Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3396/16.9T8VNF.G1
Relator: VERA MARIA SOTTOMAYOR
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
REQUISITOS
DEVERES DE URBANIDADE
DEVER DE RESPEITO
DEVER DE LEALDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I - A noção de justa causa de despedimento, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;
III − Viola grave e culposamente os deveres de urbanidade e respeito e de lealdade, previstos respectivamente, nas alíneas a) e f) do n.º 1 do artigo 128º, do Código do Trabalho, a trabalhadora que na sequência de ameaça realizada junto das colegas de trabalho, de que iria colocar sapatos da empresa dentro dos sacos destas, denúncia falsamente uma colega junto do segurança da empresa informando-o que esta levava sapatos escondidos num saco, impondo a sua revista, manifestando a visada a sua indignação e presenciando a arguida os factos numa pose de gozo com a situação.
IV – A conduta da trabalhadora geradora de conflitos com as colegas de trabalho, criadora de mau ambiente de trabalho e integradora de uma falsa suspeita de tentativa de um crime de fruto imputado a uma colega de trabalho, indubitavelmente abala e quebra a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela, tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho e constitui motivo, justa causa de despedimento.
IV – Apenas fará sentido apreciar as questões suscitadas em sede de ampliação do objecto do recurso se os argumentos arrolados pela recorrente forem acolhidos, com repercussão na modificação da decisão recorrida.
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO
Proc. N.º 3396/16.9T8VNF.G1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: AA…
APELADO: BB… – INDUSTRIA DE CALÇADO, LDA.

I – RELATÓRIO
AA intentou a presente acção, c…om processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora BB… – INDUSTRIA DE CALÇADO, LDA., apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98º C do CPT. e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento
Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, foi a empregadora notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado fundamentador do despedimento e juntar o original do procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do impugnante.
A entidade empregadora apresentou articulado fundamentador do despedimento pugnando pela improcedência da acção e manutenção da decisão de despedimento com justa causa.
Alega em resumo que a trabalhadora imputou à colega Anabela Pereira uma suspeita de tentativa de furto que sabia não ser verdadeira, o que constitui um procedimento altamente ofensivo, desleal e incorrecto, para além de ter criado um mau ambiente de trabalho, na sua secção, constrangedor, revelando assim não ter condições para continuar a trabalhar na empresa, razão pela qual o empregador conclui pela impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho e pela aplicação da sanção despedimento
A Trabalhadora contestou, negando a prática dos factos que lhe são imputados, pediu que seja declarada a ilicitude do despedimento e deduziu pedido reconvencional no qual reclama condenação do empregador a pagar-lhe o valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao transito em julgado da decisão do tribunal, o remanescente do salário de Abril de 2016, o subsídio de alimentação de Abril de 2016, a retribuição de 19 dias de Maio de 2016, subsídio de alimentação do mês de Maio de 2016, férias e subsídio de férias vencidas em 1/01/16 e os proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal respeitantes ao ano da cessação, o que perfaz a quantia de 1.903,82€ deduzido o valor de 1.609,23€ pago aquando do despedimento.
O empregador veio responder impugnado o valor do subsídio de alimentação, alegando ter pago à autora tudo quanto esta tem direito e justificando os pagamentos da retribuição dos meses de Abril e Maio com o facto de terem sido descontadas duas faltas dadas pela trabalhadora; do subsídio de alimentação com o facto de não ter sido pago o subsídio daqueles dois dias de falta e do período em que a autora esteve preventivamente suspensa.
Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento, foi pela Mma. Juíza a quo proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, declarando lícito o despedimento da autora promovido pela ré, julgo totalmente improcedente o pedido formulado e, consequentemente, absolvo a ré do pedido.
Sem custas, por delas estar a autora isenta.
Registe e notifique.”
Inconformado com o decidido apelou a Trabalhadora para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
A) Quanto ao ponto G e H da matéria de facto dada como provada, o mesmo, salvo o devido respeito, encerra uma conclusão errónea, subjectiva e injustificada conforme resulta da prova produzida e dos próprios autos.
B) Quanto aos pontos M e N da matéria de facto dada como provada, tal factualidade não resulta dos depoimentos das testemunhas, pelo que, deveriam não resultar provados.
C) Quanto aos pontos O e P da matéria de facto dada como provada, tal factualidade não resulta do depoimento das testemunhas, pelo que, deveriam não resultar provados.
D) A recorrente, operária de uma unidade produtiva têxtil, não cometeu qualquer erro técnico.
E) A Recorrente não voltou a praticar factos violadores das suas obrigações laborais.
F) A Recorrente não lesou os interesses patrimoniais do empregador.
G) A sanção disciplinar aplicada ao trabalhador deve ser proporcional à gravidade da sua infracção e ao grau da sua culpa.
H) A trabalhadora tem 9 anos de antiguidade.
I) A Recorrente sempre exerceu as suas funções em estrito cumprimento das suas obrigações.
J) A Recorrente não tem qualquer antecedente disciplinar.
K) O seu comportamento assume menor gravidade e não consubstancia um manifesto e repetido desinteresse pelo cumprimento das obrigações inerentes ao seu posto de trabalho.
L) Parece-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, que a sanção disciplinar em mérito tem caracter abusivo.
M) A justa causa … substrato do despedimento só pode ter-se por verificada quando…não exigível ao empregado, ponderadas todas as circunstâncias que no caso revelem, a permanência do contrato.
N) A justa causa do despedimento deve ser adequada e proporcional à gravidade dos factos praticados.
O) A sanção disciplinar do despedimento é desajustada e desproporcional à gravidade do comportamento do trabalhador, com 9 anos de antiguidade, sem antecedentes disciplinares.
P) Não nos parece que tal comportamento impossibilite a manutenção da relação laboral.
Q) Na decisão de despedimento e em obediência ao princípio da proporcionalidade ou da adequação, devem ser ponderadas todas as circunstâncias do caso, designadamente, a consideração de que a sanção extintiva, por ser a mais grave, só deve ser aplicada se nenhuma outra menos grave couber ao caso em apreciação - art. 357, nº4 do Código do Trabalho.
R) A sanção mais grave - o despedimento - não se revela proporcional e adequada ao comportamento da Requerente.
S) A douta Sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 39 nº1 do CPT, artigos 351, nº3, artigo 357 nº4 e nº1 do 353 do Código do Trabalho.
T) A sanção disciplinar do despedimento é desajustada e desproporcional à gravidade do comportamento da trabalhadora e das suas consequências, tanto mais tendo em conta que tinha 9 anos de antiguidade, sem passado disciplinar.
U) A aqui Recorrente poderia ter sido colocada numa outra secção ou num outro turno da empresa, sem qualquer contacto com as demais trabalhadoras aqui envolvidas.
V) Seriam possíveis outras medidas sancionatórias ou punitivas – art. 328º, nº 1, ala) a e) e nº 1 do art. 330ª do C. Trabalho.
Termina pedindo a procedência do recurso de apelação, com a revogação da sentença proferida com todas as devidas e legais consequências.
A entidade empregadora respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e requereu a ampliação subsidiária do objecto do recurso ao abrigo do disposto no artigo 636º do CPC formulando as seguintes conclusões:
“1ª A impugnação da matéria de facto deve ser rejeitada por falta de cumprimento do pressuposto legal (artº 640º do CPC) ou improceder.
2ª O procedimento da trabalhadora de lançar suspeição de furto a uma colega e de criar um mau ambiente de trabalho, constrangedor, junto da chefia e de colegas, com ameaça de colocar sapatos do fabrico da empregadora nas bolsas das trabalhadoras para serem apanhadas na portaria e incriminadas, num período de cerca de um mês, constitui justa causa de despedimento, não sendo exigível à empregadora manter uma trabalhadora com este tipo de postura, absolutamente alheada das obrigações de um profissional e reveladora de personalidade mal formada, desenquadrada de uma comunidade laboral e sem condições de nela permanecer.
3ª A decisão de facto deveria ter atendido aos fatos instrumentais não articulados mas que emergiram da discussão e foram invocados pela empregadora para contextualização do sucedido, pelo que a decisão recorrida violou os artºs 72º, nºs 1 e 2 do CPT, 5º, nº 2, b), do CPC e 387º, nº 3, do CT, o que se invoca em ampliação do objeto do recurso (artº 636º do CPC).
A Recorrente veio responder à ampliação subsidiária do recurso, concluindo que o despacho contra o qual a recorrida se insurge não merece qualquer censura, já que não estavam em causa factos instrumentais, mas sim outros que podiam ou não ser fundamento de despedimento, mas que não constam do procedimento disciplinar, concluindo assim pela manutenção de tal decisão
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Ajunto foi emitido parecer no sentido de não se conhecer do objecto do recurso, por extemporaneidade, já que não tendo sido requerida, nem determinada a gravação da audiência é ineficaz a impugnação da matéria de facto, só podendo a recorrente utilizar o prazo de 20 dias para recorrer, o que não se verificou, já que o recurso de apelação foi interposto depois de terminado o prazo de 20 dias.
A recorrente veio pronunciar-se defendendo a tempestividade do recurso e a admissibilidade da impugnação da matéria de facto já que a gravação foi requerida pela recorrida no articulado motivador do despedimento.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.
II - OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, toos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
1 - Da impugnação da matéria de facto
2 – Da impugnação da matéria de direito
3 – Dos factos não articulados apurados em julgamento relevantes para a boa decisão da causa.
Importa antes de mais apreciar a questão suscitada no parecer do ilustre Procurador-Geral Adjunto em sede de questão prévia, referente à tempestividade do recurso, pois salvo o devido respeito por opinião em contrário, não lhe assiste razão.
Com efeito, tendo sido requerido por uma das partes a gravação da audiência de julgamento (cfr. fls. 34), ainda que sobre tal requerimento não tenha sido proferido despacho e resultando dos autos que a audiência de julgamento foi gravada, terá que se entender que tal requerimento se mostra tacitamente deferido, sendo de valorar o registo-áudio da prova produzida realizado e de considerar o recurso interposto de tempestivo em conformidade com o previsto no artigo 80º n.º 2 do CPT, tal como aliás por nós já havia sido apreciado.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
São os seguintes os factos provados:
A. A autora foi admitida no dia 10.10.2007 e tem a categoria e funções de operadora de acabamento de 1ª.
B. A autora auferia o salário mensal de 530€, acrescido de 2,20€ diários a título de subsídio de alimentação.
C. Em 19/05/16 à autora foi aplicada a sanção de despedimento com invocação de justa causa, na sequência do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado.
D. A autora foi suspensa preventivamente pela ré desde o dia 18/04/2016 a 29/04/2016.
E. A autora não tem antecedentes disciplinares.
F. No dia 13-4-2016, na hora do almoço, a autora perguntou à chefe de linha, CC, se a colega DD havia chegado mais cedo e, tendo aquela dito que sim, a arguida disse “aqui há coisa”, suscitando a dúvida sobre o comportamento da colega e fazendo crer que essa situação podia estar na origem de alguma irregularidade.
G. No mesmo dia, pelas 16h38, antes da hora de saída de pessoal, pelas 16h40, a autora, sem se identificar, fez uma denúncia ao vigilante (segurança privada) da Prossegur, da portaria, EE, a partir do telefone interno, a dar conhecimento de que uma trabalhadora levava sapatos escondidos num saco.
H. Na denúncia fez uma descrição pormenorizada da pessoa a controlar, à saída, como sendo uma trabalhadora com uma motorizada scooter estacionada no parque dos motociclos, junto à portaria.
I. Face à denúncia efectuada, o vigilante pediu às pessoas que se dirigiam para as motorizadas que autorizassem a revista dos sacos.
J. A autora aproximou-se do vigilante, bateu-lhe nas costas e apontou para a colega DD.
K. O vigilante pediu então à trabalhadora DD para abrir o seu saco, não tendo sido encontrados nenhuns sapatos.
L. A trabalhadora DD manifestou a sua indignação, quando ambos viram que a autora presenciava tudo, numa pose de gozo com a situação.
M. A autora, há cerca de um mês atrás, ameaçou todas as colegas de trabalho e a chefe de linha, em voz alta, que havia de colocar sapatos da empresa nos seus sacos para serem “apanhadas” na portaria, tendo as mesmas ficado com medo de que a autora consumasse a ameaça e o mal, para serem despedidas, o que as trazia aterrorizadas
N. Por causa dessas ameaças, desde então, as colegas de trabalho passaram a vistoriar os seus próprios sacos para confirmarem que não levavam sapatos, ou outros objectos da empresa, que as pudessem incriminar por furto.
O. A autora sabia que a suspeita que imputou à colega DDnão era verdadeira.
P. A autora criou um mau ambiente de trabalho, na sua secção, constrangedor.
Q. A autora faltou ao serviço nos dias 8/04/2016 (8h) e no dia 15/04/2016 (12 horas).
R. Em Maio de 2016, a autora já tinha gozado 2 dias úteis de férias vencidas em 1/01/16.
S. Aquando do despedimento, a ré pagou à autora a quantia referida no recibo junto a fls. 94, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
1 - Da impugnação da matéria de facto
A Recorrente nos pontos A), B) e C) das suas conclusões defende que a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada, sustentando que os pontos G) e H) da matéria de facto provada encerram uma conclusão errónea, subjectiva e injustificada, tal como resulta da prova produzida e dos próprios autos e os pontos M), N), O) e P) não resultam dos depoimentos das testemunhas, pelo que devem ser dados como não provados.
Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão relativamente aos pontos G) e H), os depoimentos das testemunhas DD, FF, EE e CC, transcrevendo excertos truncados dos mesmos.
Relativamente aos pontos M), N), O) e P) da matéria de facto dada como provada, indica com meios de prova os depoimentos das testemunhas FF, CC e GG, transcrevendo excertos truncados dos mesmos concluindo que a factualidade provada não resulta do teor dos depoimentos das testemunhas.
A recorrida defende que deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto por falta de cumprimento do disposto no artigo 640º do CPC.
Vejamos.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Dispõe o artigo 662º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, o art. 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Assim quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 640º do C.P.C. no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:
a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;
b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas.
A criação de um tal ónus de alegação a cargo do recorrente, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do Dec. Lei nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como se escreveu no Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. n.º 1348/12.7TTBRG que incidiu sobre uma decisão deste Tribunal da Relação de Guimarães “cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado”, pois “existe atualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre”.
Os concretos pontos de facto submetidos a julgamento foram os constantes dos articulados apresentados pelas partes, uma vez que foi dispensada a identificação do objecto do processo e a fixação dos temas de prova, assim terá de ser com referência aos concretos artigos dos articulados que a impugnação se deve realizar.
É sobre a resposta dada a tal matéria que se pode aquilatar do bem ou mal fundado da decisão de provado ou não provado. É relativamente aos pontos de facto articulados ou quesitados que deve ser proferida uma decisão e, logo, é essa decisão que pode ser impugnada. Deste modo, a decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas, é a decisão de provado ou não provado relativamente à matéria articulada ou quesitada.
A Recorrente em sede de impugnação terá que indicar os artigos dos articulados que tem por incorrectamente julgados, pois é aí que estão os concretos factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento. E é a decisão que tais pontos de facto mereceram que pode ser impugnada.
Assim, a impugnação da matéria de facto não tendo, como no caso concreto, sido enunciados os temas de prova, faz-se por referência aos pontos de facto articulados pelas partes, porquanto aí se encontra a base que serviu de mote ao julgamento. E não por referência à enumeração constante da sentença.
A Recorrente/Apelante limitou-se nas suas alegações de recurso indicar os pontos que constam enumerados na sentença e que foram dados como o acervo factual apurado, sem estabelecer qualquer correspondência entre tal enumeração e os artigos eventualmente mal julgados, apenas concluindo que os mesmos não deviam ter sido dados como provados.
Por fim, a recorrente indica na alegação os depoimentos a reapreciar, mas não se efectua qualquer análise critica dos elementos de prova, limitando-se a transcrever excertos descontextualizados, para concluir que a testemunha não se pronunciou sobre tal ponto de facto, razão pela qual o mesmo não poderia ser dado como provado.
Na verdade, a Recorrente nada concretiza (seja no corpo das alegações ou nas respetivas conclusões de recurso), especificamente, quanto aos elementos de prova que impunham uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1ª instância, sendo por isso muito vagas as alusões a eventual/pretenso erro na apreciação da matéria de facto controvertida, por inadequada valoração de provas produzidas, sem nada esclarecer ou concretizar.
Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 4/02/2016 proferido no Proc.º n.º 283/08.8TBCHV-A.G1 “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº 4 do art. 607º do Cód. Processo Civil, que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
A recorrente não observou devidamente os aludidos ónus, quer omitindo a necessária alusão aos concretos factos erroneamente julgados, quer por falta de indicação de onde se encontra o erro, bem como deveria ter sido fixado o facto limitando-se a concluir que os factos dados como provados em determinados pontos de facto deveriam ter sido dados como não provados. A Recorrente omite a necessária alusão às partes específicas dos depoimentos testemunhais, idóneos a alicerçar isolada ou conjugadamente a convicção oposta à adoptada pela 1ª instância.
Como ensina Abrantes Geraldes, há que impor rigor na apreciação do cumprimento dos ónus legais, pois “trata­-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição pág.159).
Assim sendo, incumprida que se mostra a condição de exercício do direito ao duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto prevista no nº1, do artigo 640º, do CPC, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela 1ª Recorrente/Apelante.
Mas ainda que assim não entendêssemos ainda deixamos consignado o seguinte.
Em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.
Ora, depois de termos ouvido todos depoimentos prestados na audiência de julgamento afigura-se-nos dizer que a pretensão da recorrente sempre seria de improceder, já que a prova testemunhal produzida não é idónea a firmar, nesta matéria uma convicção no sentido pretendido pela recorrente, para além de que nenhuma argumentação consistente foi apontada aos autos no sentido de desconstruir a motivação certeiramente apresentada pelo julgador de 1ª instância, que de forma precisa exaustiva e pormenorizada fundamentou a decisão relativamente à matéria de facto, a qual não merece qualquer reparo.
2 – Da impugnação da decisão de direito
Mantendo-se a factualidade dada como assente em 1ª instância, importa agora averiguar da verificação da justa causa do despedimento da iniciativa do empregador.
A 1ª instância conclui pela licitude do despedimento e para tanto desenvolveu a seguinte argumentação.
Ora, não restam dúvidas ao tribunal que dos factos provados, mormente dos referidos em F) a O), resulta que a autora, no mês anterior ao seu despedimento e culminando com o episódio por si gerado no dia 13/04/16, vinha provocando repetidamente conflitos com as colegas de trabalho, situação esta tipificada na alínea c) do n.º 2 do artigo 351.º.
Este comportamento é claramente ilícito, presumindo-se a culpa da trabalhadora (artigo 799.º do C. Civil).
O despedimento apresenta-se como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas se revelarem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção de situações similares e para os interesses fundamentais da empresa.
Aqui chegados, impõe-se, portanto, perguntar: o comportamento da autora torna impossível a manutenção da relação de trabalho com a ré?
Afigura-se-me que sim.
De facto, por força dessa sua actuação, as colegas de trabalho passaram a vistoriar os seus próprios sacos para confirmarem que não levavam sapatos, ou outros objectos da empresa, que as pudessem incriminar por furto.
Por outro lado, a autora criou mau ambiente de trabalho na sua secção, constrangedor.
Esta atitude da autora é totalmente estranha ao exercício das funções para as quais a autora foi contratada pela ré e pelas quais é paga, sendo totalmente desadequada ao bom funcionamento de uma empresa e ao relacionamento entre trabalhadores.
De facto, já bastam os normais problemas decorrentes do funcionamento de um grupo de pessoas, cuja afinidade se resume, na maior parte dos casos, ao facto de trabalharem no mesmo local e os normais problemas que ocorrem no trabalho – como máquinas avariadas, encomendas atrasadas, etc. – sendo claro que situações como as geradas pela autora são perfeitamente dispensáveis ao normal e sadio funcionamento de uma empresa.
Finalmente, diga-se que revela esta atitude da autora desrespeito para com as colegas, sendo o seu comportamento inaceitável e não passível de justificação.
Em face de todo o exposto, afigura-se-me que o comportamento da autora torna impossível a manutenção da relação de trabalho, não podendo a empregadora ser obrigada a suportar uma trabalhadora que, durante o tempo de trabalho, se dedica a amedrontar as colegas e protagoniza “brincadeiras” como o episódio do passado dia 13/04.
Foi assim lícita a decisão de despedimento, pelo que não assiste à trabalhadora direito a qualquer indemnização por antiguidade ou a retribuições intercalares.”
A Recorrente/Apelante discorda de tal entendimento, pois não voltou a praticar factos violadores das suas obrigações laborais, nem lesou os interesses patrimoniais do empregador, não tem quaisquer antecedentes disciplinares e tem 9 anos de antiguidade, razão pela qual entende que a sanção aplicada é desajustada e desproporcional à gravidade do seu comportamento.
Analisemos a questão.
Importa ter presente o princípio constitucional da “segurança no emprego” e a noção de justa causa de despedimento.
Estipula o art.º 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Neste conceito genérico de justa causa concorrem três elementos essenciais, a saber:
a)- elemento subjectivo - traduzido num comportamento culposo e grave do trabalhador por ação ou omissão;
b)- elemento objectivo - que se traduz numa situação de impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
c)- um nexo de causalidade - entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Resulta assim que só em casos culposos e particularmente graves é admissível o despedimento do trabalhador. Todavia, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade estruturam-se em critérios objetivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.
Na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem olvidar os reflexos da sua conduta nos seus companheiros e/ou subordinados e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador.
E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, sempre que a exigência da manutenção contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele pressupõe sejam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, não poderá deixar de concluir-se pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato, com a subsistência das relações pessoais e patrimoniais que isso implica, venha a ferir, de modo exagerado e violento (e por isso injusto), a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Conclui-se assim que releva aqui particularmente a exigência geral da boa-fé na execução dos contratos (art. 762.º do Código Civil), atenta a específica natureza deste tipo de vínculo obrigacional, caracterizado pela sua vocação duradoura e pessoal das relações dele emergentes, sendo por isso necessário que o comportamento do trabalhador se apresente caracterizado como susceptível de destruir ou abalar seriamente a confiança, ou de criar no espírito do empregador dúvidas ou reservas sobre a idoneidade futura da sua conduta.
A rutura da relação laboral terá sempre de ser irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.
Estipula, ainda, o citado artigo 351º do C.T. que:
2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c)Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empesa;
d)Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;”
Esta norma é a concretização dos deveres do trabalhador plasmados no art. 128.º, n.º 1, alíneas a), c) e f) do mesmo código, segundo as quais: Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; deve realizar o trabalho com zelo e diligência; deve guardar lealdade ao empregador.
Na verdade, o dever de respeito e de urbanidade é um dos deveres que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho, tem como objecto o empregador e os superiores hierárquicos do trabalhador, mas dirige-se também, para além dos colegas de trabalho, ainda ao conjunto de pessoas que entrem em relação com a empresa.
Esta multiplicidade de direcções em que este dever do trabalhador se concretiza decorre da componente organizacional do contrato de trabalho e da inserção do trabalhador numa estrutura que está para além da mera relação que se estabelece entre o trabalhador e o empregador.
O dever de urbanidade e de respeito, como refere Maria do Rosário da Palma Ramalho in ”Tratado de Direito do Trabalho - Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5ª edição, pág. 446 «aponta genericamente para a necessidade de observância das regras de conduta social adequadas, quer em matéria de tratamento, quer em matéria de apresentação pessoal e de conduta do trabalhador.
A formulação necessariamente vaga do dever de respeito obriga à sua concretização e esta deve ter em conta o contexto específico de cada vínculo laboral – assim um tratamento mais rude poderá ser comum em determinado contexto organizacional e intolerável noutro contexto, pelo apenas no segundo caso deverá consubstanciar uma situação de incumprimento»
Em suma, carece este dever, por força desta dimensão social, de concretização, caso a caso, em função do contexto empresarial em que ocorre a prestação de trabalho e das pessoas envolvidas.
Mais à frente na mesma obra refere ainda MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «o critério a reter na qualificação de certa conduta do trabalhador como infracção ao dever de respeito (…) deverá ser o da adequação da conduta do trabalhador no contexto laboral em que está a exercer»
Relativamente ao dever de lealdade importa salientar que é um dos deveres acessórios autónomos da prestação principal e que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho, já que no seu sentido mais amplo é o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato um duplo sentido que se materializa no envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo e na componente organizacional do contrato.
Como se refere a este propósito no Acórdão do STJ de 19-11-2014, proferido no Proc. n.º 525/07.7TTFUN.L2.S1(relator António Leones Dantas)


O elemento «da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica por exemplo, o relevo de condutas extra-laborais do trabalhador graves para efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito».
Por outro lado, «a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização», dependendo, nesta segunda dimensão, o grau de intensidade do dever de lealdade e as consequências do seu incumprimento «do tipo de funções do trabalhador e da natureza do seu vínculo de trabalho em concreto».
No dizer de MONTEIRO FERNANDES, «o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)», sendo necessário «que a conduta do trabalhador não seja em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo certo que «este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador».”
Averiguemos agora se o tribunal a quo errou o julgamento, uma vez que considerou que os factos imputados à trabalhadora integram justa causa de despedimento
Ora, no caso em apreço, face à matéria de facto dada como provada e supra elencada, não restam dúvidas que os factos de que a trabalhadora é acusada e referidos na Nota de Culpa datada de 18 de Abril de 2016, em que lhe é comunicada a intenção do empregador proceder ao seu despedimento com justa causa, resultaram sobejamente demonstrados.
Procedendo à ponderação de toda de toda a factualidade apurada no âmbito dos autos, podemos concluir com segurança que, com as supra descritas condutas, a trabalhadora desrespeitou e não tratou com urbanidade e probidade, quer a colega alvo do incidente por si criado, quer as demais colegas e superior hierárquico que já havia ameaçado que concretizaria os seus intentos de imputar junto do empregador a prática de suspeita de crime de furto, quer ainda o segurança que exercia as suas funções e que ao ser confrontado com a falsa denuncia levada a cabo pela Susana Campos teve de actuar desnecessariamente, causando constrangimentos desnecessários. A trabalhadora ao utilizar no seu horário de trabalho o telefone interno do empregador para formular uma falsa denuncia e ao amedrontar as colegas no seu local de trabalho, incumpriu com os deveres de diligência e zelo. E ao ameaçar as suas colegas de trabalho e a chefia que iria colocar sapatos do fabrico da empregadora nos sacos das colegas para serem apanhadas na portaria e incriminadas violou os deveres de lealdade e de boa colaboração.
Com efeito, provou-se que no dia 13 de Abril de 2016, pelas16h38, antes da hora de saída de pessoal, pelas 16h40, a autora, sem se identificar, fez uma denúncia ao vigilante (segurança privada) da Prossegur, da portaria, EE, a partir do telefone interno, a dar conhecimento de que uma trabalhadora levava sapatos escondidos num saco. Em face à denúncia efectuada, o vigilante pediu às pessoas que se dirigiam para as motorizadas que autorizassem a revista dos sacos. A autora aproximou-se do vigilante, bateu-lhe nas costas e apontou para a colega DD. O vigilante pediu então à trabalhadora DD para abrir o seu saco, não tendo sido encontrados nenhuns sapatos. A trabalhadora DD manifestou a sua indignação, quando ambos viram que a autora presenciava tudo, numa pose de gozo com a situação, pois sabia que a suspeita imputada à colega não era verdadeira. Por fim ainda se apurou a autora, há cerca de um mês atrás, ameaçou as colegas de trabalho e a chefe de linha, em voz alta, que havia de colocar sapatos da empresa nos seus sacos para serem “apanhadas” na portaria, tendo as mesmas ficado com medo de que a autora consumasse a ameaça e o mal, para serem despedidas, o que as trazia aterrorizadas. Por causa dessas ameaças, desde então, as colegas de trabalho passaram a vistoriar os seus próprios sacos para confirmarem que não levavam sapatos, ou outros objectos da empresa, que as pudessem incriminar por furto.
Para além de que, como resultou demonstrado, com a sua conduta a trabalhadora criou um mau ambiente de trabalho, na sua secção, constrangedor.
Estas circunstâncias apuradas integram sem dúvida o conceito de justa causa, em nosso entender, os comportamentos da Autora enquadram-se, claramente, nas situações previstas nas alíneas c), d), e i) do nº 2, do artigo 351.° do Código de Trabalho, na medida em que constituem um manifesto desrespeito para com os colegas de trabalho, causador de conflitos com os colegas de trabalho e assim revelador do desinteresse pelo cumprimento diligente e brioso respeitante à execução do trabalho, o que demonstra violação do disposto no art. 128°, nº 1, als. a) c) e f), do Código do Trabalho.
A conduta da trabalhadora geradora de conflitos com as colegas de trabalho, criadora de mau ambiente de trabalho e integradora de uma falsa suspeita de tentativa de um crime de fruto imputado a uma colega de trabalho, indubitavelmente abala e quebra a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela.
Inevitavelmente quebrou-se o vínculo de confiança existente entre o empregador e a sua funcionária a ora aqui Autora, já que a sua actuação é altamente censurável, não só porque as imputações que fez à colega de trabalho eram falsas, o que bem sabia, mas também porque as ameaças por si levadas a cabo constantes do processo disciplinar, perturbaram o normal funcionamento da empresa, originando mau ambiente de trabalho, mostrando-se a sanção proporcional à gravidade da conduta.
E nessa medida, podemos dizer que tal actuação da trabalhadora torna, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho e integra por isso o conceito de justa causa de despedimento, já que não se mostra exigível ao empregador que tenha de manter ao serviço a trabalhadora que na sequência de ameaça realizada junto das colegas de trabalho, de que iria colocar sapatos da empresa dentro dos sacos destas, denúncia falsamente uma colega junto do segurança da empresa informando-o que esta levava sapatos escondidos num saco, impondo a sua revista, manifestando a visada a sua indignação e presenciando a arguida os factos numa pose de gozo com a situação.
Concordamos com a fundamentação da sentença recorrida e respectiva decisão, no sentido de que se verificou justa causa de despedimento, e não se diga que o facto de a Autora ter uma antiguidade de 9 anos, sem qualquer antecedente disciplinar sopesada com o seu comportamento infractor nos levaria a concluir que a sanção do despedimento aplicada seria desproporcional e desadequada.
Na verdade, quer a antiguidade, quer o bom comportamento anterior não podem sobrepor-se à gravidade da prática dos actos, que permitiam à trabalhadora ter plena consciência das suas consequências e ter agido doutra forma e adoptado outra postura, que não a da negação da prática dos factos.
A actuação da A., tal como ficou provado, não só traduz uma violação grave do dever de respeitar e tratar com urbanidade e probidade os colegas de trabalho e demais pessoas que se relacionem com a empresa, como do dever de realizar o seu trabalho com zelo e diligência, bem como do dever de lealdade em sentido amplo.
Perante uma tal conduta da trabalhadora, voltamos a repetir torna-se inexigível à entidade patronal a manutenção na empresa de alguém que tão gravemente desrespeitou os mais elementares regras de convivência e relacionamento social no trabalho e de lealdade quer para com os colegas de trabalho, quer para com o empregador essenciais à continuidade da relação laboral, em que é absolutamente indispensável a existência de um clima de total confiança entre os sujeitos desse vínculo.
Em suma verifica-se a existência de justa causa para o despedimento do recorrente, pelo mais não resta do julgar o recurso improcedente mantendo na íntegra a sentença recorrida.
3 – Dos factos não articulados apurados em julgamento relevantes para a boa decisão da causa.
No que respeita questão resultante da ampliação do recurso nos termos requeridos pela recorrida consideramos que o seu conhecimento fica prejudicado em face da manutenção da sentença recorrida, pois a apreciação da questão suscitada em sede de ampliação do objecto do recurso apenas se justificaria se tivessem sido acolhidas as questões suscitadas pela recorrente com repercussão na modificação da decisão recorrida, o que no caso não sucedeu.
Neste sentido refere Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, pág. 118, o seguinte: “Aliás a ampliação do objecto do recurso apenas será apreciada se acaso o tribunal ad quem vier a pronunciar-se sobre o mérito do recurso interposto, à semelhança do que ocorre com o recurso subordinado (art. 633.º, n.º 3). Por outro lado, apenas fará sentido apreciar as questões suscitadas se porventura forem acolhidos os argumentos arrolados pelo recorrente (ou de que oficiosamente forem conhecidos) com repercussão na modificação da decisão recorrida”.
V-DECISÃO
Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por AA…, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Sem custas por delas a Recorrente estar isenta
Notifique.
Guimarães, 4 de Maio de 2017

Vera Maria Sottomayor
Antero Veiga
Alda Martins
Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.
I - A noção de justa causa de despedimento, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;
III − Viola grave e culposamente os deveres de urbanidade e respeito e de lealdade, previstos respectivamente, nas alíneas a) e f) do n.º 1 do artigo 128º, do Código do Trabalho, a trabalhadora que na sequência de ameaça realizada junto das colegas de trabalho, de que iria colocar sapatos da empresa dentro dos sacos destas, denúncia falsamente uma colega junto do segurança da empresa informando-o que esta levava sapatos escondidos num saco, impondo a sua revista, manifestando a visada a sua indignação e presenciando a arguida os factos numa pose de gozo com a situação.
IV – A conduta da trabalhadora geradora de conflitos com as colegas de trabalho, criadora de mau ambiente de trabalho e integradora de uma falsa suspeita de tentativa de um crime de fruto imputado a uma colega de trabalho, indubitavelmente abala e quebra a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela, tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho e constitui motivo, justa causa de despedimento.
IV – Apenas fará sentido apreciar as questões suscitadas em sede de ampliação do objecto do recurso se os argumentos arrolados pela recorrente forem acolhidos, com repercussão na modificação da decisão recorrida.
Vera Sottomayor