 do Código de Processo Civil, “a tramitação dos processos executivos é, em regra, efectuada electronicamente, nos termos do disposto no artigo 132º e das disposições regulamentares em vigor”.
O ónus de impulso processual do processo executivo compete ao exequente, sem prejuízo da competência do agente de execução para a concretização e realização das diligências do processo – cfr. artigo 719º, nº 1, do Código de Processo Civil.
E este é designado pelo exequente de entre os registados em lista oficial – cfr. artigo 720º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Prescreve o artigo 14º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto, que:

“1 - O agente de execução deve prestar todas as informações previstas na lei preferencialmente por via electrónica, através do sistema informático de suporte à actividade dos agentes de execução.
2 - Quando a parte esteja representada por mandatário judicial, as informações são prestadas por transmissão electrónica de dados, através do sistema informático de suporte à actividade dos agentes de execução, que assegura automaticamente a sua disponibilização no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, e consulta no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt.
3 - No caso previsto no número anterior, o dever de informação considera-se cumprido com o registo da informação no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais que permita a consulta do acto no histórico electrónico do processo judicial.”

A deserção automática prevista no artigo 281º, nº 5, do Código de Processo Civil, é inspirada pela ideia de presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos, em face da constatada, reiterada e prolongada inércia das partes em promover o seu andamento.
A diferença de regime relativamente ao disposto no nº 1, do mesmo artigo (diferença expressamente acentuada pelo legislador com a ressalva do início da norma do nº 1) assenta nas particularidades próprias do processo executivo, designadamente, da sua tramitação e conhecimento.

Com efeito, e conforme resulta dos citados artigos 720º, nº 1, do Código de Processo Civil, e 14º, nº 3, da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto, não só o exequente designa o agente de execução, como acompanha toda a actividade do agente de execução, considerando-se o dever de informação cumprido com o registo de informação no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais.

Por outro lado, o exequente tem, necessariamente, conhecimento do disposto no artigo 281º, nº 5, do Código de Processo Civil.

Assim, o exequente actua negligentemente quando, tendo necessariamente conhecimento da actividade do agente de execução, se conforma com a sua actuação, não impulsionando o processo durante mais de seis meses – prazo suficientemente longo para que este se aperceba do comportamento do agente de execução e possa reagir, pedindo a sua substituição, nos termos do artigo 720º, nº 4, do Código de Processo Civil, ou requerendo diversa diligência.

No nosso caso, os autos estão parados há mais de seis meses.

Em face do exposto, e nos termos do disposto no artigo 281º, nº 5, do Código de Processo Civil, considero a instância executiva deserta.

Notifique.»
*
1.2. Recurso (da Exequente)

1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a Exequente (Banco A, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido e se revogasse a decisão recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis):

1. Salvo o devido respeito por melhor opinião, a decisão que julgou a instância deserta, nos termos do disposto no art. 281º, n.º5, do Cód. Processo Civil, não fez correta e exata interpretação e aplicação da lei e do direito.

2. No despacho em apreço considerou-se que os autos se encontram parados há mais de seis meses, por negligência do Banco Recorrente, porquanto, desde o despacho de ref.41233949, datado de 22.06.2017, não foi registado qualquer ato processual nos presentes autos.

3. O referido despacho, de 22.06.2017, foi proferido na sequência do pedido efetuado pela Sra. Agente de Execução ao Meritíssimo Juiz “a quo”, no sentido de este se pronunciar sobre a proposta de aquisição do imóvel penhorado, apresentada pelo Banco Recorrente, em 05.06.2017, no âmbito da venda por negociação particular do mesmo.

4. Pois, tendo-se frustrado a venda por abertura de propostas em carta fechada, conforme se extrai do respectivo auto de 08.03.2017, foi determinada a venda mediante negociação particular e a Sra. Agente de Execução designada como encarregada da venda, sendo esta a fase processual em que o processo se encontrava previamente ao despacho sub judice.

5. Ora, como cristalinamente emerge do disposto no art.281º, n.º5, do Cód. Processo Civil, a deserção da instância nela cominada, para que opere ope legis, depende: i) em primeiro lugar, da verificação de que os autos se encontram efetivamente parados, ou se verifica apenas um incumprimento da obrigação do agente de execução de manter atualizado o registo dos atos por si praticados; ii) em segundo lugar, a haver paragem do processo, que a mesma seja imputável a negligência activa ou omissiva do exequente, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade.

6. Deste modo, e como é lidimo e pacifico entendimento, na doutrina e jurisprudência, o termo inicial do prazo de seis meses de inércia processual por parte do exequente que determina a deserção da instância executiva, nos termos da citada disposição legal – art.281º, n.º5, do C.P.C. - tem de coincidir com a data da notificação, clara e inequívoca, que lhe seja feita (pelo agente de execução ou pela secretaria) no sentido da prática de um qualquer acto de que dependa a tramitação executiva ou no sentido de o informar que o processo se encontra paralisado por inércia do agente de execução a que importe colocar termo, contrariamente ao que foi considerado na decisão sob censura.

7. Ora, e reportando-nos ao caso em análise, verifica-se que o processo encontrava-se na fase de venda por negociação particular, sendo que a encarregada da venda designada era a Sra. Agente de Execução.

8. E que, por sua vez, o último ato praticado nos autos foi o despacho judicial de indeferimento da proposta de aquisição apresentada pelo Banco Recorrente, datado de 22.06.2017.

9. Deste modo, não emerge dos autos que o Banco Exequente tenha sido notificado no sentido da prática de um qualquer acto que subsequentemente tenha sido omitido e por força do qual a execução não tenha prosseguido os seus termos.

10. Assim, face aos elementos disponíveis nos autos, a falta de informação relativa à prática de qualquer ato nos últimos seis meses, levaria, quando muito, à interpelação da Agente de Execução para que informasse do estado da execução, designadamente no que concerne ao estado da venda por negociação particular, o que também não aconteceu.

