Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
258/09.0TBFAF-B.G1
Relator: ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
REGULAMENTO (CE) 44/2001
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Tendo a Ré alegado que as partes escolheram foro estrangeiro para julgar os litígios emergentes de uma dada relação contratual, estamos perante um caso de incompetência relativa dos tribunais portugueses em função da violação da regra de competência estabelecida em pacto atributivo de jurisdição.
II – Vale como efectivo pacto atributivo de jurisdição, nos termos do artº 23º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, a cláusula escrita proposta por uma das partes no sentido da atribuição da competência ao foro estrangeiro, se a outra parte a aceita tacitamente.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães
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Recorrente: E… Co. OHG
Recorrida: E… Confecções Lda.
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Com data de 28.10.2011 foi proferido o seguinte despacho:
“Atenta a manifesta simplicidade da presente causa, dispensa-se a realização de audiência preliminar, pelo que cumpre elaborar despacho saneador, nos termos do art.º 510º. do C. P. Civil (cfr. ainda art.º 508º-B, do mesmo diploma legal).
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Questões Prévias
A) Da incompetência do Tribunal para apreciação da presente lide em razão da existência de um pacto privativo de Jurisdição
Em sede de contestação veio a R. invocar ter convencionado com a A. atribuir competência exclusiva ao Tribunal alemão da Comarca de Bremen para dirimir os litígios decorrentes do contrato celebrado entre as partes.
Mais refere que tal atribuição de competência exclusiva está plasmada nas próprias encomendas efectuadas pela A., constituindo o doc. n.º1 junto com a contestação um exemplo claro dessa convenção, escrita e assinada pelas partes.
Conclui assim pela sua absolvição da instância, atento o disposto nos arts.99.º e 111.º, n.º3 do CPC.
Replicando veio a A. negar ter celebrado qualquer convenção tendente à atribuição da competência ao Tribunal da Comarca de Bremen, acrescentando que a nota de encomenda referida pela R. diz respeito a transacções que não são aquelas que deram origem à emissão das facturas peticionadas, não existindo qualquer documento escrito assinado pelas partes em como as mesmas atribuíam de forma exclusiva a competência ao Tribunal de Bremen.
Cumpre apreciar e decidir
Nos termos do art.99.º, n.º1 do CPC “As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica”, acrescentando o n.º3 do citado normativo que a eleição de foro só é válida quando cumulativamente se verifiquem os requisitos aí exigidos, designadamente o plasmado na alínea e)-resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente, sendo que nos termos do n.º4 do referido artigo se considera reduzido a escrito o acordo constante de documento assinado pelas partes, ou o emergente de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido.
Ora, para prova do invocado pacto de jurisdição a R. apenas junta o doc. n.º1 (encomenda), cuja tradução se encontra a fls.176 e ss dos autos, sendo que nesta matéria nada consta expressamente referido ou convencionado, à excepção da aposição da expressão “Tribunal competente Bremen, Alemanha”.
Entende-se porém que a mera aposição por si só da referida expressão na dita encomenda, não consubstancia, em termos formais, um verdadeiro pacto privativo de jurisdição, nos termos consagrados no artigo mencionado: não só o mesmo não se traduz num acordo constante de documento assinado pelas partes, como também não integra qualquer cláusula de remissão para outro documento que o contenha.
Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, nos termos do art.99.º, n.º2 do CPC “a designação convencional pode envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presumindo-se que seja alternativa em caso de dúvida”.
Assim sendo, ainda que se entendesse que a aposição de tal expressão traduz a convenção de um pacto de jurisdição -que não se entende- e ainda que a dita encomenda se referisse sem impugnação às facturas em discussão nos autos, o que a A. nega, sempre se teria de, face à sua lacónica expressão e em observância ao disposto no art.99.º, n.º2 do CPC, se presumir que se pretendeu fixar uma atribuição de competência meramente alternativa e não exclusiva.
Pelo exposto, não tendo a R. demonstrado, como lhe cabia, a excepção por si invocada, improcede a mesma.
B) Da nulidade da citação
Mais invoca a R. a nulidade da citação efectuada por não ter sido cumprido o disposto no Regulamento (CE) n.º1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007, designadamente por o acto não ter sido redigido numa língua que o destinatário compreenda ou que seja língua oficial do Estado-membro requerido ou acompanhada de tradução.
Replicou a A. a fls.151 e ss propugnando a improcedência da invocada nulidade, desde logo por fazer outra leitura do referido Regulamento, acrescentando ainda que, de qualquer forma, sempre da contestação apresentada resulta que a falta de tradução da citação em nada rigorosamente prejudicou a sua defesa.
Cumpre apreciar e decidir
Citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”, acrescentando todavia o seu n.º4 que “a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”.
Como refere a A, da leitura da contestação apresentada decorre que não existiu qualquer questão que a R. tenha alegado não poder contestar ou até reconvir -como o fez - com base no facto de não ter existido tradução, tendo antes ficado demonstrado ter a R. entendido perfeitamente a citação e os documentos que a acompanhavam.
Pelo exposto, independentemente da discussão jurídica ocorrida em torno da interpretação do citado Regulamento, tendo a R. demonstrado ter entendido a integralidade do acto (chegando até a apresentar reconvenção), não tendo assim em nada ficado prejudicada, não poderá atender-se à arguição efectuada, nos termos do art.195.º, n.º4 do CPC, a qual improcede.
C) Dos artºs.23 e 24.º da Réplica
A fls. 163 dos autos veio ainda a R. requerer que os artºs. 23 e 24 da réplica apresentada seja considerado como não escrito por ultrapassar os limites legais dentro dos quais é permitido à A. pronunciar-se, dado a matéria aí vertida não configurar qualquer resposta a excepções nem defesa relativa à matéria da reconvenção.
A fls.411 e ss a A. propugnou pelo indeferimento do requerido, pelas razões aí melhor expostas, para que se remete.
Cumpre apreciar e decidir
Não assiste razão à R.
A A. nos artºs. mencionados limitou-se a responder à excepção levantada pela R. relativa à existência de outra nota de débito cujo valor aquela propugna dever ser descontado à quantia em dívida, o que a ficar demonstrado poderá conduzir à improcedência parcial do pedido.
Logo, nos termos dos artºs.502.º e 487.º, n.º2 do CPC tal matéria podia e pode constar da réplica apresentada.
Pelo exposto, indefere-se o requerido pela R.
D) Da inadmissibilidade da Tréplica
A fls.171 e ss veio a A. alegar a inadmissibilidade de apresentação da tréplica atento o disposto no art.503.º, n.º1 do CPC, ao que a R. se opôs.
Cumpre apreciar e decidir
Assiste razão à A.
Nos termos do art.503.º, n.º1 do CPC “se houver réplica e nesta for modificado o pedido ou a causa de pedir, nos termos do art.273.º, ou se, no caso de reconvenção, o A. tiver deduzido alguma excepção, poderá o réu responder, por meio de tréplica, à matéria da modificação ou a defender-se contra a excepção oposta à reconvenção”.
Subscreve-se o aduzido pela A., a fls.171 e ss, pois no caso concreto na réplica apresentada não foi modificado o pedido nem a causa de pedir, nem foi deduzida qualquer excepção à reconvenção apresentada mas mera impugnação, acompanhada de outras considerações meramente jurídicas concernentes à incompatibilidade e inadmissibilidade da reconvenção apresentada.
