Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5733/17.0T8GMR.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: SEGURO RAMO VIDA
INCAPACIDADE
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Uma vez que, em virtude da incapacidade atribuída à autora, o contrato de seguro do ramo vida foi accionado, compete ao segurador, nessas circunstâncias, pagar ao Banco o capital seguro em dívida à data da verificação da incapacidade, substituindo-se, assim, aos segurados/mutuários do crédito concedido.

2 - O Banco mutuante não tem de devolver aos mutuários, o montante das prestações que deles foi recebendo enquanto a seguradora, que com os mutuários tinha celebrado um contrato de seguro do ramo vida, de que era beneficiário o banco, não assumiu o sinistro.

3 – Cabe à seguradora pagar aos segurados o valor das prestações que eles, entretanto, haviam pago ao Banco.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

M. R. deduziu ação declarativa contra “X Seguros, SA” pedindo que a ré seja condenada a pagar ao tomador do seguro “Banco ..., SA”, a quantia de € 118.086,56 correspondente ao capital seguro à data da verificação da incapacidade de 72,18% da autora (31/03/2015), quantia essa deduzida dos valores que a mesma ré for condenada a pagar à autora. Pede que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em virtude de o Banco ... juntar aos autos os extratos onde constam os valores pagos mensalmente pela autora desde aquela data de 31/03/2015 e aquelas que se vierem a liquidar em execução de sentença referentes ao pagamento de todas as prestações que forem pagas na pendência da ação, bem como com qualquer pagamento ou encargo que a autora tenha suportado ou venha a suportar relativos ao contrato em causa, nomeadamente, impostos. Tudo acrescido de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até à do trânsito em julgado da sentença, acrescida de 5% a contar dessa data até ao integral pagamento.

Invocou a celebração de um contrato de seguro do ramo vida, na sequência de um contrato de mútuo com hipoteca celebrado com o BANCO ..., e a situação de incapacidade entretanto advinda para a autora, que a impossibilita de trabalhar.

Contestou a ré excecionando a ilegitimidade da autora por estar desacompanhada do marido. No mais, alegou que a autora, aquando da celebração do contrato de seguro, prestou declarações inexactas ou reticentes, omitindo factos que eram essenciais para a aceitação da adesão ao seguro pela ré ou, no mínimo, teriam importância decisiva nas condições de aceitação, pelo que o contrato é anulável.
Foi requerida e admitida a intervenção principal de V. O., marido da autora, que se associou ao articulado desta.
A autora respondeu à matéria relativa à exceção de anulabilidade, referindo que não preencheram qualquer questionário sobre a sua saúde, nem o leram, limitando-se a assinar na última página e não ficaram com cópia do mesmo.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou procedente a ação, com a condenação da ré a pagar ao “Banco ..., SA” (atual … BANCO ...) a quantia correspondente ao capital seguro à data da verificação da incapacidade de 72,18%, no valor de € 118.086,56, deduzida dos valores das prestações (este segmento foi acrescentado após deferimento da nulidade invocada em sede de recurso) pagas pelos autores desde abril de 2015, por conta dos contratos de mútuo em causa nos autos, que a ré vai condenada a restituir aos autores. Por fim a ré foi condenada no pagamento dos juros sobre as prestações pagas a partir do mês de abril de 2015, até integral pagamento, à taxa legal de 4%, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC e do artigo 609.º do CPC.

A ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância a fls._ dos autos de acção de processo ordinário que correram termos no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 4, da Comarca de Braga, sob o número de processo 5733/17.0T8GMR, que julgou a acção procedente.
2. Ora, mantendo a ora Recorrente a profunda convicção de que existem nos autos fundamentos, de direito, que impunham, no caso concreto, decisão em sentido diverso, procurará adiante a Recorrente explicitar os motivos pelos quais interpõe o presente recurso, especificando, seguidamente, os pontos concretos que, na sua perspectiva (e com a ressalva do devido respeito, que é muito), foram, in casu, incorrectamente apreciados.
3. Dir-se-á, desde logo, que a decisão em causa no presente recurso é nula por ter havido, conforme adiante se exporá, condenação em quantidade superior e/ou em objecto diverso do peticionado, nos termos do disposto no art. 609º/1 do Código Processo Civil (CPC).
4. Assim o prescreve, igualmente, o art. 615°/1, e) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
5. A questão, nesta perspectiva, tem cariz essencialmente adjectivo e implica com um dos princípios que enformam o direito processual civil: o princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva e, mais concretamente, com uma das suas principais manifestações – o princípio do pedido.
6. Ensinava Manuel de Andrade que "o processo só se inicia sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido"; "as partes é que circunscrevem o thema decidendum. O juiz não tem de saber se, porventura, à situação das partes conviria melhor outra providência que não a solicitada, ou se esta poderia fundar- se noutra causa petendi. Alguns (Calamandrei) falam aqui de correspondência entre o requerido e o pronunciado".
7. O princípio do pedido tem consagração inequívoca no art. 3º/1 do CPC: o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…).
8. É ao autor que, naturalmente, incumbe definir a sua pretensão, requerendo ao tribunal o meio de tutela jurisdicional adequado a satisfazê-la. Será na petição inicial que o autor deve formular esse pedido – art. 552º/1, e) do CPC –, dizendo "com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção".
9. É o pedido, assim formulado, que vinculará o tribunal quanto aos efeitos que pode decretar a final.
10. Com efeito, como dispõe o art. 609º/1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
11. Assim, quanto ao conteúdo, a sentença deve ater-se aos limites definidos pela pretensão formulada na acção, o que é considerado "núcleo irredutível" do princípio do dispositivo. É a essa pretensão assim definida que o tribunal está adstrito, não podendo decretar um outro efeito, alternativo, apesar de legalmente previsto.
12. Como afirma Paula Costa e Silva, "o acto (postulativo) tem não só uma eficácia vinculante para o tribunal, como também uma função delimitadora da actuação do tribunal"; esse acto tem uma "função constitutiva insubstituível".
13. É o princípio do pedido, como sublinha a mesma Autora, que "determina que o tribunal se encontra vinculado, no momento do proferimento da decisão, ao decretamento das consequências que o autor do acto postulativo lhe requerera. Não pode decidir-se por um maius, nem por um aliud".
14. A violação da referida regra – se o juiz condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – determina a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º/1, e) do CPC.
15. Aliás, se o tribunal o fizer incorre também em excesso de pronúncia, por apreciar questão não suscitada pelas partes, o que é igualmente causa de nulidade, nos termos do art. 615º/1, d) do CPC.
16. Será de acrescentar que esta vinculação do tribunal aos termos em que o pedido foi formulado, que caracteriza o princípio do pedido, sendo ditada por razões de certeza e segurança jurídicas, tem subjacentes também a disponibilidade da relação material e os princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes e da auto-responsabilidade destas. Mas não só.
17. Como flui do que se disse, também tem por escopo essencial a tutela da posição do demandado, permitindo-lhe que se defenda em relação ao conteúdo concreto daquele pedido. Só assim se assegura e cumpre o princípio do contraditório (cfr. art. 3º do CPC) que aquele princípio igualmente visa preservar.
18. Após exposição dos factos, na sua douta petição inicial, concluíram os AA. da seguinte forma:

“Termos em que deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, por via dela, ser a Ré condenada:

e) A pagar ao tomador do seguro, isto é, ao Banco ..., S.A. a quantia de 118.086,56€ (cento e dezoito mil e oitenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente ao capital seguro à data da verificação da incapacidade de 72,18% da A., isto é em 31-03-2015, tal como supra se narrou, quantia essa deduzida dos valores que a mesma R. for condenada a pagar à A. nos termos das alíneas b) e c) do pedido; (negrito e sublinhado nosso)
f) A pagar à A, a quantia que se vier a apurar em virtude de o Banco ..., S.A. juntar aos autos os extratos onde constam os valores pagos mensalmente pela A. desde aquela data de 31-03-2015, conforme supra se narra e que melhor serão apurados em execução de sentença;
g) A pagar à A. a quantia que se vier a liquidar-se e, execução de sentença referente ao pagamento de todas as prestações que forem pagas na pendência desta acção, bem como com qualquer pagamento ou encargo que a A. tenha suportado ou venha a suportar, relativos ao contrato em causa, nomeadamente impostos, conforme se alegou em 27 desta petição;
h) A pagar à A. juros vincendos sobre as quantias referidas nas anteriores alíneas b) e c), à taxa legal, desde a citação até à do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida, acrescida de 5% a contar dessa data até ao integral pagamento, conforme se alegou em 28 desta petição.
19. Ora, a douta sentença de que ora se recorre, no que ao pedido formulado em a) diz respeito, condenou a ora Ré a pagar ao Banco ..., S.A. (actual … Banco ...) a quantia correspondente ao capital seguro à data da verificação da incapacidade de 72,18%, no valor de € 118.086,56, sem, no entanto, deduzir os valores que a mesma Ré for condenada a pagar à A. nas restantes alíneas, conforme expressamente peticionado pelos AA. no seu petitório (nos termos já expressamente transcritos acima).
20. Condenou, assim, o douto Tribunal em quantidade superior ao do pedido! Tornando, assim, a douta sentença nula, nos termos já supra exaustivamente explanados.
21. Na verdade, o Tribunal, a condenar como condenou a ora Ré, teria de condená-la a liquidar ao Banco o valor do capital Seguro - € 118.086,56 – deduzido das prestações pagas pela A. desde 31.03.2015, e durante a pendência da presente acção, no âmbito dos contratos de mútuo em causa, ou seja, condenação no montante de € 113.875,17 (valor em dívida no âmbito dos mútuos à data da incapacidade).
22. Não se tendo o douto Tribunal a quo cingindo à condenação nos termos e do peticionado pelos AA., suplantando, assim, os seus limites, deverá a presente sentença ser declarada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º/1 e) do CPC.
23. Não obstante o supra exposto, sempre se dirá que, nenhum sentido fará condenar a ora Ré na restituição aos AA. do valor das prestações por estes pagas desde Abril de 2015 por conta dos contratos de mútuo, quando foi o Banco … Banco ... quem recebeu tais pagamentos.
24. Ao condenar a ora Ré ao pagamento do capital seguro à data da verificação da incapacidade, deduzido das prestações entretanto liquidadas pelos AA., já se estará a cobrir a totalidade do capital em dívida à data da verificação da incapacidade, cabendo, portanto ao Banco restituir aos AA. tudo aquilo que destes receberam (indevidamente) desde essa data até à presente.
25. Ora, se a acrescer, a ora Ré for condenada à devolução das prestações entretanto liquidadas pelos AA., existirá uma duplicação para estes de pagamentos (em forma de restituição) e, portanto, um claro enriquecimento sem causa.
26. Nestes termos, os AA. irão beneficiar da restituição das prestações por parte do Banco, desde a data da incapacidade até à presente data e beneficiarão, igualmente, de tal restituição por parte da ora Ré.
27. Assim, é o Banco quem deverá restituir aos AA. todas as prestações que daqueles receberam após a data da verificação da incapacidade de 72,18%, restituindo aquilo que não deveriam ter recebido e aquilo que não deveria ter sido por estes liquidado.
28. Condenar, igualmente, a ora Ré na restituição das mesmas prestações entretanto liquidadas no âmbito dos mútuos bancários (desde a data da verificação da incapacidade até à presente data) é permitir que os AA. tenham uma dupla restituição dos mesmos valores e, por isso, mesmo um enriquecimento sem causa plenamente injustificado.
29. O instituto do enriquecimento sem causa caracteriza-se pela inexistência de qualquer negócio ou facto justificativo da apropriação de valores cuja restituição é pedida, e, dada a sua natureza subsidiária, a causa de pedir que o integra cede perante a causa de pedir relativa ao incumprimento contratual e derivada responsabilidade civil obrigacional.
30. O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
31. Os pressupostos constitutivos do enriquecimento sem causa – artº 473º do CC - são a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem e a falta de causa justificativa para ele.
32. Pelo que, condenando-se a ora Ré, como condenou, no pagamento ao Banco, actual … Banco ..., da quantia correspondente ao capital seguro à data da verificação da incapacidade (deduzida, como é óbvio e já supra se alegou, das quantias entretanto pagas pelos AA. desde essa data até à presente), fica prejudicada a condenação da ora Ré na restituição das prestações entretanto liquidadas pelos AA. no âmbito dos mútuos bancários, até porque será o Banco quem irá (ou terá de) restituir tais prestações indevidamente recebidas.
33. Isto sob pena de os AA. virem a ser restituídos dos mesmos valores tanto pela ora Ré como pelo Banco …, dando origem, como se disse, ao seu enriquecimento sem causa, o que, desde já, se alega para todos os devidos efeitos legais, pugnando, por isso mesmo, pela reapreciação e alteração da decisão proferida pelo Tribunal a quo, no que a esta fracção da condenação diz respeito.
34. Pelo que deverá a ora Ré ser absolvida da condenação da devolução aos autores do valor das prestações por estes pagas desde Abril de 2015 por conta dos contratos de mútuo em causa.
35. Face a tudo quanto antecede, é entendimento da Recorrente que o Tribunal de Primeira Instância não fez uma correcta aplicação da Lei, nos termos já supra expostos, devendo, por isso, ser reapreciada e alterada a decisão proferida e de que ora se recorre.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida e, em consequência, ser a Ré Seguradora absolvida no pagamento do montante peticionado pelos Recorridos, só assim se fazendo JUSTIÇA!

