Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
433/09.7TBCHV.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: AUTO-ESTRADA
ACIDENTE
CONCESSIONÁRIO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. - Com a aprovação da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho , diploma que define quais os “ (…) direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares”, lícito é concluir que o legislador tomou partido pela qualificação da responsabilidade civil do concessionário como sendo contratual, por contraponto à responsabilidade civil extracontratual.
2.- Na sequência do referido em 5.1., e sendo o utente de uma auto-estrada - o qual por sua vez suporta o pagamento do serviço solicitado - necessariamente credor de uma contra-prestação - a cargo da concessionaria - correspondente a uma circulação numa via rápida, aberta, livre de obstáculos, segura e vigiada, uma primeira consequência que se impõe retirar é a de que, em tese geral, não se descortina fundamento pertinente que obste a que o condutor lesado em acidente instaure a competente acção indemnizatória tão só contra a concessionária e a respectiva Seguradora, e sabendo-se como se tem obrigação de saber que a relação de obrigação tem eficácia apenas entre credor e devedor ( cfr. artº 406º, do CC).
3.- Ao referido em 5.2. não obsta a circunstância de existir um contrato entre uma concessionária e um terceira entidade, através do qual a primeira contrata com a segunda o desenvolvimento de actividades compreendidas na Concessão , pois que, tal contrato é em relação ao utente da auto-estrada res inter alios acta, não podendo prejudicá-los, sendo que, a responsabilidade objectiva que incide sobre o concessionário e a que alude a Base LXXIV do CAPÍTULO XVI, do anexo do Decreto-Lei nº 323-G/2000, de 19 de Dezembro, não afasta a responsabilidade pela culpa do concessionário que decorre da Base LXXIII.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2 dª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
F.. e B.., ambos de Vila Pouca de Aguiar, intentaram acção declarativa sob a forma sumária contra:
Companhia de Seguros.., S.A. e
... - Concessionária de Auto-Estradas, S.A., pedindo que, sendo a acção julgada procedente por provada, sejam as Rés condenadas, na medida da sua responsabilidade, a pagar , ao Autor F.., a quantia de 11.586,74€, e , ao autor B.., a quantia de 4.135,30€.
Para tanto invocaram ambos os autores , em síntese , que :
- No dia 20/07/2007, o segundo A., sofreu um acidente de viação quando conduzia, na Auto – Estrada A 24, que liga Chaves ao Porto, um veículo automóvel propriedade do primeiro A, tendo o sinistro acontecido em razão da presença na estrada de uma “pedra de grande dimensão” parcialmente desfeita;
- Do referido acidente resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais, e cujo ressarcimento incumbe a ambas as Rés, pois que, por um lado, a 2ª R. é a concessionária da auto-estrada referida, e, a 1ª R. , assumiu a responsabilidade pelos danos causados pela actuação da O.., empresa última esta que era a responsável pela Manutenção e Serviços de Limpeza da auto estrada A24 que liga Chaves ao Porto.
1.2.- Após citação, contestaram ambas as Rés, tendo a Ré Seguradora deduzido oposição por impugnação motivada e aduzindo que o contrato de seguro celebrado não cobre os danos sofridos pelos AA, e , a segunda Ré, além de igualmente ter impugnado a factualidade alegada pelos AA, requerido a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros.., representada em Portugal pela Companhia de Seguros..., e como sua associada .
1.3.- Admitida a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros.., veio a chamada apresentar contestação, tendo no referido articulado invocado a aplicação ao caso sub iudice das cláusulas ,quer de exclusão, quer do próprio âmbito de aplicação da apólice de seguro em análise, impetrando em consequência a sua absolvição do pedido.
1.4- Designada que foi uma data para a realização de uma audiência preliminar, nela ( em 12/11/2012 ) foi proferido despacho saneador tabelar [ considerando-se o Tribunal competente, o processo isento de nulidades, gozarem as partes de personalidade e capacidade judiciária e terem legitimidade para a acção, e não existirem quaisquer nulidades, excepções dilatórias nem peremptórias, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa ], fixada a matéria de facto assente e elaborada a Base Instrutória da causa, peças estas que não foram objecto de qualquer reclamação.
1.5.- Posteriormente, os AA. requereram a intervenção principal provocada de O..,SA, como associada das RR, o que foi deferido ( por decisão de 20/7/2012 , prosseguindo doravante a acção contra a O.. ), sendo a chamada citada para contestar, o que fez por excepção ( invocando a excepção de prescrição) e por impugnação, vindo mais adiante e após resposta dos AA, o tribunal a quo a julgar - por decisão de 18/1/2013 - a excepção peremptória referida e invocada pela O.., S.A., como procedente, absolvendo a chamada do pedido.
1.6.- Finalmente, designado dia para o efeito, realizou-se a audiência de discussão e julgamento , iniciada a 21/1/2014 e finda a 4/4/2014 , sendo que, na sequência de determinação judicial para o efeito, foram os autos conclusos para prolação da sentença , o que sucedeu a 1/5/2014 e sendo o respectivo segmento decisório do seguinte teor :

III – Decisão
Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, absolvendo os RR. e a interveniente dos pedidos.
Custas pelos AA. (artigo 527º do C.P.C.) ”
1.7.- Inconformados com a referida sentença da mesma apelaram então ambos os AA, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
(..)
1.8.- Tendo a Ré .. - Concessionária de Auto-Estradas, S.A contra-alegado, veio a mesma concluir e impetrar que à apelação dos autores seja negado provimento .
Para tanto, concluiu da seguinte forma :
(..)
Thema decidendum
1.9 - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem - cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, do Cód. de Proc. Civil, com a redacção posterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto ] , sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código, as questões a decidir são as seguintes:
a) aferir se a sentença apelada incorre in error in judicando no tocante à decidida improcedência in totum da acção .
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2.- Motivação de Facto.
Em sede de Despacho Saneador considerou o tribunal a quo como resultando dos autos ASSENTE a Seguinte factualidade [ estranhamente, não resulta do processado nos autos e do teor da sentença - não obstante desta última constar que “ Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, decidindo-se da matéria de facto provada, não tendo havido reclamações “ - apelada que a primeira instância tenha proferido decisão sobre a matéria de facto controvertida e vertida na Base Instrutória da causa , quer nos termos do artº 653º, nº 2, do pretérito CPC, quer nos termos do artº 607º, nºs 3 e 4 do CPC actualmente em vigor :
2.1. - A O.., SA, é uma empresa de construção civil e concessionária de obras públicas, que se dedica à Manutenção, Serviços de Limpeza e Operações de Auto – Estradas, em particular, da auto estrada A24 que liga Chaves ao Porto, com sede na.., no concelho de Lamego ;
2.2.- Em 20 de Agosto de 2007 a responsabilidade civil da O.. encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros.., S.A., por contrato de seguro válido e eficaz titulado pela apólice nº 45799, com capital garantido no montante de € 9.500.000,00 e franquia contratual de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de € 750,00 e máximo de € 200.000,00, por sinistro.
2.3.- O Estado Português e a N.., S.A. celebraram, a 30 de Dezembro de 2000, um Contrato de Concessão de lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados no interior norte designada por concessão SCUT INTERIOR NORTE, tendo sido atribuída à N.. a concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem SCUT da, actualmente, designada A24, nos termos que melhor constam do documento junto aos autos a fls. 128, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.4.- Para cumprimento das obrigações assumidas em matéria de exploração e manutenção da A24, a 2ª Ré celebrou com a O.., S.A., Contrato de Operação e Manutenção, nos termos que melhor constam do documento junto aos autos a fls. 188, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.5.- Por efeito do mencionado contrato, a O.. obrigou-se a cumprir e a assumir, como suas, as obrigações da 2ª R. nos termos do Contrato de Concessão, na medida em que se relacionem com o cumprimento das obrigações respeitantes às actividades de operação e manutenção da A24, designadamente, os serviços e trabalhos referidos no Anexo 4 do Contrato de Operação e Manutenção, conforme melhor consta dos documentos juntos aos autos a fls. 242 e 253, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.5.- Em 20 de Agosto de 2007 a responsabilidade civil da Ré N.. encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros.., representada em Portugal pela Companhia de Seguros.., S.A, por contrato de seguro válido e eficaz titulado pela apólice nº 83 674 620, com o capital garantido de € 4.600.000,00 por sinistro sendo a respectiva franquia no valor de € 7.500,00, conforme melhor consta do documento junto aos autos a fls. 500, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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3. - Motivação de Direito.
3.1. - Será que incorre a sentença apelada in error in judicando no tocante à decidida improcedência in totum da acção ?.
Recordando, em sede de fundamentação e para justificar a decidida improcedência da acção, discorreu o tribunal a quo do seguinte modo :
“(…)
Não obstante o entendimento do tribunal supra vertido sobre a legitimidade das partes, verificamos que tudo quanto ficou explanado permite, desde logo, absolver os RR., bem como a interveniente, do pedido.
Isto porque, a R. N.. (e as respectivas seguradoras) só serão responsáveis pelos prejuízos reclamados pelos AA. se a O.. tiver obrigação de indemnizar.
A obrigação da R. N.. não é solidária com a obrigação que poderia recair sobre a O... A responsabilidade do comitente funciona como um garante de pagamento dos prejuízos ao lesado.
Ora, conforme já se disse a O.. não é parte nos presentes autos neste momento porque foi absolvida do pedido. Ou seja, já foi decidido nos presentes autos – e com decisão transitada em julgado – que a O.. não é obrigada a indemnizar os prejuízos reclamados pelos AA.
Assim sendo, a N.. não pode ser responsabilizada pelos prejuízos peticionados e, da mesma forma, não o podem ser a R. F.. e a interveniente A.. (uma vez que também só poderiam ser condenadas na medida em que a N.. o fosse).
Assim sendo, abrigo de todas as disposições supra mencionadas, e do disposto nos artigos 576º, nº1 e 3 e 579º do C.P.C., entende o tribunal que a absolvição da O.. do pedido configura uma excepção peremptória inominada (fato extintivo do direito dos AA.) que implica a absolvição dos RR. e da interveniente do pedido.”
Explicitando melhor, na génese da fundamentação que antecede, e tendo presente a factualidade assente e especificada em sede de Saneador, parte o tribunal a quo do pressuposto de que entre ambas as Rés N.. - Concessionária de Auto-Estradas, S.A e O.. - Operação e Manutenção de Auto-Estradas,SA, existe uma relação de comitente/comissário - e isto porque a O.. se obrigou perante a Concessionária , no âmbito de contrato entre ambas outorgado, a assegurar a segurança da auto-estrada para os respectivos utentes - , respondendo assim e tão só a Ré N.. pelos prejuízos causados a terceiros ( os ora AA ) pela actividade da referida O../comissária, nos termos gerais previstos para a relação de comitente-comissário.
Ou seja, e em rigor, para o a quo, respondendo a N.. perante os AA nos termos do artº 500º, do CC, e rezando o nº1 desta disposição legal que “ Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão, responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar “, então e a fortiori, porque nos autos foi já decidido - na sequência da procedência da excepção peremptória da prescrição invocada pela O.. - não recair sobre o comissário qualquer obrigação de indemnização, inevitável é não poder outrossim a N.. ( como comitente ) ser responsabilizada pelos prejuízos.
Já para os apelantes, dissentindo do referido julgamento, não faz de todo sentido a decisão apelada e isto porque, prima facie ( em razão da pouca clareza da posição dos recorrentes e manifesta complexidade e algo embrulhadas conclusões recursórias ) a questão da O..,SA é tão só lateral, sem interesse para os recorrentes, pois que o contrato de empreitada outorgado entre a Devedora principal N..,SA e a O.. SA apenas tem eficácia interna, não sendo oponível aos demandantes enquanto lesados .
Ora Bem.
Em face do alegado pelos apelantes na respectiva petição inicial ( porque dos autos não consta a qual a factualidade provada em sede de audiência final ), e em parte enunciada no Relatório do presente Ac., manifesto é que os AA intentam a acção com o desiderato de lograrem o ressarcimento de danos que sofreram na sequência de acidente de viação ocorrido em Auto - Estrada ( A 24, que liga Chaves ao Porto) , da qual é a Ré N.. - Concessionária de Auto-Estradas, S.A, a respectiva concessionária, imputando a esta última, ainda que solidariamente com a O.. SA , a responsabilidade pelo respectivo ressarcimento.
Para os apelantes, em rigor, porque o condutor do veículo acidentado socorreu-se dos serviços de uma Auto-estrada da qual é concessionária a 2º Ré - N….. - Concessionária de Auto-Estradas, S.A, - , razão porque responsabilizou-se esta última pela manutenção e bom estado de conservação, em perfeitas condições de utilização, da via rodoviária referida, inevitável é a sua responsabilidade pelos danos causados, e isto porque resultaram eles - o acidente e os subsequentes danos - da existência de uma pedra em plena auto - estrada A 24.
Ora, em razão do acabado de expor, e tendo presente as bases da concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados, designada por Interior Norte, a que se referem a alínea e) do nº 1 e a alínea e) do n.º 2 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 267/97, de 2 de Outubro, constantes do anexo ao Decreto-Lei nº 323-G/2000,de 19 de Dezembro [ in DIÁRIO DA REPÚBLICA - I SÉRIE-A , Nº 291 — 19 de Dezembro de 2000 ] , é ponto assente que à Ré N.. ,SA , foi atribuída pelo Governo Português a concessão do Lanço de Auto-Estrada onde terá ocorrido o acidente a que se referem os apelantes na respectiva petição inicial ( cfr. artºs 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 323-G/2000, e Base II , do respectivo Anexo I ).
Por sua vez, em razão das Bases XLV, do CAPÍTULO X, e LXXIII, do CAPÍTULO XVI, do anexo referido, não apenas ” Constitui estrita obrigação da Concessionária a manutenção em funcionamento ininterrupto e permanente dos Lanços, após a sua abertura ao tráfego, em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, em tudo devendo diligenciar para que os mesmos satisfaçam plenamente o fim a que se destinam“, como , “ A Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito”.
Mas, logo a seguir, acrescenta agora a Base LXXIV, sob o titulo de “ Por prejuízos causados por entidades contratadas“, que “A Concessionária responderá ainda nos termos gerais da relação comitente-comissário, pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das actividades compreendidas na Concessão “.
Sendo os contratos de concessão outorgados entre a concessionária e o concedente aqueles que forem aprovados mediante resolução do Conselho de Ministros ( cfr. Artº 3º , do Decreto-Lei nº 323-G/2000 ), in casu têm eles o teor/conteúdo da Resolução do Conselho de Ministros nº 171-A/2000, de 19/12 ( in DIÁRIO DA REPÚBLICA - I SÉRIE-B , N.º 291 - 19 de Dezembro de 2000 ), e , inevitavelmente, as Bases do Decreto-Lei nº 323-G/2000, acima indicadas, fazem parte do respectivo clausulado [ v.g. nos respectivos itens 48.1 do Capítulo X , e 76.1 e 77.1, ambos do Capítulo XVI ].
Isto dito, e porque de diploma se trata, que define quais os “ (…) direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares “ ( cfr. artº 1º , da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho - in Diário da República, 1.ª série - N.º 137 - 18 de Julho de 2007, e que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação ) , importa de seguida atentar no que estabelece este último e referido diploma no que concerne à RESPONSABILIDADE diz respeito aquando da ocorrência de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens.
Ora, como referência a tal questão, diz-nos o nº1, do artº 12º da Lei 24/2007 de 18/7 , que:
“1- Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais”.
No seguimento da aprovação da Lei nº 24/2007, se anteriormente fazia sentido questionar-se qual a natureza da responsabilidade civil que impendia sobre o concessionário - se contratual ou, ao invés, extracontratual - , doravante passou a jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal a considerar , em termos maioritários (1) que, além de aplicação retroactiva, porque de Lei interpretativa (2) se trata , com a sua publicação como que o legislador “ (…) acaba por abrir caminho por um dos termos da equação da responsabilidade civil contratual, por contraponto à responsabilidade civil extracontratual ”, optando assim pelo instituto da responsabilidade contratual. (3)
É que, como bem se salienta no referido Ac. do STJ, “ Seria incongruente que a lei colocando a cargo da concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, afirmar que, ainda aí, e pese embora essa nuclear questão, que a Lei veio clarificar, considerar que o diploma não permite afirmar que a opção do legislador foi pela aplicação das regras da responsabilidade contratual, por tal opção não se poder colher do regime legal clarificador.”
Alinhando este Tribunal pela tese da Responsabilidade contratual (4), sendo portanto a responsabilidade da concessionária de natureza contratual [ porque, no mínimo, emergente de relação contratual de facto - faktische Vertragsverhaltnisse ], e sendo o utente que suporta o pagamento do serviço solicitado necessariamente credor de uma contra-prestação - a cargo da concessionaria - correspondente a uma circulação numa via rápida, aberta, livre de obstáculos, segura e vigiada, uma primeira consequência que se impõe retirar é a de que, em tese geral, e não olvidando o que decorre outrossim da Base LXXIII, do CAPÍTULO XVI, do anexo do Decreto-Lei nº 323-G/2000, de 19 de Dezembro, não se descortina fundamento pertinente que obstasse os AA da presente acção, na qualidade de lesados, de intentarem a presente acção tão só contra a concessionária e respectiva Seguradora, e sabendo-se como se tem obrigação de saber que a relação de obrigação tem eficácia apenas entre credor e devedor ( cfr. artº 406º, do CC).
Depois, não olvidando a outorga entre concessionária e O.. - Operação e Manutenção de Auto-Estradas, S.A., do contrato identificado no item 2.4. da motivação de facto do presente Acórdão, certo é que , tal contrato é , em relação aos AA, res inter alios acta [ como é consabido, no tocante à eficácia do contrato, vigora entre nós o princípio tradicional da relatividade, só produzindo efeitos em relação a terceiros nos casos e termos especialmente previstos na lei ] , não podendo de todo prejudicá-los ( cfr. artº 406º,nº2, do CC), sendo que, a responsabilidade objectiva que incide sobre o concessionário e a que alude a Base LXXIV do CAPÍTULO XVI, do anexo do Decreto-Lei nº 323-G/2000, de 19 de Dezembro, não afasta a responsabilidade pela culpa do concessionário que decorre da Base LXXIII, antes acresce a esta última.
É que, e nesta parte assiste ao tribunal a quo razão, e em razão da relação material controvertida delineada pelos AA na petição inicial, não existe de todo in casu e do lado passivo uma qualquer situação de litisconsórcio necessário, e até voluntário ( no nosso entendimento), não estando os AA obrigados a intentarem a acção contra a Ré concessionária N.. - Concessionária de Auto-Estradas, S.A e , outrossim , contra a O.. - Operação e Manutenção de Auto – Estradas, SA ( empresa última esta de construção civil contratada pela primeira e com vista ao desenvolvimento das actividades compreendidas na Concessão ), pois que não exige a lei ou o negócio a intervenção de ambas na acção, e , do mesmo modo, não diz respeito sequer a relação material controvertida a ambas as sociedades.