Pelo exposto, por violação do disposto no art.503.º, n.º1 do CPC, determina-se o desentranhamento da tréplica apresentada e a sua devolução à R., devendo deixar-se cópia na contracapa.
E) Da Reconvenção e Prestação de Contas
Veio a R. a final peticionar que “seja a acção de prestação de contas recebida e, em consequência, citada a A. para, no prazo de 30 dias, apresentar as contas em falta ou contestar o pedido, sob pena de, não o fazendo, não poder deduzir oposição às contas que a R. venha a apresentar, devendo ser julgada procedente e provada a reconvenção e, por via dela, ser a reconvinda condenada a pagar à reconvinte o montante que actualmente se estima ascender, no montante mínimo, ao valor de €73.280,40, acrescido de juros de mora à taxa supletiva legalmente fixada para os juros comerciais, até efectivo e integral pagamento” (sic).
A A. veio opor-se ao pretendido nos termos e pelos fundamentos melhor expostos na réplica apresentada, para cujo teor se remete e que aqui se dão por reproduzidos.
Cumpre apreciar e decidir
Alega a R., como sustento da sua pretensão reconvencional, ter posteriormente celebrado com a A. um contrato de agência em Outubro de 2008, pelo qual ficou convencionada uma comissão de 5% sobre o valor dos negócios celebrados, valor este ainda em dívida e cujo montante a R. ignora qual seja por a R. se ter eximido ao seu pagamento, entrando em contacto directo com o cliente final e ocultando o valor da respectiva facturação, cujo montante desconhece e cujas contas pretende a A. aqui preste, sendo que estima que tal valor pelo menos corresponderá ao montante mínimo de €73.280,40.
Nos termos do art.274.º, n.º3 do CPC “não é admissível a reconvenção, quando o pedido do réu corresponda a uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs. 2 e 3 do art.31.º, com as necessárias adaptações”.
O processo de prestação de contas constitui no nosso ordenamento jurídico um processo especial, o qual se encontra regulamentado no art. 1014.º e ss do CPC.
Assim sendo, em abstracto, só é possível admitir a presente reconvenção se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.ºs. 2 e 3 do art.31.º do CPC, o qual estabelece que tal autorização pode ser concedida quando os pedidos, pese embora correspondam a diferentes formas de processo, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, o que se afigura ser o caso.
De facto, o referido processo especial segue uma tramitação muito específica e singular, bastante distanciada da tramitação prevista para a presente acção declarativa de condenação, pelo que se afigura ser desadequada e incompatível a sua tramitação unitária, ainda que lançando mão do P. da adequação formal.
Assim sendo, o avançado pela R. em sede de contestação no que concerne ao invocado contrato de agência, o qual foi impugnado pela A., deverá ser apreciado em acção autónoma, não prosseguindo os autos para a requerida prestação de contas, a efectuar ou na medida já estimada e avançada pela R. neste âmbito, quer o valor se viesse a revelar uma verdadeira reconvenção ou uma mera compensação, por tal matéria dever ser apreciada em sede própria e autónoma não cabendo aqui efectuar uma prestação de contas global ou parcial nos termos já estimados e avançados pela R.
Pelo exposto, não se admite o pedido reconvencional deduzido”.

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Seguiu-se a prolação do competente despacho saneador em que se teve o tribunal por competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território, se declarou não se verificar qualquer nulidade que invalide todo o processado, e se declarou que as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Como se entendeu que o estado dos autos não habilitava a conhecer desde já do restante mérito da causa, passou-se à elaboração da base instrutória, e no qual se estabeleceram os Factos Assentes.

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Do despacho acima reproduzido recorreu a Ré E… & Co. OHG, interpondo recurso em 21/11/2011, nos seguintes termos:
“E… & Co. OHG.”, empresa em liquidação, Ré/Reconvinte na acção ordinária à margem identificada, apresenta, no recurso de apelação que interpõe, ao abrigo do disposto no art. 691.º CPC, relativamente às decisões contidas no despacho saneador relacionadas com 1) a competência do tribunal, 2) a nulidade da citação e 3) a inadmissibilidade da reconvenção / prestação de contas, com subida nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Terminou com as seguintes extensíssimas Conclusões:
A. A aqui Apelada propôs a ação contra a ora Apelante no Tribunal Judicial da Comarca de Fafe.
B. A Apelante veio, por via de exceção, invocar a incompetência do tribunal, por ter sido acordado entre as partes atribuir competência ao Tribunal Alemão da Comarca de Bremen.
C. Mais alegou estar essa atribuição de competência plasmada nas próprias encomendas efetuadas, designadamente no doc. n.º 1 junto a esse articulado de contestação, que constitui exemplo claro dessa convenção, escrita e assinada por ambas as partes.
D. Na realidade, consta expressamente no documento a menção “Tribunal competente _ Bremen, Alemanha”.
E. Concluiu, pois, a Apelante peticionando a sua absolvição da instância ao abrigo do n.º 3 do art. 111.º do CPC.
F. Porém, veio o Ilustre Magistrado a entender não se estar perante uma competência convencionada.
G. Invoca, em primeiro lugar, não se tratar de um acordo constante de documento assinado pelas partes.
H. Mas tal não corresponde à realidade, como já foi supra-referido, visto que a nota de encomenda está assinada por ambas as partes.
I. Mais defende que a expressão utilizada poderia conduzir à “atribuição de uma competência meramente alternativa e não exclusiva.”, no sentido do n.º 2 do art. 99.º do CPC.
J. Acontece que rege nesta matéria o Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000.
K. E a este respeito refere expressamente o n.º 1 do art. 23.º do referido diploma que: “Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado- Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem o contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.”(sublinhado nosso).
L. Entende a Apelante que é à luz deste preceito que deve ser analisada a questão da atribuição de competência ao tribunal alemão de Bremen.
M. E, face ao seu teor, parece claro que a menção contida na nota de encomenda apresentada pela R., ora Apelante, à A., ora Apelada, é suficiente para concluir pela competência exclusiva do tribunal alemão de Bremen.
N. Isto posto, resta dar resposta ao último argumento nesta matéria invocado pela ora Apelada em sede de réplica, e que consiste em alegar que a nota de encomenda assinada invocada pela Apelante (doc. n.º 1 junto à contestação) não se refere às faturas peticionadas.
O. Acontece que também esse argumento não pode colher, por duas ordens de razões:
P. A primeira é que essa nota de encomenda refere expressamente constituir a “encomenda básica relativa ao artigo 11316 da JAKO-O”, e que, “futuramente, todas as quantidades do artigo 11316 terão por base esta nota de encomenda”(doc. n.º 1 junto à contestação).
Q. E algumas das faturas peticionadas, designadamente os docs. n.s 1 e 5 juntos à PI, fazem menção a este artigo 11316 da JAKO-O.
R. A segunda consiste no facto de, ao abrigo do supra-referido art. 23.º do Regulamento (CE), imperarem aqui os usos que as partes estabeleceram entre si, ou conheçam, ou devam conhecer no comércio internacional, que determinam a competência convencional para quaisquer litígios que possam surgir da relação jurídica.
S. Essa disposição impõe logo que a competência convencionada seja aplicável a toda a relação contratual entre as partes, a todas as encomendas e fornecimentos de mercadorias efetuados.