11. Daí que, não se tendo verificado aquela notificação ao Banco Recorrente – cfr. conclusão 6 -, não se pode considerar que os autos tivessem alguma vez estado sem tramitação por falta negligente do Banco Recorrente em praticar um qualquer acto cujo ónus procedendi lhes tivesse sido licitamente determinado, de forma explícita ou implícita, com a cominação de que os autos ficavam a aguardar pelo impulso dos mesmos.

12. Pelo que, ao assim, não ter entendido, a douta decisão recorrida fez incorreta e inexata interpretação e aplicação da lei, designadamente do art.281º, n.º5º, do Cód. Processo Civil, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que determine o normal e regular prosseguimento da execução, designadamente com a notificação à Sra. Agente de Execução para que informe o estado da venda por negociação particular, desta forma se fazendo correta e exata interpretação e aplicação da lei.
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1.2.2. Contra-alegações (dos Executados)

Os Executados (Ana e Herdeiros de A. M.) contra-alegaram, pedindo que o recurso fosse julgado improcedente e se mantivesse o despacho recorrido.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis):

1 - A aqui recorrente, esteve sem impulsionar os autos, desde o último despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz a quo, datado de 22/06/2017.

2 - À data de 22/12/2017, perfizeram seis meses sem que o exequente impulsiona-se os autos.

3 - A recorrente assume que desde aquele despacho de 22/06/2017, nada praticou, nada requereu.

4 - A deserção de instância como alega o recorrente exige a ocorrência de dois requisitos, que os autos se encontrem efectivamente parados, como aconteceu in casu, desde 22/06/2017 até ao despacho de deserção aqui recorrido.

5 - O processo esteja parado por negligência ativa ou omissiva do exequente, o que também aconteceu in casu,

6 - É o exequente que tem o dever e interesse no andamento do processo executivo, nomeadamente na venda dos bens do executado.

7 - Quer o Tribunal a quo, quer a Sra. Agente de Execução pronunciaram-se quanto a proposta de aquisição apresentada pelo recorrente, à data de 05/06/2017, para compra do imóvel penhorado pelo valor de € 77.648,85 (setenta e sete mil, seiscentos e quarenta e oito euros, e oitenta e cinco cêntimos).

8 - Os executados pronunciaram-se pela discordância com a proposta apresentada, por requerimento datado de 19/06/2017.

9 - A Srª. Agente de Execução pronunciou-se quanto a proposta, considerando a posição tomada pelos executados, requerendo que o Meritíssimo Juiz a quo, se pronunciasse quanto a mesma, à data de 20/06/2017.

10 - O Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se á data de 22/06/2017, referindo que o valor mínimo seria € 120.019,00 (cento e vinte mil, dezanove euros, e zero cêntimos).

11 - Posteriormente, o exequente nada propôs ou apresentou, conforme se constata nos autos.

12 - Não foi feita incorrecta e inexacta interpretação do artigo 281 nº 5 do C. P. Civi
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 01 única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - A falta de impulso processual da Exequente, nos seis meses subsequentes à prolação do despacho que lhe indeferiu a adjudicação do imóvel hipotecado, consubstanciou incumprimento negligente de dever seu em promover os termos da acção executiva e, por isso, fez com que a instância se haja extinto por deserção ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Deserção da instância
4.1.1. Pressupostos
4.1.1.1. Na acção declarativa

Lê-se no art. 281º, nº 1 do C.P.C. que «considera-se deserta a instância quando, por negligência das parte, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Este artigo contém em si o regime que, no anterior C.P.C., se encontrava disperso por dois outros artigos, pertinentes: à interrupção da instância, que pressupunha que o processo estivesse parado por mais de um ano, por falta de impulso pela parte a quem competia a prática do acto de que dependia o seu prosseguimento, sendo essa falta de impulso devida a negligência sua (art. 285º do anterior C.P.C.); e à subsequente deserção, que pressupunha que sobre a primeira tivessem decorridos dois anos (art. 291º do anterior C.P.C.).

Exigia-se, porém, para a anterior interrupção da instância, um despacho judicial que a reconhecesse (v.g. Ac. do STJ, de 13.05.2003, Moreira Alves, Processo nº 03A584, Ac. do STJ, de 15.06.2004, Silva Salazar, Processo nº 04A1519, ou Ac. do STJ, de 28.02.2008, Salvador da Costa, Processo nº 08B520, todos in www.dgsi.pt, como qualquer outro citado sem indicação de origem); e discutia-se se a respectiva natureza seria meramente declarativa (v.g. Ac. do STJ, de 12.01.1999, Ribeiro Coelho, BMJ, nº 483, p. 167, ou Ac. do STJ, de 30.10.2002, Duarte Soares, Processo nº 02P2756), ou constitutiva (v.g. Ac. do STJ, de 13.05.2003, Moreira Alves, Processo nº 03A584, Ac. do STJ, de 31.01.2007, Gil Roque, Processo nº 06B3632, Ac. do STJ, de 28.02.2008, Salvador da Costa, Processo nº 08B520, ou Ac. do STJ, de 12.02.2009, Silva Salazar, Processo nº 09A0150).
Já a deserção da instância operava ope legis, como do próprio art. 291º, nº 1 resultava («Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial (…)»).

Logo, dir-se-á que são hoje pressupostos da deserção da instância:

. a paragem do processo por mais de seis meses, por ter sido omitida a necessária prática do acto de que dependia o seu prosseguimento (respeitante ao próprio processo, ou a incidente de que dependia o prosseguimento da acção principal);
. e ser essa omissão devida à negligência da parte que tinha o ónus da sua prática, isto é, dever o acto ser praticado por si - e não pela parte contrária, pela secretaria, pelo juiz, ou por terceiro - , e ter a sua omissão um carácter censurável.

(Contudo, reservando o sentido de negligente a «imputável à parte» - omissão não devida a facto de terceiro ou de força maior - Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa - Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 5).
Ora, num «processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (art. 6.º, n.º 1), deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efetiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os atos que que só a parte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo. A promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe» (Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 4).
Precisa-se (e à semelhança do anterior regime da interrupção da instância) que deverá existir um qualquer prévio despacho, a fazer notar à parte onerada com a prática do acto de que depende o prosseguimento dos autos, da necessidade da sua prática.

