Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1557/20.5T8GMR-B.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VEÍCULO DE MATRÍCULA ESTRANGEIRA
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A ação em que seja pedida indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, ocorrido em Portugal, causado por veículo automóvel matriculado num Estado membro da União Europeia, cujo valor do pedido indemnizatório não ultrapasse o valor do capital mínimo obrigatório, pode ser dirigida contra o Gabinete Português de Carta Verde ou contra a seguradora ou contra a sua correspondente em Portugal.
II- A demanda de representante e representados, todos em simultâneo e a título principal, não se afigura admissível, posto inexistir qualquer situação litisconsorcial entre tais sujeitos processuais.
III- No âmbito do seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, não há responsabilidade solidária, senão quando o pedido indemnizatório ultrapasse o valor do capital mínimo obrigatório.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

P. M. e B. P. intentaram, no Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a ação declarativa comum e a apensa contra “Gabinete Português da Carta Verde”, “X Assurances Iard”, M. P., e “V. A. Portugal, S.A.” pedindo que sejam solidariamente condenados a pagar-lhe: I - a indemnização global líquida de € 80.013,51 e € 415.532,60, respectivamente, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente acção até efectivo pagamento; II – a indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 271º a 286º e 332º a 362º d[a] petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior (…), ou, segundo outro entendimento, a indemnização que vier a ser relegada para incidente de liquidação (…), bem como em custas e em procuradoria condigna”.
Para tanto e em suma alegaram terem sofrido danos na sequência de um sinistro estradal ocorrido por culpa exclusiva do condutor de um veículo seguro na “X Assurances Iard”.

Fundaram a demanda conjunta das rés nas seguintes razões (arts. 291 a 316 da p.i):

i) O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula JX encontrava-se, à data do sinistro, como se encontra, na presente data, matriculado em França.
ii) À data do sinistro, M. P. havia transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula JX para a Companhia de Seguros “X Assurances Iard”.
iii) O referido réu era portador da Carta Verde/Apólice respectiva, com o número .............43, a qual comprova, à data do sinistro, a existência e a validade do respectivo contrato de seguro.
iv) O réu Gabinete Português da Carta Verde sucedeu ao “Gabinete Português do Certificado Internacional de Seguro Automóvel”, como “Gabinete Português de Seguro”, actuando como Gabinete Emissor e como Gabinete Gestor.
v) Por essa razão, recai sobre si a obrigação de satisfazer a indemnização devida, nos termos do disposto no artigo 90º, al. b), do DL nº 291/2007, de 21.08.
vi) A Companhia de Seguros “X Assurances Iard” é também responsável pelo pagamento da indemnização, porquanto a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo referido veículo lhe havia sido transmitida através de contrato de seguro, válido e eficaz.
vii) O réu M. P. era e é o proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula JX, conduzia-o e teve culpa na produção do sinistro.
viii) A quarta ré, V. A. Portugal, S.A., era, à data do acidente, a correspondente, representante e agente, em Portugal, da Companhia de Seguros “X Assistance Iard”, tendo sido encarregada por esta sociedade de regularizar, em Portugal, todos os sinistros da responsabilidade dos seus segurados.
ix) Foi nessa qualidade de correspondente que estabeleceu todos os contactos com o marido da autora, diligenciou no sentido da averiguação das causas do sinistro; diligenciou pela realização do relatório de peritagem ao motociclo de matrícula RT, prestou assistência médica e medicamentosa à autora e comunicou à autora que, em representação da Companhia de Seguros “X Assistance Iard”, assumia a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que está na génese da presente acção, apresentando a proposta indemnizatória.
Alegaram também que a este propósito já se pronunciou e decidiu, além de muitos outros, o Acórdão do S.T.J., de 18 de Dezembro de 2003, processo nº. 03B3010 – cfr.www.dgsi.pt, quando afirmou que “(…) a acção – pode ser intentada contra o segurado ou o segurador (como directamente responsável pelos danos causados); “E se o segurador tiver correspondente em Portugal, também este pode ser demandado, de acordo com o Despacho Normativo nº. 20/78, de 24 de Janeiro; O correspondente não é um mero intermediário do segurador ou do Gabinete Gestor, mas verdadeiro responsável pelo pagamento da indemnização aos lesados, sem prejuízo do direito a subsequente reembolso do que pagar, judicial ou extrajudicialmente”
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Citados, os réus apresentaram contestação conjunta (ref.ª 35649226), na qual invocaram a excepção de ilegitimidade passiva de M. P., “V. A. Portugal, S.A.” e do “Gabinete Português da Carta Verde”, porquanto há seguro válido e eficaz, não questionado pela seguradora, cabendo o valor peticionado nos limites máximos da apólice.
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Os AA. pronunciaram-se sobre a arguida excepção, pugnando pela sua improcedência.
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Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual a Mm.ª Juíza “a quo” julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva arguida pelos réus “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. Portugal, S.A.”, determinando a sua absolvição da instância – arts. 30º; 577º, al. e) e 576º, n.º 2, do CPC.
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Inconformados com o despacho saneador na parte em que o mesmo julgou parte ilegítima os RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P., e “V. A. Portugal, S.A.”, os autores dele interpuseram recurso (Ref.ª 37558245) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1ª - Não podem os Recorrentes conformar-se com o douto despacho saneador, na parte em que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva arguida pelos RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. PORTUGAL, SA”, absolvendo-os da instância, pois consideram que, nos termos por si configurados nas respectivas p.i., todas essas RR. são partes legítimas, podendo e devendo a instância ser instaurada contra todos e contra todos prosseguir, a par com a Ré seguradora “X ASSURANCES IARD”.
Vejamos:
2ª - Nos termos configurados pelos AA./Recorrentes nas correspondentes acções, e com relevância para a discussão da questão controvertida da legitimidade das partes, objecto de recurso, temos que:
i. O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula JX encontrava-se, à data do sinistro, como se encontra, na presente data, matriculado em França.
ii. À data do sinistro, M. P. havia transferido a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula JX para a Companhia de Seguros “X Assurances Iard”.
iii. O referido réu era portador da Carta Verde/Apólice respectiva, com o número .............43, a qual comprova, à data do sinistro, a existência e a validade do respectivo contrato de seguro.
iv. O Réu Gabinete Português da Carta Verde sucedeu ao “Gabinete Português do Certificado Internacional de Seguro Automóvel”, como “Gabinete Português de Seguro”, actuando como Gabinete Emissor e como Gabinete Gestor.
v. Por essa razão, recai sobre si a obrigação de satisfazer a indemnização devida, nos termos do disposto no artigo 90º, al. a), do DL nº 291/2007, de 21.08.
vi. A Companhia de Seguros “X Assurances Iard” é também responsável pelo pagamento da indemnização, porquanto a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo referido veículo lhe havia sido transmitida através de contrato de seguro, válido e eficaz.
vii. O Réu M. P. era e é o proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula JX, conduzia-o na data do sinistro e foi o culpado pela ocorrência do mesmo.
viii. A quarta ré, V. A. Portugal, S.A., era, à data do acidente, a correspondente, representante e agente, em Portugal, da Companhia de Seguros “X Assistance Iard”, tendo sido encarregada por esta sociedade de regularizar, em Portugal, todos os sinistros da responsabilidade dos seus segurados e também o presente sinistro;
ix. Foi nessa qualidade de correspondente que estabeleceu todos os contactos com o marido da autora e com esta própria, diligenciou no sentido da averiguação das causas do sinistro; diligenciou pela realização do relatório de peritagem ao motociclo de matrícula RT, prestou assistência médica e medicamentosa à autora e comunicou à autora e seu marido (também autor) que, em representação da Companhia de Seguros “X Assistance Iard”, assumia a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que está na génese da presente acção, apresentando as respectivas propostas indemnizatórias.
a) Da legitimidade do GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE:
3ª - Tendo sucedido ao Gabinete Português do Certificado Internacional do Seguro Automóvel”, como “Gabinete Português do Seguro”, e actuando, dessa forma, como Gabinete Emissor e Gabinete Gestor, recai sobre o GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE a obrigação de satisfazer a indemnização devida aos Autores, nos termos do disposto no artº.90º, al. a) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto
Com efeito, dispõe esse artigo que “Compete ao Gabinete Português da Carta Verde (…) a satisfação, ao abrigo desse Acordo, das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal e causados: a) Por veículos portadores de documento previsto nas alíneas b) a e) do nº 1 do artigo 28º e com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo (…)”.
4ª - A este propósito veja-se Adriano Garção Soares e José Maria dos Santos, in “Seguro Obrigatório e Responsabilidade Civil Automóvel”, Livraria Almedina, Coimbra, pag.s 77 e 78 onde é dito que “…o Gabinete Português da Carta Verde regulariza o sinistro, independentemente da existência ou não de certificado e até mesmo da existência de seguro válido, sendo posteriormente reembolsado nos termos da convenção”.
5ª - Nessa medida, e como se referiu supra na conclusão 3ª, estando o veículo de matrícula JX, à data do sinistro, matriculado em França e sendo portador da Carta Verde nº .............43 comprovativo da existência e validade do contrato de seguro, é o GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE responsável pelo pagamento das indemnizações aos AA./Recorrentes.
6ª - Pelo que não poderia deixar de ter sido considerado o “GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE” parte legítima.
b) Da legitimidade da Ré “V. A. PORTUGAL, SA”:
7ª – A Recorrida “V. A. PORTUGAL, SA” era, à data da ocorrência do sinistro sub-judice, como é na presente data, correspondente, representante e agente, em Portugal, da Companhia de Seguros “X ASSISTANCE IARD”, tendo sido - mediante prévio acordo entre elas celebrado -, encarregue por esta seguradora de regularizar em Portugal todos os sinistros da responsabilidade dos seus segurados – cfr. doc. 82 e 83 juntos com a p.i..
8ª - No desempenho dessa sua qualidade de correspondente, representante e agente em Portugal da Companhia de Seguros “X ASSURANCES, SA”, a Recorrida “V. A. PORTUGAL SA”:
a) estabeleceu contactos com dois (2) Autores – cfr. doc. 84 e 85 juntos com a p.i.;
b) diligenciou no sentido da averiguação das causas do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, bem como realizou o Relatório de Peritagem ao veículo de matrícula – RT, propriedade do Autor P. M., e onde a Autora B. P. também seguia.
c) prestou assistência ,médica e medicamentosa aos Autores.
d) fez aos Autores a comunicação formal e final de que ela própria, em representação da Companhia de Seguros “X ASSISTANCES IARD”, assumia a responsabilidade pela consequências danosas do acidente de trânsito que está na origem da presente acção: doc. 85 e 86 juntos com a p.i..
e) apresentou também aos Autores as respectivas propostas indemnizatórias (“proposta razoável”) - doc. 85 e 86 junto com a p.i.
9ª - Ora, o artº. 67º, nº 1 do DL nº 291/2007, de 21-8, dispõe que “As empresas de seguros sediadas em Portugal, bem como as sucursais em Portugal de empresas com sede fora do território do espaço económico europeu, autorizadas para a cobertura de riscos do ramo «Responsabilidade civil de veículos terrestres a motor», com excepção da responsabilidade do transportador, têm liberdade de escolha do representante, em cada um dos demais Estados membros, para o tratamento e a regularização, no país de residência da vítima, dos sinistros ocorridos num Estado distinto do da residência desta («representante para sinistros»)”.
10ª - Por seu turno, o n~º 3 do mesmo artigo estatui que “O representante para sinistros deve ainda dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no nº 1 e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização e, bem assim, estar habilitado a examinar o caso na língua ou línguas oficiais do Estado membro de residência da pessoa lesada”.
11ª – Por outro lado, o artº. 13º, nº 2 do Cód. Proc. Civil dispõe que “Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal”.
12ª - Nessa medida, nada impedia os AA. de instaurarem as suas acções também contra a “V. A. PORTUGAL, SA”, enquanto representante da “X ASSURANCES IARD”.
A este propósito já se pronunciou o Acordão do STJ de 18 de Dezembro de 2003, processo nº 03B3010 – cfr. WWW.dgsi.pt:
“mas – a acção – pode ser intentada contra o segurado ou o segurador (como directamente responsável pelos danos causados);
“E se o segurador tiver correspondente em Portugal, também este pode ser demandado, de acordo com o Despacho Normativo nº 20/78, de 24 de Janeiro;
O correspondente não é um mero intermediário do segurador ou do Gabinete Gestor, mas verdadeiro responsável pelo pagamento da indemnização aos lesados, sem prejuízo do direito a subsequente reembolso do que pagar, judicial ou extrajudicialmente”.
13ª - Nessa medida, nos termos configurados nas petições iniciais dos Recorrentes, e atento o disposto nos artº.s 67º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, e artº. 13º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, a Recorrida “V. A. PORTUGAL, SA” era, como é, parte legítima nos presentes autos.
c) Da legitimidade do Recorrido M. P.:
14ª - O Recorrido M. P., era proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula JX o qual, à data do sinistro, circulava à sua ordem, com o seu conhecimento, com a sua autorização, no seu interesse e sob a sua direcção efectiva.
15ª - Daí que, nos termos do disposto no artº. 503º do Código Civil, o Recorrido M. P. é civilmente responsável pelo pagamento da indemnização reclamada na presente acção,
16ª – Sendo, por isso, nos termos que foram configurados pelos Recorrentes nas suas petições iniciais, parte legítima nos presentes autos.
17ª – Nessa medida, todos os RR. - “X ASSURANCES IARD”, “GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE”, M. P. e “V. A. PORTUGAL, SA” – são responsáveis pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos AA. como consequência directa e necessária do sinistro em discussão sub-judice, podendo estes instaurar a competente acção indemnizatória contra todos eles.
18ª - E uma vez que o pagamento integral das indenizações devidas aos Recorrentes que seja efectuada por qualquer um desses Réus libera os demais do seu cumprimento, estamos face a uma OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA – artº. 512º, nº 1 do Cód. Civil.
19ª – Pelo que todos os Recorridos - “X ASSURANCES IARD”, “GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE”, M. P. e “V. A. PORTUGAL, SA” – eram, como são, PARTES LEGÍTIMAS na presente acção.
20ª - Ora, os Recorrentes podiam e podem demandar, como demandaram, conjuntamente todos os RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, a seguradora “X ASSURANCES IARD” , representante desta, “V. A. PORTUGAL, SA” e o réu M. P..
21ª – Com efeito, nos termos do disposto no artº. 32º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas se a lei ou o negócio for omisso, a acção pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.
22ª - Resulta da lei que pelo pagamento das indemnizações devidas aos lesados por acidentes de viação ocorridos em Portugal, são responsáveis não apenas a empresa de seguros (artº. 64º, nº 1 do DL nº 291/2007, de 21-8) mas também o Gabinete Português da Carta Verde (artº. 90º, al. a) do DL nº 291/2007, de 21-8).
23ª - De facto, se não fosse possível a demanda do GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE conjuntamente com a EMPRESA DE SEGUROS por veículos portadores de Carta Verde habitualmente estacionados num país terceiro que tivesse aderido ao Acordo entre os serviços nacionais de seguros, a disposição do artº. 90º, al. a) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21-8, ficaria vazia de qualquer sentido.
24ª - Efectivamente, a seguir-se o entendimento do tribunal “a quo”, nunca seria possível demandar o Gabinete Português da Carta Verde em tais circunstâncias, pois sempre teria que ser demandada única e exclusivamente a EMPRESA DE SEGUROS, nos termos do disposto no artº. 64º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21-8.
Mas não foi isso que o legislador pretendeu.
25ª - Como se pode ler do preâmbulo do DL nº 291/2007, de 21-8, o que o legislador pretendeu foi um aumento das garantias de protecção dos lesados, facilitando-lhe a possibilidade de demandar, separada ou conjuntamente, as várias entidades que o diploma entendeu ser responsáveis pelo ressarcimento das indemnizações aos lesados: o Gabinete Português da Carta Verde, a empresa de seguros e a representante designada por esta para o estado que não o da sua sede.
26ª - A “obrigatoriedade” de deduzir a acção só contra a empresa de seguros a que se alude no artº. 64º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 291/12007, de 21-8, deve apenas ser entendida por reporte ao “civilmente responsável” e não ao Gabinete Português da Carta Verde ou ao representante da empresa de seguros.
Efectivamente, o que nesse artigo 64º, nº 1 do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21-8 se pretende regular é tão só e exclusivamente a obrigatoriedade de demanda da empresa de seguros em conjunto com o civilmente responsável ou isoladamente, consoante o pedido ultrapasse ou não o capital mínimo do seguro obrigatório.
Mas tal não exclui a possibilidade de demandar na mesma acção aqueles que a Lei estabeleceu também como civilmente responsáveis para com o lesado: o Gabinete Português da Carta Verde, a empresa de seguros e a representante designada por esta para o estado que não o da sua sede.
27ª - Nessa medida, assistia, como assiste, aos Recorrentes a possibilidade de demandarem, como responsáveis solidários, a par com a Ré seguradora “X ASSURANCES IARD”, também os RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. PORTUGAL, SA”, os quais, porque tinham e têm interesse em contradizer a acção, são partes legítimas.
28ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação do direito, violando, entre outras, as disposições dos artº.s 13º, nº 2, artº. 30º, nº 1, 2 e 3, artº. 32º, nº 1 e artº. 577º, al. e) do Cód. Proc. Civil, artº.s 64º, nº 1, al. a) e b), artº. 67º, nº 3, artº. 90º, al. a), artº. 28º, nº 1, al. b), todos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21-8.
29ª - Pelo que deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue os RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. PORTUGAL, SA” partes legítimas, ordenando o prosseguimento da acção contra os mesmos, conjuntamente com a Ré “X ASSURANCES IARD”.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição proferindo-se douto acórdão em conformidade com as conclusões supra-formuladas.
Com o que se fará JUSTIÇA!».
*
Contra-alegaram os RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P., e “V. A. Portugal, S.A.” (refª 37734302), pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do despacho recorrido, requerendo, ainda, a titulo subsidiário e para precaver eventual necessidade da respetiva apreciação, a ampliação do objeto do recurso (art. 636º, n.º 1 do CPC), a fim de serem apreciados também os fundamentos da defesa.

Remataram as suas contra-alegações com a formulação das seguintes conclusões (que se transcrevem):
«I
O Recorrido M. P. é parte ilegítima por força do disposto no artigo 64, n.º 1, al. a) do RSORCA, uma vez que o pedido formulado nos autos se compreende dentro do capital mínimo obrigatório (artigo 12º do mesmo diploma legal).
II
Mostrando-se demandada nos autos a seguradora que garante a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo matricula JX, é destituído de qualquer sentido e fundamento legal demandar também o representante daquela por actos que exclusivamente se enquadram em responsabilidade coberta pela apólice subscrita pela seguradora ou seja, nenhum facto foi imputado a culpa e consequente obrigação de indemnizar própria do Gabinete Português de Carta Verde.
III
O acidente de que cuidam os autos ocorreu em território português.
IV
Por força de tal circunstância não é aplicável aos presentes autos o disposto no artigo 67º do RSORCA pois que este se aplica aos acidentes ocorridos fora do território nacional e quando se está perante
a) empresas de seguros sediadas em Portugal e
b) sucursais em Portugal de empresas com sede fora do território do espaço económico europeu.
O que não é perentoriamente o caso de qualquer uma das Rés.

NESTES E NOS MELHORES TERMOS DE DIREITO DEVE SER MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA, AINDA QUE EVENTUALMENTE COM FUNDAMENTAÇÃO DISTINTA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA».
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (refª 172964519).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso a questão a decidir consiste em saber se os Réus “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P., e “V. A. Portugal, S.A.” gozam de legitimidade passiva para ser conjuntamente demandados com vista ao pagamento da quantia indemnizatória peticionada pelos Autores.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
*
V. Fundamentação de direito.

1. Da (i)legitimidade dos RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. Portugal, S.A.” para intervirem na presente ação na qualidade de Réus.
As indemnizações que os autores reclamam nesta acção visam ressarcir danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 27 de agosto de 2017, na EN n.º 105, freguesia de …, concelho de Guimarães, sendo intervenientes dois veículos automóveis: o motociclo de matricula RT, conduzido pelo autor P. M., e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula JX, conduzido por M. P., a quem os autores imputam a culpa exclusiva na produção do sinistro.
O JX encontrava-se matriculado em França, a respetiva responsabilidade civil por danos causados a terceiros estava transferida para a Companhia de Seguros “X Assurances Iard”, através de contrato de seguro válido e eficaz, o proprietário do aludido veículo era portador da Carta Verde/Apólice respectiva, com o número .............43 e a V. A. Portugal, S.A. era, à data do acidente, a correspondente, representante e agente, em Portugal da seguradora “X Assistance Iard”, tendo sido encarregada por esta sociedade de regularizar, em Portugal, todos os sinistros da responsabilidade dos seus segurados, tendo sido nessa qualidade de correspondente que estabeleceu todos os contactos com o marido da autora, diligenciou no sentido da averiguação das causas do sinistro, bem como da realização do relatório de peritagem ao motociclo de matrícula RT, prestou assistência médica e medicamentosa à autora e comunicou à autora que, em representação da “X Assistance Iard”, assumia a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente de trânsito que está na génese da presente acção, apresentando a proposta indemnizatória.
Os Autores intentaram ação de indemnização contra todos os RR., pedindo a sua condenação solidária nos montantes indemnizatórios peticionados.
O Tribunal “a quo”, em sede de despacho saneador, na aferição do pressuposto processual da legitimidade das partes, considerou que a “acção teria que ter sido instaurada contra o Gabinete Português de Carta Verde, ou contra a seguradora, ou contra a sua correspondente em Portugal”.
Mas “[j]á a demanda de representante e representados, todos em simultâneo, não se afigura admissível”.
Consequentemente, julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva dos réus “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. Portugal, S.A.”, absolvendo-os da instância.
É contra essa decisão que se insurgem os autores, aduzindo para o efeito que, “nos termos por si configurados nas respectivas p.i., e a par com a Ré seguradora “X ASSURANCES IARD”, também os RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. PORTUGAL, SA” são partes legítimas, podendo e devendo a instância ser instaurada contra todos e contra todos prosseguir”.
Por conseguinte, o que se discute no presente recurso é da possibilidade de se demandar, simultaneamente ou em posição litisconsorcial, a própria seguradora, a sua correspondente em Portugal, o Gabinete Português de Carta Verde e o segurado.

Vejamos como decidir.

A falta de legitimidade das partes processuais é, no nosso direito processual civil, uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, verificada, obsta a que o juiz conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (arts. 30º, 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, n.º 1, al. e), 578º e 278º, n.º 1, d), todos do CPC).
Segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora (1), “ser parte legítima na ação é ter o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível”.
Para aferir da legitimidade processual o que importa é apurar qual a posição da parte perante o objeto do processo e não se o mesmo é titular do direito que se arroga. A legitimidade processual é, por conseguinte, uma posição exigida às partes em relação ao concreto objeto processual (2).
Trata-se, por conseguinte, de um dos chamados pressupostos processuais relativo às partes, requisito essencial de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida.
Diversamente da personalidade e da capacidade judiciárias que assentam em qualidades pessoais das partes relativamente à generalidade das ações ou a uma determinada categoria de ações, a legitimidade processual (que pressupõe aqueles dois pressupostos processuais) prende-se com a posição da parte relativamente a uma determinada e concreta ação, posição essa que lhe permite dirigir a pretensão formulada ou a defesa que contra esta possa ser oposta (3).
O critério aferidor do conceito de legitimidade encontra-se previsto no art. 30º do CPC.
Diz-nos o n.º 1 que o “autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
O critério- base para aferir da legitimidade é, portanto, o do interesse direto.
O interesse, seja em demandar, seja em contradizer, terá, pois, de ser direto, não bastando que seja indireto, reflexo ou derivado (4), nomeadamente de natureza afetiva, parental ou moral (5).
Para avaliar desse interesse de que resulta a legitimidade, prescreve o n.º 2 do art. 30º do CPC que o “interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
O critério da utilidade ou prejuízo previsto no normativo citado, concretizando ou aprofundando o critério-regra, afere-se “em face da petição e segundo um juízo de prognose: supondo-se que o pedido seja procedente”.
Ou seja, o autor é parte legítima sempre que a procedência da ação (previsivelmente) lhe venha a conferir (para si e não para outrem) uma vantagem ou utilidade e o réu será parte legítima sempre que se vislumbre que tal procedência lhe venha a causar (a si e não a outrem) uma desvantagem (6).
Nesta confluência, terá legitimidade passiva a parte com interesse direto em contradizer, o qual se exprime pelo prejuízo derivado da procedência da pretensão e que coincide, em regra, com o titular passivo da relação jurídica material configurada no requerimento inicial.
Residualmente, ou seja, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como esta é configurada pelo autor (7) (n.º 3 do art. 30º do CPC).
Trata-se da consagração do critério formal da titularidade, nos termos do qual “a titularidade da alegada relação material surge como modo de descobrir o interesse directo na acção, sendo uma forma «implícita» de aferição de legitimidade” (8).
Para além das situações de legitimidade directa, existem, igualmente, situações de legitimidade indirecta ou extraordinária, com inscrição no 1º segmento do n.º 3 do mesmo art. 30º do CPC, nomeadamente quando se referencia “na falta de indicação da lei em contrário” (9). Dito por outras palavras, existem numerosos casos em que apesar de não haver um interesse direto, mas simplesmente derivado e/ou não sendo titular ou só em parte sendo titular da relação material em litígio, a lei confere legitimidade (indireta) a certas pessoas para estar em juízo, que não a teriam por aplicação dos critérios fixados no art. 30º do CPC (fala-se então de substituição processual legal).
Refere Lopes do Rego que a legitimação extraordinária, traduzida na atribuição da legitimidade indirecta, “nunca depende das meras afirmações do autor, expressas na petição inicial (…)”, mas “da efectiva demonstração do interesse ou da titularidade da relação legitimante que justifica a atribuição de legitimidade indirecta” (10).
No mesmo sentido, referenciam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (11) existirem casos em que “é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade ativa ou passiva, prevalecendo tal indicação sobre a eventual alegação do autor em sentido inverso, como ocorre designadamente (….) nos casos de legitimidade extraordinária ou indirecta (…). Apesar de não serem titulares (….) diretos do interesse em discussão, prevalece o que emerge dos preceitos legais que sustentam a sua intervenção”.
Um dos variados casos em que a lei consagra um regime especial no tocante à legitimidade passiva é justamente o das ações destinadas à efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, nos termos previstos no art. 64º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21/08.
O citado diploma legal (12) (13) aprovou o actual regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e transpôs parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que alterou as Directivas n.ºs 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis.

Inserido no Capítulo V (“Disposições processuais”) e sob a epígrafe “Legitimidade das partes e outras regras”, o art. 64º (14) do Dec. Lei n.º 291/2007 prescreve:
“1 - As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente:
a) Só contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório;
b) Contra a empresa de seguros e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar o limite referido na alínea anterior.
2 - Nas acções referidas na alínea a) do número anterior pode a empresa de seguros, se assim o entender, fazer intervir o tomador do seguro.
(…)”.

Conforme resulta do citado normativo de cariz processual, se o pedido formulado não ultrapassar o valor do capital mínimo obrigatório, o civilmente responsável é parte ilegítima, só podendo intervir na demanda através da figura da intervenção principal provocada, da iniciativa da seguradora.
Sendo demandado diretamente o tomador de seguro ou ambos (tomador e seguradora) existe ilegitimidade do tomador.
Só quando o pedido formulado ultrapassar o montante do capital mínimo obrigatório é que a acção deve ser proposta contra a seguradora e o civilmente responsável (cfr. al. b) do citado dispositivo legal), verificando-se, então, um litisconsórcio necessário passivo, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 30º, 33º, 35º e 577º, al. e) do CPC.
Com o regime instituído pela al. a) do n.º 1 do art. 64º do Dec. Lei n.º 291/2007 (15) visou-se evitar que o responsável civil esteja sujeito a ter de suportar os encargos e incómodos de uma acção quando exista, por virtude do contrato de seguro, uma entidade contratualmente responsável pela indemnização (16). Isto porque a dedução da ação, na prática, não trará consequências diretas ao lesante, na medida em que será a seguradora quem vai satisfazer a pretensão do lesado.
O aludido regime “implica, dentro dos capitais garantidos pelo seguro obrigatório, uma verdadeira limitação ao direito de acção judicial do lesado contra o lesante. Este, apesar de ser sujeito passivo do dever de indemnizar, carece de legitimidade passiva para ser inicialmente demandado pelo lesado sempre que a acção, pelo seu montante, se confine nos limites do seguro obrigatório (...)” (17). O mesmo é dizer que o segurado adquire, com esta norma, uma certa “imunidade” perante o terceiro lesado (18).
Em suma, o regime estabelece a legitimidade processual passiva da seguradora, em prejuízo da legitimidade do próprio lesante, tomador do seguro, ou segurado. No âmbito dos acidentes de viação, não temos a possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora, temos antes uma obrigatoriedade (19).

Por seu lado, o art. 90.º do Dec. Lei n.º 291/2007, com a epígrafe “Serviço nacional de seguros português”, estabelece:

“Compete ao Gabinete Português de Carta Verde, organização profissional criada em conformidade com a Recomendação n.º 5 adoptada em 25 de Janeiro de 1949, pelo Subcomité de Transportes Rodoviários do Comité de Transportes Internos da Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas e que agrupa as empresas de seguros autorizadas a explorar o ramo «Responsabilidade civil - Veículos terrestres automóveis» («Serviço nacional de seguros»), e subscritor do Acordo entre os serviços nacionais de seguros, a satisfação, ao abrigo desse Acordo, das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal e causados:
a) Por veículos portadores do documento previsto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 28.º e com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo, ou matriculados em país terceiro que não tenha serviço nacional de seguros, ou cujo serviço não tenha aderido seja ao Acordo, seja à secção ii do Regulamento anexo ao Acordo, mas que, não obstante, sejam portadores de um documento válido justificativo da subscrição em país aderente ao Acordo de um seguro de fronteira válido para o período de circulação no território nacional e garantindo o capital obrigatoriamente seguro;
b) Ou por veículos com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo e sem qualquer documento comprovativo do seguro”.

O Gabinete Português de Carta Verde é uma associação sem fins lucrativos que desempenha em Portugal as funções de Gabinete Nacional de Seguros, actuando como Gabinete Emissor (responsabilizando-se pelo pagamento de indemnizações por acidentes causados por veículos estrangeiros em território nacional) e como Gabinete Gestor, no âmbito do qual lhe compete assegurar o pagamento das indemnizações devidas por acidente causados no estrangeiro por veículos matriculados em Portugal e cujo responsável não fosse titular de seguro (20).
Por outro lado, inserido no Título III do referido diploma, que rege quanto à proteção em caso de acidente no estrangeiro (cfr. o n.º 1 do art. 65º - “[s]ão protegidos nos termos do presente título os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor habitualmente estacionado num Estado -Membro e ocorrido, ou em Estado-Membro que não Portugal, ou, sem prejuízo do fixado no n.º1 do artigo 74.º, em país terceiro aderente ao sistema da «carta verde»”), e sob a epígrafe “representante para sinistros”, preceitua o art. 67º do Dec. Lei n.º 291/2007:
«1 - As empresas de seguros sediadas em Portugal, bem como as sucursais em Portugal de empresas com sede fora do território do espaço económico europeu, autorizadas para a cobertura de riscos do ramo “Responsabilidade civil de veículos terrestres a motor”, com excepção da responsabilidade do transportador, têm liberdade de escolha do representante, em cada um dos demais Estados membros, para o tratamento e a regularização, no país de residência da vítima, dos sinistros ocorridos num Estado distinto do da residência desta (“representante para sinistros”).
2 - O representante para sinistros, que deve residir ou encontrar-se estabelecido no Estado membro para que for designado, pode agir por conta de uma ou várias empresas de seguros.
3 - O representante para sinistros deve ainda dispor de poderes suficientes para representar a empresa de seguros junto das pessoas lesadas nos casos referidos no nº 1 e satisfazer plenamente os seus pedidos de indemnização e, bem assim, estar habilitado a examinar o caso na língua ou línguas oficiais do Estado membro de residência da pessoa lesada.
4 - O representante para sinistros deve reunir todas as informações necessárias relacionadas com a regularização dos sinistros em causa e, bem assim, tomar as medidas necessárias para negociar a sua regularização.
5 - A designação do representante para sinistros previsto no presente artigo não prejudica o disposto no artigo 64.º, relativamente aos acidentes em que seja devida a aplicação da lei portuguesa.
6 - As empresas de seguros previstas no n.º 1 devem comunicar aos centros de informação de todos os Estados membros o nome e o endereço do representante para sinistros por si designados nos termos do nº 1.
7 - A designação do representante para sinistros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal, não devendo o representante para sinistros ser considerado um estabelecimento para efeitos de determinação de foro, nomeadamente para a regularização judicial de sinistros».

Por fim, o art. 13º do CPC, sob a epígrafe “Personalidade judiciária das sucursais”, estatui:
“1 - As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a ação proceda de facto por elas praticado.
2 - Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal”.
Enunciado o quadro legal, vejamos separadamente a situação de cada um dos co-Réus.
No tocante ao segurado, M. P., referem os recorrentes que a sua legitimidade para a ação decorre do facto de o mesmo ser o proprietário do veículo automóvel de matrícula JX, que, à data do sinistro, circulava à sua ordem, com o seu conhecimento, com a sua autorização, no seu interesse e sob a sua direcção efectiva, pelo que, nos termos do disposto no art. 503º do Código Civil (CC), é aquele recorrido civilmente responsável pelo pagamento da indemnização reclamada na presente acção, sendo, por isso, nos termos que foram configurados pelos recorrentes nas suas petições iniciais, parte legítima nos presentes autos.
Já vimos que o critério normativo da legitimidade das partes enunciado na 2ª parte do n.º 3 do art. 30º do CPC, por ser residual ou subsidiário, só vale no caso de não “indicação da lei em contrário”.
E igualmente se disse que, no domínio das acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer civil, quer penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente e apenas contra a seguradora, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório, estando, por conseguinte, proibida a demanda do lesante ou responsável civil.

Mais se afirmou que a atribuição da legitimidade indirecta não depende das meras afirmações/alegações do autor produzidas na petição inicial, mas sim da identificação do detentor da legitimidade ativa ou passiva feita pela própria lei.
Como é sabido, em caso de acidente de viação, o lesante ou responsável civil a título de comitente ou de titular da direcção efectiva do veículo causador dos danos (arts. 500º e 503º do CC), que seja tomador do seguro (segurado), é sujeito passivo da responsabilidade civil em causa, sobre ele impendendo uma verdadeira obrigação de indemnizar.
Por força do seguro a seguradora garante o segurado contra os danos resultantes para o património deste dos pedidos de indemnização baseados em responsabilidade civil.
Todavia, no plano do direito adjectivo, se o pedido de indemnização se mantiver dentro dos limites do seguro obrigatório, só a seguradora deve ser demandada (21).
Ou seja, se bem que numa perspetiva de direito material continua a ter plena aplicabilidade o regime da responsabilidade civil extracontratual, pelo que, verificados os pressuposto da responsabilidade civil, resulta para o lesante a situação jurídica de sujeito passivo da obrigação de indemnizar os lesados, a verdade é que no plano processual ou adjetivo da legitimidade para a demanda dessa ação, se o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório, o autor não pode demandar, juntamente com a seguradora, o condutor que considera responsável; a ação deve ser deduzida obrigatoriamente e apenas contra a seguradora.
Conforme resulta do disposto no art. 12º do Dec. Lei n.º 291/2007, a partir de 1 de junho de 2012 o capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório é de € 5.000.000 por acidente para os danos corporais e de € 1.000.000 por acidente para os danos materiais.
Ora, no caso em apreço, os valores peticionados contêm-se naqueles montantes mínimos.
Logo, tal como se concluiu na decisão recorrida, atenta a existência de seguro obrigatório e os valores dos pedidos, é manifesta a ilegitimidade passiva da pessoa civilmente responsável (segurado Manuel Pinto).
Relativamente à correspondente da segurada, “V. A. Portugal, S.A.”, os recorrentes concluem pela sua legitimidade para a acção com base no art. 67º, n.ºs 1 e 3 do Dec. Lei n.º 291/2007, bem como no art. 13º do CPC.
Estreitando caminho – e tal como propugnam os recorridos –, desde já se dirá ser inaplicável ao caso o regime previsto no art. 67º, n.ºs 1 e 3 do Dec. Lei n.º 291/2007, visto o acidente de viação objecto dos autos ter ocorrido em Portugal, e não no estrangeiro.
O referido normativo encontra-se inserido no Titulo III que versa «Da protecção em caso de acidente no estrangeiro», isto é, as normas constantes desse título visam os sinistros ocorridos fora do território português.
Ademais se atentarmos no âmbito de protecção previsto no art. 65º, nele se prevê a protecção dos lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor habitualmente estacionado e segurado num Estado membro “e ocorrido, ou em Estado membro que não Portugal, ou, sem prejuízo do fixado no n.º 1 do artigo 74.º, em país terceiro aderente ao sistema da «carta verde»” (sublinhado nosso).
Acresce que, segundo o disposto no art. 67º, o representante para sinistros refere-se às empresas de seguros sediadas em Portugal, bem como as sucursais em Portugal de empresas com sede fora do território do espaço económico europeu.
Pois bem, a “X Assurances Iard” não tem sede em Portugal, mas sim em França, e ainda que a “V. A. Portugal, S.A.” pudesse ser considerada representante daquela, não haveria lugar à aplicação daquela norma, posto que ela apenas abrange as sucursais em Portugal de empresas com sede fora do território do espaço económico europeu, o que não é o caso.
Resta, porém, indagar da aplicação do disposto no art. 13º, n.º 2, do CPC, ou seja, se a Ré “V. A. Portugal, S.A.” pode ser demandada por ser sucursal da seguradora francesa, “X Assurances Iard”, para a qual estava transferida a responsabilidade civil referente ao veículo JX.
Respondendo afirmativamente à referida questão – no sentido de a sucursal da seguradora francesa poder ser demandada nessa qualidade (art. 13º, n.º 2, do CPC) –, uma outra questão se suscita, qual seja a de saber se a sucursal pode ser demandada conjuntamente com a seguradora, tendo em vista a condenação solidária de ambas nos pedidos de indemnização deduzidos pelos autores.
A esse respeito, como se refere Ac. do STJ de 25/05/2017 (relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt., “(…) a lei confere personalidade judiciária às sucursais, podendo estas demandar ou ser demandadas, nos termos do artigo 7.º/2 (atual 13.º/2 do CPC/2013) justificando-se a solução pela conexão com a ordem jurídica nacional considerando o domicílio em Portugal da outra parte. A sucursal atua como substituto processual da sociedade mãe, que não é parte formal no processo, dispondo, por isso, de uma legitimidade indireta para fazer valer em juízo interesses que não são os seus.
(…) Tem-se entendido que é de afastar "a possibilidade de a pessoa coletiva se constituir como parte principal em posição litisconsorcial com a sua sucursal, agência, filial, delegação ou representação […]. Afinal, a pessoa coletiva não tem um interesse igual ao da ré: o seu interesse é o interesse da ré que, por razões pragmáticas, é uma pessoa meramente judiciária. E também por esta mesma razão - e ainda por maioria de razão - não podem a pessoa coletiva e a sucursal, agência, filial, delegação ou representação litigar como compartes coligadas" (22).
Seguindo de perto – com as devidas adaptações – o Acórdão do STJ que vimos citando, dir-se-á que o litisconsórcio voluntário é admissível quando a relação material controvertida respeita a várias pessoas (art. 32.º, n.º 1 do CPC). No caso vertente, a relação material controvertida respeita apenas à seguradora francesa, responsável pela indemnização do sinistro reclamada pelos lesados. A sua sucursal em Portugal pode ser demandada, dispondo de legitimidade, por deter essa qualidade e não por ser a representante de sinistros. Assim sendo, atuando a sucursal como substituto processual da sociedade mãe, que não é parte formal no processo, ela dispõe, por isso, de uma legitimidade indireta para fazer valer em juízo interesses que não são os seus.
Contudo, a partir do momento em que os lesados optam “por demandar a seguradora, entidade que dispõe de legitimidade direta e não o substituto que apenas pelas razões constantes do artigo 13.º/2 do CPC/2013 é admitido a intervir, carece este de legitimidade precisamente porque não é admissível litisconsórcio voluntário entre substituto e substituído, representado e representante.
Acresce que o art. 64.º, n.º 1, al. a) do Dec. Lei n.º 291/2007 impõe que o pedido seja deduzido obrigatoriamente contra a empresa de seguros, quando o pedido formulado se contiver dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório e aquela norma não seria respeitada se o representante para sinistros fosse demandado autonomamente, portanto, em conjunto com a empresa de seguros e não como seu representante.
Logo, é de concluir pela ilegitimidade passiva da “V. A. Portugal, S.A.”.
Falta aferir se o Réu Gabinete Português da Carta Verde possui, ou não legitimidade para ser demandado juntamente com a seguradora do veículo colidente.
Nos Estatutos da Associação "Gabinete Português de Carta Verde”, no seu art. 4º, al. c), prevê-se serem fins do Gabinete, entre outros, “assegurar os legítimos direitos das vítimas de acidentes ocorridos em Portugal sempre que a responsabilidade deva ser atribuída a seguradoras inscritas nos Gabinetes congéneres estrangeiros colaborando e procurando obter a colaboração de todas as entidades públicas competentes de modo a facilitar o tráfego de veículos matriculados ou registados no estrangeiro abrangidos por extensão territorial válida do seguro de responsabilidade civil automóvel do país de origem, para Portugal”.
Assim, compete ao Gabinete Português da Carta Verde a satisfação das indemnizações devidas por acidentes ocorridos em Portugal sempre que a responsabilidade seja atribuída a seguradoras inscritas em gabinetes congéneres estrangeiros.
Estas disposições não só facilitam a circulação dos veículos, como visam a proteção das pessoas vítimas de acidentes de viação.
Como se referencia no Ac. desta Relação de 17/11/2016 (relator Heitor Gonçalves), in www.dgsi.pt., «[o]s lesados residentes em Portugal com direito a indemnização dispõem de mecanismos de proteção, no caso de acidente causado por veículos estacionados e segurados noutro Estado Membro, passando pela disponibilização dum centro de informação, de organismos de indemnização e de um representante para sinistros da empresa de seguros do veículo causador do acidente.
As funções de Centro de Informação em Portugal cabiam à data ao I.S.P. com o Estatuto aprovado pelo DL 289/2001 e alterado pelo DL 195/2002 (a partir da lei 1/2015 ficou com a designação de Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundo de Pensões), a entidade a quem as seguradoras estrangeiras deveriam indicar os seus representantes para sinistros em Portugal.
Entre os Organismos de Indemnização figura o Gabinete da Carta Verde, competindo-lhe enquanto gabinete gestor a satisfação de indemnizações de danos provindos de acidentes de viação em Portugal, causados por veículos automóveis de matrícula estrangeira, conforme a previsão do artigo 90º do Dec-Lei 291/07 (…)
Nesses casos, como nos acidentes no estrangeiro causados por veículos automóveis habitualmente estacionados noutros Estados-Membros, os lesados podem apresentar em primeira linha os pedidos de indemnização aos Organismos de indemnização ainda que esteja prevista a intervenção destes num regime de subsidiariedade, mas isso não lhes retira o direito de acção directa contra a seguradora responsável, sendo o artigo 64º do DL 291/07 a emanação desse princípio, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2000/26/CE – nos termos do seu artigo 3º, “Os Estados-Membros devem assegurar que as pessoas lesadas a que se refere o nº1, cujo prejuízo resulte de acidentes na acepção referida disposição tenham direito a acção directamente contra a empresa de seguros que cubra a responsabilidade civil de terceiro”
A Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, prevê e enfatiza nas considerações esse direito de acção directa contra a empresa de seguros para qualquer pessoa vítima de acidentes rodoviários (30ª), dizendo que “constitui um complemento lógico da designação dos representantes para sinistros” (36ª) e evoca na 32ª o nº2 do artº 11º, conjugado com a alínea b), do nº1, do Reg. (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22.Dezembro de 2000, que permite aos lesados demandar directamente o segurador no Estado-Membro em que tiverem o seu domicílio (entretanto revogado pelo Regulamento (CE) 1215/2012, que é aplicável às acções judiciais intentadas após Janeiro de 2015)».
Embora seja um mero garante da obrigação de indemnizar, já que é posteriormente reembolsado do que pagar, em casos como o destes autos – acidente de viação ocorrido em Portugal, com intervenção de veículo matriculado e segurado em França –, o Gabinete Português de Carta Verde poderia ter sido demandado inicialmente, embora também o pudesse ter sido diretamente a seguradora do veículo matriculado em França (23).
Assim, secundando o afirmado na decisão recorrida, ao referido Gabinete Português da Carta Verde cabe prestar a necessária assistência a segurados de empresas de seguros inscritas nos Gabinetes congéneres estrangeiros, mas o terceiro lesado não está impedido de accionar directamente a Companhia de seguros, como diretamente responsável, ou a sua correspondente em território nacional.
Donde, a presente acção poderia ter sido instaurada contra o Gabinete Português de Carta Verde, ou contra a seguradora, ou contra a sua correspondente em Portugal.
Já a demanda de representante e representados, todos em simultâneo ou em situação de litisconsórcio, não se afigura admissível, posto inexistir qualquer solidariedade entre tais sujeitos processuais (24) (25), tão pouco existindo entre os mesmos uma obrigação conjunta ou parciária.
Com efeito, conforme resulta do disposto no art. 513º do CC, a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
No caso, não consta que as partes tenham acordado a solidariedade, além de que não existe norma legal a determiná-la.
No tocante ao segurado, cabendo a indemnização a pagar ao lesado no montante do capital obrigatoriamente seguro, competirá apenas à seguradora pagar a quantia pecuniária devida, a título de indemnização, na sua totalidade
Não estamos, pois, perante uma situação de responsabilidade solidária entre a seguradora e a pessoa civilmente responsável, apenas competido à seguradora proceder ao pagamento da indemnização devida.
Inexiste, assim, uma obrigação solidária entre a empresa de seguros e a pessoa civilmente responsável (o segurado) na obrigação de indemnizar o terceiro lesado.
Aliás, no âmbito do seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, não há responsabilidade solidária, senão quando o pedido indemnizatório ultrapasse o valor do capital mínimo obrigatório (26).
Relativamente ao Gabinete Português da Carta Verde, como bem salientam os recorridos, inexistindo norma que estabeleça a sua solidariedade com qualquer um dos demais demandados, o que existe são normas a determinar que o referido Gabinete actua como organismo de indemnização, conforme resulta dos respetivos Estatutos e da Diretiva 2000/26/CE, de 16 de maio (art. 24º), sendo precisamente por funcionar como tal que a lei lhe conferiu, sempre que liquide uma indemnização, o direito de sub-rogação legal, não se confundindo esta com a solidariedade.
Por outro lado, no que concerne à “V. A. Portugal, S.A.”, como já vimos, inexiste fundamento legal para demandar simultaneamente a seguradora, enquanto responsável directa, e a sucursal, sendo processualmente incompatível o prosseguimento da acção contra a devedora e a entidade que dela é mera representante (27) (28).

Termos em que se conclui pela improcedência da apelação e consequente manutenção da decisão recorrida que julgou verificada a exceção de ilegitimidade passiva dos co-RR. “Gabinete Português da Carta Verde”, M. P. e “V. A. Portugal, S.A.”.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7, do CPC):

I - A ação em que seja pedida indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, ocorrido em Portugal, causado por veículo automóvel matriculado num Estado membro da União Europeia, cujo valor do pedido indemnizatório não ultrapasse o valor do capital mínimo obrigatório, pode ser dirigida contra o Gabinete Português de Carta Verde ou contra a seguradora ou contra a sua correspondente em Portugal.
II - A demanda de representante e representados, todos em simultâneo e a título principal, não se afigura admissível, posto inexistir qualquer situação litisconsorcial entre tais sujeitos processuais.
III - No âmbito do seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, não há responsabilidade solidária, senão quando o pedido indemnizatório ultrapasse o valor do capital mínimo obrigatório.
*
VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes (art. 527.º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que gozam.
*
Guimarães, 13 de julho de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 135.
2. Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, p. 111.
3. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, pp.. 131/132.
4. Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., p. 84, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, p. 135, e José Lebre de Freitas e Outros, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, p. 51.
5. Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 382.
6. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 74.
7. Com a introdução deste segmento pôs-se fim a saber o que era, afinal, a relação material controvertida que deu lugar a uma conhecida e acesa polémica doutrinal, que teve como principais protagonistas Alberto dos Reis (tese da relação material efetiva) e Barbosa de Magalhães (tese da pretensa relação jurídica controvertida). Muito genericamente, entendia o primeiro que a legitimidade processual consistia em as partes serem os sujeitos da relação material controvertida efetiva (cfr. B.F.D.U.C., Ano IX, especialmente p. 130 e segs.), enquanto que para o segundo a legitimidade para a ação determinava-se pelos sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida, ou seja, a relação jurídica tal como vinha configurada pelo A. (cfr. Gazeta da Relação de Lisboa, Ano 32º, nº 18, p. 274 e segs.). Com a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, alterado pelo Dec. Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, adotou-se expressamente a posição de Barbosa de Magalhães, sufragada já anteriormente pela jurisprudência maioritária (cfr., v. g., Acs. do S.T.J. de 12/02/88, B.M.J., n.º 380, p. 432 e de 18/01/94, C.J., Ano II, Tomo I, p. 43). Poder-se-iam aduzir vários argumentos em favor desta corrente, mas aquele que mais impressiona e como tal reputamos de decisivo para a sua consagração legal é o facto de ser uma solução com uma vertente indiscutivelmente mais pragmática, uma vez que se obsta a uma eventual decisão de forma, no caso de se verificar, a final, não serem os sujeitos em questão os titulares da relação jurídica material controvertida, tal como esta foi configurada pelo autor. De outro modo, deparar-nos-íamos com uma decisão de absolvição de instância, que depois de tanto labor só constituiria caso julgado formal, como se extrai do disposto nos arts. 279º, n.º 1 e 620º, ambos do CPC, o que permitiria eternizar as controvérsias, com sucessivas demandas entre os mesmos sujeitos. Na lei atual, tal como na precedente, na interpretação que já reputávamos de mais correta, as partes têm legitimidade para discutir a relação jurídica tal como é apresentada pelo autor e, no caso de não ser feita prova da sua titularidade, será o réu absolvido do pedido, resolvendo-se, de uma vez por todas, o litígio.
8. Cfr. Rui Pinto, obra citada, p. 114.
9. Cfr. Ac. da RL de 17/06/2021 (relator Arlindo Crua), in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Ed., 2004, Almedina, p. 56.
11. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 59.
12. Com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.º 153/2008, de 6 de agosto e Declaração de retificação n.º 96/2007, de 19 de outubro.
13. Revogou o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro [art. 94º, n.º 1, al. a)].
14. Que corresponde, parcialmente, ao anterior art. 29º do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/12.
15. Tal como já sucedia com o regime consagrado na al. a) do n.º 1 do art. 29º do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12.
16. Cfr. Adriano Garção Soares, José Maia dos Santos e Maria José Rangel de Mesquita, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, 1997, Almedina, p. 87, que, embora reportando-se à al. a) do n.º 1 do art. 29º do Dec. Lei n.º 522/85, mantém validade face ao atual art. 64º, n.º 1, al. a), do Dec. Lei n.º 291/2007.
17. Cfr. Carlos Lopes do Rego, in Regime das Acções de Responsabilidade Civil por Acidentes de Viação abrangidos pelo Seguro Obrigatório, Revista do Ministério Público, Ano n.º 8, janeiro/março 1987, n.º 29, p. 63.
18. Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros – Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, p. 671.
19. Cfr. Carla Sofia Dias de Oliveira, in Da Ilegitimidade Passiva do Lesante no Âmbito do Seguro de Responsabilidade Civil Automóvel e do Litisconsórcio Voluntário Passivo no Âmbito dos Restantes Seguros de Responsabilidade Civil Obrigatórios, designadamente, do de Responsabilidade Emergente de Acidentes de Trabalho, Dissertação de Mestrado, p. 26, disponível in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16034/1/disserta%C3%A7%C3%A3o%20Carla%20Oliveira.pdf.
20. Cfr. Ac. do STJ de 12/05/2016 (relatora Fernanda Isabel Pereira), in www.dgsi.pt.
21. Cfr. Ac. da RP de 02/05/1994 (relator Bessa Pacheco), in www.dgsi.pt. 22. Citando Paula Costa e Silva, "O Manto Diáfano da Personalidade Judiciária", O Direito, Ano 140.º, 2008, III, p. 590.
23. Como refere Eurico Heitor Consciência, as seguradoras representadas pelo Gabinete devem ser demandadas, em princípio, através dele, mas também se poderão demandar directamente as seguradoras (cfr. Sobre Acidentes de Viação e Seguro Automóvel, Almedina, p. 88 e Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Almedina, p. 59).
24. A regra da solidariedade passiva é consagrada, entre outros, no domínio da responsabilidade civil, quer por factos ilícitos, quer pelo risco (arts. 497º, n.º 1 e 507º, n.ºs 1 e 2 do CC). Se forem vários os autores do dano., se houver responsabilidade simultânea do comitente e do comissário, do condutor e do dono do veículo, dos condutores ou dos donos dos veículos que colidiram, qualquer deles responde pelo cumprimento integral da indemnização atribuída ao lesado (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2018, p. 766).
25. Afora o que se aduziu a propósito da inadmissibilidade legal da demanda do segurado nos casos em que o pedido indemnizatório não exceda o valor do capital mínimo obrigatório, a conclusão antecedente não contraria a solução jurídica firmada no acórdão do STJ de 18/12/2003 (relator Santos Bernardino), in www.dgsi.pt. – no qual se decidiu que a acção em que seja pedida indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, ocorrido em Portugal, causado por veículo automóvel matriculado num Estado membro da União Europeia deve ser dirigida, em princípio, contra o Gabinete Português de Carta Verde, mas pode ser intentada contra o segurado ou o segurador (como directamente responsável pelos danos causados) e se o segurador tiver correspondente em Portugal, também este pode ser demandado, de acordo com o n.º 3 do Despacho Normativo n.º 20/78, de 24/1 –, posto que o citado aresto versou apenas sobre uma situação de legitimidade singular, e não de legitimidade plural, não chegando a pronunciar-se sobre a possibilidade da demanda conjunta ou em situação litisconsorcial de tais entidades.
26. Cfr. Rita Gonçalves Ferreira da Silva, Algumas Notas Sobre a Existência (Ou Não) de Obrigação Solidária de Indemnizar o Terceiro Lesado no Âmbito do Contrato de Seguro (Obrigatório) de Responsabilidade Civil de Veículos Terrestres a Motor, in https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/2204/1/A_RitaSilva_2008.pdf., p. 139 ss.
27. Cfr. Ac. do STJ de 25/05/2017 (relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt.
28. A respeito de saber se a Diretiva 2000/26, no seu considerando 16A e no seu art. 4.°, n.ºs 4, 5 e 8, permite a demanda do representante da seguradora que não opera no país onde foi intentada a ação judicial de indemnização por acidente de viação, com base em seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel celebrado noutro país da União Europeia, o Tribunal de Justiça da EU, no acórdão de 15/12/2016, pº C-558/15, pronunciou-se nos seguintes termos: “O artigo 4.° da Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de maio de 2000, relativa à aproximação das legislações dos EstadosMembros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis e que altera as Diretivas 73/239/CEE e 88/357/CEE do Conselho (Quarta diretiva sobre o seguro automóvel), conforme alterada pela Diretiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, deve ser interpretado no sentido de que não impõe que os EstadosMembros prevejam que o próprio representante para sinistros ao abrigo desse artigo possa ser demandado, em vez da empresa de seguros que representa, numa ação de indemnização intentada no tribunal nacional por uma pessoa lesada abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 1.° da Diretiva 2000/26, conforme alterada pela Diretiva 2005/14”.