T. De facto, todos os fornecimentos de mercadorias efetuados pela Apelada à Apelante foram precedidos das respetivas notas de encomenda, semelhantes às constantes nos autos, juntas à P.I. como docs. n.os 1 a 4.
U. O que significa que as regras aplicáveis nesta matéria às relações entre as partes eram sempre as mesmas, com a atribuição de competência, em caso de litígio, ao Tribunal de Bremen, Alemanha.
V. E esta forma de convencionar a competência do tribunal está perfeitamente de acordo com as disposições europeias, designadamente o art. 23.º do Regulamento Europeu supra-referido, bem como com os usos internacionais.
W. Ora desatendendo desde logo ao disposto nas disposições aplicáveis constantes do Regulamento Europeu supra-referido, mormente o supra-citado art. 23.º do referido diploma, acabou o Ilustre Magistrado por limitar a análise da situação aos parâmetros impostos pelas disposições do CPC, não efetuando, assim, o devido enquadramento legal da situação.
X. E ao omitir a referência ao Regulamento Europeu, veio a dar como improcedente a exceção de incompetência do Tribunal de Fafe, nos termos em que tinha sido invocada pela ora Apelante.
Y. Como invocou já na contestação apresentada a R., ora Apelante, é uma sociedade de direito alemão, com sede na Alemanha.
Z. Assim sendo, é aplicável à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007.
AA. Ora nos termos do referido Regulamento, a citação ou notificação pode ser efectuada por via postal (art. 14.º), mas tem necessariamente de cumprir determinadas formalidades, entre as quais se encontram a necessidade do ato estar redigido numa língua que o destinatário compreenda ou que seja língua oficial do Estado membro requerido (art. 8.º), ou acompanhada de tradução (art. 5.º), sendo o ato sempre acompanhado de um pedido de acordo com o formulário constante do anexo 1 do referido Regulamento (art. 4.º), concedendo ao destinatário a faculdade de recusar a receção do ato se não estiver redigido numa das línguas previstas no art. 8.º (art. 5.º).
BB. Só assim está minimamente garantida a possibilidade de defesa do Requerido, a ora Apelante.
CC. Perante o incumprimento das devidas formalidades, esta citação é nula (art. 198º do C.C.), prejudicando necessariamente as garantias de defesa da Apelante, o que esta expressamente invocou no seu articulado de contestação,
DD. Não obstante ter apresentado ainda, por mera cautela, a sua defesa.
EE. Veio então o Ilustre Magistrado a entender que a ora Apelante se pronunciou sobre a matéria da contestação, inclusivamente deduzindo reconvenção, pelo que se conclui não haver nulidade na citação.
FF. “Ora conforme dispõe o art.º 228°, n.º 1 do CPC, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender (in ius vocatio). Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. A citação é, pois, um acto processual essencial que visa assegurar o direito de qualquer pessoa se defender ou deduzir oposição, de molde a evitar que se seja surpreendido por uma decisão judicial não esperada, tudo como corolário lógico do princípio do contraditório (artº 3°, nº 1 do Cód. Proc. Civil)”, Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 266 e 267..
GG. E a nulidade da citação, expressamente prevista no art. 198.º do CPC, deve ser atendida, “se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.”.
HH. A citação feita com preterição das formalidades exigidas prejudicou naturalmente as possibilidades de defesa da ora Apelante.
Senão vejamos,
II. A Apelante viu-se forçada a contactar Mandatário, providenciar pelas necessárias traduções e organizar a sua defesa num prazo que, não sendo suficiente, lhe trouxe consequências desfavoráveis.
JJ. A Apelante cometeu, designadamente, lapsos de escrita, de junção nos documentos mas, mais grave, falhas na impugnação da matéria alegada na P.I., que acabaram por ter repercussões na fixação da Base Instrutória, designadamente pela fixação, como assentes, de factos que não foram alvo da devida impugnação (F) e G)).
KK. Longe de pretender recorrer a manobras dilatórias, a Apelante pretende apenas salientar a gravidade da maneira como a norma é interpretada.
LL. Se o Réu se esforça e consegue defender-se atempadamente, como foi o caso, apesar de ter consciência da escassez de tempo com que se debate, fica prejudicado, por se entender que logrou defender-se, não lhe sendo concedido qualquer acréscimo de tempo para corrigir a sua exposição.
MM. Melhor lhe fora cruzar os braços e aguardar o decurso do prazo para a defesa, invocando apenas a nulidade da citação, ficando a aguardar a sua repetição nos termos legais, dispondo então de novo prazo para apresentar a sua defesa.
NN. Conclui, pois, a Apelante, que a preterição das formalidades essenciais que se impunham na citação prejudicou a sua defesa, razão que é, a seu ver, suficiente para conduzir à nulidade da citação,
OO. Não tendo sido feita uma correta aplicação, in casu, do disposto no art. 198.º CPC.
PP. A R., ora Apelante, veio, no articulado de contestação por si apresentado, deduzir reconvenção.
QQ. O fundamento do seu pedido reconvencional reside no facto de entre as partes ter sido celebrado, em Outubro de 2008, um contrato de agência.
RR. O objetivo era que a ora Apelada passasse a fornecer a mercadoria diretamente aos clientes finais da Apelante, mediante o pagamento, a esta, de uma comissão correspondente a 5% sobre o valor dos negócios celebrados.
SS. Acontece que a Apelada jamais procedeu ao pagamento de qualquer valor à Apelante a título de comissão, ocultando inclusivamente o valor da sua faturação.
TT. Assim, a ora Apelante viu-se na necessidade de peticionar o pagamento do valor que lhe é devido a título de comissões (já que o referido contrato não foi, nem então, nem até à presente data, rescindido), mas sem conseguir precisar, em concreto, a quantia que lhe é devida.
UU. O valor dos negócios que a Apelante não realizou por causa da negociação directa da Apelada estima-se em €128.677,00, pelo que a Apelante tem direito ao pagamento, por parte da Apelada, da comissão de 5% sobre esse valor.
VV. No ano de 2007 a Apelante faturou o valor ilíquido de €1.465.607,95 com o cliente “W… GmbH” (conforme doc. n.º 15 junto à contestação), pelo que, supondo que no ano seguinte o valor faturado foi o mesmo, a Apelada teria de pagar à Apelante uma comissão no valor de €73.280,40, que constitui, pois, o valor mínimo do prejuízo sofrido pela ora Apelante, acrescido dos devidos juros de mora.
WW. Mas tendo em conta que a Apelada sempre ocultou a informação à Apelante, o apuramento, em concreto, do valor que a Apelada deve à Apelante só em ação de prestação de contas pode ser efetuado.
XX. Por essa razão veio a Apelante a requerer que a ação de prestação de contas tivesse lugar no âmbito do mesmo processo, de forma a que o valor apurado pudesse ser, de imediato, por si peticionado a título de reconvenção.
YY. Como refere Abílio Neto nas anotações ao art. 274.º do C.P.C., “... pode o juiz autorizar a reconvenção, mediante a aplicação dos critérios fixados nos n.os 2 e 3 do art. 31.º, mesmo na hipótese de a forma de processo correspondente ao pedido reconvencional não ser coincidente com a que cabe ao pedido do A.. Neste caso, funcionará o princípio e as regras da adequação formal, fixadas no art. 265.º - A.” (sublinhado nosso).
ZZ. Acrescenta ainda o mesmo Autor: “No regime anterior, a reconvenção só era admissível se ao pedido da reconvenção e ao da acção correspondesse processo comum, ou o mesmo processo especial; presentemente, a apontada regra perdeu a rigidez que a caracterizava e foi adoptado um sistema muito mais maleável e prático.”.
AAA. Assim, em nome do princípio da economia processual, veio a ora Apelante requerer, no articulado de contestação /reconvenção por si apresentado, que a Apelada fosse citada para apresentar as contas relativas aos contratos celebrados e à contabilidade, conforme lhe é legalmente imposto, a fim de se poder determinar com precisão a quantia que deve à ora Apelante a título de comissões.
BBB. Acontece que o Ilustre Magistrado veio a decidir, considerando o facto de a ação de prestação de contas ser um processo especial, com uma tramitação específica, ser “desadequada e incompatível a sua tramitação unitária, ainda que lançando mão do P. da adequação formal.”.
CCC. Ora tal decisão, embora com fundamento legal, não logrou convencer cabalmente a R..
DDD. E isto porque não se lhe afigura que as tramitações dos processos, embora diferentes, sejam incompatíveis ou inconciliáveis.
Na realidade,
EEE. Se a situação for analisada à luz do princípio da economia processual, que se impõe, e amparada pelo princípio da adequação formal, é concerteza viável encontrar um enquadramento processual que comporte ambos os processos.
FFF. Isto sobretudo tendo em conta o actual sistema que, como refere Abílio Neto, se pretende muito mais “maleável e prático”.
GGG. Essa é a razão da discordância da Apelante relativamente à decisão do Ilustre Magistrado que, rejeitando a apreciação, nos autos, da ação de prestação de contas, recusou admitir todo o pedido reconvencional por ela deduzido,
HHH. Não dando a interpretação devida ao disposto do n.º 3 do art. 274.º CPC e a todo o seu âmbito de aplicação.
III. O que necessariamente conduzirá, caso a decisão tomada não seja alterada, à interposição de uma nova ação judicial, onde vão ser de novo debatidos os mesmos factos e argumentos.
Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se as decisões recorridas com as inerentes consequências.

Por despacho datado de 13/02/2012 (fls. 485 dos autos principais) foi admitido o recurso ordinário do despacho que apreciou a in)competência do Tribunal, interposto por E… & Co, como de Apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Nesse despacho não foi admitido o segmento do recurso interposto quanto à nulidade da citação e à inadmissibilidade da Reconvenção/Prestação de Contas, por se entender que essas decisões só podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.

Deste despacho não houve reclamação.

Em 26/04/2013 (fls. 579 e seguintes do proc. principal) foi interposto recurso pela E… Co. OHG.”, nos seguintes termos:
E… & Co. OHG.”, empresa em liquidação, Ré/Reconvinte na acção ordinária à margem identificada, apresenta, no recurso ordinário, de apelação que interpõe, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 691.º CPC, relativamente às decisões contidas no despacho saneador relacionadas com 1) a nulidade da citação e 2) a inadmissibilidade da reconvenção / prestação de contas, com subida em separado e com efeito devolutivo, terminando com as seguintes Conclusões:
A. Como invocou já na contestação apresentada, a R., ora Apelante, é uma sociedade de direito alemão, com sede na Alemanha.
B. A R., ora Apelante, recebeu na sua sede uma carta registada, remetida pelo Tribunal, cujo conteúdo se encontrava redigido em português, língua que desconhece em absoluto.
C. Efetivamente, não tem a R., ora Apelante, necessidade de recorrer à língua portuguesa nas suas transações comerciais.
D. Certo é que a citação efetuada nos termos do modelo habitualmente usado nas ações entre nacionais e pendentes em tribunais portugueses não assegura qualquer tipo de proteção das garantias de defesa de uma entidade que, manifestamente, não compreenda o teor da comunicação recebida, como é o caso da ora Apelante.
Com efeito,
E. Não pôde a R., ora Apelante, apreender o conteúdo da carta, nem tão-pouco entender o seu alcance e as suas possíveis consequências.
De facto,
F. É aplicável à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial o Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007.
G. Ora, nos termos do referido Regulamento, a citação ou notificação pode ser efetuada por via postal (art. 14.º), mas tem necessariamente de cumprir determinadas formalidades, entre as quais se encontram a necessidade do ato estar redigido numa língua que o destinatário compreenda ou que seja língua oficial do Estado membro requerido (art. 8.º), ou acompanhada de tradução (art. 5.º), sendo o ato sempre acompanhado de um pedido de acordo com o formulário constante do anexo 1 do referido Regulamento (art. 4.º), concedendo ao destinatário a faculdade de recusar a receção do ato se não estiver redigido numa das línguas previstas no art. 8.º (art. 5.º).
H. Perante uma R. com sede na Alemanha e na presença de uma petição inicial produzida em português e não traduzida, ao Tribunal cabia o dever de, pelo menos, comunicar à destinatária da citação, através do modelo uniforme constante do anexo II ao supra-referido Regulamento e na língua oficial do Estado Membro de destino, o seguinte:
i) a natureza judicial do ato e a identificação do processo;
ii) a possibilidade de recusa do ato por não se encontrar acompanhado de uma tradução;
iii) o início do prazo para a apresentação de defesa; e
iv) a necessidade de constituição de mandatário judicial,
Tudo de acordo com o disposto no Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007.
I. Só assim estaria minimamente garantida a possibilidade de defesa do Requerido, “in casu” a ora Apelante.
J. Perante o incumprimento das devidas formalidades, esta citação é nula (art. 198º do C.C.), prejudicando necessariamente as garantias de defesa da Apelante, o que esta expressamente invocou no seu articulado de contestação,
K. Não obstante ter apresentado ainda, por mera cautela, a sua defesa.
L. Também no sentido nulidade da citação aponta o Ac. da Relação de Lisboa, de 17/11/2009, proferido no processo n.º 3003/08.3TVLSB-A.L1- 7, onde, em conclusão, se afirma: “I. Se o estrangeiro, no ato da citação, residente no estrangeiro, não for informado da possibilidade da recusa do ato, por não ir acompanhado de tradução, a citação é nula, por, indiscutivelmente, estarmos face à lei portuguesa, diante de uma formalidade essencial do art. 198.º, n.º 1, do CPC”.
M. Também o Ac. da Relação de Lisboa de 06/03/2008, proferido no processo n.º 898/2008-8, conclui que, apesar de não resultar diretamente do Regulamento a necessidade de traduzir o ato objeto de citação, o destinatário pode recusar a receção se ele não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução.
N. Fundamental é, sempre, que lhe seja dada a faculdade de recusar a receção, mediante a entrega do modelo uniforme constante do anexo II ao supra-referido Regulamento.
O. Nos presentes autos veio, porém, o Ilustre Magistrado a entender que a ora Apelante se pronunciou sobre a matéria da contestação, inclusivamente deduzindo reconvenção, pelo que se conclui não haver nulidade na citação.
P. “Ora conforme dispõe o art.º 228°, n.º 1 do CPC, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (in ius vocatio). Emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. A citação é, pois, um acto processual essencial que visa assegurar o direito de qualquer pessoa se defender ou deduzir oposição, de molde a evitar que se seja surpreendido por uma decisão judicial não esperada, tudo como corolário lógico do princípio do contraditório (artº 3°, nº 1 do Cód. Proc. Civil)”, Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, págs. 266 e 267.
Q. E a nulidade da citação, expressamente prevista no art. 198.º do CPC, deve ser atendida, “se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.”.
R. A citação feita com preterição das formalidades exigidas prejudicou naturalmente as possibilidades de defesa da ora Apelante.
Senão vejamos,
S. A Apelante viu-se forçada a contactar Mandatário, providenciar pelas necessárias traduções e organizar a sua defesa num prazo que, não sendo suficiente, lhe trouxe consequências desfavoráveis.
T. A Apelante cometeu, designadamente, lapsos de escrita, de junção nos documentos mas, mais grave, falhas na impugnação da matéria alegada na P.I., que acabaram por ter repercussões na fixação da Base Instrutória, designadamente pela fixação, como assentes, de factos que não foram alvo da devida impugnação e que vieram a influir desfavoravelmente na sentença proferida.
U. De facto, não tendo sido alvo da devida impugnação, vieram os factos respeitantes ao pagamento de encargos bancários no valor de €775,15 a ser dados como provados nas alíneas F) e G), levando à condenação da R./Apelante no pagamento desse valor.
V. Se bem como, como refere o Ac. da Relação do Porto de 15/04/2010, proferido no processo n.º 2544/08.7TJPRT.P1, para que se posssa considerar existir uma nulidade nos termos do n.º 1 do art. 198.º, basta a mera possibilidade de causar aquele prejuízo sem que seja necessário que se demonstre prejuízo efetivo para a defesa do R., nem nexo causal entre este e a preterição da formalidade.
W. É que, ainda esteira do ora referido Acórdão, é fundamental que se verifique a possibilidade de exercício do contraditório e de apresentação de uma defesa preparada, efetiva e fundamentada!
X. Conclui, pois, a Apelante, que a preterição das formalidades essenciais que se impunham na citação prejudicou a sua defesa, razão que é, a seu ver, suficiente para conduzir à nulidade da citação.
Y. Não foi, pois, feita uma correta aplicação, in casu, do disposto no art. 198.º CPC,
Z. Devendo ser declarada a nulidade da citação, ordenando-se a sua repetição com observância de todos os formalismos legalmente previstos.
AA. A R., ora Apelante, veio, no articulado de contestação por si apresentado, deduzir reconvenção.
BB. O fundamento do seu pedido reconvencional reside no facto de entre as partes ter sido celebrado, em outubro de 2008, um contrato de agência.
CC. O objetivo era que a ora Apelada passasse a fornecer a mercadoria diretamente aos clientes finais da Apelante, mediante o pagamento, a esta, de uma comissão correspondente a 5% sobre o valor dos negócios celebrados.
DD. Acontece que a Apelada jamais procedeu ao pagamento de qualquer valor à Apelante a título de comissão, ocultando inclusivamente o valor da sua faturação.
EE. Assim, a ora Apelante viu-se na necessidade de peticionar o pagamento do valor que lhe é devido a título de comissões (já que o referido contrato não foi, nem então, nem até à presente data, rescindido), mas sem conseguir precisar, em concreto, a quantia que lhe é devida.
FF.O valor dos negócios que a Apelante não realizou por causa da negociação direta da Apelada estima-se em €128.677,00, pelo que a Apelante tem direito ao pagamento, por parte da Apelada, da comissão de 5% sobre esse valor.
GG. No ano de 2007 a Apelante faturou o valor ilíquido de €1.465.607,95 com o cliente “W… GmbH” (conforme doc. n.º 15 junto à contestação), pelo que, supondo que no ano seguinte o valor faturado foi o mesmo, a Apelada teria de pagar à Apelante uma comissão no valor de €73.280,40, relativa a cada ano, que constitui, pois, o valor mínimo do prejuízo sofrido pela ora Apelante, acrescido dos devidos juros de mora.
HH. Mas tendo em conta que a Apelada sempre ocultou a informação à Apelante, o apuramento, em concreto, do valor que a Apelada deve à Apelante só em ação de prestação de contas pode ser efetuado.
II. Por essa razão veio a Apelante a requerer que a ação de prestação de contas tivesse lugar no âmbito do mesmo processo, de forma a que o valor apurado pudesse ser, de imediato, por si peticionado a título de reconvenção.
JJ. Como refere Abílio Neto nas anotações ao art. 274.º do C.P.C., “... pode o juiz autorizar a reconvenção, mediante a aplicação dos critérios fixados nos n.os 2 e 3 do art. 31.º, mesmo na hipótese de a forma de processo correspondente ao pedido reconvencional não ser coincidente com a que cabe ao pedido do A.. Neste caso, funcionará o princípio e as regras da adequação formal , fixados no art. 265.º - A.” (sublinhado nosso).
KK. Acrescenta ainda o mesmo Autor: “No regime anterior, a reconvenção só era admissível se ao pedido da reconvenção e ao da acção correspondesse processo comum, ou o mesmo processo especial; presentemente, a apontada regra perdeu a rigidez que a caracterizava e foi adoptado um sistema muito mais maleável e prático.”.
LL. Assim, em nome do princípio da economia processual, veio a ora Apelante requerer, no articulado de contestação / reconvenção por si apresentado, que a Apelada fosse citada para apresentar as contas relativas aos contratos celebrados e à contabilidade, conforme lhe é legalmente imposto, a fim de se poder determinar com precisão a quantia que deve à ora Apelante a título de comissões.
MM. Acontece que o Ilustre Magistrado veio a decidir, considerando o facto de a ação de prestação de contas ser um processo especial, com uma tramitação específica, ser “desadequada e incompatível a sua tramitação unitária, ainda que lançando mão do P. da adequação formal.”.
NN. Ora tal decisão, embora com fundamento legal, não logrou convencer cabalmente a R., ora Apelante.
OO. E isto porque não se lhe afigura que as tramitações dos processos, embora diferentes, sejam incompatíveis ou inconciliáveis.
Na realidade,
PP. Se a situação for analisada à luz do princípio da economia processual, que se impõe, e amparada pelo princípio da adequação formal, é concerteza viável encontrar um enquadramento processual que comporte ambos os processos.
QQ. Isto sobretudo tendo em conta o actual sistema que, como refere Abílio Neto, se pretende muito mais “maleável e prático”.
RR. Essa é a razão da discordância da Apelante relativamente à decisão do Ilustre Magistrado que, rejeitando a apreciação, nos autos, da ação de prestação de contas, recusou admitir todo o pedido reconvencional por ela deduzido,
SS. Não dando a interpretação devida ao disposto do n.º 3 do art. 274.º CPC e a todo o seu âmbito de aplicação.
TT. Apesar de, por mera cautela, e dado o risco de se poderem considerar prescritos determinados direitos reclamados na reconvenção, se ter a R./Apelante visto na necessidade de intentar ação especial de prestação de contas, que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe sob o n.º 34/13.5TBFAF.
Termos em que, nos melhores de direito e com o suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se as decisões recorridas com as inerentes consequências.

Ao mesmo respondeu E… – Confecções L.da, nos seguintes termos:
INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO
Aos 05/03/2013 foi proferida sentença nos presentes autos.
Tal sentença foi notificada às partes via CITIUS com certificação da elaboração na mesma data: 05/03/2013.
Assim, nos termos do disposto no artº 21º-A nº 5 da portaria 114/2008 de 6 de Fevereiro, a expedição presume-se efetuada no dia 08/03/2013 e a notificação no mesmo dia.
Nos termos do disposto no artº 685º do C P Civil, o prazo para a interposição de recurso é de 30 dias.
Nestes termos, o prazo para a interposição de recurso da sentença recorrida terminava no dia 16 de Abril, uma vez que entre os dias 24 de Março e 1 de Abril decorreram férias judiciais.
O recurso poderia ainda ser apresentado até ao dia 19 de Abril nos termos do disposto no artº 145º nº 5 do CPCivil.
Sucede que a Recorrente deu entrada do recurso no dia 26 de Abril.
Nestes termos e atento o supra explanado, deverá o presente recurso ser julgado intempestivo e, como tal, não admitido.
EXMOS SENHORES JUÍZES DESEMBARGADORES
I. Análise dos fundamentos do recurso.
Questão prévia: Analisadas as 46 conclusões de recurso, verifica-se que as mesmas são uma reprodução exata, ponto por ponto, do que foi alegado no corpo do mesmo.
Assim, manifesto é que as conclusões não preenchem os requisitos do disposto no artº 685º-A do C P Civil, o que deverá ser verificado, com as legais consequências daí decorrentes.
CONCLUSÕES A), a Z)
Nulidade da citação
Aquando da contestação e reconvenção por si apresentada, a Rec.te, começou por excecionar a nulidade da sua citação.
Essa nulidade da citação foi desatendida no despacho saneador, vindo agora a Ré a recorrer dessa decisão.
a) De forma a sustentar a sua alegação, a R. começa por referir ser de aplicar ao presente processo o Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007.
Tal normativo é, de facto, de aplicar ao caso dos autos, pois que se trata do regulamento em vigor relativo à citação e notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria como aquela que é abordada neste processo.
O referido regulamento, no que tange aos atos judiciais (Capítulo II) está dividido em duas secções. Na Primeira (artºs 4º a 11º) regulamenta-se a forma “standard” de transmissão e citação ou notificação de atos judiciais, e que é aquela que se processa envolvendo as entidades referidas no artº 2º.
Já nos artºs 12º a 15º (Secção 2) regulamentam-se outros meios de efetuar essa mesma transmissão. Ora, é entre esses meios que se encontra previsto, no artº 14º, a “Citação ou notificação pelos serviços postais”.
Ora, no modesto entendimento da Rec.da, quer isto significar que as normas a que alude a Rec.te na conclusão G do presente recurso, designadamente os artºs 8º, 5º e 4º do Regulamento 1393/2007 não são aplicáveis à notificação efetuada por via postal e que se encontra prevista numa secção distinta, concretamente no artº 14º.
Aliás, basta ler com alguma atenção os citados normativos e rapidamente se constata que os mesmos estão “pensados” para a citação ou notificação a efetuar nos termos do mecanismo vertido no artº 4º.
Aliás, dir-se-á ainda que o referido Regulamento veio substituir um outro (o 1348/2000 de 19/05) o qual já continha a estrutura idêntica à do que se vem aqui abordando, reservando a citação por via postal para a secção 2 (no mesmo artº 14º), ressalvando-se apenas que os estados membros poderiam introduzir reservas a essa forma de citação/notificação (nº 2 do dito artº 14º).
Ora, no novo Regulamento, essa norma acerca das reservas desapareceu, pelo que teremos de a interpretar como a mesma era anteriormente interpretada quando o estado membro simplesmente não formulava reservas:
“I - O Regulamento (CE) n.1348/2000, de 19/5, em vigor, desde 31 de Maio, visou acelerar a transmissão entre os Estados-Membros dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria cível e comercial, para efeitos de citação e notificação. II - Tal Regulamento admite quatro formas de citação, não excluindo, a não ser de qualquer Estado-Membro tenha formulado reserva, que a citação se faça diretamente, pelo correio, do Tribunal da ação, para o local da sede de sociedade comercial estrangeira citanda, correndo a ação em Portugal. III - Inexistindo tal reserva, não é nula a citação feita, por via postal, para uma sociedade sedeada em Inglaterra, sem que a petição inicial e documentos com ela juntos tivessem sido traduzidos em inglês, já que a Inglaterra não formulou reserva acerca daquela forma de citação.” – RP de 07/03/2005 (in www.dgsi.pt).

b) Todavia, ainda que se entendesse, como propugnado pela Rec.te, pela obrigatoriedade de tradução, ainda assim não deveria ser decretada a nulidade da citação.
É que preceitua o artº 198º nº 4 do CPCivil que “A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.”
Ora, da contestação apresentada pela Rec.te, facilmente se conclui que a falta de tradução da citação em rigorosamente nada prejudicou a sua defesa.
Na verdade, não existiu qualquer questão que a R. tenha alegado não poder contestar ou reconvir com base no facto de não ter existido tradução, antes tendo a mesma demonstrado ter entendido perfeitamente a citação e os documentos que a acompanhavam.
A argumentação agora trazida aos autos de que a Rec.te não pôde apreender o conteúdo da carta, nem tão pouco entender o seu alcance é ridícula.
Basta analisar o teor da contestação com reconvenção para se concluir exatamente o contrário.
De resto, estando a Rec.te representada por advogado português, como pode alegar que não compreendeu o conteúdo e possível alcance da citação?
Como é possível alegar-se que a Rec.te se viu forçada a constituir mandatário (o que sempre teria de fazer), providenciar pelas necessárias traduções e organizar a sua defesa num prazo que lhe foi suficiente quando teve dois meses para fazer isso mesmo.
E se procedeu, como diz, a traduções de tudo, como pode argumentar que não impugnou determinados factos? Acaso a Autora ou o Tribunal têm culpa das supostas deficiências da contestação da Rec.te?
Assim e sem necessidade de mais considerandos, também por este motivo, nunca deveria ter sido ser decretada a nulidade da citação.

CONCLUSÕES AA) a TT)
Admissibilidade de reconvenção
O Rec.te deduziu, em reconvenção à ação intentada pela Rec.da, ação de prestação de contas. Todavia, no despacho saneador, o Tribunal decidiu não admitir o pedido reconvencional, pois que entendeu que a respetiva tramitação processual é manifestamente incompatível com o da ação ordinária.
a) Ora, diga-se desde já que a Rec.te entendeu que a decisão recorrida, nesta parte, é irrecorrível.
Na verdade, a Rec.te aceita que a forma de processo da reconvenção é diferente da da ação.
Todavia, entende que o Juiz deveria ter lançado mão do preceituado nos artºs 274º nº 3 e 31 nºs 2 e 3.
Ora o que se refere nesses normativos é que, em determinados casos, o juiz “pode” autorizar a tramitação unitária das duas ações.
Trata-se, por isso e no entender da Rec.da de uma questão a decidir no uso de um poder discricionário.
Assim, nos termos do disposto no artº 679º, entende a Rec.da que a decisão em causa é insuscetível de recurso.
b) Mas ainda que assim não fosse, sempre se diria o seguinte:
os casos em que é admissível a dedução de reconvenção encontram-se taxativamente fixados no artº 274º nº 2 do CPCivil.
Ora, lendo e relendo a reconvenção deduzida pela R., não se vê que a mesma tenha cabimento em qualquer das alíneas que compõem aquela disposição legal.
Na verdade, nem o pedido reconvencional emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação; nem do facto que serve de fundamento à defesa (que se limita a questões de procedimento e à questão da alegada aceitação de uma nota de débito); nem se trata de qualquer questão relativa a compensação ou benfeitorias; nem tão pouco o pedido da R. tende a conseguir o mesmo efeito jurídico que a A. se propõe obter.
Assim, ainda que o Tribunal não tivesse decidido como decidiu, uma vez que a Rec.te não alegou na reconvenção factos suscetíveis de serem enquadrados nas alíneas do artº 274º nº 2, dúvidas parecem não restar de que a reconvenção não era, neste caso, admissível.
c) Dir-se-á ainda que no tocante à parte relativa à prestação de contas, essa ação sempre seria inadmissível, ainda que fosse instaurada não sob a forma de reconvenção, mas sobre a forma de ação.
Na verdade, preceitua o artº 1014º do CPCivil que “A ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento a aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.”
Ora, na alegação da R. em lado nenhum se afirma ou sequer se pode extrair que a A. administrava bens que lhe pertenciam, sendo que tal é condição sine qua non para que pudesse ser instaurada a dita ação contra a A.
Na verdade, como bem se diz no Ac. da RL de 27/06/2006 (in www.dgsi.pt) “Só tem legitimidade para exigir a prestação de contas o proprietário dos bens ao administrador dos mesmos.”
Desta forma, parece evidente que a reconvenção, também por este motivo, sempre seria inadmissível.
TERMOS EM QUE pelo mérito dos autos, e pelo que doutamente VOSSAS EXCELÊNCIAS suprirão, confirmando-se a douta decisão recorrida e assim se fazendo J U S T I Ç A !
***
Este recurso foi admitido por despacho proferido em 3/06/2013, considerando-se o mesmo tempestivo, e fixando-se como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.

***
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presente o seguinte:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de conhecimento oficioso, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que são as seguintes questões que são colocadas à nossa apreciação:
1. Existência de um pacto privativo de jurisdição para o Tribunal Alemão
2. Nulidade da citação
3. Admissibilidade da reconvenção/prestação de contas.

Vejamos então
1. A Existência de um pacto privativo de jurisdição para o Tribunal Alemão
Sustenta a recorrente que a A. (aqui apelada), propôs a acção contra a ora Apelante no Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, vindo a Apelante, por via de excepção, invocar a incompetência do tribunal, por ter sido acordado entre as partes atribuir competência ao Tribunal Alemão da Comarca de Bremen, mais tendo alegado que estava essa atribuição de competência plasmada nas próprias encomendas efetuadas, designadamente no doc. n.º 1 junto a esse articulado de contestação, que constitui exemplo claro dessa convenção, escrita e assinada por ambas as partes, pois, na realidade, consta expressamente no documento a menção “Tribunal competente _ Bremen, Alemanha”.
Concluiu peticionando a sua absolvição da instância ao abrigo do n.º 3 do art. 111.º do CPC.
O tribunal a quo veio a entender não se estar perante uma competência convencionada, invocando, nomeadamente que não se trata de um acordo constante de documento assinado pelas partes, e que a expressão utilizada poderia conduzir à “atribuição de uma competência meramente alternativa e não exclusiva.”, no sentido do n.º 2 do art. 99.º do CPC.

Vejamos.
É aqui aplicável para se aferir da incompetência/competência em causa, o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria cível e comercial, substituindo entre os Estados-Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de 1968, o que significa que se lhe aplica este Acto Normativo do Conselho da União Europeia que vincula as jurisdições dos dois Estados, envolvidos no conflito, os quais, entre os demais Membros da União, são obrigatoriamente abrangidos pelo Regulamento – art. 249º do Tratado que institui a Comunidade Europeia.
É hoje incontestado no nosso ordenamento jurídico que as normas constantes das convenções internacionais vigoram na nossa ordem interna, assim vinculando internacionalmente também o Estado Português – art. 8.º, nº 3 da CRP.
Assim, o Regulamento Comunitário (CE) nº 44/2001, como, aliás, os demais, regulamentos comunitários, tem primazia sobre as leis nacionais – cfr. proémios dos arts 65.º e 65.º-A do CPC - já que ambos estabelecem regras sobre a competência internacional dos tribunais portugueses, a observar sem prejuízo do estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (cfr. Acs do STJ de 9/6/2004, de 28/2/2008 (Cons. Rodrigues dos Santos), Pº 07B1321 e de 27/5/2008 (Cons. Santos Bernardino), Pº 08B278, bem como Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, p. 103 e Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. I, p. 124.
Ora, estas regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado pelo que o Tribunal chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outra Estado contratante deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, mas aplicar antes as regras uniformes de tal Regulamento.
Dispõe a propósito o art. 23.º do citado Regulamento (itálico para melhor apreensão):
“1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale “à forma escrita””
São estes normativos que estabelecem os requisitos – alternativos – da validade formal e substancial dos pactos atributivos de jurisdição convencionados pelas partes, não tendo os Estados Contratantes liberdade para prescreverem outras exigências de forma do que as previstas no Regulamento.
Havendo foro acordado é o mesmo exclusivo, assim se evitando qualquer ambiguidade no domínio da competência judiciária, fixada pelas leis internas das jurisdições envolvidas – ambiguidade que as partes terão querido afastar, dizendo expressamente qual o tribunal que julgará os eventuais conflitos emergentes do contrato que gizaram.
Não se podendo ignorar a experiência jurídica em Portugal que, vem demonstrando que a vontade negocial das partes é tão só a de atribuir competência exclusiva ao tribunal por elas escolhido (Dário Moura Vicente, Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) 44/2001, Scientia Jurídica, Tomo LI, nº 293., p. 370).
Não se podendo, pois, aqui ter em conta o preceituado no art. 99.º do CPC, porque, como já dito, os factores de atribuição de competência exclusiva dos tribunais portuguesas não valem contra o que acha estabelecido em tratados, convenções ou regulamentos comunitários. Pois, repete-se, são as regras do Regulamento citado que aqui se aplicam, sobrepondo-se às regras de competência da lex fori (Ac. do STJ de 27/5/2008, já acima citado e também o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de Dezembro de 2005, Proc. n.º 2247/05-1, Relator Manso Rainho).
Posto assim o problema e analisada a legislação aplicável importa verificar se, no caso concreto, as partes convencionaram o foro de Bremen, Alemanha, como foro de competência exclusiva para dirimir o litígio eventualmente existente entre as partes, nas notas de encomenda a que se referem as facturas anexas à P.I.
Na P. I. a ali A. (aqui apelada) pretende a condenação da Ré (aqui apelante) a pagar-lhe os montantes constantes das facturas que junta, deduzidos os montantes constantes das notas de débito emitidas pela ali Ré, que também junta e refere ter aceitado.
Ora, analisando as facturas juntas com a P.I., temos que a factura n.º 82, com vencimento em 12/AGO/2008, tem os dizeres REF: 11316 SWEAT e REF. 11315 JACKET, a factura n.º 85, emitida em 20/JUN/2008 tem, além de outros, os dizeres REF 10319 JACKET HELKAKI, REF 11315, a factura n.º 93, emitida em 4/JUL/2008, tem os dizeres REF 11315 JACKET, REF 10319 JACKET, a factura n.º 113, emitida em 8/AGO/2008 tem os dizeres REF: 11316 SWEAT, REF. 11315 JACKET e REF 10319 JACKET (além de outra), e ainda uma factura relativa a despesas bancárias com essas operações, conforme descrito nos art.7 a 10 da P.I.
Confrontando estas facturas com as notas de encomenda juntas pela Ré (ora apelante) vemos que a NOTA de Encomenda (ORDER) n.º 11316 (JAKO-O BASIC) datada de 29/10/2007 contém na página 4 a seguinte menção “Court Jurisdiction Bremen, Germany”, estando assinada pelas partes contratantes, ou seja, pela E… & CO, e pela E… – Confecções L.da (ver pág. 17 v.º, 18 e 19 deste apenso).
Também as notas de encomenda (ORDER) n.º 11315, de 23/04/2008 (pág. 24 a 25v.º deste apenso – JAKO-JACKET) e n.º 10319 de 23/04/2008 de 23/04/2008 (pág. 46 a 47 v.º - HOODIE JACKET) contém na respectiva página 4 a menção “Court Jurisdiction Bremen, Germany”, estando estas assinadas apenas pela E… & CO, embora não pela E… – Confecções L.da.
Ora, o Regulamento em causa não exige que a cláusula em questão seja assinada pelas partes, mas apenas que seja celebrada ou confirmada por escrito.
Destina-se tal acordo escrito, certamente, a maior facilidade de prova segura sobre o pacto firmado, de forma a não resultarem dúvidas que ele foi, de facto, querido pelas partes.
O que, à partida, parece não excluir que, tendo sido observada a forma escrita – como o foi – possa ter lugar a sua aceitação sob a forma tácita pela outra parte (aquela que a não fez escrever como fazendo parte do acordo).
Como se diz no Ac. do S.T.J. de 8/10/2009, Cons. Serra Baptista, Proc. n.º 5138/06.8TBSTS.S1, 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, e que aqui seguimos de muito perto, “Na verdade, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: sendo tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. Não impedindo o carácter formal da declaração que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz – art. 217.º, nºs 1 e 2 do CC .
Sendo certo que, para que se considere a existência de uma declaração negocial tácita, ela terá de deduzir-se do facto que, com toda a probabilidade a revele, do chamado facto concludentia. Havendo entre este e a declaração um nexo de presunção lógico dedutivo que permite deles deduzir uma declaração que lhe é logicamente anterior.”.
A propósito do artº 17º (alínea a)) da Convenção de Bruxelas – norma esta cujo teor é praticamente em tudo idêntica à do nº 1 do artº 23º do Regulamento – a jurisprudência tem tergiversado sobre se as declarações de vontade dos pactuantes têm que constar do documento que formaliza o pacto atributivo de competência, ou se é admissível a aceitação tácita de uma cláusula, proposta por uma das partes, no sentido da atribuição de competência a uma certa jurisdição. Assim, para os Ac’s do STJ de 1.7.99 (Col Jur-Ac do STJ, 1999, 3º, pág. 11) e de 12.6.97 (BMJ 468, pág. 324), não se cumpriria o requisito de forma exigido nessa norma senão quando ambas as partes contratantes tivessem assinado o escrito donde consta a cláusula. Já para o Ac da RP de 28.6.99 (BMJ 488, pág. 410), e para os Ac’s do STJ de 17.6.97 (Col Jur-Ac do STJ, 2º, pág. 128) e de 23.4.96 (BMJ 456, pág. 353), a convenção teria que constar de documento, mas tal documento não teria que ser assinado por ambas as partes outorgantes, sendo suficiente a aceitação tácita da cláusula proposta por escrito no sentido da atribuição da competência a determinado tribunal. Também nesta Relação de Guimarães se decidiu já neste último sentido (Ac de 4.6.03, Col Jur 2003, 3º, pág. 290), entendimento que também perfilhamos.
Ora, a nosso ver, a aceitação das referidas notas de encomenda, com os consequentes fornecimentos, levam-nos a concluir que a ali A. (aqui apelada), não tendo feito qualquer reserva à questionada cláusula, a ela aderiu (Note-se que a nota de encomenda mais antiga, a (ORDER) n.º 11316 (JAKO-O BASIC) datada de 29/10/2007, está assinada por ambas as partes, como já acima se disse, pelo que é lícito concluir que esse procedimento ficou estabilizado para as posteriores).
Trata-se, a nosso ver, de um caso típico de acordo por adesão (Neste mesmo sentido, o Ac. do S.T.J. acabado de citar, bem como os Acs do STJ de 23/4/96 (Cardona Ferreira), Bol. 456, p. 350, de 17/6/97 (Martins da Costa), CJ S. Ano V, T. 2, p. 128 e de 23/7/81 (Abel de Campos), Bol. 309, p. 303.
Na verdade, e como se conclui no referido Acórdão do STJ de 8/10/2009, com inteira aplicação ao caso concreto, não é crível que a autora, num contrato internacional já com alguma envergadura, acompanhada, por certo, de técnico/assessor que verificasse os meandros do negócio – tratava-se da compra de um significativo número de casacos e sweats – não se dignasse ler as condições gerais de venda que pela ré (a E… & Co) lhe eram impostas, delas discordando se caso disso fosse.
Efectivamente, e como bem se diz no referido Acórdão “Não se trata de um possível ingénuo consumidor, mas de uma sociedade comercial, que entra num negócio internacional com outra, com algum vulto, não podendo, assim, descartar-se do conhecimento – e não reacção – de uma cláusula que, acompanhando o contrato que aceitou, com certeza leu. Revelando, ao invés, a conduta da autora que, com toda a probabilidade, conheceu a cláusula e a aceitou – mesmo sem a discutir com a ré e a assinar – que a ela aderiu, sem nada dizer”.
Assim, e na esteira do Acórdão do S.T.J acabado de citar, deve-se concluir que para a validade do pacto atributivo de competência internacional é bastante a aceitação tácita, por uma das partes, da cláusula apenas escrita pela outra.
Sendo assim, e sem necessidade de apreciação dos demais argumentos expendidos pela apelante, mormente os que dizem respeito à nulidade da citação e à admissibilidade do pedido reconvencional de prestação de contas, face à validade do pacto atributivo de competência, com previsão normativa e vinculativa no direito comunitário, são incompetentes os tribunais portugueses, nomeadamente o de Fafe.
Sendo certo que “a obrigação que serve de fundamento à acção” é o contrato de fornecimento de sweats e de Jackets” consubstanciado nas notas de encomenda acima referidas, pois a cláusula atrás aludida respeita a qualquer litígio emergente do contrato, vigorando para todas as questões dele resultantes.

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SUMÁRIO:
I – Tendo a Ré alegado que as partes escolheram foro estrangeiro para julgar os litígios emergentes de uma dada relação contratual, estamos perante um caso de incompetência relativa dos tribunais portugueses em função da violação da regra de competência estabelecida em pacto atributivo de jurisdição.
II – Vale como efectivo pacto atributivo de jurisdição, nos termos do artº 23º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, a cláusula escrita proposta por uma das partes no sentido da atribuição da competência ao foro estrangeiro, se a outra parte a aceita tacitamente.

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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação procedente, e, na revogação da decisão recorrida, julgam procedente a incompetência relativa dos tribunais portugueses, com a consequente absolvição da ré da instância.
Custas, aqui e na 1.ª instância, pela autora, aqui apelada.

Guimarães, 21 de Novembro de 2013
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga