Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5128/17.5T8BRG.G1
Relator: RAQUEL BATISTA TAVARES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
QUEDA EM ESCADA DE PARQUE DE ESTACIONAMENTO ABERTO AO PÚBLICO
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO BIOLÓGICO
CONCORRÊNCIA DE RESPONSABILIDADES (LABORAL E POR FACTO ILÍCITO)
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO PRINCIPAL DA RÉ / PARCIAL PROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO SUBORDINADA DA AUTORA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A queda da Autora nas escadas interiores do parque de estacionamento, aberto ao público e explorado pela Ré, faz incorrer a Ré na obrigação de reparar os danos sofridos pela Autora por se presumir a sua culpa, nos termos do n.º 1 do artigo 493º do Código Civil.

II- Não tendo a Ré logrado demonstrar os cuidados com a manutenção do parque de estacionamento que alegara e nem que a queda ocorreu em virtude do descuido e desatenção da Autora conjugados com o uso de saltos altos, antes tendo ficado demonstrado que na data do acidente, os degraus encontravam-se degradados, apresentando buracos nos sucessivos degraus, com incidência maior junto às barras antiderrapantes, que também apresentavam desgaste, e que o estado dos degraus causou a queda da Autora, não se pode considerar ter ilidido a presunção de culpa que sobre si recaía.

III- O chamado dano biológico não constitui uma espécie de danos que se configure como um tertium genus ao lado dos danos patrimoniais e não patrimoniais, antes a sua valoração deve fazer-se por recurso a estas categorias tradicionais, de dano patrimonial e dano não patrimonial.

IV- Tendo a Autora, à data da queda com 30 anos de idade e gestora numa empresa onde auferia a retribuição anual de €23.426,98, ficado afetada por uma incapacidade de 3 pontos percentuais, continuando a sentir dores ao efetuar movimentos com o tornozelo esquerdo, tendendo a limitação da flexão, extensão e edema do tornozelo esquerdo, a agravar-se com o avançar da idade, mostra-se adequada a quantia de €15.000,00 para a compensar do dano biológico, na sua vertente patrimonial.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

M. C., residente na Rua Dr., Braga, intentou acção de condenação sob a forma de processo comum contra X Estacionamentos S.A., com sede na Av. da …, Braga, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €36.014,00 (trinta e seis mil e catorze euros), acrescida de juros à taxa legal vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto e em síntese que, por falta de diligência da Ré na manutenção das instalações do parque sito no Campo ..., em Braga, que a Ré explora, sofreu uma queda que lhe provocou lesões permanentes, bem como dores e sofrimento.
Regularmente citada, a Ré veio contestar impugnando o alegado pela Autora e alegando que a queda não ocorreu no local indicado e se deveu a falta de cuidado da Autora, sendo que ela, Ré leva a cabo manutenções regulares do espaço.
Veio requerer a intervenção provocada da Y Seguros Gerais, SA, alegando ter celebrado com esta contrato de seguro por via da qual transferiu a responsabilidade por indemnizações decorrentes de danos sofridos com a exploração do parque.
Foi admitida a intervenção acessória de Y Seguros Gerais, SA. e esta veio contestar excepcionando a falta de cobertura da apólice para os danos ocorridos na situação relatada e impugnando também o alegado pela Autora quanto aos danos sofridos com a queda e quanto à imputação da mesma à falta de cuidado da Ré.
Foi proferido despacho saneador, fixando o objecto do processo e os temas da prova, não tendo sido oferecidas reclamações.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Julga-se a acção parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia total de €: 13514 (treze mil quinhentos e catorze euros) acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.--
Custas da acção a cargo de A. e R. na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se o decaimento da A. em 65% e o decaimento da R. em 35% – art. 527º do Cód. Proc. Civil. ----
Notifique e registe.---”.

Inconformada, apelou a Ré da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“III. CONCLUSÕES