Em razão do acabado de referir, temos assim que, e em rigor, mal andou desde logo o tribunal a quo em, invocando o disposto nos artigos 325º e 269º, ambos do CPC, admitir o incidente de intervenção principal provocada de O..-Operação e Manutenção de Auto-Estradas, SA, e isto porque, tal como se mostra ele "configurado" na Lei adjectiva, visa permitir tal incidente, em demanda pendente, quer o litisconsórcio ( necessário ou facultativo e activo ou passivo ), quer a coligação ( activa ), quer ainda a intervenção de outros "devedores" nas situações que anteriormente eram abrangidas pela figura processual do "chamamento à demanda " ( artº 330º ), quer finalmente a intervenção de terceiros contra quem se pretenda formular pedido subsidiário ( cfr. artº 31º-B, do CPC ).(5)
É que, como refere Abílio Neto (6), tal incidente de intervenção de terceiros engloba, no essencial, " todos os casos em que a obrigação comporta pluralidade de devedores, ou quando existam garantes da obrigação a que a acção se reporta, tendo o réu interesse atendível em os chamar à demanda, quer para propiciar defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou subrogação que lhe assiste ( citando o relatório do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro ).
Daí que, e em razão da conjugação da Base LXXIV, supra referida, com o nº 3, do artº 500º, do CC, quando muito, incumbiria à Ré concessionária, e em sede de intervenção acessória, chamar [ o que não fez ] ao processo a entidade/terceira por si contratada ( a O..- Operação e Manutenção de Auto-Estradas, SA) .
Sucede que, ao intervir a O..-Operação e Manutenção de Auto-Estradas, SA, no processo, na sequência de intervenção acessória desencadeada pela Ré concessionária, a intervenção da primeira ( cfr. nº2, do artº 300º, do CPC ) há-de circunscrever-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso, auxiliando o chamado a defesa do chamante, é certo, mas circunscrevendo-se a intervenção acessória do terceiro às questões respeitantes ao pedido e/ou causa de pedir com repercussão na existência e no conteúdo do direito de regresso. (7)
Ou seja, passando após citação a beneficiar do estatuto de assistente ( cfr. artº 332,nº1, do CPC) , e gozando é certo dos mesmos direitos e estando sujeito aos mesmos deveres que a parte assistida, a verdade é que a actividade do chamado está subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta última tenha perdido o direito de praticar ( cfr. artº 337º, do CPC ) .
Destarte, em face do acabado de expor, e como é entendimento uniforme na jurisprudência e doutrina, não apenas não pode o assistente contestar em vez do assistido, como a fortiori não pode deduzir excepção que este não deduza, sendo que, ainda que o venha a fazer ( como é consabido, a prescrição necessita de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita - cfr. art. 303º do Código Civil ), porque invocada por mero assistente e/ou interveniente acessório, não poderá tal comportamento aproveitar ao Réu. (8)
Em razão de tudo o acabado de expor, assiste assim razão os apelantes, quando, em sede de alegações recursórias, sustentam que o contrato de empreitada outorgado entre a Devedora principal N..,SA e a O.. SA ,apenas tem eficácia interna, não sendo ele oponível aos demandantes enquanto lesados , isto por um lado.
E, por outro, e para além de in casu não fazer de todo sentido que a invocação da prescrição por parte da O..,SA, venha aproveitar à ré N..,SA, entidade esta que não invocou tal excepção, acresce ainda que, em rigor, é esta última a “devedora” do crédito reclamado pelos AA , e isto porque, não apenas é ela a Concessionária do serviço solicitado pelos AA/lesados, como em razão de tal qualidade é ela a entidade directamente Responsável, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco.
Em conclusão, e no seguimento do acabado de expor, procedem portanto as conclusões dos apelantes, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
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4.- Da substituição do tribunal recorrido.
No seguimento da decisão que antecede, e não obstante o disposto no nº2, do artº 665º, do CPC, a verdade é que impedido está este tribunal de recurso conhecer das questões não apreciadas pelo tribunal a quo e em razão da decidida procedência de pretensa excepção peremptória inominada.
É que, inexplicavelmente, e não obstante realizada a audiência final, com a produção da competente prova, da sentença elaborada não constam os fundamentos de facto, não tendo a Exmª juiz a quo em sede de fundamentação declarado quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, em obediência ao disposto no nº4, do artº 607º, do CPC.
Destarte, na sequência da revogação da sentença proferida pelo tribunal a quo, importa que a primeira instância , ao elaborar nova sentença, nesta proceda em conformidade com o disposto nos artºs 607º, nºs 3 a 6 e artº 608º, ambos do CPC.
5.- Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC):
5.1. - Com a aprovação da Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho , diploma que define quais os “ (…) direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares”, lícito é concluir que o legislador tomou partido pela qualificação da responsabilidade civil do concessionário como sendo contratual, por contraponto à responsabilidade civil extracontratual.
5.2.- Na sequência do referido em 5.1., e sendo o utente de uma auto-estrada - o qual por sua vez suporta o pagamento do serviço solicitado - necessariamente credor de uma contra-prestação - a cargo da concessionaria - correspondente a uma circulação numa via rápida, aberta, livre de obstáculos, segura e vigiada, uma primeira consequência que se impõe retirar é a de que, em tese geral, não se descortina fundamento pertinente que obste a que o condutor lesado em acidente instaure a competente acção indemnizatória tão só contra a concessionária e a respectiva Seguradora, e sabendo-se como se tem obrigação de saber que a relação de obrigação tem eficácia apenas entre credor e devedor ( cfr. artº 406º, do CC).
5.3.- Ao referido em 5.2. não obsta a circunstância de existir um contrato entre uma concessionária e um terceira entidade, através do qual a primeira contrata com a segunda o desenvolvimento de actividades compreendidas na Concessão , pois que, tal contrato é em relação ao utente da auto-estrada res inter alios acta, não podendo prejudicá-los, sendo que, a responsabilidade objectiva que incide sobre o concessionário e a que alude a Base LXXIV do CAPÍTULO XVI, do anexo do Decreto-Lei nº 323-G/2000, de 19 de Dezembro, não afasta a responsabilidade pela culpa do concessionário que decorre da Base LXXIII.
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6. - Decisão.
Em face de todo o supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado por F.. e B.. :
6.1.- Revogar a decisão/sentença apelada no tocante à decidida procedência de excepção peremptória inominada e consequente absolvição dos RR. e da interveniente do pedido;
6.2. - Determinar que o tribunal a quo proferida “nova” sentença, sendo a mesma elaborada em conformidade com o disposto nos artºs 607º, nºs 3 a 6 e artº 608º, ambos do CPC.
Custas da apelação pelos apelados.
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(1) Sobre esta questão vide, por todos , o Ac. do STJ de 8/2/2011, Processo nº 8091/03.6TBVFR.P1.S1, sendo Relator Paulo Sá, e in www.dgsi.pt.
(2) Cfr. Ac. do STJ de 15/11/2011, Processo nº 1633/05.4TBALQ.L1.S1, sendo Relator Nuno Cameira e disponível in www.dgsi.pt.
(3) Cfr. Ac. do STJ de 2/11/2010, Processo nº 7366/03.9TBSTB.E1.S1, sendo Relator Fonseca Ramos, e disponível in www.dgsi.pt.
(4) Cfr. ainda, SINDE MONTEIRO (in Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 131.º, pp. 41 e ss, 132.º, pp. 29 e ss. e 133.º, pp. 27 e ss.) e CARDONA FERREIRA (Acidentes de Viação em Auto-Estradas – Casos de Responsabilidade Civil Contratual ?, Coimbra Editora, Coimbra, Maio de 2004) , citados no douto aresto identificado na nota que antecede.
(5) Sendo as disposições legais citadas as do CPC anterior ao aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6.
(6) In CPC anotado, 13ª Ed., pág. 170.
(7) Cfr. Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, Almedina, 5ª edição, pág. 137 e segs..
(8) Cfr. Ac. do STJ de 12/11/2013, Proc. nº 2225/07.9TJVNF.P1.S1, in www.dgsi.pt.
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Guimarães, 17/12/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte