Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA BALTAZAR | ||
Descritores: | AMEAÇA DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE | ||
Sumário: | I – Atualmente a ameaça não é um crime de resultado ou de dano. II – A frase “paga.o.que.deves.és.morto”, enviada por sms, não pode ser considerada como padecendo de equivocidade e que por si só não tem dignidade penal, se se demonstrar que o arguido e o assistente tinham uma empresa de que eram sócios mas que não se entendiam. III - Em caso de absolvição na primeira instância, decidindo a relação que há lugar à condenação crime e cível, a pena e o valor da indemnização devem ser fixados pelo tribunal da primeira instância. | ||
Decisão Texto Integral: | - Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Felgueiras – 1º Juízo. - Recorrente: O assistente José P.... - Objecto do recurso: No processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 1400/10. 3GA FLG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, foi proferida sentença, na qual, no essencial e que aqui importa se decidiu o seguinte: “V-DECISÃO: Atento tudo o exposto e devidamente ponderado decide-se: - ABSOLVER o arguido Miguel S..., da prática, como autor material, e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153°, n° 1 e 155°, n° 1 al. a) ambos do Código Penal. Sem custas. - julgar totalmente improcedente por não provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante civil José P..., e, em consequência, absolvo o arguido Miguel S... do mesmo. Custas do pedido de indemnização civil, pelo demandante - Art. 523° do C.P.P. c art. 446° do C.P.C..(…)” (o sublinhado é nosso). ** * Apenas o arguido apresentou resposta, concluindo que o recurso não merece provimento (cfr. fls. 159 a 165). * O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 166.* O Ex.mº Procurador Geral Adjunto, nesta Relação no seu parecer (constante de fls. 173 a 174) conclui também que o recurso não merece provimento.* Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, veio o assistente apresentar a resposta constante a fls. 178, na qual reitera o que já antes referiu no seu recurso. * Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal. ** - Cumpre apreciar e decidir: - A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal. - B - No essencial, no recurso suscitam-se as questões seguintes: - Impugna o assistente a matéria de facto fixada. Entendendo que o arguido praticou o crime que lhe vinha imputado, pelo qual deve ser condenado, bem como no pedido de indemnização civil. * - C - Matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação - cfr. fls. 126 a 129 (transcrição):“III - FUNDAMENTAÇÃ0 I - Factos Provados: 1) No dia 12 de Dezembro de 2010, cerca das 20h 43m., quando se encontrava na área desta comarca de Felgueiras, o arguido Miguel, enviou ao ofendido José P... uma mensagem através do seu telemóvel com o n.º 91 9374816, com o seguinte teor: “paga.o.que.deves.és.morto.” Mais se provou: 2) 0 arguido Miguel: a) encontra-se reformado, auferindo urna pensão mensal de cerca de € 500,00; b) é casado e a esposa é empregada fabril, auferindo um vencimento mensal de cerca de € 485,00 c) tem dois filhos menores a cargo; d) habita em casa própria pela qual pagam urna prestação mensal ao banco de cerca de €800, a titulo de empréstimo contraído para aquisição da mesma; e) tem a 4a classe, f) Do seu CRC nada consta. 2- Factos não Provados: Não se provou: 1) que a mensagem referida em 1) tivesse sido proferida em tom sério e ameaçador; 2) que o arguido tenha agido de forma livre, voluntária e deliberada, e com o claro intuito e com a intenção de intimidar e amedrontar o ofendido, quer pela sua integridade física, quer pela sua vida, como efectivamente intimidou e amedrontou, sendo certo que o mesmo sabia que as expressões e palavras que utilizou na citada mensagem eram adequadas a causar medos e receios no visado, apesar de mais saber que tal conduta era proibida e punida por lei. 3) que a mensagem referida em 1) dos factos dados corno provados tenha provocado no ofendido um forte sentimento de insegurança; 4) que o envio da mensagem refenda em 1) dos factos dados como provados tivesse uma clara intenção, por parte do arguido, intimidar e amedrontar o ofendido; 5) que as palavras utilizadas na mensagem referida cm 1) dos factos dados como provados sejam ou fossem adequadas a produzir o resultado pretendido e visado pelo arguido, que era o de amedrontar o ofendido; 6) que com o comportamento do arguido referida cm 1) dos factos dados com provados, o ofendido tenha visto abalada a sua tranquilidade da vida quotidiana, sendo que a perturbação decorrente da ameaça perpetrada pelo arguido condicionou significativamente o seu dia a dia, quer a nível pessoal, quer a nível profissional; 7) que o ofendido tivesse passado a ser uma pessoa mais acanhada, fechada mesmo junto da família e a ter uma atitude mais receosa e desconfiada cm geral, nomeadamente, junto de cientes; 8) que o ofendido viva em permanente inquietude, face impossibilidade dos comportamentos do arguido se repetirem ou agravarem, assim como a consumação dos crimes de que foi ameaçado por parte do arguido; 9) quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, contestação, pedido de indemnização civil ou contestação ao pedido de indemnização civil ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes. 3- Convicção do Tribunal: A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados, baseou-se, fundamentalmente: - nas declarações do arguido Miguel S..., apenas e tão só na parte que confirmou que o n.º de telemóvel, constante da acusação lhe pertencia e também que concerne as suas condições pessoais e económicas, já que, quanto ao restante as suas declarações não mereceram o mínimo de credibilidade, designadamente, quando negou o envio da mensagem ao ofendido, já que o telemóvel é um objecto eminentemente pessoal, e o mesmo não conseguiu provar que outras pessoas tivessem tido acesso ao mesmo e pudessem enviar a referida mensagem. Por outro lado, as declarações do assistente José P..., limitou-se a confirmar que recebeu a referida mensagem, a qual guarda e que foi visionada pelo Tribunal, que confirmou o seu teor e o emitente. Mais referiu que quando recebeu a mensagem estava no café, com uns amigos a ver um jogo de futebol do Benfica. Mais referiu que toda esta situação tem a ver com problemas que teve com o seu cunhado devido a uma empresa em que eram sócios. Afirmou, contudo, de modo não muito convincente ao Tribunal, que ficou com medo e que nunca mais andou a vontade; mas contudo continuou a passar nos mesmos caminhos e cruzou-se com o arguido; o que só por si demonstra, que, muito provavelmente, afinal, tal mensagem acabou por não lhe provocar qualquer receio, tanto mais que, do seu depoimento, não resultou que o mesmo tivesse alterado os seus hábitos ou o seu dia a dia, ou seja o que quer que fosse, pese embora a mensagem enviada pelo arguido. A testemunha Rui M..., amigo do ofendido c assistente, o qual no dia e hora que o mesmo recebeu a mensagem estava com o ofendido, no café, a assistir a um jogo de futebol do Benfica, limitou-se a confirmar que o mesmo recebeu a referida mensagem, e que ele lhe disse que vinha do cunhado, tendo visionado a mesma. Mais afirmou que o mesmo acabou por ir apresentar queixa e que ficou preocupado nos dias seguintes. Mais afirmou que, quer o arguido, quer o ofendido não são pessoas violentas. A testemunha Armindo A..., funcionário do assistente, também se limitou a confirmar, de uma forma que se afigurou credível, que também estava no café, com o seu patrão e a assistir a um jogo de futebol do Benfica, quando aquele recebeu uma mensagem e ficou, na sua expressão “com uma cara”, e ele mostrou-lhe a mensagem c disse que a mesma era do cunhado. Mais referiu que o ofendido ficou preocupado, mas continuou com eles a ver o futebol, apesar de ter ficado aborrecido. Mais confirmou que na altura, o arguido e o ofendido ainda eram sócios, mas não se entendiam por causa da sociedade. Mais referiu que o ofendido andou preocupado durante algum tempo. Referiu ainda que o arguido não é uma pessoa violenta. Por seu turno, a testemunha de defesa, José S..., amigo do arguido, limitou-se a referir que conhece o mesmo há já alguns anos, e que o mesmo é uma pessoa impecável, e pelo que conhece dele não é uma pessoa mal educada, quezilenta e que evita meter-se em confusões. Mais referiu que o mesmo era uma pessoa trabalhadora, é casado e tem dois filhos, considerando-o uma pessoa normal. Por último a testemunha, António L..., vizinho do arguido, também referiu que o mesmo é uma pessoa boa, não é conflituosa, e que actualmente está reformado. Afirmou ainda que o arguido é uma pessoa responsável, e vive com a esposa e os seus dois filhos, sendo uma pessoa bem considerada na vizinhança. Mais se refira que o Tribunal, atenta a prova produzida em julgamento, ficou convicto de que, de facto o arguido, enviou a mensagem ao seu cunhado e aqui ofendido; mas, o seu conteúdo, objectiva e realmente, não terá sido com a intenção de ameaçar, uma vez que a mesma não foi acompanhada de quaisquer outras acções, quer anteriores, quer posteriores, por parte do arguido, que pudessem reforçar a mesma, nomeadamente, através de perseguições, chamadas, encontros, troca de palavras, exibição de armas ou outros objectos perigosos, ou seja, a acção do arguido, terá sido isolada e no foi acompanhada, corno é normal e usual neste tipo de crimes, com outras acções que revelem ou manifestem, por banda do arguido, a clara e inequívoca intenção de ameaçar. Foi ainda relevante para a formação da convicção do tribunal, o CRC do arguido junto a fls. 124.”. * - Vejamos as questões suscitadas no recurso: - Impugna o assistente a matéria de facto fixada. Entendendo que o arguido praticou o crime que lhe vinha imputado, pelo qual deve ser condenado, bem como no pedido de indemnização civil. A prova produzida em audiência de julgamento tendo sido gravada, tem como consequência que o recurso poderá versar matéria de facto e de direito. Nos termos do disposto no artigo 428º, do Código de Processo Penal, "As relações conhecem de facto e de direito.". Aos recorrentes, sempre que impugnem a matéria de facto, incumbe o ónus de dar concretização aos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e às provas que impõem decisão diversa da recorrida; aliás, sempre que as provas tenham sido gravadas, a concretização destas terá de ser feita por referência ao consignado em acta. Veja-se o que decorre dos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal . Como se refere no acórdão do STJ de 21/03/2003, proc. 024324, relator A. Paiva, "A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação”. Assim, por exemplo: a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada; b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrario daquele que foi considerado como provado; c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.". Vejamos in casu, se deve ser alterada a matéria de facto fixada na sentença, analisando também se o arguido praticou, ou não, os factos e crime que lhe vinham imputados. * Termos em que deverá o recurso ser julgado procedente, nos sobreditos termos, e revogar-se a decisão recorrida, nestes aspectos, voltando os autos à primeira instância para, em conformidade com o aditamento fáctico ora realizado, ser proferida nova sentença que reaprecie a acusação pública e o pedido de indemnização cível formulados.* - DECISÃO:Em face do exposto, neste Tribunal da Relação de Guimarães, nos sobreditos termos, julga-se o recurso procedente, decidindo-se: A- Aditar aos factos dados como apurados na sentença, os seguintes: 1.1 - O arguido agiu de forma livre, voluntária e deliberada, e com o claro intuito e com a intenção de intimidar e amedrontar o ofendido, quer pela sua integridade física quer pela sua vida, como efectivamente intimidou e amedrontou, sendo certo que o mesmo sabia que as expressões e palavras que utilizou na citada mensagem eram adequadas a causar medos e receios no visado, apesar de mais saber que tal conduta era proibida e punida por lei. 1.2 - A mensagem referida em 1 dos factos dados como provados provocou no ofendido um sentimento de insegurança. 1.3 - As palavras utilizadas na mensagem referida em 1 dos factos dados como provados eram adequadas a produzir o resultado pretendido e visado pelo arguido, que era o de amedrontar o ofendido. 1.4 - Com o comportamento do arguido referido em 1 dos factos dados como provados, o ofendido viu abalada a sua tranquilidade da vida quotidiana, sendo que a perturbação decorrente da ameaça perpetrada pelo arguido condicionou o seu dia a dia, a nível pessoal. * E mais não se apurou, acompanhando-se agora a sentença recorrida quanto ao elenco dos factos não provados indicados no ponto nº 1 de fls. 126 (cujos factos ali contidos são, aliás, conclusivos) e nos pontos nºs 7 a 9 de fls. 127. B- Revogar a decisão recorrida, nos mencionados aspectos, devendo na primeira instância, em conformidade com o aditamento fáctico ora realizado, ser proferida nova sentença que reaprecie a acusação pública e o pedido de indemnização cível formulados (no demais, que não contrarie o agora decidido, se mantendo a sentença). * C- Sem custas. Notifique. D. N. . Guimarães, 11 de Julho de 2013 |