1. A Recorrente foi condenada ao pagamento à Recorrida a quantia total de €13.514 (treze mil quinhentos e catorze euros), acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos, até efectivo e integral pagamento, em virtude da Recorrida, no dia 22 de Outubro de 2014, pelas 19,00 horas, ter caído no Parque de estacionamento situado o Campo ..., em Braga, que é explorado pela Recorrente.
2. A Recorrente entende que a factualidade dada como provada e como não provada e a subsequente subsunção da mesma ao direito, concretamente ao instituto da responsabilidade civil extracontratual, na sentença recorrida merecem censura.
3. Quanto à matéria de facto, que deverá ser reapreciada, a Recorrente entende que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos constantes da alínea a), in fine, alínea m), parte inicial, alínea n), alínea t) e alínea u), nem como não provados o ponto 31), 32), 33) e 34) a 40), impugnando esta matéria, por ter sido incorretamente julgada.
4. Quanto à caracterização do acidente, a Recorrente entende que o mesmo não se deveu ao desgaste nas barras antiderrapantes e nos degraus, com buracos, no terceiro lance de escadas, que dá acesso ao “piso -2 “, tendo-se devido exclusivamente a descuido ou a uma mero desequilíbrio da Recorrida ao descer as escadas, concretamente no patamar que dá acesso ao “piso -1” do parque de estacionamento.
5. Este entendimento atinente aos contornos do acidente encontra-se suportado pelo depoimento da testemunha R. M., colega e amigo da Recorrida e que acompanhava à data do mesmo, registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:30:06 identificado pela faixa 20181126115304_5508273_2870569, concretamente 02:05 a 04:33, 05:52 a 06:34, 12:39 a 17:48, 19:03 a 19:44, 20:04 a 20:32 e 20:45 até 23:10, que revelou pouca consistência.
6. No que se refere à causa da queda, esta testemunha foi mesmo contraditória porque tanto afirma que a não viu a Recorrida cair, como diz que a mesma tropeçou ou que a mesma terá enfiado o sapato num buraco, não podendo o seu depoimento ser merecedor de credibilidade.
7. Quanto ao local exacto onde terá ocorrido a queda da Recorrida, a mesma só poderá caído no patamar -1 da caixa de escadas do elevador do parque de estacionamento do Campo ..., em Braga, segundo o depoimento da testemunha S. M., funcionário da Recorrida, que se encontrava ao serviço, no dia e hora, em causa, no parque de estacionamento do Campo ..., registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:18:45 identificado pela faixa 20181126145641_5508273_2870569, designadamente na passagem 1:00 a 1:20, 2:16 a 8:29, conjugado com o documento nº 1 da contestação, relatório de fim de turno, elaborado pela própria testemunha nesse dia, e a informação transmitida ao seu superior, a testemunha C. C..
8. No que concerne ao estado das escadas, a Recorrente actuou com zelo e cuidado no que respeita à manutenção do parque de estacionamento em causa, não se encontrando os degraus degradados, nem as barras antiderrapantes.
9. Não há nenhum registo fotográfico ou algum documento idóneo que comprove o estado das escadas na data do acidente, contrariando todas as regras da experiência comum, atendendo à existência prévia de um processo no Tribunal de Trabalho e que atualmente tudo se fotografa com um telemóvel, cfr. depoimento da testemunha R. M., cujo depoimento ficou registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:30:06 identificado pela faixa 20181126115304_5508273_2870569), passagem 26:03 a 26:32.
10. Ainda quanto ao local onde terá ocorrido acidente e o estado do mesmo à data, o Tribunal a quo não apreciou devidamente o depoimento prestado pela testemunha C. C., registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:16:37 identificado pela faixa 20181126151606_5508273_2870569, concretamente a passagem 9:30 a 10:03., que se revelou informado e coerente.
11. Quanto ao estado das escadas, na data da queda, não poderá também deixar de se ter em consideração que nunca a Recorrida ou outro utilizador do parque de estacionamento fez qualquer reclamação sobre o (mau) estado de conservação, nem se verificou outro incidente semelhante ao dos presentes autos, conforme decorre do depoimento da testemunha R. M., registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:30:0 identificado pela faixa 20181126115304_5508273_2870569,concretamente passagem 23:18 a 24:25, do depoimento da testemunha S. M., cujo depoimento se encontra registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:18:45 identificado pela faixa 20181126145641_5508273_2870569, passagem 12:27 a 12:35 e do depoimento da testemunha C. C., registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:16:37 identificado pela faixa 20181126151606_5508273_2870569, concretamente 7:31 a 9:29.
12. Numa apreciação critica da prova terá que se ter em conta que o alegado (mau) estado de conservação das escadas do parque de estacionamento não determinou sequer que a Recorrida e a testemunha R. M. deixassem de ser utilizadores do mesmo.
13. No que respeita ao dever geral de manutenção do parque de estacionamento, o Tribunal a quo fez tábua rasa do depoimento prestado pela testemunha R. M., registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:30:06 identificado pela faixa 20181126115304_5508273_2870569), concretamente passagem 17:51 a 18:28, em que assume que a Recorrente terá efetuado, no mínimo duas intervenções no parque de estacionamento, designadamente na caixa de escadas, do depoimento da testemunha S. M., cujo depoimento está registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às00:18:45 identificado pela faixa 20181126145641_5508273_2870569, nas passagens 9:23 a 9:47, 13:17 a 13:46 e 15:23 a 15:28, que também confirma a realização de intervenções, da testemunha C. C., cujo depoimento está registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:16:37 identificado pela faixa 20181126151606_5508273_2870569, em 2:15 a 3:01, que relata também a existência de obras e o dever de vigilância sobre o estado do mesmo, a par do depoimento da testemunha P. S., engenheiro civil, registado em CD, no H@bilus Media Studio, de 26.11.2018, com início às 00:00:00 e fim às 00:26:50 identificado pela faixa 20181126153323_5508273_2870569, na íntegra, conjugado com o documento nº 2, junto na contestação, que compreende uma factura, descritivo dos trabalhos efetuados e prova de pagamento, que são absolutamente reveladores da realização de obras neste parque.
14. A realização de intervenções profundas em finais de 2012 e no início de 2018, em todo o parque de estacionamento, a par de outras reparações pontuais, são suficientes para garantir a segurança do parque de estacionamento, designadamente na caixa de escadas aqui em causa.
15. Face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, a prova documental junta aos autos, concretamente os documentos 1 e 2, juntos com a contestação e pelas regras da experiência comum, entende a Recorrente que não poderia a M.ª Juiz a quo ter decidido como decidiu, devendo ser alterada a matéria de facto impugnada.
16. No que respeita à alínea a) dos factos provados, deverá passar a constar que “No dia 22 de Outubro de 2014, pelas 19horas, no Parque de Estacionamento situado no Campo ..., freguesia de Braga (...), cidade de Braga, a Autora ao descer as escadas interiores do parque, já no terceiro lance das mesmas, que dá acesso ao “ piso - 1”, desequilibrou-se, caindo de seguida, ficando prostrada no patamar. “, com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas R. M., S. M., C. C., conjugado com o teor do documento nº 1 da contestação.
17. Na alínea m) dos factos provados, terá que passar a constar que “ No momento em que descia as escadas, no terceiro degrau, a contar de baixo, do lanço imediatamente anterior ao patamar que dá acesso ao “piso-1”, a Autora perdeu o equilíbrio e caiu pelo lanço de escadas”, fundada no teor do depoimentos prestados pelas testemunhas R. M., S. M. e C. C. e no documento nº 1 da contestação.
18. Quanto a alínea t) dos factos provados deverá constar que “ na data do acidente, os degraus encontravam-se em normal estado de conservação, apresentando barras antiderrapantes na ponta do degrau”, por conformidade com os depoimentos das testemunhas S. M., C. C., P. S., documento nº 2 da contestação, conjugado com as regras da experiência comum e da normalidade atendendo que nunca a Recorrida ou outro utilizador do parque apresentaram reclamações sobre o estado das escadas, nem tampouco se verificou outro acidente.
19. No que respeita à alínea u) dos factos provados deverá constar que “ O estado dos degraus não causou a queda da Autora”, atendendo ao depoimento das testemunhas S. M., C. C., P. S., em conjugação com o teor do documento nº 2 da contestação e com as regras da experiência comum e da normalidade atendendo que do ponto de vista ergonómico, uma eventual degradação dos degraus na ponta dos mesmos (seja por desgaste na barra antiderrapante ou junto à mesma) não pode ser causa susceptível para determinar a queda de alguém que está a descer, uma vez, que no máximo só a ponta do sapato poderá ficar junto à ponta do degrau, a par do facto da Recorrida ser conhecedora do estado de conservação dos degraus, por ser utilizadora habitual deste parque de estacionamento.
20. No que toca aos pontos 31), 32) e 33, dos factos dados como não provados constantes da sentença recorrida terá que se dar os mesmos por provados, na íntegra, com base no depoimento das testemunhas S. M. e C. C., conjugados com o teor do documento nº 1 da contestação.
21. No que concerne os factos constantes dos pontos 34) a 40) dados como não provados da sentença recorrida, deverão os mesmos de forma integral ser dados como provados, atendendo ao depoimento das testemunhas S. M., C. C., P. S., em conjugação com o teor do documento nº 2 da contestação.
22. A alteração dos pontos dos factos impugnados no sentido supra indicado é a única que está em consonância com a prova produzida nos presentes autos, testemunhal e documental.
23. Na análise jurídica do caso em apreço teremos de nos socorrer do princípio geral da responsabilidade por factos ilícitos, previsto no artigo 483º e seguintes do CCivil.
24. Os pressupostos que reportam a essa responsabilização cifram-se na violação de um direito ou de interesses alheios, na ilicitude, na imputação do facto ao agente, na existência do dano e no nexo de causalidade entre o facto e o dano.
25. A apreciação do nexo de imputação exprime-se através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito.
26. Essa apreciação da culpa, na falta de outro critério legal, afere-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, por força do princípio consagrado no art. 487º, nº 2, do CCivil.
27. A referência a “circunstâncias de cada caso” consignadas no segmento normativo do nº 2 do art. 487º só pode querer significar que o próprio padrão a ter em conta varia em função do condicionalismo da hipótese e designadamente do tipo de actividade em causa.
28. Da factualidade em apreço não resulta que a queda da Recorrida foi causada pela omissão de quaisquer deveres gerais de cuidado e de segurança por parte da Recorrente, na medida em que esta cumpriu o dever de manutenção da caixa de escadas e do parque de estacionamento em geral, tendo efectuado obras de revelo em finais de 2012 e outras no inicio de 2018, a par de reparações pontuais sempre que se revelou necessário.
29. A Recorrente entende que se mostra afastada a presunção legal imposta pelo art. 492 do C.C., uma vez logrou provar que não infringiu nenhum dever legal de conduta em matéria de conservação e/ou manutenção do parque de estacionamento, tendo tomado as medidas necessárias à verificação das condições de segurança e que a queda indicada não se deveu a qualquer vício de manutenção.
30. Nada indiciava ou fazia prever a queda da Recorrida na caixa de escadas ou em qualquer outra zona do parque de estacionamento, até porque a mesma enquanto utilizadora habitual do mesmo conhecia na perfeição o seu estado de conservação, concluindo-se que o sinistro se terá ficado a dever a um caso fortuito, designadamente em virtude de um desequilíbrio momentâneo.
31. Pelo exposto, não tendo a queda da Recorrida sido causada pela omissão de quaisquer deveres gerais de cuidado e de segurança por parte da Recorrente, não poderá a mesma responsável pelos danos sofridos por aquela em consequência de tal.
32. Em suma, a Recorrente nada deve à Recorrida, devendo por isso ser a sentença ser alterada, com as consequências legais daí decorrentes.”
Pugna a Ré pela integral procedência do recurso, e pela revogação da sentença e absolvição da Recorrente.

A Autora veio apresentar contra-alegações ao recurso da Ré e veio também interpor recurso subordinado apresentando as seguintes conclusões:

“EM CONCLUSÃO

1. As indemnizações consequentes ao acidente por queda em parque de estacionamento e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado.
2. Apesar não ser permitida a cumulação de indemnizações, quando deva haver lugar à fixação de indemnizações na dupla vertente do acidente, cada um dos tribunais – o cível e o laboral – fixará as indemnizações segundo os critérios legais aplicáveis, mas com inteira independência do que tenha decidido ou venha a decidir o outro tribunal, podendo, pois, ser pedidas as duas indemnizações (ao Tribunal do Trabalho uma, outra ao Tribunal comum), para depois ser feita a opção pela mais conveniente.
3. O dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional da lesada, com repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
4. No que diz respeito ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a indemnização deve ser calculada com referência ao tempo provável de vida do(a) lesado(a) (normalmente através da referência à esperança média de vida), e não com base na idade da reforma.
5. No caso vertente, em que as limitações de mobilidade de que a lesada ficou afetada correspondem a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3,00%, contando que a autora tinha 30 anos de idade à data do acidente, com uma esperança média de vida até aos 81 anos, e que as lesões a afectarão durante pelo menos 51 anos até o limite da idade da vida ativa, contando que auferia um rendimento anual € 23.426,98, contando que se afigura equitativa a dedução de uma parcela equivalente a 1/4 ou 25%, pelo facto de recebe a indemnização de uma só vez, fica o capital de € 35 843,28 reduzido a € 26.882,46.
6. Nessas circunstâncias, tem-se como razoável valorar o dano biológico e o dano patrimonial, em montante total não inferior a €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), sob pena de violação do art. 566º do Cód. Civil”.
Pugna a Autora pela integral procedência do recurso e, em consequência, pela alteração da decisão recorrida no sentido de condenar a Ré X Estacionamentos S.A. a pagar à Autora a indemnização de €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), sendo €12.500,00 a título de dano biológico decorrente do défice funcional de 3,00% pontos percentuais e €5.000,00 a título de dano patrimonial, mantendo-se a sentença no mais decidido.
A Interveniente veio apresentar contra-alegações relativamente ao recurso subordinado da Autora pugnando pela sua integral improcedência.
A Ré apresentou também contra-alegações pugnando de igual forma pela integral improcedência do recurso subordinado da Autora.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

A) Do recurso interposto pela Ré a título principal
1 – Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto, concretamente quanto aos pontos a), in fine, m), parte inicial, n), t) e u) dos factos provados e os pontos 31), 32), 33) e 34) a 40) dos factos não provados;
2 – Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.

B) Do recurso interposto pela Autora a título subordinado
1 – Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano biológico na vertente patrimonial.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

a) No dia 22 de Outubro de 2014, pelas 19,00 horas, no Parque de estacionamento situado o Campo ..., freguesia de Braga (...), cidade de Braga, ao descer as escadas interiores do parque, que apresentavam desgaste nas barras antiderrapantes e nos degraus, com buracos, já no terceiro lance das mesmas, que dá acesso ao “piso -2”, escorregou caindo de seguida, ficando prostrada no patamar. (artigo 1. da petição inicial)--
b) A Autora foi recebeu, em sede de processo judicial de acidente de trabalho a quantia de €: 5218,17 de indemnização pelas Incapacidades Temporárias, €: 20 de despesas de transporte e foi fixado o direito a receber, desde 2015, a pensão anual de €: 491,97, relativa à IPP de que ficou portadora, a qual foi objecto de remição, tendo a Autora recebido em 31/3/2016 a quantia de €: 8150,51. (artigo 3. da petição inicial)--
c) A Ré dedica-se, com regularidade, fim lucrativo e por conta própria, à concepção, construção, conservação e exploração de parques de estacionamento. (artigo 10. da petição inicial)--
d) À data dos factos, a Ré explorava, como ainda hoje explora o parque de estacionamento coberto, aberto ao público, situado na Praça ..., no Campo ..., freguesia de Braga (...), cidade de Braga, denominado “Parque do Campo ...”. (artigo 11. da petição inicial)-
e) Dedicando-se, com intuito lucrativo e naquele local, à actividade de exploração de serviço de estacionamento automóvel e de motociclos, com rotação de veículos, nele recebendo, controladamente, através de barreiras colocadas nas entradas de acesso, os clientes, condutores de veículos automóveis e de motociclos que, diariamente, ali acedem e estacionam as suas viaturas automóveis ou motociclos, sujeitos ao pagamento da respectiva tarifa, calculada ou em função do tempo de estacionamento ou em regime de avença mensal, através de montante mensal fixo, titulada por contrato de avença, diurna ou nocturna, em função dos dias e horas mensais acordadas. (artigos 12. a 17. da petição inicial)—
f) O referido parque de estacionamento desenvolve-se em 4 (quatro) pisos subterrâneos, designados por “piso 0”, “piso -1”, “piso -2” e “piso -3”, com lugares de aparcamento traçados no pavimento. (artigo 18. da petição inicial)—
g) O acesso aos “pisos -1” “-2” e “-3” e respetivos lugares de aparcamento faz-se através de elevadores e das escadas interiores. (artigo 19. da petição inicial)-
h) A Autora exerce a profissão de gestora por conta da entidade patronal … – Consultoria e Serviços, Lda. (artigo 20. da petição inicial)—
i) Profissão que exerce na sede daquela entidade, sita no nº … da Praça ..., freguesia de Braga (...), Braga. (artigo 21. da petição inicial)—
j) A Autora estaciona, diariamente, o seu veículo automóvel no parque de estacionamento sito no Campo ..., Braga. (artigo 23. da petição inicial)—
k) No dia 22 de Outubro de 2014, cerca das 19 horas, no final da prestação de mais um dia de trabalho, no percurso do local de trabalho para a sua residência, a Autora deslocou-se para o supra identificado parque de estacionamento, como o fazia todos os dias. (artigo 27. da petição inicial)—
l) Entrando pelo acesso onde se encontram as máquinas de pagamento e os guichés de atendimento ao público. (artigo 28. da petição inicial)—
m) No momento em que descia as escadas, no terceiro degrau, a contar de baixo, do lanço imediatamente anterior ao patamar que dá acesso ao “piso -2”, a Autora tropeçou perdeu o equilíbrio e caiu pelo lanço de escadas. (artigos 29. a 32. da petição inicial)—
n) Até ter ficado imobilizada no patamar das escadas, correspondente ao “piso - 2”. (artigo 33. da petição inicial)—
o) A Autora foi de imediato assistida por um colega de trabalho que naquele momento a acompanhava e a ajudou. (artigo 34. da petição inicial)—
p) Ficou prostrada no chão aguardando a assistência dos profissionais do INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica), que ali se deslocaram e a assistiram. (artigo 35. da petição inicial)—
q) No local esteve igualmente presente um funcionário do parque de estacionamento do Campo de …, que da queda tomou de imediato conhecimento. (artigo 36. da petição inicial)—
r) A Autora de imediato sentiu fortes dores na perna, na zona do tornozelo esquerdo. (artigo 37. da petição inicial)—
s) Tendo sido transportada de ambulância para o Hospital. (artigo 38. da petição inicial)—
t) Na data do acidente, os degraus encontravam-se degradados, apresentando buracos nos sucessivos degraus, com incidência maior junto às barras antiderrapantes, que também apresentam desgaste. (artigo 42. da petição inicial)—
u) O estado dos degraus causou a queda da Autora. (artigo 45. da petição inicial)-
v) No Hospital a Autora foi observada e radiografada. (artigo 56. da petição inicial)—
w) Tendo-lhe sido diagnosticada uma fractura do maléolo do tornozelo esquerdo. (artigo 57. da petição inicial)—
x) Como consequência daquela fractura a Autora foi tratada com imobilização gessada na perna esquerda até 22 de Novembro de 2014. (artigo 58. da petição inicial)—
y) Período durante o qual andou com 2 (duas) canadianas / muletas. (artigo 61. da petição inicial)—
z) A Companhia de Seguros da Entidade Patronal da Autora, a K Companhia de Seguros, tomou a seu cargo os tratamentos de recuperação da Autora, por considerar o acidente dos autos também acidente de trabalho. (artigo 62. da petição inicial)-
aa) A Autora continuou tratamentos nos serviços clínicos da companhia seguradora no Hospital Privado de … e na Fisi…. (artigo 63. da petição inicial)—
ab) Onde realizou 54 tratamentos de fisioterapia. (artigo 64. da petição inicial)—
ac) E efectuou radiografias ao tornozelo em 1/12/2014 e 12/1/2016. (artigos 65. a 67. da petição inicial)—
ad) Com necessidade de realizar as deslocações correspondentes, de canadianas. (artigo 68. da petição inicial)—
ae) Em consequência da queda foi-lhe diagnosticada uma incapacidade temporária absoluta no período de 23 de Outubro de 2014 a 5 de Fevereiro de 2015. (artigo 69. da petição inicial)—
af) Tendo a Autora ficado impossibilitada de exercer a sua actividade profissional nesse período. (artigo 70. da petição inicial)—
ag) A Autora retomou o seu trabalho, em 6 de Fevereiro de 2015. (artigo 71. da petição inicial)—
ah) Foi-lhe fixada uma incapacidade temporária parcial de 20% no período de 6 de Fevereiro de 2015 a 9 de Março de 2015. (artigo 72. da petição inicial)—
ai) e uma incapacidade temporária parcial de 10% no período de 10 de Março de 2015 a 2 de Abril de 2015. (artigo 73. da petição inicial)—
aj) Em 10 de Abril de 2015, a Autora teve alta definitiva, com IPP de 3%.(artigo 74. da petição inicial)—
ak) Durante todo o período da queda, doença e tratamentos a A. sofreu dores. (artigo 75. da petição inicial)—
al) As dores e a falta de mobilidade causaram na Autora angústia e desespero. (artigo 76. da petição inicial)—
am) Por depender de terceiros para alguns dos mais elementares actos da vida corrente, como fosse tomar banho, pois não podia pousar o pé no chão. (artigo 77. da petição inicial)—
an) Teve necessidade de tomar analgésicos e chamar terceira pessoa, para a ajudar. (artigo 79. da petição inicial)—
ao) Apesar dos tratamentos a que se submeteu, a Autora ainda hoje sofre dores, com agravamento nos dias de nevoeiro e humidade. (artigo 80. da petição inicial)-
ap) Dores que a vão acompanhar durante toda a sua vida. (artigo 83. da petição inicial)—
aq) A Autora continua a sentir dores ao efectuar movimentos mais acentuados com o tornozelo esquerdo. (artigo 84. da petição inicial)—
ar) A Autora continua a sofrer de dores no tornozelo esquerdo ao correr ou caminhar em pisos irregulares. (artigo 86. da petição inicial)—
as) A Autora era uma frequentadora assídua do ginásio. (artigo 92. da petição inicial)—
at) Costumava fazer jogging e caminhadas. (artigo 93. da petição inicial)—
au) A Autora é gestora responsável pela área internacional da empresa onde labora, sendo que no exercício da sua actividade profissional sempre se viu forçada a viajar com frequência, para o Brasil, Angola e Moçambique, onde o grupo tem operações comerciais. (artigo 96. da petição inicial)—
av) À data do acidente, a Autora era uma mulher robusta, saudável, bem constituída, trabalhadora, alegre e jovial. (artigo 106. da petição inicial)—
aw) Gozava de boa saúde, não apresentando qualquer defeito físico. (artigo 107. da petição inicial)—
ax) A Autora sente-se diminuída fisicamente. (artigo 108. da petição inicial)—
ay) A Autora deslocava-se do trabalho para casa, sendo o seu trajecto normal. (artigo 129. da petição inicial)—
az) No âmbito do Processo n.º 2054/15.6T8BRG, que correu termos no Juízo de Trabalho de Braga, a Autora recebeu da Q – Companhia de Seguros, S.A. a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta e parcial a quantia de €: 5180,42. (artigo 131. da petição inicial)—
aaa) A Autora auferia a retribuição de € 1464,20 x 14 meses + 7,80 x 22 x 11 meses de subsídio de alimentação + 11,5,62 x 9 meses de ajudas de custo, o que perfaz a retribuição anual de € 23.426,98, a que corresponde semestral de € 11.713,49. (artigo 136. da petição inicial)—
aab) A Autora nasceu a … de Março de 1984. (artigo 137. da petição inicial)—
aac) A limitação da flexão, extensão e edema do tornozelo esquerdo, tendem a agravar-se com o avançar da idade. (artigo 154. da petição inicial)-
aad) Nenhum dos funcionários da Ré presenciou o acidente. (artigo 7. da contestação da R.)—
aae) As barras antiderrapantes existentes nos degraus são metálicas. (artigo 19. da contestação da R.)—
aaf) A Interveniente apenas tomou conhecimento do sinistro com a citação da presente acção. (artigo 3º da contestação da Interveniente)—
aag) A R. apresentou à Interveniente uma proposta de seguro de Responsabilidade Civil, destinado a vigorar a partir das 00,00 horas de 15/01/2014, pelo prazo de 01 ano e seguintes, nos termos do documento 1 junto à contestação da interveniente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 11º da contestação da Interveniente)—
aah) A Seguradora Interveniente celebrou com a R. o sobredito contrato de seguro e procedeu à emissão da respectiva apólice, destinada a titular a vigência do mesmo no período compreendido entre 15/01/2014 e 15/01/2015, nos termos do documento 2 junto à contestação da interveniente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 12º da contestação da Interveniente)—
aai) Nos termos do artigo 4º das condições gerais do contrato “Salvo convenção em contrário, o contrato apenas garante a responsabilidade civil do segurado por eventos geradores de responsabilidade ocorridos durante o período de vigência do contrato e reclamados até ao período máximo de 1(um) ano após o seu termo). (artigo 12º da contestação da Interveniente)—
aaj) Através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 6001491402328, a Seguradora Interveniente obrigou-se a ressarcir a R. “X, LDA.”, até ao limite de EURO 2.500.000,00, valor esse acordado entre ambas, pelos valores reclamados por terceiros que, nos termos da lei, sejam exigíveis, e decorrentes de sinistro coberto pelos riscos definidos, deduzido de uma franquia de 10% do valor de cada sinistro, com o mínimo de EURO 500,00 e máximo de EURO 5.000.(artigo 13º da contestação da Interveniente)—
aak) De acordo com o artigo 2º, alínea a) (exclusões das condições particulares) do referido contrato, ficam expressamente excluídos os danos causados pela inobservância de disposições legais ou regulamentares, bem como das respectivas medidas de segurança e protecção, relativas ao exercício da actividade do(a) Segurado(a) e respectivas instalações e/ou por falta de assistência técnica ou de manutenção das instalações. (artigo 16º da contestação da Interveniente).
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1) No dia referido em a) os degraus estavam húmidos, tendo a Autora colocado um dos sapatos num dos vários buracos dos degraus das escadas. (artigo 1. da petição inicial)—
2) As lesões sofridas com a queda puseram em perigo a vida da Autora. (artigo 5. da petição inicial)—
3) O local de trabalho da Autora dista cerca de 150 metros de uma das entradas do parque de estacionamento do Campo .... (artigo 22. da petição inicial)—
4) A Autora mantém com a Ré uma avença mensal diurna. (artigo 24. da petição inicial)-
5) Com o número de cliente 023088, contra o pagamento da quantia líquida de €55,01 (impostos incluídos). (artigo 25. da petição inicial)—
6) Entrando no parque do Campo ... durante a manhã e saindo no final de cada dia, após a prestação do seu trabalho. (artigo 26. da petição inicial)—
7) Na ocasião referida em m) a Autora ficou com o salto de um dos sapatos preso num dos buracos existentes no pavimento das escadas do parque e torceu o pé esquerdo (artigos 29. a 32. da petição inicial)—
8) A Autora esteve imobilizada, com a perna ao alto durante mais de 3 meses. (artigo 60. da petição inicial)—
9) As dificuldades em dormir e o sono agitado, causaram na Autora angústia e desespero. (artigo 76. da petição inicial)—
10) A Autora ficou melindrada e até vexada e humilhada por depender de terceiros para alguns dos mais elementares actos da vida corrente, como fosse tomar banho, pois não podia pousar o pé no chão. (artigo 77. da petição inicial)—
11) A Autora passou diversos dias e noites sem dormir. (artigo 78. da petição inicial)—
12) A Autora não pode permanecer muito tempo de pé ou deslocar-se normalmente, nem manter o membro inferior direito em flexão. (artigo 85. da petição inicial)—
13) A Autora sente dificuldade na prática de actos da vida diária, nomeadamente, ao levantar da cama e ao efectuar trabalhos de cócoras. (artigo 87. da petição inicial)—
14) A Autora não consegue carregar objectos pesados. (artigo 87. da petição inicial)—
15) sente dificuldade em dobrar-se para apanhar objectos do chão. (artigo 89. da petição inicial)—
16) A Autora não consegue correr, saltar, nem andar rapidamente. (artigo 90. da petição inicial)—
17) Continuam a ser visíveis sinais da fractura envolvendo o tornozelo esquerdo da Autora, que fraturou em dois locais. (artigo 91. da petição inicial)—
18) A Autora deixou de praticar desportos, pois sente fortes dores no tornozelo esquerdo. (artigo 94. da petição inicial)—
19) o que lhe causou desgosto, pois sempre foi uma pessoa preocupada com o seu bem–estar e a sua forma física. (artigo 95. da petição inicial)—
20) No exercício das suas funções a Autora é obrigada a andar durante longos períodos de tempo de pé. (artigo 97. da petição inicial)—
21) e estar durante longos períodos sentada. (artigo 98. da petição inicial)—
22) Em virtude do acidente ocorrido, a Autora não consegue manter a mesma posição, sentada ou de pé, durante muito tempo, queixando-se de dores ao apoiar o pé esquerdo no chão. (artigo 99. da petição inicial)—
23) Sentindo dificuldades ao início da marcha por dor no tornozelo esquerdo. (artigo 100. da petição inicial)—
24) Para continuar a realizar aquelas viagens a Autora tem de realizar esforços acrescidos e, por vezes, penosos e dolorosos. (artigo 101. da petição inicial)—
25) A Autora deixou de caminhar de saltos altos. (artigo 102. da petição inicial)-
26) o que gerou na Autora um quadro de ansiedade e humor depressivo. (artigo 103. da petição inicial)—
27) que se repercutiu igualmente na quebra da sua auto-estima. (artigo 104. da petição inicial)—
28) A Autora temeu pela sua integridade física e pela sua não recuperação, que lhe impossibilitava o exercício da sua actividade. (artigo 105. da petição inicial)—
29) As sequelas de natureza física de que a Autora passou a sofrer demandam esforços acrescidos para o exercício da mesma. (artigo 151. da petição inicial)—
30) A Autora está sempre em posição de inferioridade face a um concorrente, a um pretendente ao mesmo posto de trabalho, ao mesmo emprego, com o que será sempre preterida. (artigo 156. da petição inicial)—
31) O trabalhador da Ré S. M. tendo-se apercebido que algo acontecera na caixa de escadas do elevador nº 1 deslocou-se à mesma. (artigo 8. da contestação da R.)—
32) E no patamar de acesso ao piso -1 encontrou a Autora sentada num dos últimos degraus, queixando-se de dores no pé. (artigo 9. da contestação da R.)—
33) O referido funcionário prontificou-se para ligar para o 112, mas foi-lhe referido que já teria sido chamado. (artigo 10. da contestação da R.)—
34) Em finais do ano de 2012, a Ré procedeu a obras de conservação no parque de estacionamento em apreço. (artigo 14. da contestação da R.)—
35) Estas obras de conservação englobaram a “reparação de fissuras e remates em paredes e pavimentos de escadas e degraus, em marmorite. (artigo 15. da contestação da R.)—
36) A Ré procedeu à eliminação de fissuras das escadas através da colocação de cimento. (artigo 16. da contestação da R.)—
37) Bem como procedeu à sua impermeabilização. (artigo 17. da contestação da R.)—
38) As escadas de acesso aos pisos de parqueamento ficaram sem buracos e insusceptíveis de humidades. (artigo 18. da contestação da R.)—
39) As barras antiderrapantes existentes nos degraus não são susceptíveis de desgaste. (artigo 19. da contestação da R.)—
40) A Ré assegura a manutenção das escadas do parque de estacionamento e demais equipamentos do mesmo através da realização de frequentes obras de conservação e de melhoramento. (artigo 23. da contestação da R.)—
41) A Autora usava na altura do acidente sapatos de tacão alto e de reduzida base de apoio plantar. (artigo 28. da contestação da R.)--
***
3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

Decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Sustenta a Ré que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto factos provados a), in fine, m), parte inicial, n), t) e u) e os pontos 31), 32), 33) e 34) a 40) dos factos não provados.

Quanto aos factos provados entendem que devem os mesmos passar a ter a seguinte redação:

- no que respeita à alínea a) entende que deverá passar a constar que “No dia 22 de Outubro de 2014, pelas 19horas, no Parque de Estacionamento situado no Campo ..., freguesia de Braga (...), cidade de Braga, a Autora ao descer as escadas interiores do parque, já no terceiro lance das mesmas, que dá acesso ao “piso - 1”, desequilibrou-se, caindo de seguida, ficando prostrada no patamar”, com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas R. M., S. M., C. C., conjugado com o teor do documento nº 1 da contestação;
- quanto à alínea m) terá que passar a constar que “No momento em que descia as escadas, no terceiro degrau, a contar de baixo, do lanço imediatamente anterior ao patamar que dá acesso ao “piso-1”, a Autora perdeu o equilíbrio e caiu pelo lanço de escadas”, fundada no teor do depoimentos prestados pelas testemunhas R. M., S. M. e C. C. e no documento nº 1 da contestação;
- quanto à alínea t) dos factos provados deverá constar que “na data do acidente, os degraus encontravam-se em normal estado de conservação, apresentando barras antiderrapantes na ponta do degrau”, por conformidade com os depoimentos das testemunhas S. M., C. C., P. S., documento nº 2 da contestação, conjugado com as regras da experiência comum e da normalidade atendendo que nunca a Recorrida ou outro utilizador do parque apresentaram reclamações sobre o estado das escadas, nem tampouco se verificou outro acidente;
- no que respeita à alínea u) dos factos provados deverá constar que “O estado dos degraus não causou a queda da Autora”, atendendo ao depoimento das testemunhas S. M., C. C., P. S., em conjugação com o teor do documento nº 2 da contestação e com as regras da experiência comum e da normalidade atendendo que do ponto de vista ergonómico, uma eventual degradação dos degraus na ponta dos mesmos (seja por desgaste na barra antiderrapante ou junto à mesma) não pode ser causa suscetível para determinar a queda de alguém que está a descer, uma vez, que no máximo só a ponta do sapato poderá ficar junto à ponta do degrau, a par do facto da Recorrida ser conhecedora do estado de conservação dos degraus, por ser utilizadora habitual deste parque de estacionamento.
Quanto aos pontos 31), 32), 33) e 34) a 40) dos factos não provados entende que deverão os mesmos de forma integral ser dados como provados.
Analisemos então os motivos da discordância da Recorrente começando por referir que o que a mesma pretende, ao fim e ao cabo, é que deveria ter sido dada como provada a sua versão dos factos respeitante à realização de obras no parque e à manutenção e conservação do mesmo que alega levar a cabo com regularidade, afirmando-se zelosa e diligente, imputando a queda da Autora a um momento de desequilíbrio, descuido e desatenção da mesma, conjugado com a perigosidade do seu calçado.
Analisando a motivação exposta pelo tribunal a quo, e desde já antecipando a nossa decisão, entendemos não assistir razão à apelante sendo que as razões invocadas radicam essencialmente na sua discordância relativamente à convicção do Tribunal a quo, esgrimindo argumentos no sentido de dever ser dada credibilidade aos depoimentos das testemunhas por si indicadas, em conjugação com os documentos que juntou.
O tribunal a quo, na análise da prova produzida em audiência, equacionou a prova testemunhal produzida bem como a prova documental constante dos autos. E fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo através de raciocínio lógico a forma como formou a sua convicção, especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma e justificando os motivos da sua decisão, designadamente porque não deu mais credibilidade às declarações das testemunhas indicadas pela Ré, esclarecendo de forma fundamentada os motivos da opção tomada perante a prova produzida.
Ora, relativamente à prova, entendemos que quer na 1.ª Instância, quer na Relação, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios, em particular o da livre apreciação da prova consagrado no artigo 607º n.º 5 do Código de Processo Civil.
Prevê este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do artigo 607º).
Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, página 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas”.
A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, página 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Obra Cit. página 655).
Por isso, o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
É por isso o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, que está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando “tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto” (acórdão deste Tribunal de 7/04/2016 disponível em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido salienta Ana Luísa Geraldes (Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
E na motivação constante da decisão recorrida o tribunal a quo esclareceu de forma crítica e fundamentada, e através de raciocínio lógico, a forma como formou a sua convicção, e indicou especificada e justificadamente os fundamentos decisivos para a formação da mesma, analisando não só as declarações que foram proferidas pelas testemunhas ouvidas em audiência, mas também a forma como cada testemunha prestou as suas declarações, e fê-lo ainda no confronto com os demais elementos probatórios (prova documental).


Conforme se pode ler na decisão recorrida (após consignar que fundou a sua convicção na conjugação e apreciação crítica de toda a prova produzida em julgamento, bem como na prova documental junta aos autos):

“Quanto aos contornos do sinistro e estado das escadas na data do sinistro – alíneas a), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), ay) e aad) e pontos 1), 2), 3), 7), 31), 32), 33) e 41) -, o Tribunal julgou relevante o depoimento de R. M., colega e amigo da A. e que a acompanhava naquela ocasião. Com as condicionantes normais de um depoimento sobre factos ocorridos há mais de 4 anos (e que não o afetou diretamente), apresentou a testemunha um depoimento consistente e claro, sendo colaborante com todos os intervenientes e relatando de forma espontânea a cronologia dos factos, abstendo-se de efabulações. Tal evidenciou-se na resposta à pergunta concreta sobre a forma como ocorreu a queda, nomeadamente se a A. havia enfiado um tacão num buraco, o que a testemunha disse não ter visto, por se encontrar à frente da A., já 2 ou 3 escadas abaixo, embora tal lhe tenha sido transmitido pela A. na ocasião. Não obstante, relatou com rigor o estado (mau) das escadas e do piso em geral naquela altura, referindo ter entretanto (em data que não conseguiu concretizar), o mesmo sofrido melhoramentos. De toda a forma, naquela altura, segundo este depoimento, os degraus tinham buracos/desníveis e as barras antiderrapantes estavam levantadas, o que é, desde logo, um desgaste das mesmas. Por outro lado, deste depoimento resultou que a A. não seguia em passo apressado, que não havia humidade (resultado das condições atmosféricas) e que não levava a A. sapatos de saltos de tornassem mais suscetível a ocorrência de um tropeço. Resultou, pois, para o tribunal, que a queda da A. se deveu ao estado global dos degraus, que não ofereciam segurança, pese embora, repita-se, não se tenha apurado o concreto movimento que gerou o desequilíbrio e a queda. A tomada de conhecimento pelo funcionário do parque resultou quer do depoimento da testemunha vinda de referir, quer do depoimento do próprio (a testemunha S. M.), embora tenham as testemunhas divergido na forma como esse conhecimento foi alcançado, o que, na verdade, não assume relevância. Importa notar, ainda neste âmbito, da discrepância entre os depoimentos das testemunhas R. M. e S. M., do local exato onde a queda ocorreu, pois que se o primeiro referiu que tal sucedeu no patamar do piso -2, o segundo disse que foi no patamar do piso -1. Ora, enquanto a testemunha R. M. apresentou uma justificação clara para o que referiu (que a A. estacionava – e segundo pensa ainda estaciona – o carro no piso -2 por ser o que lhe dá um acesso mais rápido e ter referido quando a viu cair qualquer coisa como “então já estavas mesmo a chegar e fazes isto?”), a testemunha S. M. disse que sabia que tinha sido no piso -1 porque tinha feito tal anotação no diário de ocorrências que é mantido no parque (cfr. fls. 30), o que, como é óbvio, pode ter sido um lapso na altura. Não se logrou, igualmente, face às duas versões apresentadas pelas testemunhas em causa e, principalmente, face à pouca segurança da testemunha R. M. nesse particular, apurar do que se passou após a queda, quem chamou o INEM e qual a intervenção da testemunha S. M. nesse momento. Resta referir, quanto ao estado do piso e escadas naquela altura que não se atentou às fotografias juntas à petição inicial (fls.16), pois que não ficou claro para o tribunal quando terão as mesmas sido tiradas.-
(…) Quanto à atividade exercida pela R., relação entre A. e R. e características do local – alíneas c), d), e), f), g) e aae) e pontos 4), 5), 6), 34), 35), 36), 37, 38), 39) e 40) – o tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas arroladas pela R., S. M., C. C. e P. S., seus funcionários os primeiros dois e colaborador de uma empresa do grupo o terceiro.—
Ora, se quanto à atividade exercida pela R. e natureza das barras antiderrapantes foram os mesmos coincidentes, quer entre si, quer face ao depoimento das testemunhas da A. R. M. e J. P., já o mesmo não sucedeu quanto à manutenção do espaço e obras de conservação. Com efeito, nesse particular apresentaram-se as testemunhas confusas, contradizendo-se umas às outras, ficando o tribunal sem conseguir perceber se, e, em caso afirmativo, quando, sofreu a zona por onde acedeu a A. ao parque, e onde caiu, sofreu efetivamente obras de reparação.—
A testemunha S. M., que trabalha na caixa central do parque desde 2007, apresentou respostas que pareceram dirigidas e pouco espontâneas, adiantando-se nas mesmas quando lhe era colocada uma pergunta prévia (assim quando perguntado sobre as características das barras apresentou um discurso que se afigurou despropositado para aquela questão). Por outro lado, referiu que houve recentemente obras, com substituição de algumas das barras, mas sem que tenha clarificado o tribunal quanto a saber-se se as que estão aqui em causa foram, após o acidente substituídas.—
Já a testemunha C. C., que exerce funções de diretor de operações da R. (cabendo-lhe nomeadamente a gestão do parque aqui em causa que refere visitar diariamente), sendo seu funcionário há 23 anos, se num primeiro momento disse que chegou a ver alguns “buraquinhos” nas escadas, que assegura terem sido reparados, acabou por referir que, pese embora algumas barras antiderrapantes tenham sido substituídas, tal não sucedeu naquele local, o que se afigura estranho, já que sendo o local onde se encontra a caixa central (onde presta serviço a testemunha S. M.), seria natural que sofressem mais deterioração com a passagem das pessoas.—
Da mesma forma, o depoimento de P. S. não se apresentou consistente e coerente, pois tanto referia ter feito obras de reparação naquele parque em 2012 e 2018, como dizia que não terão intervindo no local em causa nos autos nomeadamente com a substituição das barras mas sim noutros acessos com mais movimento de pessoas. Como já dissemos, tal não se afigura coerente, sendo que nem com o recurso aos documentos juntos à contestação (fls. 30/31) logrou o tribunal ficar esclarecido. Admitimos, até porque as próprias testemunhas da A. o referiram, que sejam feitas manutenções no parque. Parece-nos é que, contudo, as mesmas não sejam suficientemente frequentes, estando aquele piso, pela passagem de milhares de pessoas por mês, pelo atrito causado por calçado e detritos arrastados da rua nomeadamente por intempéries, sujeito a uma deterioração severa. Mesmo a terem ocorrido naquele local (onde a. caiu) obras de manutenção em 2012 (o que não conseguimos apurar), o transcurso de 2 anos já justificaria uma nova intervenção, mormente nas escadas, o que não foi sequer referido ter sido feito.—
Ouvidos os depoimentos das testemunhas ora indicadas pela Recorrente, e considerado o teor dos documentos juntos com a contestação, não entendemos que se possa concluir, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso ou impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª Instância.
É que a prova tem de ser analisada na sua globalidade e de forma crítica, não bastando que algumas testemunhas prestem declarações no sentido da pretensão dos recorrentes. E o tribunal a quo, analisando o depoimento das testemunhas indicadas pela Recorrente e a forma como o prestaram, esclareceu de forma fundamentada porque não lhes atribuiu a credibilidade que a Recorrente pretende lhes seja atribuída.
Na verdade, o tribunal a quo não “fez tábua rasa” do depoimento prestado pelas testemunhas indicadas pela Recorrente S. M., C. C. e P. S. o, como pretende a Recorrente, designadamente quanto ao estado das escadas e à manutenção do parque de estacionamento, antes considerou e analisou criticamente os seus depoimentos (e a forma como foram prestados) conforme ressalta do texto que aqui transcrevemos; salientando ainda a insuficiência dos mesmos em conjugação com os documentos referidos pela Recorrente para dar como provadas as intervenções por parte da Recorrente no local da queda, sendo que é este que no caso concreto releva.
E quanto ao depoimento da testemunha R. M., indicado pela Autora, o mesmo referiu que efetivamente a Recorrente teria levado a cabo duas intervenções nas escadas, mas situou-as após a queda e outra mais recentemente, o que não releva para o caso em apreço, podendo até considerar-se que se intervencionou as escadas algum tempo depois da queda é porque não estariam devidamente conservadas na data do acidente.
Por outro lado, também não vemos que seja de considerar errado o entendimento do tribunal a quo ao optar pelo local da queda indicado pela Autora e pela testemunha R. M. (piso -2) em detrimento do indicado pela testemunha S. M. (piso -1) pois que efetivamente este se baseou exclusivamente no que constava do documento (relatório) elaborado onde consta “Patamar 1” (cfr. documento de fls. 30) e ao qual recorreu, nada garantindo que efetivamente o mesmo não padeça de lapso; até porque, tal como consta da motivação “a testemunha R. M. apresentou uma justificação clara para o que referiu (que a. estacionava – e segundo pensa ainda estaciona – o carro no piso -2 por ser o que lhe dá um acesso mais rápido e ter referido quando a viu cair qualquer coisa como “então já estavas mesmo a chegar e fazes isto?”), referindo até ter dito à Autora que “estava a três degraus de não ter caído”, afirmando por isso recordar-se perfeitamente que foi no piso -2.
De referir por último que o argumento aduzido pela Recorrente de a Autora ou a testemunha R. M., que com ela se encontrava, não terem registado fotograficamente as escadas no momento da queda em nada releva a favor da tese da Recorrente, tanto mais que vale de igual forma para si, atenta a responsabilidade que tem pela gestão do parque e o facto de logo no momento o seu funcionário ter sido alertado e ter estado com a Autora, tendo elaborado um relatório do acontecimento, e do seu funcionário com funções de supervisão, a testemunha C. C., ter tido informação da queda no dia da mesma e ter ido ao parque, ainda que a Autora já lá se não encontrasse.
E se até à data da queda da Autora não houve noticia de outro incidente semelhante no parque não se pode retirar dai por si só a conclusão que o local em causa se encontrava em bom estado de conservação, e nem o facto de a Recorrente alegadamente não ter tido reclamações sobre o estado do parque a desonera de demonstrar que efetivamente levava a cabo a manutenção e conservação do parque, em particular considerando o momento e o local em concreto da queda.
Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida pela 1ª Instância, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora apreciar se deve manter-se a decisão jurídica da causa, começando por analisar os demais fundamentos constantes da apelação da Ré.
E, mantendo-se o quadro factual julgado provado, ter-se-á de manter, igualmente, a decisão jurídica da causa na parte em que julgou a Ré responsável pela obrigação de indemnizar a Autora, pois que se mostra adequada e correta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
De facto, tendo improcedido a pretensão da Recorrente quanto à reapreciação da matéria de facto e mantendo-se esta inalterada é inquestionável que tem de se manter a decisão proferida uma vez que a Ré não logrou demonstrar os cuidados com a manutenção do parque de estacionamento que alegara e nem a culpa da Autora na queda (nomeadamente pelo descuido e desatenção conjugados com o uso de saltos altos).
Pelo contrário, ficou demonstrado que na data do acidente, os degraus encontravam-se degradados, apresentando buracos nos sucessivos degraus, com incidência maior junto às barras antiderrapantes, que também apresentavam desgaste, e que o estado dos degraus causou a queda da Autora (cfr. alíneas t) e u) dos factos provados).
Assim, tal como consta da sentença recorrida forçoso é concluir que a Ré atuou com culpa, ainda que presumida, “afirmando-se, sem necessidade de mais considerações, o nexo de imputação entre o agente e o facto lesivo”, mostrando-se verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual geradores para a Ré da obrigação de indemnizar a Autora.
Vejamos.
Conforme é consabido a responsabilidade civil extracontratual é suscetível de abranger a tríplice espécie derivada de facto ilícito, do risco ou de facto lícito.
A propósito da primeira das referidas vertentes, resulta da lei expressamente que a violação ilícita, com dolo ou mera culpa, do direito de outrem gera a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos dela decorrentes (nos termos do artigo 483º do Código Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigada a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação).
Não vem questionado nos autos que a pretensão da Autora se enquadra se funda na responsabilidade civil extracontratual tal como foi considerado, e bem, na sentença recorrida (v. conclusão 23ª e seguintes da apelação da Ré).
Assim, a responsabilidade civil, geradora da obrigação de indemnizar, impõe a verificação de um facto voluntário, que tal facto seja ilícito, que exista um nexo de imputação do facto ao lesante, indicador da existência e intensidade da culpa, que existam danos e que entre estes e o facto ilícito exista um nexo de causalidade.
Em particular no que toca à culpa, dispõe o artigo 487º n.º 1 do Código Civil que é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
Segundo as regras gerais, caberia à Autora alegar e provar os factos donde se extraísse a culpa da Ré (cfr. artigos 342º n.º 1 e 487º n.º 1, ambos do Código Civil).
Porém, no caso concreto há que atender, conforme bem se refere na sentença recorrida, ao preceituado no artigo 493º do Código Civil, pois que a parte final do n.º 1 do referido artigo 487º ressalva os casos em que se verifique a existência de uma presunção legal de culpa.
Prevê o referido artigo 493º n.º 1 que “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar (…) responde pelos danos que a coisa (…) causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou de que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
A responsabilidade recai sobre quem tem o dever de o vigiar; como referia Vaz Serra (Trabalhos Preparatórios, BMJ 85º página 365) quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano e está em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tendo a coisa à sua disposição deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda.
No caso dos autos sabemos que a Autora sofreu uma queda no interior do parque de estacionamento situado no Campo ..., em Braga, no dia 22 de outubro de 2014.
Mais se provou que a Ré se dedica à conceção, construção, conservação e exploração de parques de estacionamento, sendo quem, à data dos factos explorava o referido parque, o qual configura um parque de estacionamento coberto e aberto ao público (v. alíneas c) e d) dos factos provados).
E que a Ré se dedica com intuito lucrativo e naquele local, à atividade de exploração de serviço de estacionamento automóvel e de motociclos, com rotação de veículos, nele recebendo, controladamente, através de barreiras colocadas nas entradas de acesso, os clientes, condutores de veículos automóveis e de motociclos que, diariamente, ali acedem e estacionam as suas viaturas automóveis ou motociclos, sujeitos ao pagamento da respetiva tarifa, calculada ou em função do tempo de estacionamento ou em regime de avença mensal, através de montante mensal fixo, titulada por contrato de avença, diurna ou noturna, em função dos dias e horas mensais acordadas, desenvolvendo-se o parque em 4 (quatro) pisos subterrâneos, designados por “piso 0”, “piso -1”, “piso -2” e “piso -3”, com lugares de aparcamento traçados no pavimento e sendo o acesso aos “pisos -1, -2 e -3” e respetivos lugares de aparcamento feito através de elevadores e das escadas interiores (cfr. alíneas e) a g) dos factos provados).
No caso em apreço não temos dúvidas quanto à subsunção da situação concreta (queda da Autora no parque) à previsão do n.º 1 daquele artigo 493º, pois cabia à Recorrente o dever de vigilância do parque de estacionamento, designadamente da sua manutenção e conservação, em particular das escadas de acesso aos diferentes pisos subterrâneos onde são aparcados os veículos, tanto mais que os condutores ai acediam para estacionar veículos ou motociclos, mediante o pagamento àquela, de um determinado preço, uma tarifa, calculada ou em função do tempo de estacionamento ou em regime de avença mensal, através de montante mensal fixo, titulada por contrato de avença.
Tal como se refere na sentença recorrida por ali “passam certamente milhares de pessoas [veja-se a dimensão do mesmo que resultou provada em f)], entre as quais certamente pessoas com capacidade reduzida de mobilidade (crianças e idosos, além do mais), pelo que era à mesma que cabia zelar pelas condições do pavimento e acessos do mesmo, de forma a garantir a adequada circulação dos utentes do parque”.
Encontra-se dessa forma a Autora dispensada de provar a culpa da Ré, em face da referida presunção de culpa.
Nesta situação, admite-se, contudo, a exclusão da responsabilidade, mediante a prova de factos que traduzam ou a ausência de culpa ou uma situação de inevitabilidade em que os danos se produziriam mesmo sem qualquer culpa do proprietário da coisa de que naturalisticamente decorrem os danos para terceiros.
A Ré poderia ilidir a presunção quer provando que nenhuma culpa houve da sua parte ou provando que, ainda que não existisse culpa da sua parte, os danos se teriam igualmente produzido.
Como já referimos, tal não sucedeu.
Conforme decorre dos factos provados a Autora caiu ao descer as escadas interiores do parque e a Ré não logrou demonstrar os cuidados com a manutenção do parque de estacionamento conforme alegara e nem a culpa da Autora na queda, isto é que a queda ocorreu em virtude do descuido e desatenção da Autora conjugados com o uso de saltos altos.
Pelo contrário, ficou demonstrado que na data do acidente, os degraus encontravam-se degradados, apresentando buracos, com incidência maior junto às barras antiderrapantes, que também apresentavam desgaste, e que o estado dos degraus causou a queda da Autora.
Como tal, sem necessidade de mais desenvolvimentos, entendemos efetivamente que a Ré não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si recaia por força do disposto no referido artigo 493º n.º 1.
Improcede, por isso, integralmente a apelação da Ré.
As custas desde recurso são da responsabilidade da Ré/Recorrente em face do seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
Do recurso subordinado da Autora

O recurso da Autora, tal como por esta delimitado, prende-se exclusivamente com o montante da indemnização atribuído pelo tribunal a quo, e apenas no que se reporta ao montante fixado quanto ao dano biológico, na sua vertente patrimonial, não tendo sido colocado em causa o valor fixado a título de danos não patrimoniais (€10.000,00)e nem a título de diferença entre o que recebia de vencimento e o que recebeu no âmbito do processo de acidente de trabalho (€3.514,00).
Entende a Autora que no que diz respeito ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho, dano patrimonial futuro, a indemnização deve ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado, ao défice de que ficou a padecer, à idade do lesado, à esperança media de vida, ao rendimento auferido e à dedução de uma parcela equivalente a 25% pelo facto de receber a indemnização toda de uma vez; e considera por isso adequado fixar em €17.500,00 a indemnização a este titulo, sendo €12.500,00 a titulo de dano biológico e €5.000,00 a título de dano patrimonial.
A primeira questão a dilucidar é que não entendemos que a indemnização respeitante ao dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade de 3 pontos que ficou a padecer deva ser cindida num montante a título de dano biológico e outro montante a título de dano patrimonial conforme parece decorrer das alegações da Autora, mas sim a um único valor indemnizatório.
De facto, o dano biológico não deve ser configurado como uma terceira categoria de dano, um tertium genus, ao lado dos danos patrimoniais e não patrimoniais, antes a sua valoração deverá fazer-se por recurso às categorias tradicionais de dano patrimonial e dano não patrimonial.
Conforme resulta do preceituado no artigo 564º n.º 2 do Código Civil, na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Ao referir-se a danos futuros previsíveis tem a lei em vista aqueles que não estando verificados no momento em que se opera o cálculo da indemnização podem vir a verificar-se depois (ou seja, aqueles que devem ser havidos como certos ou suficientemente prováveis, dentro do mecanismo do nexo causal; cfr. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, páginas 393 e 394).

Ora, vem sendo decidido pela jurisprudência que “o dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respetivo rendimento salarial” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/10/2007, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 05/12/2017, relatado pela Conselheira Ana Paula Boularot) não sendo necessário que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida, para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial, bastando que tal incapacidade constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de futuros lucros cessantes (v. o recente Acórdão desta Relação de Guimarães de 30/05/2019, relatado pela Desembargadora Margarida Sousa, Adjunta da aqui relatora; todos estes Acórdãos bem como os demais que se irão citar encontram-se disponíveis em www.dgsi.pt).
Nos casos em que não ocorre verdadeiramente uma diminuição do rendimento profissional, há que avaliar ainda assim no caso concreto, a previsibilidade de se verificar uma perda patrimonial futura, desde logo por força da perda de capacidade competitiva num mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente, mas também pela própria repercussão que poderá ter na carreira profissional.
Já no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2010 (relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego) se refere que na verdade “a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis deminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais – e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em jovem de 16 anos, cujas perspetivas de emprego e remuneração podem ficar plausivelmente afetadas pelas irremediáveis sequelas das lesões sofridas”
Ora, veja-se em concreto que a Autora que exerce a profissão de gestora é responsável pela área internacional da empresa onde trabalha e no exercício da sua profissão sempre teve de viajar com frequência para o Brasil, Angola e Moçambique, e agora depara-se ainda hoje com dores, que a vão acompanhar toda a vida, designadamente ao efetuar movimentos mais acentuados com o tornozelo, bem como ao correr ou caminhar em pisos irregulares, sendo que a limitação da flexão, extensão e edema do tornozelo tendem a agravar-se com o avançar da idade.
Na sentença recorrida pode ler-se a este propósito que “Importa, assim, atribuir-lhe, a título de dano futuro, uma quantia relativa à perda da capacidade de ganho. (…) No caso que nos ocupa, a A. nasceu em 19/2/1947, ou seja, tinha 67 anos aquando do acidente e não lhe foram identificadas doenças anteriores. Não exercia atividade remunerada na altura do acidente.--
Em consequência do acidente, a A. sofreu fratura do maléolo do tornozelo esquerdo que ainda hoje lhe causa dores e incómodos, ficou portadora de um défice funcional permanente de Integridade físico-psíquica de 3 pontos, sem afetação na atividade profissional.--
Assim, ponderando, designadamente, a idade do lesado à data do acidente, a sua esperança de vida e o facto de receber por uma só vez o montante indemnizatório, bem as concretas sequelas que lhe advieram do evento danoso, entende-se, como ajustada a fixação, a título de dano futuro, do montante indemnizatório de €: 8000 (oito mil euros).---
Inclui-se aqui o dano biológico, na sua vertente patrimonial, pois que entendemos que o dano biológico deve ser atendido, além de na determinação do dano patrimonial futuro, como igualmente na fixação de indemnização por danos não patrimoniais, mas não assume, por si só, autonomia indemnizatória.—
Ora, sucede que, a A. recebeu já, a título de indemnização pela incapacidade de que ficou portadora, da companhia de seguros, a quantia de €: 8150,51, não podendo por, sob pena de estar a enriquecer sem causa, receber neste âmbito qualquer quantia a esse título.”
Ressalta, por isso, da sentença recorrida a existência do lapso que lhe aponta a Autora: esta nasceu em .. de março de 1984 pelo que à data da queda tinha 30 anos e não 67 anos, e exercia, como vimos, atividade remunerada na altura do acidente auferindo a retribuição de €1464,20 x 14 meses+7,80x22x11 meses de subsídio de alimentação+11,5,62 x 9 meses de ajudas de custo, o que perfaz a retribuição anual de €23.426,98, a que corresponde semestral de €11.713,49.
Analisando então os factos concretos temos que a Autora tinha à data da queda 30 anos de idade, e à data da alta definitiva, em 10 de abril de 2015, 31 anos e ficou afetada por uma incapacidade de 3 pontos percentuais, era gestora numa empresa e auferia a retribuição de €1464,20 x 14 meses+7,80x22x11 meses de subsídio de alimentação+11,5,62 x 9 meses de ajudas de custo, o que perfaz a retribuição anual de €23.426,98, a que corresponde semestral de €11.713,49.
Deverá também atender-se não à duração da vida profissional da Autora até atingir a idade da reforma, mas à idade que corresponde à esperança média de vida das mulheres que, como a Autora nasceram em 1984 e que é de 76,1 (cfr. www.pordata.pt), e, por último, que, face aos juros bancários atualmente praticados, a antecipação dos rendimentos não constitui nos dias de hoje uma vantagem que anteriormente justificava a redução do quantitativo necessário à reparação do dano.
Acresce dizer que o que está em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a qual se deverá enquadrar dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
Julgamos, por isso, em face da referida factualidade, que o valor fixado pelo tribunal a quo não se mostra conforme à equidade e nem se enquadra dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.

Citamos aqui a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (relatado pela Conselheira Graça Trigo) em que a uma lesada com um défice funcional de 2 pontos e 31 anos de idade, operária fabril que apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flete para a esquerda e para a direita, sempre que a flete no sentido ante-posterior, foi atribuída pela perda da capacidade de ganho o montante de €20.000,00, ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/2016 (relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes), onde se decidiu que tendo a Autora 40 anos à data da consolidação das sequelas, “e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de €25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial”; o Acórdão desta Relação já citado de 30/05/2019 em que a um lesado com um défice funcional de 4 pontos e 48 anos de idade à data da consolidação médico legal das lesões, Assistente Operacional/Fiel de Armazém por conta dos Serviços Municipalizados de Saneamento Básico, que a nível profissional ficou com dificuldades acrescidas sobretudo quando tem necessidade de força e esforços físicos e transportar objetos pesados, foi atribuído pela perda da capacidade de ganho o montante de €15.000,00; e ainda o recente Acórdão desta Relação de 12/09/2019, relatado pelo Desembargador Ramos Lopes, em que se considerou justa, equilibrada e ponderada a indemnização de vinte mil euros para indemnizar o dano patrimonial sofrido por lesada que exercia profissão não qualificada e que com 41 anos ao tempo do embate ficou a padecer, em consequência das lesões sofridas, de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos, que sendo compatível com o exercício da atividade profissional habitual lhe implica esforços suplementares no transporte de pesos superiores a 5 kgs, que se expande e repercute (ainda que em grau correspondente ao défice de sete pontos de que ficou afetada, mas com previsível agravamento futuro) pelas várias tarefas e atividades desempenhadas, limitando-a no respetivo exercício (e refletindo-se até na frustração do desempenho de quaisquer outras atividades de cariz económico-profissional).
Assim, por ser conforme à equidade e enquadrar-se nos valores jurisprudenciais aplicados em casos simulares, afigura-se-nos adequado para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial fixar a indemnização em €15.000,00 em vez dos €8.000,00 arbitrados pelo tribunal a quo, valor este já reportado à presente data.
Como resulta dos autos (alínea b) factos provados) e consta da sentença recorrida a Autora recebeu já, a título de indemnização pela incapacidade, da companhia de seguros, a quantia de €8.150,51.
Entendeu o tribunal a quo que, sob pena de estar a enriquecer sem causa, não podia a Autora receber neste âmbito qualquer quantia a esse título; até porque recebera mais no processo de acidente de trabalho do que a quantia fixada pelo tribunal a quo.

Como se escreve no referido Acórdão desta Relação de 12/09/2019, entendimento que perfilhamos e aqui subscrevemos, “as indemnizações consequentes a evento simultaneamente qualificável como acidente de viação e como acidente de trabalho (assentes em critérios distintos e com funcionalidade própria) não são cumuláveis, antes se complementando até ao ressarcimento integral do dano/prejuízo causado, não podendo tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado acumule, no seu património, um duplo ressarcimento do mesmo dano concreto (…) em tais situações em que se verificam as duas fontes da obrigação de indemnizar (civil e laboral), a responsabilidade infortunística laboral assume carácter subsidiário relativamente à responsabilidade civil extracontratual – a responsabilidade primacial e definitiva cabe ao responsável civil, seja com base na culpa, seja com fundamento no risco, podendo sempre a entidade patronal ou a respetiva seguradora repercutir naquele responsável civil o que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado”.
O lesado pode, por isso, exigir alternativamente a indemnização a qualquer dos responsáveis (laboral ou civil), podendo optar por qualquer delas e combiná-las (até ao ressarcimento total do dano causado), ainda que de tal combinação não possa resultar uma acumulação de indemnizações; e podendo optar pela indemnização que lhe seja mais favorável pode ainda pretender que na indemnização exigida ao responsável civil se deduza o valor já recebido do responsável laboral.
Refere a Recorrente nas suas alegações que tendo recebido a quantia de €8.150,51 terá de deduzi-la no montante a fixar nos presentes autos.
Assim, considerando a quantia ora fixada de €15.000,00 e deduzindo a já recebida pela Autora deverá, na parcial procedência da apelação, ser a Ré ainda condenada no pagamento à Autora da quantia de €6.849,49 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro (dano biológico na sua vertente patrimonial), acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.
As custas deste recurso são da responsabilidade da Autora/Recorrente e das Recorridas na proporção do respetivo decaimento, e as custas da ação são da responsabilidade da Autora e da Ré também na proporção do respetivo decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º nº. 7 do Código do Processo Civil):

I - A queda da Autora nas escadas interiores do parque de estacionamento, aberto ao público e explorado pela Ré, faz incorrer a Ré na obrigação de reparar os danos sofridos pela Autora por se presumir a sua culpa, nos termos do n.º 1 do artigo 493º do Código Civil.
II – Não tendo a Ré não logrado demonstrar os cuidados com a manutenção do parque de estacionamento que alegara e nem que a queda ocorreu em virtude do descuido e desatenção da Autora conjugados com o uso de saltos altos, antes tendo ficado demonstrado que na data do acidente, os degraus encontravam-se degradados, apresentando buracos nos sucessivos degraus, com incidência maior junto às barras antiderrapantes, que também apresentavam desgaste, e que o estado dos degraus causou a queda da Autora, não se pode considerar ter ilidido a presunção de culpa que sobre si recaia.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação:

a) Julgar totalmente improcedente a apelação da Ré;
b) Julgar parcialmente procedente o recurso subordinado da Autora e, em consequência, alterar a sentença recorrida no sentido de condenar ainda a Ré X Estacionamentos S..A no pagamento à Autora M. C. da quantia de €6.849,49 (seis mil oitocentos e quarenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos) a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro (dano biológico na sua vertente patrimonial), acrescida do valor correspondente aos juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento, confirmando-se no mais a sentença recorrida;
c) As custas do recurso da Ré são integralmente da sua responsabilidade;
d) As custas do recurso da Autora são da responsabilidade da Autora e das Recorridas na proporção do respetivo decaimento;
e) As custas da ação são da responsabilidade da Autora e da Ré também na proporção do respetivo decaimento.
Guimarães, 14 de Novembro de 2019
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares
Margarida Almeida Fernandes
Margarida Sousa