Com efeito: provindo a norma do nº 4 ipsis verbis do anterior C.P.C., nada justifica na sua redacção actual que se tenha por dispensado o anteriormente exigido despacho judicial prévio, que ganha hoje maior justificação, em virtude do drástico encurtamento do prazo conducente à deserção (e, acrescenta-se aqui, pelo acentuar dos deveres do juiz na condução do processo, conforme art. 6º, nº 1, em colaboração com as partes, conforme art. 7º, ambos do C.P.C.); e enquanto que a deserção da instância no processo executivo continua hoje a ocorrer «independentemente de qualquer decisão judicial» (nº 5 do art. 281º do C.P.C.), a deserção da instância própria do processo declarativo não a dispensa (nº 4 do art. 281º citado), em regime distinto que o intróito do nº 1 do art. 281º é expresso em ressalvar (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 356.

Em sentido contrário, defendendo que o «prazo conta-se do dia (dies a quo) em que a parte tomou conhecimento do estado do processo (ou que tenha tido obrigação de dele conhecer) que implica a paragem deste e torna necessário o seu impulso, não sendo exigido pela lei, para que o prazo se inicie, que o juiz o declare expressamente ou que o demandante seja notificado do seu início (com a receção dessa notificação)», Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa - Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 7. Contudo, não deixa o mesmo Autor de defender que o «juiz tem o dever de comunicar às partes que o processo aguarda o seu impulso, esclarecendo-as sobre os efeitos da sua conduta», no mesmo artigo, a p. 23).

Por outras palavras, «deverá o julgador (…), por força do princípio da cooperação, reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto» (Ac. da RL, de 26.02.2015, Ondina Carmo Alves, Processo nº 2254/10.5TBABF.L1-2. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 09.09.2014, Cristina Coelho, Processo nº 211/09.3TBLNH-J.L1-7, ou Ac. da RC, de 07.01.2015, Maria Inês Moura, Processo nº 368/12.6TBVIS.C1).
Compreende-se, por isso, que o prazo de seis meses deverá ser contado, «não a partir do dia em que a parte deixou de praticar o ato que condicionava o andamento do processo, isto é, a partir do dia em que se lhe tornou possível praticá-lo ou, se para o efeito tinha um prazo (não perentório), a partir do dia em que ele terminou, mas a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 557).
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4.1.1.2. Na acção executiva

Lê-se art. 281º, nº 5 do C.P.C. que, no «processo de execução, considera-se deserta a instância (…) quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».

Trata-se de uma disposição nova (face o anterior C.P.C. de 1961): reflectindo «uma preocupação de diminuição das pendências processuais e de racionalização dos recursos do sistema de justiça, penaliza-se o abandono da lide por mais de 6 meses com a deserção da instância» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 251).

Estende-se, assim, ao processo executivo a figura em causa (de deserção da instância); mas mantem-se os seus pressupostos/requisitos, conforme resulta da expressa reiteração - no nº 5 - do exacto texto do nº 1, do art. 281º do C.P.C. («considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis esses»).

Importa, porém, precisar, que «na interpretação e aplicação do art.º 281º, n.º 5, haverá, necessariamente, que levar em conta a actual “estrutura” do processo executivo, marcada por uma acentuada desjudicialização, pela limitação dos poderes e da intervenção do juiz e pela ausência de uma relação hierárquica entre o juiz e o agente de execução» (Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1, com bold apócrifo).

Com efeito, enquanto no anterior regime da acção executiva (prévio à reforma operada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08 de Março) cabia ao juiz a direcção de todo o processo executivo (devendo providenciar pelo seu andamento regular e célere, nomeadamente promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao seu normal prosseguimento), no actual regime foi drasticamente reduzida a sua intervenção, bem como a da secretaria; e cometeu-se ao agente de execução todas as competências que não sejam especificamente atribuídas aos ditos juiz e secretaria (conforme arts. 719º, nº 1 e 723º, ambos do C.P.C.).

Por outras palavras, no âmbito do actual processo executivo caberão ao juiz as competências conferidas no âmbito da reserva constitucional de jurisdição, e as necessárias ao controlo da actividade do agente de execução: o juiz exerce funções de tutela, intervindo em caso de litígio surgido na pendência da execução (art. 723º, nº 1, alínea b) do C.P.C.), e de controlo, proferindo nalguns casos despacho liminar, e intervindo para resolver dúvidas, garantir a protecção de direitos fundamentais ou matéria de sigilo (arts. 723º, nº 1, als. a) e d), 726º, 738º, nº 6, 749º, nº 7, 757º, 764º, nº 4 e 767º, nº 1, todos do C.P.C.), ou para assegurar a realização dos fins da execução (arts. 759º, 773º, nº 6, 782º, nºs 2 a 4, 814º, nº 1, 820º, n.º 1, 829º, n.ºs 1 e 2 e 833º, n.º 2, todos do C.P.C.).

Contudo, o juiz deixou de ter a seu cargo a promoção da generalidade das diligências executivas - v.g. citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações/vendas ou pagamentos -, passando as mesmas a caber ao agente de execução (arts. 719º, nº 1 e 720º, nº 6, ambos do C.P.C.); mas isto sem prejuízo da possibilidade de reclamação para o primeiro dos actos ou omissões praticados pelo segundo (art. 723º, nº 1do C.P.C.), e da criação de um órgão disciplinar com o poder de destituição, a Comissão para a Eficácia das Execuções (art. 40º, nº 1 da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto).

Precisa-se, porém, que cabendo em princípio ao exequente proceder à designação e à substituição do agente de execução (art. 720º, nº 1 e nº 4 do C.P.C.), não deixa este profissional liberal de desempenhar o conjunto das tarefas cometidas por lei exclusivamente em nome do tribunal, e não como representante daquele primeiro, ou contratado por ele para o efeito.

Compreende-se, por isso, que se afirme «o agente de execução, sendo embora escolhido pelo exequente (e exercendo as funções em regime de profissão liberal), não tem com ele um contrato de prestação de serviços, não está no processo “como mandatário do exequente, ainda que sem representação, mas como auxiliar de justiça do Estado, escolhido pelo exequente” [citando-se Rui Pinto, no seu Manual da Execução, p. 134]».

Ora, «sendo esta a veste do agente de execução», compreende-se que se afirme agora e igualmente que «a sua actuação omissiva, consistente em não andar com o processo», não se possa repercutir «automática e irreversivelmente sobre o exequente», e não possa «valer e ser iuris et de iure considerada como inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual por parte do exequente» (Ac. da RC, de 01.12.2015, Barateiro Martins, Processo nº 2061/10.5TBCTB-A.C1. No mesmo sentido, Ac. da RE, de 23.03.2017, Albertina Pedroso, Processo nº 3133/07.9TJLSB.1.E1).

Logo, se a «negligência das partes”, segundo a citada previsão legal», isto é, o art. 281º, nº 1 e nº 5 do C.P.C., «pressupõe a efectiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto», e «não resultando da lei que o exequente sempre devesse impulsionar os autos e reagir contra qualquer aparente paralisação superior a seis meses», não pode «vingar uma qualquer responsabilidade automática/objectiva susceptível de abranger a mera paralisação aparente (por vezes, fruto de omissões e imprecisões graves do processo electrónico/informático)», para efeitos de deserção da instância executiva (Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 26.03.2015, Maria José Mouro, Processo nº 2530-09.0TBPDL-A.L1-2, Ac. da RL, 16.06.2015, Maria da Conceição Saavedra, Processo nº 1404/10.6TBPDL.L1-7, Ac. da RL, de 09.07.2015, Esagüy Martins, Processo nº 3224/11.1TBPDL.L1-2, Ac. da RL, de 29.10.2015, Vaz Gomes, Processo nº 1302/13.1TBPDL.L1-2, Ac. da RC, de 01.12.2015, Barateiro Martins, Processo nº 2061/10.5TBCTB-A.C1, Ac. da RP, de 14.03.2016, Rita Romeira, Processo nº 317/06.0TBLSD.P1, Ac. da RG, de 02.05.2016, Cristina Cerdeira, Processo nº 1417/10.8TBVCT-A.G1, Ac. da RC, de 14.06.2016, Falcão de Magalhães, Processo nº 4386/14.1T8CBR.C1, Ac. da RC, de 14.06.2016, Catarina Gonçalves, Processo nº 500/12.0TBAGN.C1, Ac. da RC, de 06.07.2016, Barateiro Martins, Processo nº 132/11.0TBLSA.C1, Ac. da RE, de 06.10.2016, Bernardo Domingos, Processo nº 775/14.0T8SLV.E1, ou Ac. da RC, de 04.04.2017, Luís Cravo, Processo nº 407/09.8TBNZR-A.C1).
Concluindo, não «dependendo, em regra, a marcha do processo executivo do impulso do exequente, só se poderá falar em inércia do exequente para promover os respectivos termos se for expressamente notificado, por parte do agente de execução ou por determinação do tribunal, de que o processo ficará a aguardar a sua resposta ou impulso» (Ac. da RC, de 07.06.2016, Maria João Areias, Processo nº 302/13.6TBLSA.C1).
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4.1.2. Audição prévia da parte relapsa

Face ao exposto, compreende-se que, tendo o juiz que apreciar se a omissão da prática do acto de que dependia o prosseguimento dos autos se deveu a negligência da parte sobre que recaía esse ónus (um dos pressupostos da deserção em causa), deva ouvi-la previamente, dando-lhe a possibilidade de alegar e demonstrar o contrário.

Por outras palavras, no «despacho que julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas» (Ac. da RL, de 26.02.2015, Ondina Carmo Alves, Processo nº 2254/10.5TBABF.L1-2, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 09.09.2014, Cristina Coelho, Processo nº 211/09.3TBLNH-J.L1-7, Ac. da RP, 20.10.2014, Soares de Oliveira, Processo nº 189/13.9TJPRT.P1, Ac. da RC, de 07.01.2015, Maria Inês Moura, Processo nº 368/12.6TBVIS.C1, Ac. da RP, de 02.02.2015, Manuel Domingos Fernandes, Processo nº 4178/12.2TBGDM.P1, Ac. da RG, de 07.05.2015, Filipe Caroço, Processo nº 243/14.0TBFAF.G1, Ac. da RL, 16.06.2015, Maria da Conceição Saavedra, Processo nº 1404/10.6TBPDL.L1-7, Ac. da RL, de 09.07.2015, Esagüy Martins, Processo nº 3224/11.1TBPDL.L1-2, Ac. da RC, de 01.12.2015, Barateiro Martins, Processo nº 2061/10.5TBCTB-A.C1, Ac. da RG, de 02.05.2016, Cristina Cerdeira, Processo nº 1417/10.8TBVCT-A.G1, Ac. da RC, de 07.06.2016, Maria João Areias, Processo nº 302/13.6TBLSA.C1, Ac. da RC, de 14.06.2016, Falcão de Magalhães, Processo nº 4386/14.1T8CBR.C1, Ac. da RC, de 14.06.2016, Catarina Gonçalves, Processo nº 500/12.0TBAGN.C1, Ac. da RC, de 06.07.2016, Barateiro Martins, Processo nº 132/11.0TBLSA.C1, Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1, ou Ac. da RC, de 04.04.2017, Luís Cravo, Processo nº 407/09.8TBNZR-A.C1).
Discorda-se, assim, do entendimento de que a negligência a que se refere o nº 1 do art. 281º do CPC não possa ser aferida para além dos elementos que o processo, só por si e imediatamente, revela, por se tratar de uma negligência ali objectiva e necessariamente espelhada (negligência processual ou aparente), tornando desse modo injustificada a prévia audição da parte relapsa (conforme sustentado no Ac. do STJ, de 20.09.2016, José Rainho, Processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1.

No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 14.12.2016, Salazar Casanova, Processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, quando nele se afirma que resulta da lei «que, decorrido esse prazo, sem que nada seja requerido nos autos, o Tribunal não pode deixar de considerar verificada ipso facto uma situação de negligência e isto porque o Tribunal, para proferir a decisão, apenas se pode socorrer dos elementos que estão nos autos (quod non est in actis non est in mundo) e não dos elementos que os interessados podiam ter apresentado no processo que pudessem então viabilizar ao juiz considerar que, não obstante o decurso do prazo de seis meses, não ocorria situação de negligência).

Entende-se ainda que o exercício desta faculdade deverá ser possibilitado mesmo à parte que antes tenha sido advertida da necessidade da prática do acto (conforme se referiu supra): aquela advertência constitui apenas o termo inicial do prazo de seis meses em causa, enquanto que esta audição verifica se a omissão de impulso processual se deveu a negligência sua - da parte onerada com o mesmo.

(Considerando, porém, que, se «as partes já tiverem sido alertadas para a consequência da omissão do impulso pelo prazo de deserção, a lei não exige a sua audição após o decurso de tal prazo», Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 23.)

«Aliás, tal dever decorre expressamente do artº 3º nº 3 do C.P.C. ao dispor que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (Ac. da RC, de 07.01.2015, Maria Inês Moura, Processo nº 368/12.6TBVIS.C1, com bold acpócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RE, de 06.10.2016, Bernardo Domingos, Processo nº 775/14.0T8SLV.E1, ou Ac. da RC, de 27.06.2017, Isaías Pásua, Processo nº 522/05.7TBAGN.C1.Na doutrina, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, p. 255, onde se lê que as «partes devem ser ouvidas antes da prolação do despacho, por força do art. 3º nº 3»).

Discorda-se, assim, do entendimento de que «o nº 3 do art. 3º do CPCivil não importa ao caso, visto que não se trata aqui do direito de influenciar a decisão (em termos de factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto dialético da causa, nem tão-pouco é configurável uma decisão-surpresa, antes trata-se simplesmente de fazer atuar uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo» (conforme sustentado no Ac. do STJ, de 20.09.2016, José Rainho, Processo nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, com bold apócrifo.

No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 14.12.2016, Salazar Casanova, Processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, quando nele se afirma que o «princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal (…) convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram»; e «se a lei aqui não cuidou de impor a prévia audição das partes foi porque considerou que a fixação perentória da deserção da instância nos termos assinalados a impor, no caso de inércia, a prolação de decisão leva a que esta não possa considerar-se inesperada ou surpreendente»).
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4.1.3. Decisão que declare a deserção da instância - Necessidade e Competência

Lê-se no nº 4 do art. 281º do C.P.C., que a «deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou relator»
Logo, exigindo-se que a deserção da instância seja julgada por simples despacho (nº 4 do art. 281º do C.P.C.), importará também que o dito despacho seja proferido, limitando-se porém a declará-la, uma vez julgada verificada.
Com efeito, no «novo código, seis meses de negligência no andamento do processo, quando ele dependa do impulso processual das partes, bastam para que a deserção directamente ocorra» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 356).

Dir-se-á, porém, que pese embora «a decisão prevista no nº 4 seja meramente declarativa, até ser proferida não pode (…) a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 250, com bold apócrifo. Ainda Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 15, onde se lê que «a lei [é] clara na exigência do reconhecimento judicial da deserção, esta só terá efeitos no processo se o tribunal a declarar»).

Já no caso das acções executivas, e conforme decorre expressamente do art. 281º, nº 5 do C.P.C., a instância considera-se deserta, uma vez verificados os seus pressupostos, «independentemente de qualquer decisão judicial».

Logo, e diversamente «do que é determinado para a acção declarativa e em harmonia com o que se determina, em geral, no art. 849 (cf. art. 1-f), a deserção é automática, não dependendo de qualquer decisão» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, p. 558. No mesmo sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 251, onde se lê que ao «contrário do previsto para a acção declarativa, a deserção ocorre independentemente de qualquer decisão judicial, como é apanágio da extinção da execução (art. 849º)»).
É precisamente nesta dispensa de decisão judicial a declarar a deserção da instância que radica a diferença - única - do regime desta figura na acção declarativa e na acção executiva (e não, como já atrás se afirmou, nos seus pressupostos/requisitos).

Contudo, impõe-se no art. 849º, nº 2 e nº 3 do C.P.C., que a extinção da execução [por qualquer um das causas discriminadas no seu nº 1] seja comunicada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes, bem como «comunicada, por via electrónica, ao tribunal, sendo assegurado pelo sistema informático o arquivo automático e electrónico do processo, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria» (considerando-se mesmo no Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1, que a dispensa de decisão judicial se ficará a dever precisamente à «utilização privilegiada e tendencialmente única, nesta forma de processo, dos procedimentos electrónicos e informáticos»).

Ora, se é «inequívoco que algum órgão tem de declarar a instância extinta e de comunicar essa extinção às partes, aos credores reclamantes e ao tribunal (art.º 849º, n.º 2 e 3)», esse «órgão só pode ser o agente de execução» (Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1.No mesmo sentido, Ac. da RC, de 07.06.2016, Maria João Areias, Processo nº 302/13.6TBLSA.C1, ou Ac. da RE, de 23.03.2017, Albertina Pedroso, Processo nº 3133/07.9TJLSB.1.E1.Na doutrina, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, p. 256, onde se lê que, sendo dispensada a decisão judicial para declarar a deserção, competirá «ao agente de execução a verificação a ocorrência dos pressupostos da extinção por deserção» (cf. Art. 849º nº 1 al. f)»; ou ainda Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, comentando o Acórdão da Relação de Évora, proferido no Processo n.º 84/13.1TBFAL).

Com efeito, se na acção executiva compete precisamente ao agente de execução «efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz» (art. 719º, nº 1 do C.P.C.), certo é que a lei não atribui competência para a decisão que reconheça a deserção nem à secretaria (art. 719º, nºs 3 e 4 do C.P.C.), nem ao juiz (art. 723º do C.P.C.).

Assim, e pese «embora a pouca clareza do texto do preceito quanto à competência para determinar a deserção da instância, entendemos que, sem prejuízo do disposto no art.º 723º, n.º1, alíneas c) e d) do NCPC, e não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao Agente de Execução, nos termos do art.º 719º, n.º 1 do NCPC, decidir, em primeira linha, da deserção da instância do processo executivo (vide neste sentido Ac. do TRG de 15/05/2014, proferido no Proc. 5523/13.9TBBRG.G1 e os Acs. que relatámos proferidos nos Processos n.º 1169/05.3TBBJA e 84/13.1TBFAL)» (Ac. da RE, de 15.12.2016, Silva Rato, Processo nº 1932/13.1TBLLLE.E1, com bold apócrifo).
Já o juiz só poderá proferir decisão sobre a deserção da instância executiva «no caso de a mesma lhe ter sido suscitada, nos termos previstos na referida alínea d) deste artigo» (Ac. da RE, 10.03.2016, Acácio Neves, Processo nº 1029/08.6TBTNV.E1. Já antes, Ac. da RG, de 26.06.2014, Fernando Fernandes Freitas, Processo nº 1568/09.1TBFLG-A.G1, onde se lê que, «sendo agora desnecessária a decisão judicial a declarar a deserção da instância executiva, a avaliação do comportamento das partes para ser aferido como negligente, apenas será feita pelo juiz se a questão lhe for expressamente colocada, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº. 1, do artº. 723º, do C.P.C.»).
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4.2. Subsunção do caso concreto (ao Direito aplicável)

4.2.1. Omissão de impulso processual devido pela Exequente

Concretizando, verifica-se que, tendo sido proferido, em 22 de Junho de 2017, despacho a declarar que o imóvel hipotecado a favor da Exequente (Banco A, S.A.) nunca poderia «ser vendido ou adjudicado por valor inferior ao valor mínimo calculado com base em € 120.019,00» - desse modo indeferindo implicitamente a sua adjudicação àquela por € 77.648,85, conforme a mesma tinha requerido -, decorridos seis meses «não foi registado qualquer acto processual nos presentes autos», conforme informado pela Secretaria na conclusão aberta em 27 de Fevereiro de 2018.

Contudo, e salvo o devido respeito pelo então entendido pelo Tribunal a quo, não obstante esta «paragem do processo por mais de seis meses», não se verificou igualmente «um nexo de causalidade adequada» entre ela e uma «omissão culposa do ónus do impulso processual» que coubesse à Exequente, conforme o impõe o «nº5 do art. 281º» do C.P.C. para a verificação da deserção da instância (Ac. da RP, de 14.03.2016, Rita Romeira, Processo nº 317/06.0TBLSD.P1).

Com efeito, para «que haja lugar à deserção da instância, é indispensável que a parte esteja obrigada a promover o impulso e o não faça, nos termos e prazos que a lei impõe» (Ac. da RG, de 02.05.2016, Cristina Cerdeira, Processo nº 1417/10.8TBVCT-A.G1). Ora, aquela omissão de impulso processual, real, verificou-se, não na pessoa da Exequente, mas sim na pessoa da Agente de Execução: só esta foi encarregue antes, por despacho judicial, de proceder à venda por negociação particular do imóvel hipotecado a favor da Exequente (Banco A, S.A.); e é igualmente dela o dever de informação e comunicação perante as partes, garante da transparência na sua condução do processo (art. 754º, n.º 1 do C.P.C., e art. 42º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, na redacção introduzida a este último preceito pela Portaria nº 233/2014, de 14 de Novembro).

Deste modo, só a Agente de Execução não terá procedido ainda à dita venda (no prazo de quarenta e cinco dias que, pelo mesmo despacho judicial, lhe fora concedido para o efeito), como só ela nada terá informado nos autos (v.g. sobre as razões da demora ou frustração da diligência), ou requerido (v.g. concessão de novo e mais alargado prazo para a sua concretização).

Reitera-se, conforme se deixou explicitado supra, que o impulso processual do exequente, depois de instaurada a acção executiva, é de segunda linha, já que é «o agente de execução que concentra em si, e num único momento de raciocínio, a antiga promoção do exequente e a fiscalização do juiz, para logo de seguida levar à prática aquilo que ele próprio decidiu realizar» (Paulo Pimenta, «Reflexões Sobre a Nova Acção Executiva», Subjudice, nº 29, p. 84).

Reitera-se, igualmente, que o agente de execução promove o andamento do processo executivo enquanto colaborar da Justiça e, por isso, em nome do Tribunal; e, deste modo, caberá em primeira linha ao Tribunal reagir à omissão de impulso processual que registe na sua pessoa (v.g. falta de realização de diligência que lhe havia cometido), nomeadamente reconhecendo-a e comunicando-a ao exequente, para que possa então reagir a ela.

Discorda-se, assim, do entendimento do Tribunal a quo, quando cometeu essa obrigação à Exequente (Banco A, S.A.), já que: o seu dever genérico de acompanhar a actividade da Agente de Execução não converte em concreto dever próprio o incumprimento por esta das obrigações que especificamente lhe sejam cometidas; e se é certo que o dever de informação do agente de execução «considera-se cumprido com o registo da informação no sistema informativo de suporte à actividade dos tribunais que permita a consulta do acto no histórico electrónico do processo judicial» (nº 3 do art. 14º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto), certo é igualmente que no caso dos autos se está perante uma omissão de registo de qualquer informação (v.g. dificuldades que justifiquem a demora na, ou a frustração da, realização da venda por negociação particular) sobre inexistente acto (v.g. realização da dita venda).

Dir-se-á, por isso, que a «inércia do agente de execução poderá determinar a sua destituição por incumprimento dos deveres inerentes às funções de que foi encarregado, mas, ainda que perdure por mais de seis meses, não será suficiente para fazer operar a deserção da instância, já que essa inércia não se repercute, de forma automática e imediata, sobre o exequente, sem que exista, pelo menos, uma notificação que transfira para a parte o ónus de reagir contra essa inércia, requerendo, designadamente, a destituição do agente de execução - o exequente apenas terá o ónus de reagir contra a inércia do agente de execução (para se concluir que, não o fazendo, a falta de movimento processual lhe é imputável) se for notificado para esse efeito, pelo que, constatando-se que o processo não apresenta movimento durante um período temporal que seja bastante para concluir que o agente de execução não está a cumprir os seus deveres, deverá o Tribunal notificar o exequente para requerer o que tiver por conveniente em face desse incumprimento; só a partir de então se poderá considerar que o exequente tem a obrigação e o ónus de tomar posição sobre esse incumprimento e que o processo aguarda o seu impulso processual, considerando-se deserta a instância se nada requerer nos seis meses subsequentes» (Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.06.2016, Catarina Gonçalves, Processo nº 500/12.0TBAGN.C1).

De forma idêntica se tem decidido já quando, «tendo requerido a penhora de certos bens», o exequente «não foi informado nem da sua realização nem da sua frustração, por parte do agente de execução», considerando-se que, nestas «circunstâncias não pode considerar-se deserta a instância» (Ac. da RE, de 06.10.2016, Bernardo Domingos, Processo nº 775/14.0T8SLV.E1. De forma idêntica, Ac. da RC, de 04.04.2017, Luís Cravo, Processo nº 407/09.8TBNZR-A.C1); ou quando, evidenciando-se «no processo em suporte físico e no processo informatizado o incumprimento, por parte do agente de execução, do referido dever perante a exequente (e o Tribunal) - e, assim, inviabilizada a plena afirmação de uma tramitação electrónica (necessariamente, tempestiva e transparente dos actos realizados na execução) -, tal circunstância não poderá deixar de relevar para efeitos de deserção da instância executiva, na previsão do n.º 5 do art.º 281º, do CPC», insusceptível de ser reconhecida em tais circunstâncias (Ac. da RC, de 16.12.2015, Fonte Ramos, Processo nº 651/08.5TBCTB-A.C1).

Concluindo, cabendo o ónus do impulso processual, no caso dos autos, à Agente de Execução, deveria o Tribunal a quo ter notificado a omissão do seu cumprimento (denunciada pela conclusão aberta para o efeito pela sua Secretaria) à Exequente (Banco A, S.A.), para que esta pudesse reagir à mesma, só a partir de então se considerando estar-lhe cometido/devolvido idêntico ónus.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando que no caso dos autos nem mesmo estava verificado o primeiro pressuposto da deserção da instância (encontrar-se o processo executivo, há mais de seis meses, sem o necessário impulso processual, devido pela Exequente).
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4.2.2. Negligência da Exequente (na omissão de prévio impulso processual devido)

Concretizando novamente, verifica-se que, tendo o Tribunal a quo entendido de outro modo (considerando que recaía sobre a Exequente o dever de acompanhar «toda a actividade do agente de execução», e tendo-se o dever de informação da Agente de Execução «cumprido com o registo de informação no sistema informático de apoio à actividade dos tribunais»), entendeu ainda que «o exequente actua negligentemente quando, tendo necessariamente conhecimento da actividade do agente de execução, se conforma com a sua actuação, não impulsionando o processo durante mais de seis meses - prazo suficientemente longo para que este se aperceba do comportamento do agente de execução e possa reagir, pedindo a sua substituição, nos termos do artigo 720º, nº 4, do Código de Processo Civil, ou requerendo diversa diligência».

Logo, não só julgou estar a Exequente (Banco A, S.A.) efectivamente onerada com um dever de acção, como julgou imputar-se a negligência sua a falta de cumprimento daquele.

Contudo, e salvo novamente o devido respeito pela sua opinião contrária, reafirma-se aqui, «de forma impressiva, que a ´solução final` (extinção da instância, por deserção) que se pretende dar ao processo, não pode ser sentenciada sem sujeitar a contraditório o que objectivamente resulta dos autos».

Com efeito, e ainda «que possam existir casos em que o contraditório prévio se mostre, aparentemente (em face de elementos dos autos), desnecessário e inútil - tanto por a negligência ser já patente, como por ser evidente a falta dela -, mesmo em tais hipóteses, há (sempre) que admitir que possa ter acontecido algo que, num plano de normalidade, não se entrevê, pelo que há que conceder ao ´visado` a possibilidade de o explanar» (Ac. da RC, de 29.09.2016, Fonte Ramos, Processo nº 3690/14.3T8CBR.C1, com bold apócrifo, seguindo de perto o Ac. da RC, de 06.07.2016, Maria João Areias, Processo nº 132/11.0TBLSA.C1).

Deveria, assim, o Tribunal a quo, previamente à decisão que proferiu, ter sujeitado ao crivo do contraditório da Exequente (Banco A, S.A.) o seu presumido juízo (de que se deveria à sua negligência a respectiva omissão de impulso do processo executivo nos últimos seis meses).

Não o tendo feito, e não tendo ficado assente nos autos qualquer registo de informação, pela Agente de Execução, no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais (nomeadamente, elucidando sobre as razões da sua inércia, no cumprimento da obrigação própria de venda que lhe estava cometia, e que coubesse à Exequente solucionar), não poderia ele próprio presumir inilidivelmente dever-se à negligência desta a falta de impulso processual na acção executiva (que, repete-se, também não lhe cabia).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, considerando que no caso dos autos não estava igualmente verificado o segundo pressuposto da deserção da instância (dever-se a falta, por mais de seis meses, do devido impulso processual a negligência da Exequente).
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4.2.3. Decisão surpresa

Dir-se-á, por fim, e salvo sempre o devido respeito pela sua opinião contrária, que também não poderia o Tribunal a quo ter decidido da forma como o fez, por a decisão impugnada consubstanciar uma inadmissível decisão surpresa, já que a parte dela destinatária não a pôde antecipadamente prever (art. 3º, nº 3 do C.P.C.).

Com efeito, há quem admita que, «quando falte a advertência prévia ao decurso do prazo de deserção – melhor, quando falte a advertência com uma confortável antecedência sobre termo final do prazo de deserção –, a decisão do tribunal ainda se possa qualificar de “decisão-surpresa” – sendo irrelevante para o efeito, isto é, para afastar esta surpresa, o contraditório oferecido previamente à decisão, mas subsequente à deserção».

Quem o faz, defende que, «nestes casos, restará ao juiz convidar a parte a praticar o ato em certo prazo – que será de dez dias, se outro não for judicialmente fixado (art. 149.º) –, estando depois habilitado a conhecer a deserção pretérita, se a parte permanecer inerte. Já se a parte promover utilmente os termos do processo, o seu ato superveniente tem valor sub-rogatório do ato impeditivo da deserção anteriormente omitido, não mais podendo ser judicialmente reconhecida a deserção da instância» (Paulo Jorge Ramos de Faria, «O julgamento da deserção da instância declarativa – Breve roteiro jurisprudencial», Julgar on line, 2015, p. 18, com indicação de outra conforme doutrina e jurisprudência).

Ora, se o entendimento exposto se justifica numa hipótese em que se mostrem efectivamente reunidos os pressupostos para que a instância possa ser declarada deserta, mais se justificará numa outra em que nem mesmo se mostre assegurada aquela reunião.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total procedência do recurso de apelação interposto pela Exequente (Banco A, S.A.).
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Exequente (Banco A, S.A.), e, em consequência:

· em revogar o despacho recorrido (que julgara deserta a instância executiva), devendo a acção prosseguir os seus ulteriores e normais trâmites.
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Custas da apelação pelos Executados (Ana e Herdeiros de A. M.) (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
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Guimarães, 30 de Maio de 2018.

Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha (votou vencido conforme declaração que segue)


VOTO de VENCIDO

Votei vencido porque, tal como sustentado no acórdão da Relação de Guimarães proferido em 01 de Março de 2018, no Processo nº 1218/14.4T8VCT.G1, de que fui relator (acessível em www.dgsi.pt), entendo que:

. o dever de “gestão processual” conferido ao juiz, não eliminou o “princípio da autorresponsabilidade das partes”, sobretudo nos casos em que só a estas cabe o ónus de impulsionar o andamento regular do processo (art. 6º, n.º 1, do C. P. Civil);

. estando ao dispor do exequente o conhecimento informático de toda a atividade que vem sendo desenvolvida pelo agente de execução, caber-lhe-á, como responsável pelo impulso processual da execução, diligenciar no sentido de promover o seu andamento célere e eficaz, bem sabendo que a mesma não poderá encontrar-se parada, devido a inércia do exequente, por período superior a seis meses, sob pena de deserção (art. 281º, n.º 5, do C. P. Civil);

. e importando a decisão judicial que culmine com a deserção da instância, em si mesma, um juízo acerca da existência de negligência da parte em termos de impulso processual, retratada ou espelhada objetivamente no processo, não impõe uma prévia audição das partes, designadamente para funcionamento do “princípio do contraditório”.

Precisando, por decalque do acórdão por mim relatado, direi que, cabendo ao exequente impulsionar a execução, susceptível do seu permanente acompanhamento, pela plataforma informática de apoio à actividade dos tribunais, entendo que o “dever de prevenção” [uma das vertentes do dever de cooperação, previsto no art. 7º do C.P.C.] não tem aplicação em caso de negligência das partes em promover o andamento do processo, sob pena de desresponsabilizámos por completo a atividade processual que só a estas compete.
Sufrago ainda a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual se “a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inação se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência»; e, por isso, é “à parte onerada com o impulso processual (…) que incumbe (aliás à semelhança do que sucede no caso paralelo do justo impedimento, art. 140º do CPCivil), e ainda como manifestação do princípio da sua autorresponsabilidade processual, vir atempadamente ao processo (isto é, antes de se esgotar o prazo da deserção) informar e mostrar as razões de facto que justificam a ausência do seu impulso processual, contrariando assim a situação de negligência aparente espelhada no processo”, sendo ”em função desta atividade da parte que o tribunal poderá formular um juízo de não negligência”.

“De outro lado, em sítio algum estabelece a lei qualquer “audição” das partes (seja ou não a expensas do princípio do contraditório) em ordem à formulação de um juízo sobre essa negligência (aliás, mais do que ouvir as partes ou atuar o contraditório, tratar-se-ia então de um autêntico “incidente”, por isso que, dentro da lógica subjacente, as partes teriam que ser admitidas a demonstrar as razões que as levaram a não promover o andamento do processo, isto é, a sua não negligência). O que a lei pretende é que a parte ativa no processo não seja penalizada em termos de extinção da instância quando a razão do não andamento da causa lhe não seja imputável. E, repete-se, o nº 3 do art. 3º do CPCivil não importa ao caso, visto que não se trata aqui do direito de influenciar a decisão (em termos de factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto dialético da causa, nem tão-pouco é configurável uma decisão-surpresa, antes trata-se simplesmente de fazer atuar uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo” (Ac. do STJ, de 20.09.2016, José Rainho, Processo n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
O mesmo Supremo Tribunal de Justiça concluiu já que “(…) o regime processual fixado no sentido de ope judicis, ou seja, por ato do juiz se impor a extinção da instância por deserção decorrido o assinalado prazo de seis meses em caso de inércia da parte que tem o ónus de, antes desse prazo decorrer, proporcionar ao Tribunal o conhecimento das ocorrências que justificam que a deserção não seja decretada por não haver negligência, não se afigura o regime legal fixado nem desproporcionado nem excessivo, sabendo-se que, não obstante a deserção da instância, o direito de ação fica intacto e sabendo-se ainda que a parte ou o seu mandatário pode invocar justo impedimento demonstrativo de que esteve impossibilitada de exercer a sua atividade por caso de força maior ou por evento que não lhes é imputável (artigo 140.º do CPC/2013)” (Ac. do STJ, de 14.12.2016, Salazar Casanova, Processo nº 105/14.0TVLSB.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
O caso destes autos é paradigmático da correcção deste entendimento, já que a Exequente sabia que tinha sido cometida à Agente de Execução a realização da venda do imóvel hipotecado por negociação particular, e que o prazo concedido para o efeito fora de 45 dias; e, esgotado este, podia e devia ter verificado na plataforma informática de suporte à actividade dos tribunais a existência de qualquer pertinente informação sobre a realização ou não realização da diligência, e, na sua ausência, reagir a ela.
Não pode ainda a mesma ter-se por destinatária de qualquer “decisão surpresa”, uma vez que necessariamente sabe que lhe incumbe impulsionar a instância executiva, e que a sua injustificada inacção por mais de seis meses implica a respectiva deserção.
Julgaria, com tais fundamentos, o recurso dos autos totalmente improcedente, confirmando o despacho recorrido.

(2º Adjunto)
(António José Saúde Barroca Penha)