Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2835/07.4TABRG-A.G1
Relator: PRESIDENTE ANTÓNIO RIBEIRO
Descritores: PROCESSO PENAL
RECURSO PENAL
DESPACHO DE PRONÚNCIA
RECLAMAÇÃO PENAL
PRESIDENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PENAL
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário: I - Nos termos do artigo 310, nº 1 do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 48/2007, de 29.08, vigente desde 15.09.2007, «A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento».
II - Conhecedor da controvérsia jurídica suscitada na sequência do Acórdão nº 6/2000 do STJ, veio o legislador, agora sem margem para tergiversações e aquando da Revisão do CPP, consagrar aquela solução que muito tem contribuído para evitar o arrastamento que antes se verificava até que um processo penal chegasse a julgamento.
III – Tendo sido determinada pelo Tribunal da Relação, por Acórdão transitado em julgado, a pronuncia de ambos os arguidos, na sequência de recurso do Ministério Público da decisão de não pronúncia, o Mmº Juiz de Instrução Criminal limitou-se a cumprir o decidido pelo Tribunal Superior, como lhe competia, pois seria avesso ao Direito abrir a porta ao recurso interposto, que foi assim bem rejeitado.
Decisão Texto Integral: I – Relatório;

Reclamação – art. 405º do Código de Processo Penal.
Reclamantes: Branca S. e José C. (Arguidos).
3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga (JIC).
*****
Notificados da decisão instrutória que os pronunciou como autores de um crime de infidelidade e, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança qualificado (a primeira) e de um crime de abuso de confiança qualificado (o segundo) vieram os arguidos interpor recurso do despacho de pronúncia, arguindo a nulidade do mesmo.

O Mmº Juiz de Instrução proferiu então douto despacho, datado de 16-04-2013, em que rejeitou tal recurso, alinhando os seguintes fundamentos:
Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação (fls. 920 e ss) contra os arguidos BRANCA e JOSE imputando-lhes a prática de factos que, no seu entendimento, consubstanciam o cometimento pelos mesmos de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º/1 e 4-b), sendo ainda a arguida BRANCA acusada, em concurso efectivo, de um crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224.º/1 do Código Penal.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por douto acórdão de fls. 1218 a 1230, ordenou que os referidos arguidos fossem pronunciados pelos referidos crimes (uma vez que o Tribunal havia proferido decisão de não pronúncia – fls. 1105 e ss).

Em obediência ao referido acórdão, proferiu o Tribunal a decisão de fls. 1239/1244, pela qual, após decidir não ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de infidelidade, pronunciou a arguida BRANCA pela prática de um crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224.º/1 do Código Penal e, em co-autoria, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º/1 e 4-b), do Código Penal; pronunciando também o arguido JOSE pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo artigo 205.º/1 e 4-b).

Vêm agora os referidos arguidos interpor recurso do referido despacho de pronúncia (fls. 1254 e ss).

Decidindo:
Nos termos do artigo 310.º/1 do Código de Processo Penal “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento”.
Ora, conforme se retira facilmente do citado comando normativo o recurso dos arguidos não é admissível, porquanto os mesmos foram pronunciados pelos factos constantes da acusação.
E o incómodo dos arguidos com a técnica, utilizada na decisão instrutória, de remessa para os factos constantes da acusação só se pode compreender por não terem atentado no disposto no artigo 307.º/1 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que “Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronuncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução”.
Tal faculdade conferida ao Juiz tem pleno acolhimento, até por maioria de razão, quando a decisão é proferida em cumprimento de uma decisão de um Tribunal Superior, como é o caso dos autos, já que o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães é claro na sua parte decisória “…revoga-se a decisão instrutória e determina-se a substituição por outra que aprecie as restantes questões prévias suscitadas no requerimento de abertura da instrução e, caso, improcedam, pronuncie os arguidos BRANCA e JOSE pela prática: a primeira, de um crime de infidelidade, p. e p. pelo artº 224.º, nº 1, e ambos, em co-autoria material, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artºs 205º, nºs 1 e 4, al. b), todos do CP”.

Sintomático da absoluta falta de razão dos arguidos é o facto de estes, em sede de conclusões de recurso, pretenderem apenas que se “anule o despacho recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro onde constem os factos indiciários que permitam concluir pela pronúncia ou não pronúncia dos arguidos…”, ignorando que o Tribunal da Relação já decidiu que os factos constantes da acusação se mostram suficientemente indiciados e que, consequentemente, importam a pronúncia dos arguidos.

Deve dizer-se ainda que, relativamente às restantes questões prévias que o Tribunal da Relação de Guimarães determinou que fossem decididas, assim aconteceu ao ser apreciada a prescrição do procedimento criminal, relativamente ao crime de infidelidade, já que as restantes questões prévias suscitadas pelos arguidos no requerimento de abertura da instrução (extinção do direito de queixa), concretamente quanto ao crime de infidelidade, posição acolhida por este Tribunal, foi desatendida pelo Tribunal da Relação de Guimarães.

Assim sendo, tal como resulta de numerosa jurisprudência, cfr. entre muitos, acórdão, Ac. TRP de 9-11-2011, proc. 148/00.1IDPRT-A.P1 in www.dgsi.pt, quando nela se sumaria: A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades ou outras questões prévias ou incidentais, nomeadamente a prescrição do procedimento criminal.

II – Fundamentos;

No âmbito da presente reclamação apenas se cura de saber se é ou não admissível o recurso apresentado pelos arguidos.
Ora o despacho do Mmº Juiz de Instrução é particularmente clarividente, explicando pormenorizadamente as razões porque o recurso tem de ser rejeitado, sem esquecer que a prolação do despacho de pronúncia foi determinada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão que não foi objecto de recurso, limitando-se o Mmº JIC a cumprir o que ali foi decidido pelo Tribunal Superior.

O intérprete não pode ter do pensamento legislativo uma asserção que não tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, devendo presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º do Código Civil).

Bem se compreendendo a incomodidade de alguns Senhores Advogados e mais ainda dos arguidos, pelo inusual espartilho que o Legislador processual penal português corajosamente consagrou com a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º, ou do nº 4 do artigo 285º, consagrada no nº 1 do artigo 310º, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 48/2007, de 29.08, vigente desde 15.09.2007, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento, o que a torna uma norma atípica no nosso ordenamento jurídico, onde não imperam as exigências de simplicidade, eficiência, eficácia, cognoscibilidade e muito menos celeridade.

Conhecedor da controvérsia jurídica suscitada na sequência do Acórdão 6/2000 do STJ, veio o legislador, agora sem margem para tergiversações e aquando da Revisão do CPP, consagrar aquela solução que muito tem contribuído para evitar o arrastamento que antes se verificava até um processo penal chegar ao julgamento.

III – Decisão;

Desatende-se, pois, a reclamação.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça a pagar por cada um deles.


Guimarães, 14 de Maio de 2013


O Presidente da Relação
(António Alberto Rodrigues Ribeiro)