Autora e interveniente contra alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

No despacho de admissão do recurso, a Sra. Juíza conheceu da invocada nulidade, dando razão à recorrente e determinando que o dispositivo da sentença fosse alterado de forma a fazer constar do mesmo que a quantia que a ré foi condenada a pagar ao Banco, será deduzida dos valores que terá que restituir aos autores.

Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver (uma vez que a nulidade da sentença já foi suprida por despacho da 1.ª instância) é a de saber se a ré não deveria ter sido condenada a restituir aos autores as quantias por estes pagas ao Banco após a verificação da incapacidade da autora, por alegado enriquecimento sem causa.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

1) Mostra-se registada em nome dos autores a propriedade do prédio misto composto de casa de habitação de cave, rés-do-chão e andar, com a área coberta de 160 metros quadrados, sito no Lugar …, …, Vila Nova de Famalicão, descrito na CRP de VNF sob o nº …, inscrito na matriz predial urbana com o artigo … e na matriz predial rústica com o artigo ….
2) Por escritura pública denominada “Mútuo com Hipoteca”, outorgada em 15 de Novembro de 2005, o Banco ... concedeu aos autores um empréstimo de € 50.000,00.
3) Para garantirem o pagamento do valor referido em 2), os ora autores constituíram uma hipoteca sobre o prédio referido em 1).
4) Por escritura pública denominada “Mútuo com Hipoteca”, outorgada em 15 de Novembro de 2005, o Banco ... concedeu aos autores um empréstimo de € 88.950,10.
5) Para garantirem o pagamento do valor referido em 4), os ora autores constituíram uma hipoteca sobre o prédio referido em 1).
6) Com efeito a partir de 27.06.2013, os autores celebraram com a ora ré o “contrato de seguro de vida” titulado pela apólice nº ../801348 aderente nº 129937, nos termos do qual, em caso de incapacidade de algum dos autores, ficava garantido o pagamento, ao Banco ..., S.A., do capital seguro à data da incapacidade.
7) Em 31.03.2015 o capital seguro ascendia a € 118.086,56.
8) No dia 31.03.2015, uma Junta Médica atribuiu à autora uma incapacidade de 0,7218 (72,18%), tendo a autora pretendido accionar a apólice no mês seguinte.
9) Aquando do boletim de adesão que deu lugar à emissão da apólice referida 6), foi junto um questionário de saúde, no qual se mostra inscrita uma cruz na hipótese “não” a todas as questões relacionadas com doenças de que a ora autora pudesse padecer.
10) No documento que contém o questionário referido em 9), depois deste, está inscrito um texto com cláusulas pré-redigidas pela ora ré, do qual consta, entre o demais, o seguinte teor:

a. “O tomador do seguro e as pessoas seguras declaram que as respostas contidas nestes questionários correspondem em absoluto à verdade, que não foi ocultada qualquer informação que possa vir a influir na decisão que o Segurador venha a tomar acerca do seguro proposto, e autorizam-no a inquirir junto de quem entenda necessário e/ou conveniente sobre o estado de saúde actual ou anterior das Pessoas Seguras, ou até mesmo após a sua morte, solicitando as informações que julgar necessárias, no estrito respeito pelo sigilo médico. Declaram, também (…) que conhecem a sua obrigação de, antes da celebração do contrato de seguro, fornecerem com exactidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para apreciação do risco pelo segurador, anda que sejam circunstâncias que não tenham sido objecto do questionário fornecido por este. Mais declaram que estão cientes da obrigação de, durante a vigência do contrato de seguro, procederem à comunicação de quaisquer alterações às circunstâncias e ao risco do contrato”.
b. “O tomador do seguro declara que recebeu um exemplar das condições gerais e especiais da modalidade subscrita e delas teve conhecimento antes da celebração do contrato”.
c. “Ao assinarem, o tomador do seguro e as pessoas seguras tomam conhecimento das informações acima, da dão os consentimentos requeridos e exercem as opções de contratação assinaladas”.
11) A autora apôs a sua assinatura no documento que contém o questionário referido em 9) e o texto referido em 10).
12) Em Julho de 2013 a autora era portadora de Diabetes Mellitus Tipo 2 desde há 15 anos.
13) Em Julho de 2013 a autora era seguida em psiquiatria, por sintomatologia depressiva, desde há cerca de 13 anos.
14) A ré seguradora aceitou a adesão ao seguro de grupo celebrado com a autora e o marido desconhecendo o referido em 13) e 14).
15) Caso a ré tivesse conhecimento de que a autora era portadora das doenças referidas em 13), não teria celebrado o contrato de seguro nas condições que foram contratadas.

Factos não provados

a) Que tenha sido a autora a colocar a cruz na hipótese “não” do questionário referido em 9).
b) Que, aquando do boletim de adesão que deu lugar à emissão da apólice referida 6), a autora tivesse sido informada do teor do texto que consta do questionário referido em 9) e das cláusulas referidas em 10).
c) Que, aquando do boletim de adesão que deu lugar à emissão da apólice referida 6), os autores tivessem recebido as condições gerais e especiais do seguro.
d) Que, aquando do boletim de adesão que deu lugar à emissão da apólice referida 6), os autores houvessem sido informados das consequências do indevido preenchimento do questionário referido em 9).

As primeiras vinte e duas conclusões do recurso da apelante prendem-se com a questão da nulidade da sentença por condenação em quantidade superior e em objeto diverso do peticionado – artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC – questão essa que já foi resolvida por despacho proferido aquando da admissão do recurso, dando-se razão à recorrente e ordenando-se a alteração do dispositivo da sentença, de forma a que fossem deduzidos no valor que a ré foi condenada a pagar ao Banco ..., os valores que a mesma foi condenada a restituir aos autores, assim ficando a condenação contida dentro do pedido.

As restantes conclusões do recurso – 23 a 35 – prendem-se com a condenação da ré a restituir aos autores o valor das prestações por estes pagas desde abril de 2015 por conta dos contratos de mútuo em causa nestes autos. Entende a apelante que tal condenação não faz sentido, uma vez que foi o Banco … Banco ... quem recebeu tais pagamentos. Com a restituição ordenada passaria a haver um enriquecimento sem causa dos autores, que receberiam o valor das prestações indevidamente pagas, do Banco e da Seguradora.
Não há dúvida que se o Banco tivesse que restituir aos autores o valor das prestações por estes pagas desde a data da verificação da incapacidade – 31/03/2015 – quando a ré foi condenada no mesmo pagamento, ocorreria uma duplicação de valores e, consequentemente, um enriquecimento ilegítimo dos autores (pagaram as prestações em singelo e recebê-las-iam em duplicado).
Contudo, tal não se verifica.
O Banco não é parte nestes autos, nem sequer foi chamado à ação.
O Banco, enquanto mutuante, recebeu, sempre, as prestações mensais fixadas contratualmente e não está obrigado à sua restituição. Para o Banco, o contrato encontra-se a ser cumprido.
Uma vez que, em virtude da incapacidade atribuída à autora, o contrato de seguro do ramo vida foi accionado, compete ao segurador, nessas circunstâncias, pagar ao Banco o capital seguro em dívida à data da verificação da incapacidade, substituindo-se, assim, aos segurados/mutuários do crédito concedido.
Ora, acontece que, uma vez que a seguradora se recusou a pagar o capital seguro, quando o contrato de seguro foi accionado, os segurados continuaram a pagar as prestações mensais até que a questão fosse dirimida em tribunal.
A mora da seguradora deixa intacto o contrato de mútuo com a consequente obrigação de o mutuário continuar a ter de satisfazer perante o banco as prestações do empréstimo de que continua devedor e sem que este tenha, portanto, de restituir ao mutuário as prestações que recebeu até ao momento em que a seguradora assumiu o sinistro.
A seguradora, ao ser condenada a pagar ao Banco o capital seguro à data da verificação da incapacidade da autora, e estando tal capital já diminuído pelas entregas entretanto efetuadas pelos autores, terá que entregar a estes a diferença entre esses dois valores. É a soma dos valores pagos pelos autores desde abril de 2015, com o valor do capital seguro nesta data, que vai perfazer o valor do capital seguro à data da verificação da incapacidade (abril de 2015), que é o valor que a ré terá de despender em cumprimento do contrato de seguro que celebrou com os autores.
Deve dizer-se, como já vem resultando do exposto que, neste tipo de seguro, reúnem-se num só contrato dois tipos de interesses e duas relações jurídicas com finalidade distinta, mas que não deixam de estar interligadas. Como se refere no Ac. do STJ de 05.03.2013, proferido no processo n.º 517/09.1TBVFR-A.P1.S1, relatado pelo Cons. Gabriel Catarino, “embora associados ou coligados os contratos de mútuo e de seguro de grupo vida, não deixam de estar sujeitos, cada um deles, às suas regras próprias e especificas e não ficam precludidas as obrigações próprias e específicas de cada tipo de contrato”.

A questão que a apelante aqui levantou, tem sido suscitada principalmente em situações em que os mutuários (ou herdeiros do mutuário falecido) deixam de cumprir as obrigações do mútuo, enquanto a Seguradora não assume o sinistro e o mutuante intenta acção executiva. Veja-se, a este propósito, o voto de vencido do Cons. Helder Roque no Ac. do STJ de 27.10.2009, proferido no processo n.º 540/06, relatado pelo Cons. Garcia Calejo, publicado CJ, (STJ), 2009, tomo III, pág. 106 a 110: “transferindo-se para a seguradora a responsabilidade pelo saldo em dívida à entidade mutuante, como beneficiária do seguro, no âmbito do contrato do mútuo hipotecário, por morte do mutuário, que apresentava como um risco coberto pelo seguro, à data da sua ocorrência, a embargante-opoente já não é responsável pelo pagamento da quantia mutuada, mas antes a seguradora (nos termos do disposto pelo art. 458º, "a contrario", do Código Comercial, aplicável)”.

No caso, a situação tem outros contornos pois os autores cumpriram voluntariamente as obrigações do mútuo que se venceram e essas obrigações não carecem de causa, que é o mútuo. “Por outro lado, está liminarmente excluída a possibilidade do mutuante receber as prestações em duplicado, sendo que neste caso é a seguradora que tem de devolver aos herdeiros do mutuário, as prestações por estes pagas depois do sinistro” – Acórdão da Relação do Porto de 05/03/2015, processo n.º 834/13.6TVPRT.P1 (Leonel Serôdio), in www.dgsi.pt (onde colhemos as referências jurisprudenciais referidas supra).

Daí que, ao contrário do que defende a apelante, não há qualquer obrigação do Banco de restituir as prestações pagas pelos mutuários e, não existindo tal obrigação, não há qualquer enriquecimento sem causa, uma vez que apenas a seguradora está obrigada a pagar aos segurados as prestações que estes foram pagando ao Banco desde a data da verificação da incapacidade, data em que a seguradora deveria ter assumido o pagamento ao Banco do capital seguro. A seguradora está obrigada a responder, nos termos da apólice, pelo capital em dívida à data do sinistro, e, como já referimos, o que ela venha a pagar ao Banco somado do que pagar aos autores a título de reembolso do que estas liquidaram das prestações do mútuo durante a mora, não ultrapassará nunca, antes coincidirá exactamente, com o montante do capital em dívida à data do sinistro.
Daí que improceda a apelação da ré, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 19 de setembro de 2019

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes