Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
644/15,6PBBRG.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE
DOLO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENRE O RECURSO DO ARGUIDO C. A. E IMPROCEDENTE OS RECURSOS INTERPOSTOS PELOS ARGUIDOS M. F. E ..., LDA,
Sumário: I – Os vícios formais aludidos no art. 410º, nº 2, do CPP, supõem o reconhecimento de uma errónea construção do silogismo judiciário – necessariamente constatável pela simples leitura do próprio teor da decisão –, só ocorrendo o atinente à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta (matéria) for insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, ou seja, quando a conclusão extravasar as premissas.
II – Uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos limites fornecidos pelo recorrente, ou seja, pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, no estrito cumprimento do ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP, e, designadamente, com a explicitação da razão pela qual as “concretas provas” especificadas impõe decisão diversa da recorrida.
III – Face ao nosso regime processual quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, actualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do nº 4 do citado art. 412º.
IV – E daí que se reconheça não existir fundamento bastante para rejeitar a impugnação da decisão numa situação em que, nas conclusões delimitadoras do objecto do recurso, tenha sido devidamente cumprido o ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados e as propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal alternativa, já podendo – e até devendo – o cumprimento do ónus secundário ser satisfeito na motivação (corpo das alegações), para aí sendo relegadas a valoração dos concretos meios de prova indicados nas conclusões e a determinação da sua relevância para a distinta decisão proposta, bem como a indicação concreta das passagens da gravação.
V – Ainda que, no caso, segundo tudo indica, a lesão e a consequente produção do dano possam ter resultado de um concurso real de causas, i. é, da contribuição de vários factores, mesmo que se admita que qualquer deles, singularmente considerado, não fosse suficiente para alcançar o efeito danoso, impõe-se concluir que as graves lesões sofridas pelo ofendido foram adequadamente causadas pela actuação do arguido, pois o acto por ele perpetrado foi o facto que, adequadamente, despoletou a cadeia ou processo causal do efeito por todos esses factores desencadeado e, efectivamente, produzido.
VI – Para o preenchimento do crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 143º nº 1 e 144°, do C. Penal, exige-se que o dolo do agente, pelo menos a título eventual, abranja não só o tipo fundamental (art. 143º), como as consequências que o qualificam (art. 144º), ou seja, a afectação, de maneira grave, das capacidades aludidas no preceito, ou a provocação de doença permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável ou perigo para a vida.
VII – Estamos perante resultados, seguramente, graves e adequadamente advindos da conduta do arguido, mas não se considerou provado que o este os tenha representado como possível consequência da sua acção e se tenha conformado com a sua realização, porquanto apenas se provou que o mesmo teve o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido, provocando-lhe as lesões em que se esgotam, em regra, os efeitos de uma bofetada e representou como possível consequência da violência do impacto que desferiu na face do mesmo este poder vir a cair desamparado e embater com a sua cabeça no solo e, por efeito também deste outro impacto, vir a sofrer lesões, tendo-se conformado também com esta realização, apurando-se, ainda, que podendo e devendo ter previsto a possibilidade de o ofendido, por efeito de ambos os impactos, vir a sofrer as lesões referidas graves lesões e sequelas (correndo até risco de vida), todavia, não antecipou esse resultado, com o qual não se conformou.
VIII – Embora só seja punível o facto praticado com negligência nos casos especialmente previstos na lei, como preceitua o art. 13º do C. Penal, dispõe o art. 18º deste Código que, quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência.
IX – É o que sucede, justamente, com a previsão de um crime em que o resultado excede a intenção do agente, como é a contida no art. 147º do C. Penal («Agravação pelo resultado»), e que, por isso, se costuma designar por preterintencional, em que o evento agravante e, consequentemente, o tipo legal preterintencional, só pode ser imputado ao agente quando este tenha actuado, em relação àquele evento, com negligência. Como se retira da descrita factualidade, foi o que se verificou em relação à conduta do ora arguido, que, embora não tenha chegado, sequer, a representar a possibilidade de realização de qualquer daqueles graves resultados – com que, por isso, não se conformou –, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, abstendo-se da conduta penalmente proibida, a qual não se limitou a criar um risco proibido para a integridade física de outra pessoa, antes concretizou esse risco, desencadeando adequadamente tais resultados ilícitos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum colectivo nº 664/15.6PBBRG da Instância Central, 1ª Secção Criminal, da Comarca de Braga, os arguidos C. A., M. F. e…, Lda, foram condenados, por acórdão proferido em 23/1/2017 e depositado na mesma data, como autores de um crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada, p. e p. pelos arts. 57º, nº 2 e 4 e 58º, da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio e o primeiro ainda como autor de um crime de ofensa à integridade física grave p. e p. pelos arts. 143º, nº 1, 144º, als. b), c) e d), 26º e 14º, nº3, do Código Penal, cada um deles, nas penas de 160 dias de multa à taxa diária de €8 para os dois primeiros e de € 5, para a última e ainda o primeiro na pena na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sujeita a regime de prova nos termos dos arts. 50º, nºs 1, 2 e 5 e 53º, nº 3, do C. Penal.

Inconformado, o arguido C. A. interpôs recurso dessa decisão, formulando na sua motivação as conclusões que a seguir se extractam:
«1. Vem o presente Recurso interposto do Douto Acórdão que condenou o recorrente, nos seguintes termos:
[…]
2. Os factos sujeitos à apreciação do Tribunal recorrido, ocorreram na madrugada do dia 29/03/2015, pelas 7:00H da manhã, no exterior do B. I., em Braga, e que consistiu numa desavença entre o recorrente e o ofendido R. M., tendo o recorrente agredido o ofendido, e sendo certo que o ofendido sofreu um hematoma subdural agudo, que o colocou em estado vegetativo até hoje.
3. O presente recurso acaba por ser simples, uma vez que a discordância com o douto Acórdão proferido é em questões muito pontuais quanto à prova e uma discordância de direito manifestamente simples.
Quanto aos factos é certo que:
A) O recorrente se encontrava a exercer naquele momento as funções de porteiro (a divergência consiste no modo que o estava a fazer, permanentemente ou não, gratuitamente ou não);
B) Houve um desentendimento entre o recorrente e o ofendido (a divergência consiste em que o recorrente entende que essa divergência está perfeitamente explicada e conforme a própria acusação e tal não foi dado como provado);
C) O recorrente deu apenas uma bofetada ao ofendido (a divergência consiste em que o recorrente afirma que deu uma mera bofetada e o Tribunal entendeu que deu uma violenta bofetada);
D) O ofendido caiu no chão, desmaiado e hirto, batendo com a cabeça no chão (a divergência consiste em que o Tribunal deu como provado que a pancada é tão violenta, que conjugada com a “violenta” bofetada, são a causa das lesões que o ofendido apresenta, algo que o recorrente não aceita);
E) O recorrente a seguir à queda do ofendido, após verificar o estado do ofendido, entrou no estabelecimento (a divergência consiste em que o recorrente defende que mais não fez do que seguir as indicações do outro arguido e responsável pelo estabelecimento, e que estas indicações eram do mais elementar bom senso, para evitar problemas com os restantes membros do grupo do ofendido, e porque a sua presença em nada adiantava em termos de socorro do ofendido, pois o mesmo encontrava-se a ser assistido segundo orientações do INEM, que se encontrava já a caminho; por seu lado, o Tribunal entendeu que o recorrente abandonou a vitima, indiferente ao seu estado);
F) Por último, o Tribunal configurou o comportamento do recorrente como uma ofensa à integridade física grave, com dolo eventual, quando na verdade, a posição do recorrente é que se estará perante uma ofensa à integridade física simples, e não se verificam sequer os pressupostos legais para uma agravação pelo resultado.
4. Sobre o que aconteceu efectivamente nesse fim de noite ou princípio de dia e que foi relatado em sede de julgamento, as versões são praticamente todas coincidentes, complementares e não contraditórias. O que o arguido disse em audiência, foi confirmado pelo outro arguido, M. F., na parte em que este tinha conhecimento, e pelas testemunhas, ou pelo menos não foi contradita por estas.
5. O arguido descreveu nos seguintes termos o que se passou naquela noite:
“20170106100339 5324417 2870511
[…]”
6. Ora o Tribunal em nada relevou o depoimento do arguido, aliás, de ambos os arguidos, não valorou também o depoimento das testemunhas presenciais no quanto estas confirmaram que o arguido deu apenas um estalo, uma bofetada, uma chapada, sem qualquer qualificação de a mesma ter sido especialmente violenta, nem sequer valorou ou deu qualquer relevância ao depoimento do médico especialista em dano corporal, Dr. L. M., cometendo erros grosseiros de apreciação da prova, bem como entrando em contradição insanável da mesma, como se demonstrará.
7. Dos Factos incorrectamente dados como provados:
A) “2. […] e prevenindo ainda, porventura, a entrada de armas, substâncias e artigos de porte proibido e a ocorrência de intrusão, furto, roubo, vandalismo e desordem pública, no interior do mesmo estabelecimento.”
A parte sublinhada, […] foi incorrectamente dada como provada, e não tem nenhum fundamento em qualquer depoimento ou declarações do arguido, nem em qualquer descrição de factos passados. Assim, por absoluta falta de fundamentação quanto a tal, independentemente da sua irrelevância legal, tal não deverá constar como facto provado;
B) “3. […]”
Mais uma vez, não existe qualquer fundamentação de prova quanto ao exposto, é verdade que o arguido trabalhou dentro de um determinado período para a sociedade em questão, tendo abandonado essa actividade a título profissional quando assumiu a oficina em que trabalhava, tal como consta no Relatório Social, sem prejuízo de aceitar que naquela noite, estava a fazer as funções de porteiro. Mais uma vez, a questão é de somenos relevância jurídica, mas é uma questão de precisão; todas as testemunhas o consideravam porteiro porque efectivamente o arguido foi porteiro, e muitas vezes, quando ao fim de semana frequentava o local, ajudava o seu amigo M. F., fazendo as vezes de porteiro. Nenhuma testemunha confirmou a assiduidade da sua presença, pelo que tal deve ser dado como não provado.
C) “4. […]”
Com a devida ressalva quanto ao tempo e modo, é verdade que quando efectivamente exerceu profissionalmente as funções de porteiro, ou quando ocasionalmente as desempenhava por amizade e a título gratuito, “nunca fez uso de qualquer uniforme específico ou cartão profissional alusivo à actividade.”
D) “5. […].”
Mais uma vez, o Tribunal deu como provado algo que nenhuma testemunha disse e que os arguidos peremptoriamente negaram. Aliás, na fundamentação do Acordão, quanto a esta matéria o Tribunal considerou apenas o seguinte:
Aliás, […] Portanto, alguma remuneração, em bens ou dinheiro M. pagaria a C. A., donde provado o ponto 5.”
Ou seja, o Tribunal considerou, e é a única referência quanto a tal, que o arguido C. A. recebia quantias monetárias não concretamente apuradas apenas por o arguido M., que não só foi “patrão” do arguido C. A., como é seu amigo de casa há mais de vinte anos, facto esse dado como provado no relatório social, não lhe deixar pagar (quando via), o consumo.
Com este facto normalíssimo, deu o Tribunal como provado que o arguido C. A. recebia quantias monetárias não concretamente apuradas e não declaradas à segurança social, existindo aqui erro notório de apreciação da prova, pelo que essa matéria deverá ser dada como não provada.
E) “6. […]”. Não foi até às 08H00, foi até por volta das 07:00. Mas aceita-se sem mais.
F) 7. […].
A parte em que se discorda, e frontalmente, tem a ver com a parte final, “...por razões não concretamente apuradas”.
O arguido explicou muito bem o que se passou: o ofendido entregou-lhe o cartão de consumo por carimbar, ou seja, sem pagar, e quando foi chamado à atenção para ir proceder ao seu carimbo, este não só ofendeu o arguido, como o ameaçou:
“[…].”
Ora sobre esta matéria, que é relevante para explicar o comportamento do arguido, foi dada como não provada, não porque alguém a tenha contradito, ou a mesma não fosse razoável, mas apenas simplesmente porque quase ninguém assistiu, a não ser a testemunha O., e a testemunha J. V..
Ao não valorar o depoimento do arguido sem nenhum motivo que o justificasse, violou o Tribunal o princípio do “in dubio pro reo”.
Mais, as declarações do arguido são confirmadas pelo depoimento da testemunha J. V., como se transcreve, e as mesmas nem sequer foram tidas em conta:
20170106152842 5324417 2870511
03:37: […]
Pelo que atendendo ao depoimento do arguido bem como ao depoimento da testemunha, e pela regra do senso comum, a descrição feita pelo arguido do desentendimento com o ofendido deveria ter sido dado como provado.
G) “8. […]”.
Não é verdade que o ofendido se encontrava à espera de O., ela estava presente, como adiante se verá, não só de acordo com o seu próprio depoimento, das restantes testemunhas bem como das declarações do próprio arguido, pelo que nessa parte tal não se poderá ser dado como provado.
H) “9. […]”
A parte dada como provada, e que resulta não só de um erro grosseiro de apreciação da prova, mas também de uma contradição insanável da mesma, é a parte final: “...desferiu em R. M. um violento estalo na cara, o qual, devido à violência imprimida, determinou a queda imediata e desamparada do ofendido ao solo, onde bateu com estrondo com a parte de trás da sua cabeça.”.
É verdade que o arguido desferiu uma estalada no R., o que não é verdade é que a mesma tenha sido violenta, e que devido à violência imprimida, determinou a queda imediata e desamparada do ofendido ao solo, sendo certo e verdadeiro, que o mesmo R., efectivamente após o estalo que levou, caiu desamparado ao solo e bateu com estrondo com a parte de trás da sua cabeça.
Nem o arguido, nem nenhuma testemunha presencial disse ou relatou que a estalada tenha sido violenta, pelo contrário, aliás, o próprio Tribunal no Acórdão recorrido, em momento algum imputa a nenhuma testemunha tal desiderato, na sua fundamentação, referindo apenas que estas relataram “um estalo”.
O Tribunal fundamentou a sua convicção nesta questão relevante do seguinte modo:
“[…]”
O raciocínio do Tribunal é o seguinte: É verdade que as testemunhas e o próprio arguido só falaram numa simples estalado, usando vários termos para o efeito, mas uma vez que é certo que usaram a palavra “estrondo” e “barulho seco” para descrever o barulho fez a cabeça do R. M.ao bater no chão, logo fica indiciada a violência do embate no solo, e se bateu com violência no solo, é porque foi violenta a estalada desferida. E se foi violenta a estalada, e violenta a pancada, resultam verosímeis as graves lesões sofridas.
É uma “pescadinha com rabo na boca”, perdoe-se a expressão. Fez barulho ao bater no chão, é porque a pancada no solo foi violenta, se a pancada no solo foi violenta, é porque a estalada foi violenta, e se a estalada foi violenta, então a pancada no solo também foi violenta, e não se sai daqui.
Se o estalo foi tão violento como o Tribunal presumiu (uma vez que ninguém assim o descreveu, muito pelo contrário), a consequência física não era a queda em prancha para trás por parte do agredido, era no sentido do estalo, ou seja, em desequilíbrio para a sua direita, uma vez que o arguido desferiu o estalo com a sua mão direita aberta, na face esquerda o ofendido, não lhe deu nenhum murro directo que o projectasse para trás.
Desde logo está-se perante uma contradição insanável da prova. O estalo foi tão violento que projectou a vítima. Ao mesmo tempo dá-se como provado que a vítima caiu não no sentido da força do estalo, mas desamparada para trás. Em que ficamos?
Mas há mais, considera o Tribunal, que a pancada é violenta pelo “estrondo”, pelo “barulho seco”. Ou seja, o Tribunal, amadoristamente faz uma relação directa entre o ruído e a força do embate, quando as mesmas não são a mesma coisa. O facto é que o ofendido caiu para trás, desamparado, provavelmente já inconsciente, mas caiu à altura do seu corpo, e bateu no chão do passeio, mas não bateu em nenhuma esquina.
Aliás, quer do estalo, quer da pancada no solo não resultaram nenhumas lesões nos tecidos: nem um lábio rebentado, nem sequer uma escoriação na cabeça, sendo absolutamente determinante para se saber da causa das lesões sofridas o simples facto, que apesar do barulho da cabeça a embater no solo, o R. M.não sofreu nenhum traumatismo craniano.
Vale a pena relembrar, que mesmo com fracturas cranianas resultantes, quer de acidentes quer de agressões, mesmo assim, não é comum haverem lesões como as que o ofendido sofreu, que foi um hematoma subdural agudo, e o agredido não teve nenhum traumatismo craniano.
Então, se fisicamente se comprova tudo quanto, quer o arguido quer as testemunhas referiram, de ter sido apenas um estalo, já que o ofendido caiu para trás desamparado e não no sentido da força do estalo, e se a própria queda, mau grado o barulho que produziu, não foi sequer suficiente para provocar uma fractura craniana, como explicar o que aconteceu?
A resposta está no depoimento de quem efectivamente sabe do que está em causa, o médico especialista em avaliação do dano corporal que prestou depoimento e na médica que fez o relatório da medicina legal, o Sr. Dr. L. M. e a médica perita Srª Drª M. B. B.:
Dr. L. M.(partes consideradas mais relevantes):
“20170106155054 5324417 2870511
[…]
Depoimento da Srª Drª B.:
20170110142601 5324417 2870511
[…]
Resulta do depoimento do médico especialista em dano corporal, Sr. Dr. L. M., que no seu entendimento, um estalo seguido de queda da mesma altura, mesmo que a queda fosse desamparada, não seria expectável que resultasse nas lesões com a gravidade verificada. Segundo este médico, haveria necessariamente uma patologia prévia, congénita ou adquirida em vida resultante do abuso de álcool ou drogas, que, conjugadas com o aumento da pressão arterial resultante do grau de alcoolémia no momento, de 2 graus, e da pressão provocada pela tensão da discussão com o arguido, levou que o estalo fosse o “gatilho” que provocou o desenlace final, e à queda em tábua do ofendido. Ou seja, segundo o mesmo, um estalo seguido de queda à mesma altura, por si só, não era susceptível de originar o resultado verificado, de um hematoma subdural agudo que conduziu ao estado vegetativo do ofendido.
Resulta do depoimento da Srª Drª M. B., que a mesma fez o relatório junto aos autos, no pressuposto da veracidade das informações prestadas pela mãe e irmã do ofendido, que lhe relataram que o mesmo tinha sofrido várias agressões de estalos e murros. Referiu que um estalo por si só não era susceptível de provocar aquele resultado, concordando com a posição do outro médico. Posteriormente, acabou por admitir como possível, mas ressalvando que seria necessário um estalo muito violento, seguida de uma queda desamparada, para concluir que não se pode saber se havia ou não uma patologia prévia.
No entanto, no Acórdão recorrido, ambos os depoimentos são “despachados” de forma singela e em nada tidos em consideração:
“[…]”
Assim, face a todo o exposto, o ponto 9 dado como provado, que se cita: “[…]”, devia ser dado como não provado, provando-se apenas que : “9. Depois de retroceder alguns metros, o arguido C. A. voltou aproximar-se de R. M., e acto contínuo, desferiu em R. M. um estalo na cara, o qual, desfaleceu, caindo desamparado para trás, embatendo no solo com estrondo com a parte de trás da sua cabeça.”, eliminando-se que o estalo foi violento, e que foi devido a essa violência, que o ofendido caiu desamparado.
I) “11. […]”
É absolutamente falso o facto dado como provado no ponto 11. O arguido esclareceu que ficou com o ofendido até chegar o arguido M., que lhe disse para ir para dentro do estabelecimento, uma vez que o socorro estava a caminho e acima de tudo, porque a presença dele em vez de ajudar era um factor de potencial conflito com o grupo do ofendido, ficando o referido M. F.a aguardar a chegada do INEM. Esta versão não é contrariada por ninguém, é corroborada pelo próprio Sr. M. F. e pela testemunha N. M. (gravação 2017010615344553244172870511). O que deveria ter sido dado como provado é que posteriormente, seguindo as instruções do arguido M. F. , e para evitar conflitos com os amigos do ofendido, o arguido C. A. retirou-se para dentro do estabelecimento B. I..
J) “12. […]”
Este ponto deveria ser corrigido no sentido em que o ofendido sangrava do ouvido apenas, uma vez que o mesmo não apresentava nenhuma, e realça-se, nenhuma ferida sangrante, aliás tal como é dado como provado.
L) “13. […]”
Face a tudo o exposto supra, que se dá como repetido, não se poderia ter dado como provado que resultou da conduta do arguido C. A., a consequência directa e necessária, do sofrimento pelo ofendido das lesões que se verificaram, dado que muito provavelmente, as mesmas resultaram de uma patologia prévia, congénita ou adquirida, que foi essa sim, a causa da extensão das lesões apresentadas e da sua gravidade.
M) “15. […]”
Mais uma vez se repete, neste ponto 15, que não pode ser dado por provado que foi por consequência directa e necessária da conduta do arguido que o ofendido apresenta e se encontra nas actuais condições de saúde, dando por expressos todos os argumentos supra explanados.
N) “18. […]”
É absolutamente falso o referido no 18, dando por repetida a fundamentação da discordância o referido quanto à apreciação do ponto 11, pelo que esta matéria deve ser dada como não provada.
O) “19. […]”
O que se dá como provado neste ponto, é que o arguido ao desferir o estalo, com a força que lhe aplicou, muita ou pouca, tanto faz, configurou para si próprio, que o ofendido podia cair desamparado ao solo, batendo com a cabeça, e por efeito do estalo e da queda, podia sofrer graves lesões correndo até risco de vida, e que deu o estalo conformando-se com esse resultado.
Ou seja, dá-se como provado que o arguido é um monstro. Segundo o douto Acórdão, o arguido, ao dar o estalo, tinha presente que com a força do estalo o ofendido podia cair, bater com a cabeça no chão, ficar ferido com gravidade ou até morrer e mesmo tendo isto tudo como possível, conformou-se com esse resultado.
O mínimo que se pode dizer, é que isto é um absurdo total. Qualquer pessoa que dá um estalo em alguém, independentemente das suas razões, nunca configura como resultado possível e previsível uma queda seguida de uma lesão grave, muito pelo contrário. Para qualquer pessoa comum, um estalo sem deixar de ser uma agressão, por contra-posição com um murro, é uma agressão que não origina lesões. Por isso é que tantas vezes se diz “merecia um estalo” e não se diz “merecia um murro”.
Acresce, e repete-se, de um estalo violento normalmente resultam lesões, tal como um lábio rebentado, um hematoma facial, e no caso concreto, nada aconteceu. De um estalo muito violento, desferido com muita força, pode e leva à projecção da vítima, podendo a mesma embater em consequência em algo, mas leva à projecção da vítima no sentido da força do estalo, o que não é o presente caso, em que a vítima não foi projectada para a sua direita, sentido do estalo que sofreu. A vítima caiu para trás após o estalo. Caiu porque desmaiou, porque desfaleceu, não caiu por força da violência do estalo, que não existiu.
Mas poder-se-á argumentar que se desmaiou foi porque o estalo foi violento, mas entra-se em contradição: Se o estalo foi violento, então a vítima teria que ser projectada no sentido do estalo, o que não ocorreu, pois ela caiu para trás, tal como está dado como provado. Se não foi violento, então porque desmaiou?
Arguido e as testemunhas que presenciaram, todas sem excepção, referem apenas “um estalo”. Ninguém refere que o mesmo foi violento. Do estalo não resultou nenhuma lesão no rosto da vítima. O sangramento da vítima teve como origem apenas o ouvido direito, tal como dado como provado, ou seja, intra craniana como muito melhor explicado pelo médico especialista Dr. L. M., para cujo depoimento supra transcrito se remete. A vítima caiu, mas não caiu no sentido físico da força do estalo, que seria para a sua direita, mas sim para trás.
Ou seja, toda a prova indicia que o estalo foi apenas isso, um estalo e nada mais. Então porque caiu o ofendido?
A resposta está nos esclarecimentos prestados ao Tribunal pelo médico Dr. L. M.. O ofendido provavelmente teria uma patologia prévia, um aneurisma ou equivalente, por causa congénita ou adquirida por abuso de álcool ou outro tipo de produto, que conjugado com o aumento da pressão arterial, devido ao excesso de álcool documentado, bem como à situação de conflito com o arguido que é manifesta, leva a que o estalo sirva como gatilho desencandiador do hematoma subdural agudo, ou seja, um acidente vascular cerebral a que o médico em questão chamou “uma coisa colossal”.
Acresce ainda que o Tribunal dá como provado que o embate no chão foi, dada a sua violência, causa das lesões que o ofendido sofreu.
Ora é certo que a queda foi à mesma altura, usando a terminologia do médico especialista ouvido, e foi desamparada, que é mais violenta, mas segundo o mesmo médico, não é causa expectável para a lesão com a gravidade verificada. Fundamenta o Tribunal que houve estrondo, barulho, mas facto é que a mesma queda não foi sequer violenta o suficiente para provocar qualquer fractura craniana ou qualquer ferimento externo. Nada. O sangue existente vinha apenas do ouvido, resultado da lesão interna, não havia qualquer ferimento externo.
Assim, todo o ponto 19 deve ser dado como não provado por absoluta falta de prova, erro notório de apreciação da prova e contradição insanável da prova.
P) “20. […]”.
É verdade, mas nos limites da acção por si descrita, que não deixou de ser ilegal. Deu um estalo, após ser insultado e ameaçado, e deu um mero estalo, não deu nenhum estalo “violento” ou “muito violento”, deu apenas um estalo.
Q) “23. […]”
O referido neste ponto 23., não corresponde à verdade na medida em que o arguido, mesmo não sendo funcionário da sociedade referenciada, embora já o tivesse sido no passado, quando para ajudar desempenhava as funções de porteiro, como aconteceu na data do evento em análise, nunca entendeu que necessitasse de cartão profissional, e nenhuma prova foi produzida em audiência que indiciasse o contrário, pelo que tal matéria deveria ter sido dada como não provada.
R) “24. […]”
Repete-se o anteriormente exposto. O ponto 24 deveria ter sido considerado não provado.
8. Não se pode também o arguido conformar com a qualificação jurídica com que o Tribunal entendeu qualificar a sua conduta, condenando-o pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 143º nº 1 e 144°, als) b), c) e d), 26º e 14º nº 3 do Código Penal, isto pelas mesmas razões já explanadas nas considerações efectuadas sobre o ponto 19 dado, para o recorrente erradamente, como provado.
9. A prática deste crime, implica uma conduta dolosa, pelo menos a título eventual. Ora tal como exposto, tal é manifestamente um absurdo. Ninguém, nenhuma pessoa normal, na vida real ou em filme, nem os médicos que depuseram, configura como possível ou prevê, quando desfere um estalo, mesmo que violento, que a pessoa em causa, possa cair, bater com a cabeça no chão e eventualmente morrer, e pior, não só configura, como configurando, conforma-se com esse resultado.
10. O máximo que se aceitaria, seria uma ofensa à integridade física simples, podendo-se discutir se agravada pelo resultado ou não.
11. Com base nestes erros de apreciação da prova: não valoração das declarações dos arguidos, mesmo quando estas são óbvias e racionais e não contraditadas por ninguém; ao não dar qualquer relevância ao depoimento do médico especialista em dano corporal, dando por provados factos que contrariam este mesmo depoimento; ao não valorar os depoimentos das testemunhas presenciais que confirmaram as declarações do arguido quando este relatou o desentendimento com o ofendido, quando disse que foi só um estalo, sem qualquer referência a que este tenha sido violento, quando este disse que só se retirou do local após indicação do responsável pelo bar, facto por este também arguido, confirmado; ao dar como provado factos contraditórios entre si, nomeadamente que foi a alegada violência do estalo que projectou a vítima, ao mesmo tempo que se dá como provado que esta caiu para trás e não para o lado, que seria sempre a direcção da força do estalo; ao dar por adquirido que a queda foi violenta e conjuntamente com a violência do estalo a causadora das lesões do ofendido, sem ter em conta que nenhuma fractura craniana existiu, nenhuma ferida aberta aconteceu, nenhuma lesão na face se encontrou, cometeu o tribunal sucessivos erros de apreciação da mesma, nos termos do artigo 410° n° 2, alínea a), b) e c), todos do CPP.
Assim, […] se requer […] que […] reavalie a matéria de facto dada como provada, alterando a mesma, no sentido defendido pelo recorrente, […] em consequência, absolva o arguido dos crimes imputados, por não provado e errónea qualificação jurídica, ou caso assim o entenda, mande repetir o julgamento a fim de se sanarem os vícios apontados, revogando nestes termos o douto Acórdão ora recorrido.».

Os arguidos M. F. e I. B., Lda, também se insurgiram contra a decisão proferida, sustentando que a mesma sofre de obscuridade e falta de fundamentação, de erro e deficiente apreciação da prova, rematando com as conclusões a seguir enunciadas:
«1. Na motivação da douta sentença, convenceu-se o Tribunal “Quanto aos factos dados como provados e constantes na acusação, o tribunal fundou parcialmente a sua convicção nas declarações dos arguidos que admitiram apenas que no dia referido em 2. se encontravam no local, todavia negando frontalmente que C. A. fosse o segurança do bar, apenas reconhecendo que, a pedido de M. F. , C. A. procedia por vezes à entrega e recolha de cartões à porta do bar, que são amigos há 20 anos e que já em tempos M. F. contratou C. A. para ser porteiro do bar entre 2007 e 2010, tendo cessado essas funções não mais as exercendo desde então, desde então, segundo disseram, C. A. apenas é cliente e ajuda alguns dias, ficando pela porta do bar a conversar e a entregar e a receber cartões.
2. O Tribunal condenou-os, não pela existência de provas concretas, mas apenas indiciariamente;
3. Tal direito é um corolário do princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença, previsto no art. 32º nº 2 da CRP que por sua vez, se encontra no princípio constitucional in dubio pro reo, segundo o qual o juiz se terá de pronunciar a favor do arguido sempre que não tenha a certeza de que os factos foram por ele praticados.
4. Como se disse não podem os arguidos, serem prejudicados.
5. Com uma motivação assente no anteriormente explanado, violou assim o tribunal “a quo”, entre outros, o art. 32º nº 1 da CRP, 343º, nº 1 do CPP
6. Na verdade, nenhuma prova foi feita, da concordância ou conhecimento do arguido na prática de qualquer crime.
7. As declarações das testemunhas de acusação foram contraditórias, não objectivas, contrariamente ao dito na motivação, pois não basta enumerar, sendo também necessário fazer um exame crítico.
8. Enumerar é mencionar os factos um a um e não fazer uma mera remissão para a acusação ou pronúncia.
9. Não satisfaz a exigência legal a mera afirmação abstrata de que os restantes factos não se provaram, já que apenas se pode considerar como não provados os incompatíveis com os provados se houver a certeza de que foram investigados.
10. Assim sendo, nenhuma prova cabal foi feita pela acusação
11. A douta sentença que aqui se recorre, padece do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
12. Interpretando o Tribunal as declarações das testemunhas com rigor e imparcialidade, não podia ter concluído, come concluiu, e por isso a sentença padece do vício da insuficiência para decisão da matéria de facto provada;
13. O princípio in dubio pro reo é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não houver a certeza sobre factos decisivos para a solução da causa:
14. A aplicação do princípio in dubio pro reo: é relevante quanto à questão de facto e à ausência de limites:
- É relevante desde logo quanto aos elementos em que se baseou e fundamentou a acusação;
- É relevante quanto às causas de exclusão da ilicitude (ex. legítima defesa);
- É relevante quanto às causas de exclusão de culpa (ex. estado de necessidade);
- É relevante quanto às causas de exclusão de pena
15. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espirito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
16. A complexidade das operações mentais que formam o testemunho deve alertar-nos desde logo para o perigo da sua falibilidade já que, para além do depoimento intencionalmente falseado, a mentira, torna-se necessária a coordenação de vários factores para que a testemunha possa reproduzir com verdade os factos.
17. É possível condenar alguém por um crime que não foi cometido? Infelizmente, este erro é mais frequente do que se imagina e pode dar-se em circunstâncias muito diversas. (...) A Justiça pode igualmente enganar-se condenando um inocente injustamente acusado pela pretensa vítima de uma agressão imaginária.
18. Joana Aguiar e Silva, in “A prática judiciária entre o Direito e a Literatura”, Almedina 2001,a pág. 33, “O tribunal são tradicionalmente considerados um local onde se presta culto à verdade”, o certo é que como refere em nota a pág. 44: “(…) As dificuldades em aceder à verdade da história, do relato, opõem-se as de julgar quando é que se está a dizer a verdade.”
19. Tudo isto para dizer que é assunto mais que batido, este dos erros e das falsidades.
20. Na verdade, o Tribunal limitou-se a copiar e dar como provado toda a acusação, fundamentando-a com aprova testemunhal
21. Poderemos estar perante uma mera contraordenação. NÃO SABEMOS.
22. No caso em concreto, a dúvida é a constante permanente neste julgamento, a dúvida criada, pelas próprias testemunhas, gerou uma nuvem de nevoeiro que nem o saudoso D. Sebastião consegue romper, para se apurar a verdade
23. Uns mentem para esconder o fraco trabalho, efectuado, outros mentem para esconder a sua própria verdade, mas os arguidos tentaram defender a verdade para que a mentira não fosse maior.
24. Apesar das inúmeras fiscalizações pelas autoridades nunca aos arguidos foi aplicado qualquer contraordenação ou imputado qualquer crime.
25. Assim, tendo em conta a prova produzida em sede de audiência seria ilegal, designadamente inconstitucional.
(…) deve, … absolver-se os recorrentes.».

Os recursos foram admitidos com o efeito e regime de subida fixado no despacho proferido a fls. 550.

O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou uma bem estruturada resposta aos recursos deduzidos pelos arguidos, pugnando pela sua total improcedência, por entender que o acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal ou princípio jurídico, mostrando-se devidamente fundamentado, tendo feito um exame crítico das provas, que permite avaliar cabalmente o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, justo e adequado, com escorreito enquadramento jurídico, motivo pelo qual deverá o mesmo ser mantido integralmente. E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, avocando toda a argumentação da 1ª instância.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
*
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as seguintes questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência):
1. – a nulidade da decisão por falta de fundamentação;
2. – a insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada, a contradição insanável desta e o erro notório na apreciação da prova;
3. – o erro de julgamento e a violação do princípio in dubio pro reo na decisão sobre a matéria de facto;
4. – o crime de ofensa à integridade física;
5. – o crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada.
*
Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinentes os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida (sic):
«1. A arguida I…, Lda. é uma sociedade comercial por quotas, com o NIPC …., com sede na Av.l, n.º.., em …, …, constituída em 03/10/1995, cuja gerência, desde 30/04/2010, está exclusivamente conferida ao arguido M. F. e tem por objeto a exploração de bares.
2. Na madrugada do dia 29/03/2015, o arguido C. A. encontrava-se à porta de entrada principal do estabelecimento denominado I. .., Lda, sito na Av. …, em … e explorado pela Sociedade I…., Lda, a exercer funções de vigilância do mesmo, designadamente a proceder ao respetivo controlo efetivo de entrada, presença e saída de clientes, entregando e recebendo, após o respetivo pagamento, os cartões de acesso e registo de consumos, e prevenindo ainda, porventura, a entrada de armas, substâncias e artigos de porte proibido e a ocorrência de intrusão, furto, roubo, vandalismo e desordem pública, no interior do mesmo estabelecimento.
3. O arguido C. A. exerceu esta atividade a pedido do arguido M. F., por si, e em representação da sociedade I…, Lda, durante vários anos, até à data referida em 2.
4. No desempenho destas funções, o arguido C. A. nunca fez uso de qualquer uniforme específico ou cartão profissional alusivo à atividade.
5. Como contrapartida das funções exercidas, o arguido M. F. pagava a C. A. quantias monetárias não concretamente apuradas e que não eram declaradas à Segurança Social.
6. No decorrer da madrugada do dia 29/03/2015, o ofendido R. M. encontrou-se com um grupo de amigos, incluindo O. G. E., no interior do estabelecimento I... Lda, onde aí permaneceu na companhia desses amigos, até ao encerramento do estabelecimento, por volta das 08H00.
7. Por volta dessa hora, quando saía do estabelecimento, C. A. e R. M. tiveram um desentendimento por razões não concretamente apuradas.
8. Instantes depois, quando R. M. se encontrava já no exterior do bar a “enrolar” um cigarro e à espera de O. G. E., o arguido C. A. decidiu abeirar-se do mesmo e, num tom de voz agressivo, vociferou-lhe o seguinte: “Estás a olhar? Continuas a olhar?”.
9. Depois de retroceder alguns metros, e sem que nenhuma razão o justificasse, o arguido C. A. voltou a aproximar-se de R. M., e, em ato contínuo, desferiu em R. M. um violento estalo na cara, o qual, devido à violência imprimida, determinou a queda imediata e desamparada do ofendido ao solo, onde bateu com estrondo com a parte de trás da sua cabeça.
10. Em consequência do sucedido, R. M. ficou prostrado no chão, no estado de inconsciente e a sangrar pelo ouvido direito.
11. Nesse instante, o arguido abandonou o local, dirigindo-se para o estabelecimento, fechando-se no seu interior.
12. Mercê da aparente gravidade do estado de saúde do ofendido, o qual não reagia a estímulos exteriores e apresentava ferida sangrante, foi convocada a presença de elementos do INEM por pessoas presentes no local, nomeadamente por M. P..
13. Como consequência direta e necessária da conduta levada a cabo pelo arguido C. A., o ofendido R. M. sofreu um hematoma subdural agudo hemisférico direito, com marcado desvio da linha média e com sangue subaracnoídeo, e um volumoso hematoma extradural agudo parietal esquerdo.
14. O ofendido R. M. deu entrada no serviço de urgência do Hospital de Braga, às 8H21 do dia 29/03/2015, tendo sido submetido, em consequência da conduta do arguido supramencionada, a craniectomia descompressiva à direita, com drenagem do hematoma subdural e colocação de sensor de pressão intracraniana. Obteve alta para transferência para a Unidade de Cuidados Continuados da Unidade de Longa Duração …, em …, em 19/05/2015, onde esteve internado até 01/07/2015, data em que foi novamente transferido para o Hospital de Braga. No dia 07/08/2015, foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados Integrados de…, onde atualmente se mantém em estado vegetativo que condiciona dependência para todas as atividades diárias e ausência de vida de relação.
15. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido C. A., o ofendido apresenta, atualmente, alterações na capacidade de postura, deslocamentos e transferências, manipulação e apreensão, cognição e afetividade, controlo de esfíncteres, sexualidade e procriação, devido a sequelas graves de tetraparesia espástica. Não fala e apenas emite gemidos. Ao nível do crânio, apresenta grave deformidade da calota do hemisfério direito onde apresenta tumefação de partes moles por ausência de parte do osso parietal do mesmo lado; revela tetraparesia espástica encontrando-se em estado vegetativo, que já passou a cronicidade e epilepsia pós-traumática. Ao nível do pescoço, apresenta cicatriz de traqueostomia com 2 cm na face anterior; ao nível de todos os membros superiores e inferiores, apresenta paresia espástica. É alimentado por sonda de gastrostomia.
16. As descritas lesões sofridas pelo ofendido determinaram 130 dias para consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional, por igual período, resultando delas, ainda, as consequências permanentes descritas no ponto anterior.
17. Como consequência das lesões sofridas R. M. correu perigo de vida.
18. O arguido revelou insensibilidade e indiferença em relação às moléstias físicas e ao estado de saúde que causou no ofendido, não se coibindo de se ausentar do local, imediatamente após ter dado causa àquelas moléstias, não mais se importando naquele momento, ainda, com o estado ou condição de saúde de R. M..
19. O arguido C. A., representando como possível que, em consequência da violência do impacto desferido no ofendido, R. M. poderia vir a cair desamparado ao solo embatendo com a sua cabeça e por efeito de ambos os impactos vir a sofrer lesões graves correndo até risco de vida, atuou conformando-se com essa realização.
20. Agiu de forma livre e consciente, apesar de saber proibida por lei a sua conduta.
21. O arguido C. A. nunca deteve cartão profissional que o habilitasse a exercer funções de segurança privada, circunstância que era do conhecimento, também, do arguido M. F..
22. De igual modo, a arguida I…, Lda nunca solicitou nem obteve, junto das entidades competentes, qualquer título que a habilitasse a exercer a atividade de segurança privada em regime de autoproteção.
23. Os arguidos C. A. e M. F., este último, por si, e em representação da sociedade arguida, sabiam que para o exercício da atividade supra descrita que o primeiro desempenhava, era necessário que o mesmo fosse portador do respetivo cartão profissional, emitido pelas competentes entidades administrativas, o que não sucedia.
24. Os arguidos C. A. e M. F., este, por si e em representação da sociedade arguida, agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as condutas alusivas ao exercício de segurança privada que praticaram eram proibidas e punidas por lei.
25. Nenhum dos arguidos ou sociedade apresentam antecedentes criminais ou contraordenacionais, estes referidos à L. 34/2013 de 16/5.
26. C. A. nasceu em …, onde viveu até aos 5 anos de idade, altura em que veio para Portugal, durante o processo de descolonização, em 1975. A família viveu em vários locais destinados às famílias regressadas das ex-colónias, pelo que o arguido permaneceu 3 meses no aeroporto de Lisboa e 6 anos no Estabelecimento Prisional de Braga e ainda na colónia dos guardas prisionais do E.P. de Santa Cruz do Bispo. O pai de C. A. foi guarda prisional e a mãe cozinheira.
27. Aos 19 anos o arguido fixou residência em … por motivos profissionais do progenitor que na altura foi colocado no EPR de Braga.
28. O arguido completou o 6° ano de escolaridade em … e posteriormente o 3° ciclo na Escola Secundária ... em …, grau de ensino que não concluiu. Durante o seu percurso escolar dedicou-se à prática de andebol e futebol.
29. C. A. começou a trabalhar numa oficina de mecânica automóvel aos 20 anos, designada C. D. M. - …, em …, tendo assumido a sua gestão há cerca de 6 anos. No período que antecedeu esta decisão o arguido conciliou a sua atividade de mecânico com o apoio prestado ao coarguido e amigo que gere o I...- Lda, cabendo-lhe funções de apoio ao bar e portaria.
30. O arguido encetou uma relação afetiva com M. F. há 22 anos, com quem passou a viver em união de facto, resultando desta relação o nascimento de uma filha.
31. Tendo por referência a data dos factos o arguido residia com a companheira e a filha, atualmente com 9 anos de idade, enquadramento familiar que mantém, sendo a dinâmica descrita como funcional, afetuosa e de respeito mútuo. O agregado habita um apartamento adquirido com empréstimo bancário, de tipologia T3, inserido numa urbanização desta cidade.
32. Da atividade de mecânico numa oficina refere um rendimento variável, consoante o volume de trabalho, entre os 400 e 500€. A companheira é empregada de limpeza na firma "Estofadora de Diu Lda." em Braga e recebe o vencimento de 547€. As principais despesas apontadas pelo arguido referem-se à prestação bancária relativa à habitação no valor de 250€ e cerca de 145€ relativos aos gastos correntes, designadamente eletricidade, água, gás, TV cabo e ATL da filha.
33. C. A., para além da ocupação profissional, direciona o tempo disponível nos cuidados à filha, designadamente deslocações para a escola e assegura-lhe as refeições, atendendo ao horário da companheira. Por outro lado participa nas tarefas domésticas, sendo tido pela família como pessoa dedicada à família e amigos.
34. O arguido mantém relação de amizade com o coarguido M. F., com quem convive frequentemente existindo fortes laços entre as familiares de ambos, já que partilham juntas várias quadras festivas.
35. Socialmente o arguido é apontado como pessoa discreta e reservada, mas sinalizado como pessoa com um comportamento adequado no relacionamento com os demais e muito direcionado para a vida profissional e sócio familiar.
36. O arguido lamenta profundamente o incidente e a atual condição de saúde da vítima.
37. É pessoa bem considerada no meio em que se insere.
38. O arguido M. F. cresceu no seio de uma família numerosa, e com uma dinâmica familiar descrita como afetuosa e solidária. Economicamente, o sustento da família foi assegurado pela condição de emigrante do progenitor.
39. M. F. frequentou o ensino até ao 7° ano do liceu (atual ensino secundário), na Escola ... em ….
40. Aos 14 anos e nos períodos de férias o arguido começou a trabalhar na pedreira de Adaúfe Braga. Contudo seria aos 21 anos que viria a iniciar a atividade de gestão de vários bares e discotecas da cidade de …, designadamente "C… ", "J… " e "B… ". Posteriormente e já há 22 anos, assumiu a gestão do I...- Lda, no centro da cidade, sendo apoiado pela mulher.
41. No âmbito da sua atividade laboral, o estabelecimento B. I. que gere funciona sobretudo ao fim de semana e pontualmente quando é organizado algum evento por alunos das universidades da cidade de ….
42. O arguido contraiu matrimónio há 37 anos, resultando desta união o nascimento de dois filhos, com 35 e 33 anos de idade.
43. O arguido reside com a mulher e filho mais novo e habita um apartamento arrendado de tipologia T3, com adequadas condições de habitabilidade.
44. M. F. aufere o vencimento de 900€, despendendo cerca de 500€ nas despesas fixas, designadamente de renda de casa, eletricidade, água e TV Cabo. O filho é licenciado em ciências da comunicação, mas encontra-se desempregado.
45. M. F. direciona o seu quotidiano para o apoio à neta, convívio familiar e atividade relacionada ao Bar. Mantém a forte amizade de há vários anos com o coarguido C. A., com quem convive assiduamente e partilha quadras festivas, juntamente com os seus familiares.
46. No meio de residência o arguido M. F. é tido como pessoa discreta e que mantém uma relação cordial com os demais.».
Factos não provados:
«A. O arguido C. A. exerceu a atividade referida no ponto 2. e nos termos do ponto 3. depois de 29/03/2015 e até à altura do Carnaval do ano de 2016.
B. O desentendimento referido no ponto 7. foi devido à circunstância de R. M. não ter procedido à entrega, a C. A., do cartão de registo dos consumos.
C. Nas circunstâncias do facto 8., o arguido C. A. disse ainda a R. M.: “Estás a gozar?”
D. Nas circunstâncias referidas no ponto 9., o arguido C. A. desferiu ainda dois murros, aplicados, também, na mesma zona corporal aí referida.
E. Nas circunstâncias referidas no ponto 10., o ofendido sangrava também da boca.
F. O arguido C. A. agiu de forma deliberada a provocar as lesões comprovadas no ofendido.».
3. Motivação da matéria de facto (sic):
«Quanto aos factos dados como provados e constantes na acusação, o tribunal fundou parcialmente a sua convicção nas declarações dos arguidos que admitiram apenas que no dia referido em 2. se encontravam no local, todavia negando frontalmente que C. A. fosse o segurança do bar, apenas reconhecendo que, a pedido de M. F. , C. A. procedia por vezes à entrega e recolha de cartões à porta do bar. Que são amigos há 20 anos e que já em tempos M. F. contratou C. A. para ser porteiro do bar entre 2007 e 2010, tendo cessado essas funções não mais as exercendo desde então. Desde então, segundo disseram, C. A. apenas é cliente e ajuda alguns dias, ficando pela porta do bar a conversar e a entregar e a receber cartões.
Mais reconheceu C. A. que agrediu R. M. apenas com uma mera estalada com a mão direita na hemiface esquerda de R., porque este, à saída do bar, apenas lhe entregou um cartão de consumo dobrado e não carimbado, pelo que interpelou de início R. M. para a falta de pagamento, ao que este respondeu “paga tu” e quando de novo chamado à atenção disse “na segunda trato de ti, sei onde estás”; de seguida foi atacado pelas costas por uma senhora espanhola que estava histérica e ao libertar-se dela, veio R. em sua direção chamando-lhe nomes, pelo que lhe deu a referida estalada, para se defender.
Que na sequência desse impacto, o R. M., para sua surpresa absoluta, caiu na vertical e desfalecido no chão, onde ficou desmaiado e a sangrar da orelha direita. Que nunca teve intenção de provocar tão graves lesões, tendo ficado surpreendido com elas. E que logo ali gritou para chamar o INEM e alguém chamou o M. F. , que ali compareceu, e ordenou que ele, C. A., recolhesse de imediato ao recinto do bar.
Tal versão dos factos foi porém de forma credível parcialmente contrariada pelo depoimento coerente, pormenorizado e convincente das muitas testemunhas que se encontravam no local, e nenhuma, desde logo, confirmou que R. M. não tinha pago o cartão de consumo, ou até que tivesse havido desentendimento entre C. A. e R. sobre esse assunto. Aliás nenhuma delas conseguiu sequer explicar porque é que C. A. atingiu dessa forma R. M., tendo manifestado surpresa e incompreensão pela agressão.
Tais testemunhas prestaram entre si um depoimento coerente, não obstante pequenas imprecisões que decorrem da sua localização diversa face ao arguido e ofendido e da maior atenção que prestaram a certos pormenores, sobretudo, ao momento concreto da agressão focando imediatamente o seu interesse e preocupação, como é natural, na pessoa de R. M. prostrado inerte no solo. Confluíram, porém, nos elementos essenciais dos factos, como se verá, não tendo suscitado reservas do tribunal quanto à sua credibilidade.
Desde logo O. G. E. (a senhora espanhola que C. A. mencionou), revelou ser a testemunha que mais de perto acompanhou R. M. nos momentos prévios, saindo com ele do bar, após terem pago os cartões, e que, encontrando-se ambos já fora do bar, aguardando que fossem saindo outros elementos do grupo de amigos, sem que nada o fizesse prever, C. A. dirigiu-se ao R. e deu-lhe uma estalada, provocando a queda de R. M. ao solo. Que de imediato agarrou C. A. por trás e pelo pescoço, para o impedir de prosseguir a agressão. Negou, portanto, que tivesse ela própria previamente agredido C. A., só o fazendo em socorro do amigo que já jazia no chão.
O testemunho de O. G. E. afigurou-se algo constrangido, quiçá pela relação de amizade com Miguel, e pareceu ocultar o verdadeiro motivo do desentendimento, porém, o certo é que nenhuma outra testemunha presente vislumbrou qualquer ação de R. M. que tivesse motivado a conduta de C. A., nem se aperceberam de qualquer desentendimento concreto, bem como testemunhas há que confirmam objetivamente a versão de O. G. E. em detrimento da de C. A..
Nomeadamente, veja-se o depoimento de M. P., de todos, o depoimento mais isento (conheceu R. M. apenas nesse dia) assertivo, espontâneo e seguro, e também conjugado com o de L. M., pessoa que a acompanhava nessa noite (e que também conheceu R. M. apenas nesse dia). E ambos relataram que se encontravam já fora do bar, quando viram C. A. e R. M. a encararem-se em clima de tensão a cerca de 6m de distância um do outro, dizendo C. A. entredentes para R. M.: “Estás a olhar? Continuas a olhar?” enquanto se deslocava até perto R. M. e regressava à porta; até que vêem C. A. dirigir-se com muita agressividade (segundo M.) exaltado (segundo L.) desde a porta para junto de R. M., momento em que L. M., prevendo que iria acontecer algo grave, tenta interpor-se no caminho de C. A., porém foi imediatamente por este empurrado e projetado para o lado de encontro a uma montra. Pelo que L. M. já só ouviu o barulho da cabeça de R. M. a bater no chão, e ato contínuo, O. G. E. lançar-se para as costas de C. A.. M. apenas viu C. A. agredir R., sem poder ver bem como, já que, do local em que se encontrava, C. A. ocultava a pessoa de R. M., porém viu movimentos de C. A. junto de R., após o que este caiu batendo com a cabeça com estrondo no chão, onde jazia numa poça de sangue, enquanto O. G. E. tentava controlar C. A.. Foi M. P. quem chamou o INEM, donde, da sua afirmação convicta resulta a prova do ponto 12. Portanto, estas duas testemunhas não viram qualquer agressão prévia de O. G. E. a C. A., pelo que, nesta parte, o depoimento deste arguido C. A. não obteve confirmação.
Nenhuma das testemunhas que ficam antes referidas viram ou ouviram C. A. a chamar o INEM, ou sequer pedir que chamassem o INEM, donde provados os pontos 11. e 18., já que, segundo relatam, logo a seguir à agressão, C. A. deixou de imediato o local e não mais ali foi visto, já que amigos e outros presentes rodearam de imediato o corpo de R. M.. Aliás, N. M. afirmou ter visto (apenas) M. F. junto de R. M..
Todos estes depoimentos conjugados, comprovam já com suficiência os pontos 6. a 10., infirmando assim frontalmente a versão dos factos de C. A. (quer quanto à ação prévia de O. G. E. quer da de R. M.). Também N. M., que estava à porta e viu sair R. M. e O. G. E. para o exterior, referiu não saber porque razão ocorreu a agressão, e no entanto estava ali bem perto. Donde não provado o ponto B.
Mais acrescem os depoimentos de A. M. e J. N. P. que viram C. A. dirigir-se a R. M. sem que nada o fizesse prever para o atingir da forma já relatada, com uma estalada que o projetou ao solo.
Foram, pois, estes depoimentos decisivos para a prova dos factos ocorridos, tendo contribuído também para introduzir alterações de pormenor na versão constante da acusação devidamente comunicadas aos arguidos.
E também nenhuma prova se fez quanto à concreta expressão referida em C., donde não provada. Nenhuma testemunha referiu ter visto C. A. desferir murros, donde não provado o ponto D. E porque foi relatado que R. M. apenas sangrava de um ouvido, não se comprovou que sangrasse da boca, ponto E.
As testemunhas e arguido C. A. divergiram quanto ao termo usado para classificar a agressão, como sendo um estalo, uma estalada, uma bofetada, porém tudo sinónimos da mesma ação: "Estalada" ou “estalo” é a pancada dada na face com a mão aberta = BOFETADA, BOFETÃO, ESTALO, TABEFE, TAPA. No que nunca divergiram foi na palavra “estrondo” e “barulho seco” para definir o som do impacto da cabeça de R. M. no solo para onde caiu de costas e de forma hirta (testemunhas A. M. e J. N. P.), o que indicia desde logo a violência de tal impacto da cabeça no solo e que a queda foi provocada pela pancada de mão aberta, o que indicia também a sua violência. Podendo haver diversas intensidades na pancada desferida, neste caso, dúvidas inexistem que foi violenta e provocou a imediata projeção para trás do corpo de R. M. e a queda descontrolada e hirta no solo onde caiu com estrondo com a parte de trás da cabeça, o que foi relatado sempre de forma espontânea pelas testemunhas, pelo que nenhuma credibilidade merece a versão de C. A. de que desferiu um mera estalada em R. M. e este desfaleceu e caiu na vertical à sua frente, por isso muito estranhando as graves lesões sofridas. Perante a evidência da violência da pancada desferida por C. A. e a subsequente projeção do corpo de R. M. ao solo, onde embateu com violência com a cabeça, resultam verossímeis as graves lesões sofridas pelo R. M., dado que sofreu num ápice duas violentas agressões na zona da cabeça: uma pancada violenta de mão aberta no rosto e um impacto da cabeça com estrondo no solo. Pelo que nenhum contributo explicativo alternativo credível resulta do depoimento da testemunha Dr. L. M., médico especialista em avaliação do dano corporal, de que teria havido muito provavelmente comorbidade (malformação congénita, hipotéticos tumores ou aneurisma e/ou consumos aditivos) de R. M. para ocorrerem tais lesões massivas. Na verdade, temos já como demonstrada a violência de ambos os embates o que os explica como causais da gravidade das lesões. Aliás, o Dr. L. M. acabou por reconhecer, a final, que a queda do corpo inconsciente e/ou em prancha desamparado para trás (o que se provou, em detrimento do mero desfalecimento e queda ao solo na vertical) é mais grave e perigosa porque não é defensiva.
Chamada a prestar esclarecimentos, a Sra. Perita Dra. M. B.., subscritora do relatório pericial de fls. 136 e ss., começou por assumir que de uma simples estalada (já que não se provaram os murros que fundamentaram o seu relatório) não podia ter decorrido um hematoma tão grave, porém, a final admitiu que se for violenta, a estalada pode causar hematoma cerebral e pode fazer a pessoa cair, sendo a queda desamparada muito mais grave que o simples desfalecimento. Portanto, as conclusões do seu relatório são consentâneas com os factos provados.
Os pontos 13. a 17. resultaram comprovados pelo teor do relatório pericial de fls. 136 e ss. conjugado com o resumo da informação clínica do Hospital de Braga de fls. 28 e ss.
O ponto 1. resulta da certidão permanente da sociedade de fls. 88 e ss., conjugada com as declarações credíveis do arguido M. F., nessa parte.
Quanto aos pontos 19. e 20., o tribunal tomou em consideração o circunstancialismo em que ocorreram os factos, nomeadamente foi relevante o facto de o arguido C. A., sendo vigilante há muitos anos portanto, tendo conhecimento de situações de confronto físico e suas implicações, se dirigir de forma agressiva e exaltada ao R. M., o que é demonstrador de uma intenção de o atingir de forma violenta (pois, caso contrário, ter-lhe-ia deferido simples bofetada, de modo a salvaguardar eventuais ferimentos).
Acresce que era notório para C. A., que R. M. se encontrava alcoolizado, porque tal até foi referido pelo próprio arguido, pelo que tal afetaria os reflexos de R. M.; ademais, foi notório ao tribunal constatar a forte compleição física do arguido C. A., que contrastaria com a de R. M., mais franzino, como foi aliás referido por M. C. que descreveu C. A. como sendo “mais corpulento” que R. M., logo existia desproporção física entre ambos, e em desfavor de R. M..
De resto, sendo a tese do arguido a legítima defesa, terá de existir, por parte dele, alguma intenção de repelir R. M. para fora do seu alcance.
Por outro lado, ao desferir uma bofetada de tal forma violenta representando que com tal agressão poderia derrubar ou projetar o R. M., mais franzino e alcoolizado, para trás e com isso causar queda desamparada no solo e podendo ambos os impactos ter consequências imprevisíveis mas por certo graves, conformou-se com essa previsão e não se absteve de ainda assim, esbofetear violentamente R. M.. Assim, não se provou o ponto F), a intenção direta, por incompatível com o ponto 19.
***
Os pontos 4., 21. e 22. foram confirmados pelo arguido C. A., que se disse ser mero cliente do bar, portanto não se apresentava ali uniformizado e identificado, como parece de evidente perceção. E também resulta das declarações de M. F., que não reconhece C. A. como segurança ao seu serviço. O que se conjuga com as informações prestadas pelos OPC a fls. 149 e 186, quanto à inexistência de cartão profissional ou licença de autoproteção por parte dos arguidos.
Quanto aos pontos 23. e 24. os arguidos C. A. e M. F. adotaram em uníssono as duas teses seguintes:
• negaram que o arguido C. A. fosse o porteiro ou segurança do B. I.;
• que, efetuando C. A. esporadicamente a função na portaria, recebendo e entregando cartões, desconheciam que necessitavam de ter licença ou cartão profissional.
Vejamos quanto à primeira asserção.
Tal foi contrariada pelas testemunhas O. G. E., M. P., L. M., J. N. P., J. N., J. N.C. R. e M. F., por serem clientes assíduos do bar há vários anos e relataram de forma unívoca e coerente que sempre ali viram o arguido C. A. como porteiro do bar, sendo de evidente perceção que aí trabalhava estando permanentemente na entrada do mesmo, quer entregando ou recebendo cartões, selecionando os clientes admitidos no interior e recusando por vezes a entrada de alguns, e pela sua presença, mantendo a ordem e prevenindo desacatos no bar. Aliás foi referido como segurança do bar por M. P.. E nunca se referiram a C. A. como cliente de tal bar. Mais referiram que M. F. se ocupava mais do movimento no interior do bar, confiando a vigilância da porta aC. A., o que é consentâneo com as regras da experiência comum, sendo mais inverossímil que, sendo C. A. o gerente, ficasse por sistema à porta, ocupando-se, como é normal, da gestão do bar no seu interior.
N. M. foi a única testemunha presencial que disse ter recebido de M. F. o cartão de consumo quando ali entrou pelas 3H00, o que pode até ter sucedido, porém já nenhuma credibilidade tem quando diz que também lho entregou à saída, porque tal foi até desmentido pelo próprio arguido M. F. que admitiu estar a fechar a caixa no interior do bar à hora do encerramento.
Aliás, A. M. é ele próprio também dono de um bar e descreveu C. A. como sendo, há muitos anos, porteiro do Insólito, limitando o acesso de clientes. Ora, quando até um dono de um bar claramente identifica C. A. como porteiro de outro bar, não pode ter-se como verdadeira a versão conjugada dos arguidos de que assim não era de forma sistemática.
Donde provados os pontos 2. e 3.
Aliás, quanto a este ponto, contradisseram-se os dois arguidos C. A. e M. F., pois aquele disse que não recebia qualquer quantia pela sua colaboração esporádica na portaria, referindo que era cliente do bar e que fazia questão de pagar o seu próprio consumo, registado em cartão. Ora, M. F. disse que C. A. não pagava o consumo de bebidas, pois fazia questão de lho oferecer. Portanto, alguma remuneração, em bens ou dinheiro M. F. pagaria a C. A., donde provado o ponto 5.
Depois, ambos disseram que existiu, em tempos, um contrato de trabalho entre ambos para C. A. ser porteiro do bar, todavia, nem sequer António José Guimarães da Silva Braga, (o técnico oficial de contas de há longa data de M. F. e da sociedade arguida) confirmou tal contrato, referindo que, em tempos, C. A. colaborou com o Insólito como trabalhador independente…
Porque nenhuma das testemunhas voltou a ver C. A. na porta do Bar, não se provou o facto A.
E quanto à segunda asserção, que contende com o elemento subjetivo, pontos 23 e 24?
Defendeu-se o arguido M. F. dizendo que teria agido numa situação de erro, pois possuiria uma errónea convicção da realidade quanto à ilicitude ou não da conduta, desconhecendo que tinha de ter licença ou que C. A. necessitava de cartão profissional.
Não ficou demonstrada factualmente esta alegação mas mesmo que o tivesse ficado não se crê que isso excL.se a responsabilidade criminal.
O saber se este erro exclui o dolo ou a culpa é uma questão que se tem colocado com especial acuidade no Direito Penal, atento o teor dos artigos 16.°, n.° l, 2ªa parte e 17.° do Código Penal.
Segundo o art 16.°, l, 2ª parte, do Código Penal, que tem por título ‘erro sobre as circunstância do facto”, “o erro sobre (...) proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo’.
Por sua vez, o art. 17.°, n.° l, do Código Penal, que tem por título “erro sobre a ilicitude”, determina que “age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável’.
O problema da falta de consciência da ilicitude tem sido longamente debatido.
Afastada do campo do direito penal a aplicação do aforismo romano ‘error iuris nocit”, ou “a ignorância do direito não escusa”, a questão foi sucessivamente colocada e resolvida através das dicotomias “erro de facto-erro de direito” e “erro de tipo-erro de proibição”.
Figueiredo Dias propôs, porém, na sua obra de 1969, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, a dicotomia entre “erro intelectual-erro moral’’ ou, noutra designação, “erro de conhecimento-erro de valoração”.
Segundo este autor, “perante uma conduta axiologicamente neutra, se o agente desconhece a proibição legal e em consequência disso não alcança a consciência da ilicitude, fica este erro a dever-se ainda a uma falta de ciência, que não a um engano da sua consciência”, devendo este erro ser tratado como um erro intelectual, como um erro sobre a factualidade típica, que exclui o dolo (obra citada, pág. 400).
Estar-se-á assim em face dum erro intelectual ou de conhecimento quando o simples conhecimento do tipo objectivo não é suficiente para uma correcta orientação do agente para o desvalor do ilícito, sendo ainda necessário o conhecimento da própria proibição. E isto acontece precisamente nas referidas condutas axiologicamente neutras, naquelas em que “é fraca a coloração ética da conduta em causa, porque são razões de pura oportunidade ou de estratégia social que baseiam a proibição; ou porque nos deparamos com uma hipótese de neocriminalização que ainda não ganhou a devida ressonância ético-social” – Figueiredo Dias, Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a Ilicitude e a Culpa, in Jornadas de Direito Criminal CEJ, 1983, págs. 72/73.
Como explica Claus Roxin (Acerca da Problemática do Direito Penal da Culpa, in Textos de Apoio de Direito Penal, tomo II, AAFDL, 1983/84, pág. 933), a diferença entre esta doutrina da dicotomia erro intelectual-erro moral e o desconhecimento da proibição afasta o dolo naqueles factos puníveis cuja ilicitude material não é apreensível em função de concepções ético-sociais que sejam do conhecimento geral, antes resulta exclusivamente de injunções do legislador”.
Estaremos já perante um erro moral ou de valoração, se “se concluir que o agente possui todo o conhecimento razoavelmente indispensável para tomar consciência da ilicitude do facto e todavia não a alcançou. Então é a própria falta de consciência do ilícito que vale como o elemento «emocional» requerido e que, quando censurável, fundamenta a culpa dolosa” (Figueiredo Dias, citados Pressupostos da Punição..., pág. 73).
Esta é a doutrina que está na base dos artigos 16.°, n.° l, 2ª parte e 17.°, n.° l, do Código Penal.
A diferença entre os dois preceitos explicita-se assim: no primeiro deles está-se – tal como no caso do erro sobre elementos do tipo – perante “uma falta de conhecimento que deve ser imputada a uma falta de informação ou de esclarecimento”, enquanto no segundo preceito, está-se perante “uma deficiência da própria consciência ético-jurídica do agente, que não lhe permite apreender correctamente os valores jurídico-penais” (idem, pág. 73).
É certo que a conduta em apreciação não é das mais graves em termos de conotação moral. Não se trata de matar, violar ou roubar, mas tão só de exercer a função de segurança privada.
Todavia, a atividade de segurança privada tem uma conotação social impressiva pela imposição de autoridade, mormente, pela triagem que impõe aos clientes autorizando ou negando acesso e pelos riscos que em si apresenta, destinada que é a evitar, prevenir ou até acorrer a desacatos e outras perturbações mais ou menos graves dentro e fora do recinto de diversão em causa. Ademais, a legislação nesta matéria está em vigor desde 2004, pelo DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro que REGULA EXERCÍCIO DA SEGURANÇA PRIVADA, pelo que não é recente e que foi sendo sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 198/2005, de 10 de novembro, pela Lei n.º 38/2008, de 8 de agosto, e pelos Decretos-Leis n.os 135/2010, de 27 de dezembro, e 114/2011, de 30 de novembro, até ser revogado pela Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio que estabelece atualmente o REGIME DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE SEGURANÇA PRIVADA. Já a Portaria n.º 1084/2009, de 21 de Setembro regula desde 2009 a exigência de CARTÃO PROFISSIONAL DO PESSOAL VIGILANTE DE SEGURANÇA PRIVADA. Não se trata de uma hipótese de neocriminalização recente que ainda não ganhou a devida ressonância ético-social.
Ora, sendo o arguido M. F. comerciante e gerente de um estabelecimento de diversão noturna há muitos anos, e no qual C. A. há muitos anos exerce as funções de porteiro e vigilante, impor-se-lhes-ia o especial dever de se informarem prévia e devidamente das condições de exercício de tais funções, o que por certo saberiam.
A conotação social da função de vigilante, porteiro, é bem identificável por todos quantos frequentam um espaço de diversão noturno. Daí que se conclua que não se trata de conduta axiologicamente neutra (erro-intelectual ou de conhecimento), ademais, porque quer M. F., quer C. A., trabalham no negócio da noite há cerca de 20 anos, sendo pois conhecedores do meio profissional em que se inserem. Além disso, existe uma certa consciência pública da proibição da prática indiscriminada e sem qualificações, de segurança privada. Pelo que não se trata de uma atividade axiologicamente neutra, e o seu exercício sem observar estritas condições não se trata de uma conduta axiologicamente neutra.
O erro em que incorreram os arguidos e em apreciação, será antes um erro moral, uma deficiência da própria consciência ético-jurídica do agente, que não lhes permite apreender correctamente os valores jurídico-penais e que leva à aplicação do artigo 17.° do Código Penal.
Assim sendo, atentas as já concretas circunstâncias descritas quanto à longa atividade por ambos exercida, o erro ser-lhes-ia censurável nos termos do artigo 17º nº 2 do CP e os arguidos sempre serão punidos com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada. Conclui-se assim que resultam provados os factos 23 e 24.
O ponto 25 resulta dos CRC e informação policial de fls. 194 a 196 e 283.
As condições pessoais dos arguidos, pontos 26 a 46 resultam dos relatórios sociais de fls. 261 e ss e 266 vº e ss. fundamentados nas declarações dos arguidos. P. C. confirmou que C. A. gere uma oficina de mecânica automóvel.».
*
1. A nulidade da decisão por falta de fundamentação da decisão.
O recorrente C. A. acusa o que considera ser a absoluta falta de fundamentação do acórdão recorrido no que concerne a alguns dos segmentos (nºs 2 e 3) da decisão nele proferida sobre a matéria de facto. No entanto, na concretização que fez dessa imputação, logo denuncia que o que está em causa é a sua discordância, dum ponto de vista substancial, com a convicção que os Julgadores formularam para o decidido nesse conspecto, por considerar que não foram produzidos suficientes elementos probatórios para o efeito.
Também os recorrentes M. F. e I…, Lda, a par da violação do princípio constitucional in dubio pro reo, ou da presunção da inocência, e do princípio da livre apreciação da prova, contido no artigo 127º do CPP, exprobraram ao acórdão recorrido a nulidade decorrente da falta de fundamentação da sua condenação. É certo que estes, de modo explícito, apenas na minuta do seu recurso aludiram à falta de fundamentação, já que nas conclusões com que delimitaram o respectivo objecto, não apontam, claramente, nesse sentido. Todavia, na medida em que, se bem interpretamos tais conclusões, os mesmos relacionam tal alusão a outras questões nelas efectivamente suscitadas, à guisa de introdução do debate sobre estas e cautelarmente, passaremos a expor umas brevíssimas considerações sobre a suposta falta de fundamentação, arguida por todos os recorrentes.
A fundamentação da sentença, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade, que é de conhecimento oficioso.
Para além da sua proeminência enquanto garantia integrante do Estado de direito democrático, no domínio do processo penal, a fundamentação assume uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos. Uma fundamentação cuidada é, pois, absolutamente essencial, desde logo, para garantir a possibilidade do exercício eficaz do direito ao recurso.
Aliás, todas as decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas (1) e o seu alcance deve ser perceptível para os respectivos destinatários e demais cidadãos (2). E é compreensível que a lei determine, taxativamente, os requisitos gerais a que, especialmente, a sentença se encontra sujeita, por ser o acto decisório por excelência, o que conhece, a final, do objecto do processo e, por isso, se reveste de crucial importância porque é através dele que, particularmente, o arguido mas também os demais sujeitos processuais ficam a saber se aquele foi absolvido ou condenado e, neste caso, qual a medida concreta da pena.
Assim é que, segundo o art. 379º, nº 1, al. a), do CPP, “é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do n.º 3 do art. 374º”. Por sua vez, este normativo (art. 374º), sobre a epígrafe “Requisitos da sentença”, estabelece a estrutura a que deve obedecer a sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – e o seu nº 2, quanto à respectiva fundamentação, especifica o seu concreto conteúdo, impondo que dele conste «uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal» (3).
O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (4).
É também incontroverso que, sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP), é necessário que o processo de formação dessa convicção, porque assente, necessariamente, numa racionalidade prática, seja explicado com suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos, esclarecendo-se, nomeadamente, porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar – como, por vezes, sucede – que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos, é credível porque foi prestado com uma determinada “postura”, ou com “um raciocínio coerente”, ou “está de acordo com as regras da experiência”; é preciso dar o passo seguinte que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do teor da decisão com essas regras. Esta tarefa exigirá, naturalmente, um maior detalhe se a não usualidade do evento naturalístico ou “pedaço de vida” analisado e afirmado na decisão como verificado, realmente, gerar uma aparente desconformidade desse resultado com a comum experiência.
Mas, por outro lado, se, como se assinalou, todas as decisões devem ser sempre fundamentadas, também é consensual que só importa o esgrimido vício a ausência completa de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não a sua motivação deficiente, medíocre ou errada (5). É evidente que de nada releva, para este efeito, que se repute uma fundamentação de pouco convincente, ou mesmo, até, de indigente ou medíocre, a justificar merecida censura no plano da técnica jurídica minimamente exigível na fundamentação das decisões judiciais.
Ora, analisando a motivação da decisão questionada, esse vício da nulidade não afecta a decisão recorrida, pois é patente que, sem margem para dúvidas, na mesma constam, explicitamente, os respectivos fundamentos quanto aos factos essenciais para estabelecer a culpabilidade dos arguidos, sendo, por isso, também descabida a invocação, nesta vertente, da violação do princípio in dubio pro reo.
Em boa verdade, a motivação da decisão é suficientemente esclarecedora ficando-se a perceber o processo lógico e racional subjacente à convicção dos Julgadores, não deixando de se pronunciar sobre nada de que devessem conhecer, efectuando, adequadamente, um verdadeiro exame crítico das provas, expondo de forma clara e segura as razões que fundamentam as suas opções e as razões por que atribuíram credibilidade a certos depoimentos em detrimento de outros.
Assim, não obstante a invocação desta nulidade, a razão da discordância dos recorrentes, como os próprios afirmam, prende-se apenas com a circunstância de o tribunal recorrido não ter acolhido a sua versão quanto aos factos, mas esta questão nada tem a ver com a nulidade da decisão por omissão/deficiente fundamentação, relevando, sim, para o campo de ação da impugnação da matéria de facto por erro de julgamento.
Portanto, à luz do exposto, improcede a arguição de tal nulidade.

2. A insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada, a contradição insanável desta e o erro notório na apreciação da prova.
O recorrente C. A. concluiu a censura que formulou ao acórdão recorrido dizendo, em termos muito genéricos, que «cometeu o tribunal sucessivos erros de apreciação da mesma [prova], nos termos do artigo 410° n° 2, alínea a), b) e c), todos do CPP».
Porém, no que se possa relacionar com vícios mencionados nas citadas alíneas, o recorrente C. A. apenas assacou à decisão, em concreto, os seguintes:
- Segundo refere nas conclusões do recurso, o essencial da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 9, 19 e 20, para além de dever ser dado como não provado por absoluta falta de prova, padece de erro notório de apreciação da prova e de contradição insanável. A argumentação do recorrente para procurar evidenciar tal erro e contradição consiste, principalmente, em reputar de paradoxal a decisão de considerar que «o estalo foi tão violento que projectou a vítima» e «ao mesmo tempo dá-se como provado que a vítima caiu não no sentido da força do estalo, mas desamparada para trás».
- E quanto ao item 5 dos factos, a respectiva decisão sofreria de erro notório, porquanto teve «como provado que o arguido C. A. recebia quantias monetárias não concretamente apuradas e não declaradas à segurança social, apenas por o arguido M. F., que não só foi “patrão” do arguido C. A., como é seu amigo de casa há mais de vinte anos, facto esse dado como provado no relatório social, não lhe deixar pagar (quando via), o consumo».
Também os recorrentes M. F. e I…, Lda afirmaram que a decisão recorrida padece do vício da insuficiência da matéria de facto na medida em que interpretando o Tribunal as declarações das testemunhas com rigor e imparcialidade, não podia ter concluído como concluiu, responsabilizando-os. Discorrendo igualmente sobre as provas sustentaram que a decisão padece assim de erro notório, pois «a dúvida criada pelas próprias testemunhas gerou uma nuvem de nevoeiro», «as declarações das testemunhas de acusação foram contraditórias, não objectivas», o Tribunal recorrido desconsiderou os depoimentos dos arguidos, «nenhuma prova cabal foi feita pela acusação».
Vejamos:
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias, pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
Neste particular ponto em análise, seria suposto que a impugnação deduzida pelos recorrentes incidisse, não no eventual erro (de julgamento) na apreciação da prova, mas apenas nos vícios apontados naquela primeira vertente, os quais, apreciados nessa perspectiva, visam o erro na construção do silogismo judiciário, não o chamado erro de julgamento, a injustiça ou a desadequação da decisão proferida ou a sua não conformidade com o direito substantivo aplicável (6).
Por conseguinte, trata-se de saber se na decisão recorrida se reconhece uma errónea construção de silogismo judiciário (contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) ou qualquer outro dos vícios a que alude o art. 410º, nº 2, do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou erro notório), necessariamente resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O que significa que só assumem tal natureza os erros constatáveis pela simples leitura do teor da própria decisão da matéria de facto, como já se disse e resulta do citado normativo, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (7). Apenas será de admitir a conveniência ou a cautela de, ainda assim, sindicar a fundamentação que haja sido feita sobre os factos provados e não provados, para se fazer uma avaliação correcta e poder concluir se, afinal, para um facto em aparente contradição com a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, não foi fornecida naquela fundamentação um qualquer esclarecimento que torne compreensível o julgamento efectuado: por exemplo, se um facto dado como provado (ou não provado) contraria o senso comum, ou seja, a normal e corrente compreensão e interpretação das situações da vida, só a clara explicitação do percurso trilhado para a formação da respectiva convicção e a razoabilidade desta poderão legitimar a sua aquisição processual.
Assim, o vício atinente à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – que também tem que resultar do texto da decisão – só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada (8).
No fundo, este vício consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma.
Porém, este vício também não deve ser confundido com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, enquanto questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) (9).
Também o vício da contradição insanável de fundamentação, «tal como os demais previstos nas als. a) e c), tem de resultar do texto da decisão recorrida e só se verifica quando, de acordo com um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação, não só não justifica como impõe uma decisão contrária ou, quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se concluir que a decisão não resulta suficientemente esclarecida, dada a colisão entre os fundamentos invocados» (10).
Este vício, como resulta da letra da al. b) do art. 410º, só se deve e pode ter por verificado quando ocorre uma contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou seja, um conflito inultrapassável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, o que significa que nem toda a contradição é susceptível de o integrar, mas apenas a que se incida sobre elementos relevantes do caso e se mostre insanável ou irredutível, isto é, que não possa ser ultrapassada ou esclarecida de forma suficiente com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência.
Identicamente, a jurisprudência tem considerado o vício contemplado na al. c) de tal preceito apenas como os erros que, ponderados os factos provados e não provados, advêm de o tribunal ter retirado uma conclusão ilógica ou arbitrária, à margem duma análise racional ou em violação das regras de experiência comum, e que, por isso, não escapa à análise do homem médio (11). Assim, apenas existe o vício do erro notório na apreciação da prova quando, de acordo com o texto da sentença, o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (12). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, traduzido, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (13) ou dar-se como não provado o que não pode ter deixado de ter acontecido.
Ora, no caso em apreço, não se constata pela simples leitura do teor da decisão recorrida qualquer dos vícios (formais) que os recorrentes lhe assacam, com os mencionados contornos que a lei lhes oferece, aliás, incompatíveis com os próprios termos do arrazoado recursivo.
Mesmo o raciocínio exposto pelo recorrente C. A. tendente a demonstrar a impossibilidade da “violência” do estalo que o mesmo desferiu ao ofendido, sendo o que, de entre toda a argumentação aduzida nos recursos, aparenta ter maior consistência, não tem a repercussão por ele pretendida para o preenchimento dos vícios ora em apreço. Com efeito, a utilização de tal termo na decisão recorrida – apesar de ter uma coloração patentemente conclusiva, deve reconhecer-se – emerge explicitada, claramente e sem qualquer ilogismo, na formulação da convicção formada pelos Srs. Juízes. Diferente questão será a de saber se essa formulação, perante a dinâmica ou sequência factual que a mesma revela, é suficientemente convincente para a aquisição do que foi tido por provado na decisão impugnada, a qual apenas relevará para a reponderação, que o recorrente também suscitou, sobre a decisão fática, substancialmente encarada, e, também, porventura, para a subsequente reapreciação da inerente matéria de direito.
Outra das discordâncias dos recorrentes radica no facto de ter sido considerado provado que o arguido C. A. na madrugada do dia 29/03/2015, a pedido do arguido M. F., por si, e em representação da Sociedade I…, Lda, encontrava-se à porta de entrada principal do estabelecimento desta última, a exercer funções de vigilância do mesmo, não fazendo uso de qualquer uniforme ou cartão alusivo a tal actividade recebendo como contrapartida quantias monetárias não apuradas, quando, segundo invocam, resultou evidente que essa matéria factual não tem acolhimento na prova produzida, mas, mesmo que assim sucedesse, não poderiam ser responsabilizados criminalmente.
Embora a real objecção expendida em torno do alegado exercício ilícito de actividade de segurança privada nada tenha a ver com qualquer dos vícios arguidos, aproveita-se o ensejo para relembrar, que os recorrentes o fazem de forma contraditória, pois, tanto afirmam que a prova produzida não sustenta esta matéria factual como dizem que o recorrente C. A. nunca entendeu que necessitasse de cartão profissional ou que o recorrente M. F. não tinha consciência da ilicitude de tal actuação.
Ora, como muito bem acentua o Sr. Procurador junto de 1ª Instância «uma coisa é a prova não permitir a conclusão de que praticaram actos próprios da actividade de segurança privada sem estarem habilitados a fazê-lo; outra coisa é não terem a consciência da ilicitude de tal actuação. Mas, se colocam a questão em termos de consciência da ilicitude, é porque aceitam a prática desses actos, pois de outra forma não tem cabimento invocar a falta de consciência da ilicitude».
Com efeito e em suma, nesses e nos demais aspectos versados nos recursos, o que está verdadeira e unicamente em causa é que os recorrentes não se conformam com a circunstância de a sua posição sobre a matéria de facto não ter sido acolhida no julgamento proferido pela 1ª instância, aí fazendo radicar os aludidos vícios que apontam à decisão recorrida e que expressamente apodam, concomitantemente, de contradição, de erro notório na apreciação da prova e de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
Destarte, é forçoso concluir, face à concreta argumentação expendida nas conclusões dos recursos, complementadas com a respectiva motivação, que os recorrentes invocam a existência destes vícios fora das analisadas condições legais, pois que se limitam a extrair as ilações que tem por pertinentes da prova produzida, que contrapõe às dos julgadores, sem que logre demonstrar, através da análise estribada apenas na leitura do próprio texto do acórdão recorrido, a existência de qualquer ilogismo de percurso ou conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum. Por conseguinte e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, improcede a deduzida impugnação da matéria de facto.

3. O erro de julgamento e a violação do princípio in dubio pro reo.
Como se disse, a verdadeira pretensão dos recorrentes, embora aludindo aos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do CPP, dirige-se à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, defendendo que ocorreu erro de julgamento quanto a parte da matéria de facto tida por assente na decisão de 1ª instância enunciada nos pontos 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 15, 18, 19, 20, 23 e 24, porquanto, em seu entender, no essencial, não foi feita prova suficiente de que o arguido C. A.:
- desferiu uma violenta bofetada ao ofendido, sendo essa conduta adequada a provocar neste as lesões e sequelas descritas em tais factos, representando-as como possíveis e conformando-se com a sua realização;
- estava a exercer as funções descritas no segmento final do item 2 dos factos tidos por provados, ou as de segurança do bar e não ficando, apenas como cliente, pela porta do bar a conversar e a entregar e a receber cartões;
- exercia a sua atividade [de vigilância do estabelecimento] por conta da arguida I… Lda, desde havia vários anos, até à data dos factos referidos, mediante o recebimento de quantias monetárias não concretamente apuradas e que não eram declaradas à Segurança Social;
- bem como, de que os arguidos sabiam que para o exercício da atividade supra descrita que o primeiro desempenhava, era necessário que o mesmo fosse portador do respetivo cartão profissional, o que não sucedia e que as condutas alusivas ao exercício de segurança privada que praticaram eram proibidas e punidas por lei.
O arguido C. A. sustentou, ainda, que ao invés do que ficou a constar da decisão de 1ª instância, foi feita prova dos motivos que desencadearam o desentendimento com o ofendido, relacionados com o não pagamento por este da despesa que efectuou no bar, os quais foram desconsiderados.
Como se disse, a par dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, alíneas a), b) e c), do CPP, o regime processual penal consagra uma segunda forma de impugnar a matéria de facto, através da invocação de erro de julgamento, a chamada impugnação ampla, nos termos previstos no art. 412º, nº 3, alíneas a), b) e c), do mesmo código.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (14). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP (15). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (16).
O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como tendo sido incorrectamente julgados, na sua perspectiva, a fim de poder obviar a eventuais erros ou incorrecções na forma como foi apreciada a prova.
Daí que a delimitação desses pontos de facto seja determinante na definição do objecto do recurso, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (impugnação ampla), o tribunal da relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do nº 3 do citado art. 412º.
A referida especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado.
Note-se que, o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afecta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.
Daí a necessidade e importância da impugnação especificada, por permitir a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, devendo tais especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (art. 417º, n.º 3). Face ao nosso regime processual quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, actualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do nº 4 do citado art. 412º.
E daí que se reconheça não existir fundamento bastante para rejeitar a impugnação da decisão numa situação em que, nas conclusões delimitadoras do objecto do recurso, tenha sido devidamente cumprido o ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados e as propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal alternativa, já podendo – e até devendo – o cumprimento do ónus secundário ser satisfeito na motivação (corpo das alegações), para aí sendo relegadas a valoração dos concretos meios de prova indicados nas conclusões e a determinação da sua relevância para a distinta decisão proposta, bem como a indicação concreta das passagens da gravação (17).
E, nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada.
Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Contudo, no âmbito penal, o princípio in dubio pro reo, invocado pelos recorrentes nesta sede, estabelece a imposição de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável: exige-se uma pronúncia favorável ao arguido quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Neste conspecto, esse princípio constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos. Ora, como resulta do exposto, a violação desse princípio só se pode verificar quando o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Normalmente, a imputação de uma alegada violação desse princípio suscita a necessidade de ser demonstrado o erro na apreciação da prova produzida, com vista a evidenciar no recurso a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo.
É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (18). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (19).
É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo (20), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».
Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» (21).
E, como é evidente, é segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, ou seja, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma errada apreciação da prova produzida. Em suma, neste processo, a violação do invocado princípio deve ser defrontada ou apreciada também nesta vertente da adequação da decisão proferida à prova produzida.
É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que na fundamentação da matéria de facto, como já se salientou, se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP) é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência, tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras.
Com efeito, não podemos olvidar que de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (22).
Num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, antes é livremente apreciada, quando o tribunal não dispuser de outra prova, as declarações de uma única testemunha (23), seja ou não vítima, de maior ou menor idade, ainda que opostas, em maior ou menor medida, ao depoimento do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias dos interessados se considerar aquela versão verdadeira em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso.

Analisemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.
À luz do que acima expendemos, os recorrentes M. F. e I… Lda não cumpriram, sequer por aproximação, o apontado ónus de especificação legalmente exigido para o conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que formularam. Basta atentar em que, nas conclusões delimitadoras do objecto do respectivo recurso, não identificaram quaisquer concretos pontos de facto impugnados ou propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imporiam tal alternativa.
Já o recorrente C. A. cumpriu devidamente esse ónus de especificação, quer o primário, quer o secundário, remetendo para os depoimentos produzidos em audiência e indicando as respectivas passagens concretas da gravação, para sustentar que o Tribunal não deu como provada a versão que apresentou sobre os factos – e com que, em suma, defendeu a sua absolvição dos crimes por que foi condenado –, por não valorar o seu próprio depoimento ou o das testemunhas presenciais, dos quais teria resultado que ele apenas desferiu uma bofetada no ofendido, sem qualquer alusão à sua putativa violência, e por não conferir qualquer relevância ao depoimento do médico especialista em dano corporal, Dr. L. M., concluindo, com esse arrazoado, que o Tribunal de 1ª instância cometeu erros grosseiros na apreciação da prova.
Contudo, sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, como se disse, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Após exame do resultado da audição de todos os depoimentos produzidos, e não apenas dos segmentos referenciados pelo recorrente, conjugada com os elementos documentais juntos aos autos, podemos, desde já, adiantar que esses meios de prova permitem, sem margem para qualquer dúvida, concluir, como o fez o tribunal recorrido, que na madrugada do dia 29/03/2015, o recorrente encontrava-se à porta de entrada principal do estabelecimento I... Lda, a exercer funções de vigilância do mesmo e por motivos não apurados aproximou-se do ofendido desferindo-lhe um violento estalo na cara, o qual, devido à violência imprimida, determinou a queda imediata e desamparada do ofendido ao solo, onde bateu com estrondo com a parte de trás da sua cabeça e em consequência da conduta levada a cabo pelo arguido/recorrente, o ofendido sofreu um hematoma subdural agudo hemisférico direito, com marcado desvio da linha média e com sangue subaracnoídeo, e um volumoso hematoma extradural agudo parietal esquerdo, tendo o recorrente querido molestar fisicamente o ofendido e representado como possível que, em consequência da violência do impacto desferido no ofendido, este poderia vir a cair desamparado ao solo e embater com a sua cabeça e por efeito, também deste outro impacto, vir a sofrer lesões, conformando-se com esta realização. Mais se apurou que o recorrente revelou insensibilidade e indiferença em relação às moléstias físicas e ao estado de saúde que causou no ofendido, não se coibindo de se ausentar do local, imediatamente após ter dado causa àquelas moléstias, não mais se importando naquele momento, ainda, com o estado ou condição de saúde do ofendido.
Concretizando.
O arguido/recorrente prestou declarações em audiência e embora tivesse reconhecido que na noite em questão, a pedido do arguido M. F., estava na porta de entrada do bar a recolher os cartões, fê-lo por pura amizade, pois, deixou de trabalhar nesse local a partir do ano de 2010. No apontado contexto, asseverou que o ofendido lhe entregou o cartão dobrado e sem estar carimbado, facto que originou a que o tivesse interpelado e, nessa sequência, o ofendido o teria injuriado e dito “paga tu se quiseres”, razão pela qual lhe deu um estalo com a mão aberta que o fez desmaiar. Negou categoricamente que tivesse abandonado o local, tendo inclusive solicitado aos presentes que chamassem o INEM.
Na mesma linha, o arguido M. F. tentou fazer passar a ideia de que no momento em causa o arguido C. A. apenas lhe estava a dar uma ajuda com o recebimento dos cartões e, como contrapartida, não pagava os respectivos consumos, embora reconhecesse que o arguido C. A. já tivesse trabalhado para si até 2010, exercendo as funções de porteiro. Explicou que a partir dos factos e porque os serviços de fiscalização o alertaram para essa necessidade, contratou os serviços de uma empresa para exercer as funções de segurança no dito espaço.
Ao invés, as testemunhas O. E., M. C., A. D., J. N. M., L. S., J. N., J. N. e M. C., todos frequentadores assíduos do espaço, espontaneamente, identificaram o arguido C. A. como a pessoa que permanentemente se encontrava na porta do bar a permitir ou a recusar a entrada das pessoas, a entregar e a receber os cartões, inclusive como o fez nessa noite. Aliás, A. D., ele próprio dono de um bar, referiu-se ao arguido C. A. como sendo, há muitos anos, o porteiro da terceira ré, exercendo todas as funções inerentes ao cargo e limitando o acesso de clientes.
Apenas a testemunha M. F. disse que, habitualmente, é o arguido M. F. quem lhe entrega o cartão.
Perante tais declarações e depoimentos, que dizer da discordância do recorrente quanto à redacção conferida aos pontos 2º a 5º da matéria de facto?
Com resulta expressamente da motivação da decisão de facto, os senhores Juízes atribuíram total credibilidade aos depoimentos prestados por aquelas primeiras testemunhas em detrimento das declarações prestadas pelos arguidos e pela testemunha N. F., pela simples razão, como sublinharam, de lhes terem parecido mais lógicas e conformes com a realidade e com as regras da experiência comum, explicando também o motivo pelo qual desconsideraram os depoimentos dos arguidos, consignando, essa circunstância, na motivação da decisão de facto.
Neste particular, e para além do referido, também não podemos deixar de assinalar que, é no mínimo estranho que, força da dita amizade, o arguido C. A., com caracter de permanência, estivesse a exercer as funções que as testemunhas lhe atribuíram a troco do simples consumo de bebidas que, a bem dizer, o próprio até refutou, apenas o tendo mencionado o arguido M. F.. Estamos em crer que a explicação avançada pelos arguidos apenas se deveu à circunstância de se tentarem eximir da respectiva responsabilidade criminal, o que nos leva também a extrair a conclusão de que ambos sabiam que não o podiam fazer e que o seu comportamento era contrário à lei. E o mesmo se diga em relação à explicação por ambos avançada de que o arguido C. A. deixou de exercer as funções em causa a partir do ano de 2010, devido ao facto de ter assumido as funções de gerência de uma oficina reparadora de veículos automóveis, não se percebendo o que é que uma coisa tem a ver com a outra, tanto mais que esse facto não foi impeditivo de o mesmo continuar a estar à porta do bar, embora, claro está, a fazer um favor.
Tendo como adquirido o exercício das mencionadas funções de vigilância do bar, designadamente a de proceder ao respectivo controlo efectivo de entrada, presença e saída de clientes, entregando e recebendo, após o respectivo pagamento, os cartões de acesso e registo de consumos, ditam as regras da experiência e da normalidade da vida que estas compreendiam também a prevenção das ocorrências descritas na parte final do aludido item 2. Com efeito, no apontado contexto, seria normalmente exigido ao arguido C. A. que impedisse a entrada de qualquer cliente em cuja posse detectasse, independentemente de qualquer revista, qualquer dos objectos lá mencionados ou que actuasse perante a eventual verificação de algum dos demais factos referenciados.
Ainda, contrariamente ao afirmado sobre os itens 11 e 18 dos factos pelo recorrente, que tentou fazer passar a ideia de que tinha estado a prestar auxílio ao ofendido, essa invocação foi expressa e convincentemente contrariada pelas testemunhas supra referidas, que foram unânimes em afirmar que o mesmo, logo após ter desferido a bofetada no ofendido, se refugiou no interior do estabelecimento. Tal como esclareceram os Srs. Juízes, ao expressarem a motivação da respectiva decisão, nenhuma dessas testemunhas viu ou ouviu o arguido a chamar o INEM, ou sequer pedir que chamassem, já que, segundo relataram, logo a seguir à agressão, o mesmo deixou de imediato o local e não mais ali foi visto.
E que dizer do escrutínio feito pelos Srs. Juízes dos meios de prova referentes à conduta do arguido C. A. e que acabou por vitimar o ofendido?
A propósito deste segmento, extrai-se do registo audiofónico dos depoimentos prestados pelas testemunhas que presenciaram a conduta em causa – testemunhas O. E., M. C., A. D., J. N. M., L. S., R., J. F. e N. F. que o arguido C. A. desferiu apenas uma bofetada com a palma da mão direita na hemiface esquerda do ofendido, não tendo qualquer delas sabido dizer o que motivou tal comportamento, à excepção de J. F., que tentou confirmar a tese do arguido, mas todas as demais foram unânimes em afirmar, o que também fez a testemunha M. C., que o ofendido não proferiu qualquer palavra, nem teve qualquer comportamento justificativo da atitude exteriorizada pelo arguido.
Quanto à intensidade da mencionada bofetada, as testemunhas M. C. e L. S. esclareceram como a mesma foi perpetrada (embora sem a terem visualizado), tendo aquela referido que o arguido se dirigiu ao ofendido com muita agressividade, tendo até repelido o L. S., empurrando-o com muita violência, quando o mesmo tentou impedir que o arguido se dirigisse ao ofendido. Por sua vez, a testemunha L. S. asseverou que, ao ver o arguido a partir para ir ao encontro do ofendido, pôs-se à frente do mesmo, mas este afastou-o contra uma montra, descontrolando-o, pelo que só ouviu o barulho da cabeça do ofendido a bater no chão. Acresce que a testemunha J. N. clarificou que, quando o ofendido “apanha a bofetada caiu hirto como uma tábua no chão”, referindo-se ainda a um barulho seco quando a cabeça entrou em contacto com o chão. A mesma expressão foi usada pela testemunha A. D. quando explicou que após a “chapada o ofendido caiu de costas como uma tábua”.
Ora, da concatenação destes elementos pode retirar-se, em primeira linha, que apenas o arguido, secundado pela testemunha J. F., para justificar o seu comportamento, aludiu à entrega do cartão dobrado e sem estar carimbado, mas para além desta versão ser redondamente contrariada pelo depoimento da testemunha J. N. M., que disse que essa razão era impossível por já se encontrarem no exterior do estabelecimento, a mesma também contraria as regras da experiência, pois, não era normal que, se tal tivesse sucedido, o arguido, pessoa muito experiente, o tivesse sequer deixado sair das instalações ao mesmo passo que também não colhe a explicação por ele avançada de que só deu conta depois de o ofendido se encontrar no exterior.
Assim, no apurado contexto, não pode ser atribuída credibilidade à versão apresentada pelo arguido quanto aos motivos que estiveram na origem da sua actuação não só porque a mesma foi contrariada por outros elementos de prova, como também colide frontalmente com as regras da normalidade e experiência, tanto mais que se demonstrou ser notória a desproporção física entre arguido e ofendido.
Por outro lado, extrai-se com meridiana clareza que, apesar da impossibilidade de mensurar a intensidade imprimida pelo arguido à bofetada, esta foi adequada a provocar, mais do que um simples e gradual desfalecimento ou perda de sentidos, os imediatos desmaio e queda desamparada do ofendido, de costas, hirto como uma “tábua” – como foi dito em julgamento – o qual, nessas condições, bateu no solo, com estrondo, com a parte de trás da sua cabeça. A queda, em tais termos, só ocorreu por causa da agressão cometida pelo arguido, independentemente da maior ou menor “violência” na mesma usada, sendo ainda certo que na avaliação desta não pode ser desprezada a desproporção física entre o mesmo – com forte compleição – e o ofendido – mais franzino –, elemento comparativo que foi notório para os Srs. Juízes que, com a imediação de que dispuseram, dele deram conta na fundamentação da decisão.
O que se sabe é que o ofendido R., em consequência do sucedido, ficou prostrado no chão, no estado de inconsciente, sem reagir a estímulos exteriores, e a sangrar pelo ouvido direito, tendo sofrido hematoma subdural agudo hemisférico direito, com marcado desvio da linha média e com sangue subaracnoídeo, e um volumoso hematoma extradural agudo parietal esquerdo e, em consequência de tal lesão, todas as extensas sequelas reportadas nos pontos 14 a 17 dos factos.
É certo que o recorrente pretenderia ver excluído o nexo de causalidade entre a bofetada e as extensas lesões sofridas pelo ofendido, para o que fez apelo ao depoimento da testemunha Dr. L., médico que, referindo ser especialista em avaliação do dano corporal, aludiu à eventual desproporção entre o meio empregue, com queda na mesma altura, e a gravidade das lesões de que veio a padecer o ofendido, dizendo que foi maior do que seria espectável, o que o levava a admitir a existência de condições prévias desconhecidas que poderiam ter despoletado tal resultado, tais como a de a vítima ser portadora de aneurismas ou más formações congénitas ou de outras condições adquiridas, como a fragilidade dos vasos cerebrais provocada pelo abuso de álcool ou drogas. Contudo, deste depoimento apenas se extraem, não as virtualidades que o recorrente lhe pretendeu atribuir, mas as meras hipóteses académicas nele afloradas, com assento em suposições e não no conhecimento das concretas condições da vítima, devendo, aliás, sublinhar-se que o depoente até acabou por dizer que desconhecia a diferença de compleição física entre aquela e o indivíduo que o agrediu.
A par deste depoimento, o recorrente também aludiu aos esclarecimentos da Perita Médica (Dra. M. B.) que subscreveu o relatório junto aos autos, vincando o facto de esta ter começado por afirmar que uma bofetada, em termos normais, não provocaria as extensas lesões sofridas pelo ofendido. Mas, o recorrente não mencionou que a mesma também acabou por admitir que tudo dependeria da violência com que é dada uma bofetada. Salienta-se, ainda, que a Perita esclareceu que o consumo esporádico de álcool não tem qualquer influência na extensão do hematoma, apenas um consumo crónico poderá ter essa virtualidade.
Naturalmente, que, para o efeito acima descrito, até poderão ter concorrido com o acto praticado pelo arguido outros factores, mas, entre estes, o único que é conhecido, que não poderia deixar de ser perceptível para o arguido e que, por isso, é atendível consiste no facto de o ofendido, quando foi vítima da agressão, se encontrar sob a influência do álcool. Este estado diminuiu, necessariamente, a capacidade de resposta do mesmo, embora, segundo foi dito nos depoimentos prestados pelos médicos, por si só, não justificasse a concreta reacção física nele desencadeada por uma mera bofetada, porquanto, afinal, tudo dependeria da violência desta. Porém, não deve pressupor-se a bofetada como a causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma teria, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factores, contemporâneos ou não. Na verdade, segundo tudo indica, a lesão e a consequente produção do dano resultaram de um concurso real de causas, da contribuição de vários factores, podendo admitir-se que qualquer deles, singularmente considerado, não tenha sido suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha concluir que o acto perpetrado pelo arguido foi o facto que, adequadamente, despoletou, com o desmaio, a queda e o batimento da cabeça do ofendido no chão, o processo causal do efeito por todos esses factores desencadeado e, efectivamente, produzido. E é aqui que deve assentar o fulcro da questão.
Assim, salvo o devido respeito, o que interessava apurar era a causa das graves lesões e estas, nos referidos termos, foram adequadamente causadas pela actuação do recorrente, pelo que não se descortina a existência do vício de raciocínio, a que o mesmo apelidou de “pescadinha de rabo na boca”, assim exposto: se a cabeça do ofendido fez barulho ao bater no chão, é porque a pancada no solo foi violenta; se a pancada no solo foi violenta, é porque a estalada foi violenta; se a estalada foi violenta, são verosímeis as graves lesões sofridas.
É claro que, ainda nesta vertente, não pode ser tida por despida de relevância a aludida dinâmica desencadeada pela bofetada e a que o recorrente fez apelo quando argumentou com o facto de a agressão por ele cometida na hemi-face esquerda do ofendido não ter tido «a energia cinética» suficiente para que o mesmo caísse para o seu lado direito, pois caiu (hirto) de costas. Realmente, uma vez que assim sucedeu, não pode deixar de se ter por evidente que a bofetada teve a «energia» ou a «violência» idónea a provocar a queda nos termos em que ocorreu, mas não a bastante para projectar o corpo do ofendido para o seu lado direito.
O mesmo se diga em relação a lesões nos tecidos externos do corpo do ofendido, a cuja ausência o recorrente também fez referência. Mas, posto isto, também se sabe que, uma vez prostrado no chão, nas condições a que já aludimos, o mesmo sangrava pelo ouvido direito, o que se devia, certamente, a ter sofrido a acima referenciada lesão interna.
Por conseguinte, os enunciados elementos, devidamente ponderados segundo as regras da lógica e da experiência comum, permitem que se retire a conclusão de que o recorrente nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos agrediu o ofendido, querendo molestá-lo fisicamente, como efectivamente sucedeu, e que as graves lesões que este veio a sofrer foram adequadamente causadas pela sua actuação, bem como que o mesmo, agindo de forma livre e consciente, apesar de saber do caracter proibido por lei da sua conduta, tendo representado como possível consequência da violência do impacto desferido no ofendido este poder vir a cair desamparado ao solo e embater com a sua cabeça e por efeito, também deste outro impacto, vir a sofrer lesões, conformou-se com esta realização.
Donde, até este ponto, entendemos que a decisão impugnada não merece censura, pois procedeu a uma correcta e devida ponderação de todos os meios de prova produzidos.
Na verdade, no que importa ao elemento subjectivo da infracção, deve fazer-se uso das regras da experiência comum. De facto, sendo o dolo um elemento da vida interior do agente, por isso que impossível de apreender directamente, pode deduzir-se ou inferir-se de dados que, com muita probabilidade, o revelem. Ou dito de outro modo, trata-se de um facto do foro psicológico. Estes factos são, muitas vezes, indemonstráveis de forma naturalística, mas o tribunal pode considerá-los provados, através de outros que com eles normalmente se ligam. No caso, atenta a conduta do recorrente, com um significado evidente, mais do que probabilidade séria do elemento subjectivo, nos enunciados termos, há certeza da sua verificação, posto que manifestamente preenchido o conhecimento da totalidade dos elementos típicos, com o que é evidente a vontade da prática dos factos.
Todavia, divergindo da decisão recorrida, entendemos, à luz de critérios colhidos da experiência razoável da vida e das coisas e da lógica comum, que o conjunto dos factos demonstrados e os demais dados fornecidos pelo processo não consentem a dedução de toda a matéria inserta no item 19 dos factos.
Na verdade, a experiência do arguido em confrontos físicos e o seu conhecimento de que o ofendido, que não esboçou qualquer reacção, se encontrava alcoolizado, bem como a notória desproporção física entre ambos são dados que, com muita probabilidade, revelam que o arguido, agindo de forma livre e consciente, apesar de saber do caracter proibido da sua conduta, agiu com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido, provocando-lhe as lesões em que se esgotam, em regra, os efeitos de uma bofetada e representou como possível consequência da violência do impacto que desferiu na face do ofendido este poder vir a cair desamparado e embater com a sua cabeça no solo e, por efeito também deste outro impacto, vir a sofrer lesões, tendo-se conformado também com esta realização. Além disso, os factos demonstrados e os demais dados também autorizam a ilação de que o arguido, com a sua concreta experiência de vida, podia e devia ter previsto a possibilidade de o “franzino” ofendido vir a sofrer as gravíssimas lesões acima referidas, com as sequelas descritas nos pontos 14 a 17 (correndo até risco de vida), resultado que todavia não antecipou e com o qual não se conformou.
Com efeito, pensamos retirar-se da conjugação dos analisados elementos probatórios a exigibilidade de o arguido ter antecipado a possibilidade de o ofendido, com as descritas condições, vir a sofrer as lesões cujas gravíssimas sequelas o atiraram para o estado vegetativo (numa unidade de cuidados continuados) e a de se ter abstido de as desencadear. Coisa muito diferente – e que, segundo pensamos, aqueles dados não permitem inferir sem um salto lógico – seria ter por assente que o arguido, tendo representado como possível que, em consequência da violência do impacto desferido no ofendido, este poderia vir a cair desamparado ao solo embatendo com a sua cabeça e por efeito de ambos os impactos vir a sofrer tais lesões, actuou conformando-se com a sua realização.
Por assim ser, decidimos alterar o conteúdo do aludido item, o qual passará a ser:
«19. Ao agir pelo modo descrito em 9., o arguido C. A. teve o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido R., provocando-lhe as lesões em que se esgotam, em regra, os efeitos de uma bofetada e representou como possível consequência da violência do impacto que desferiu na face do mesmo este poder vir a cair desamparado e embater com a sua cabeça no solo e, por efeito também deste outro impacto, vir a sofrer lesões, tendo-se conformado também com esta realização, bem como, podia e devia ter previsto a possibilidade de o ofendido, por efeito de ambos os impactos, vir a sofrer as lesões referidas em 13., com as sequelas descritas nos pontos 14 a 17 (correndo até risco de vida), resultado que, todavia, não antecipou e com o qual não se conformou.».

Quanto ao demais, ressalta da decisão recorrida uma imagem lógica do que realmente aconteceu, sem que subsistam dúvidas de que o recorrente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, cometeu os factos tidos por provados. Realmente, resulta dos factos a vontade do arguido em agredir o ofendido indo na sua direcção, ao ponto de ter derrubado um obstáculo que lhe apareceu, pois atirou a testemunha L. S. contra uma montra com violência, a atitude indefensiva do ofendido que não esboçou qualquer reacção, aliadas ao conhecimento do arguido de que o ofendido se encontrava a alcoolizado à manifesta diferença da compleição física de ambos e à sua larga experiência em confrontos físicos.
É o que também resulta da motivação, acima transcrita, da decisão sobre os factos constantes do acórdão recorrida, em que os Senhores Juízes indicam cabalmente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreram e obtiveram credibilidade no seu espírito. Para tanto, não se limitando a indicar os concretos meios de prova geradores do seu convencimento, revelaram as razões pelas quais, apoiando-se nas regras de experiência comum, adquiriram, com apoio na imediação e na oralidade da produção de tais meios, a convicção sobre a realidade dos factos. Como se escreveu nessa motivação, para a formação da sua convicção quanto aos (demais) factos impugnados, foram determinantes os referenciados depoimentos, que se lhe afiguraram ser depoimento coerentes, não obstante pequenas imprecisões que decorrem da sua localização diversa face ao arguido e ofendido e da maior atenção que prestaram a certos pormenores, sobretudo, ao momento concreto da agressão focando imediatamente o seu interesse e preocupação, como é natural, na pessoa ofendido inerte no solo. Confluíram, porém, nos elementos essenciais dos factos, não tendo suscitado reservas do tribunal quanto à sua credibilidade.
Dito por outras palavras, os Senhores Juízes fizeram um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efectuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeram em detrimento de outros.
Ao recorrente assistia, evidentemente, o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa. Porém, o mesmo limitou-se a alegar que não foi feita a prova dos factos em julgamento, sem apontar argumentos ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal nos segmentos aludidos.
De facto, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
Por fim, dir-se-á que é certo que, se existisse a possibilidade razoável de uma solução alternativa ou de uma explicação racional e plausível diferente, dever-se-ia assentar a decisão na que se mostrasse mais favorável ao arguido, de acordo com o aludido princípio in dubio pro reo. Contudo, o apelo a este princípio, fundamentalmente como corolário da apreciação que o recorrente fez da prova, não colhe no caso em apreço, porquanto não se demonstra que o tribunal de 1ª instância se tivesse defrontado com qualquer dúvida na formação da convicção, contra ele resolvida.
Efectivamente, atentando na motivação da decisão de facto, logo se constata que os Senhores Juízes não ficaram em estado de dúvida: fica-se a conhecer, cristalinamente, o processo de formação da sua convicção, através do enunciado sobre o exame crítico da prova, com a justificação das razões pelas quais foram valorados e tidos em consideração os depoimentos das testemunhas, em conjugação com os demais meios de prova produzidos, como acima se deixou explicito em detrimento da defesa apresentada pelo arguido.
E, conforme já exposto, a este Tribunal de recurso também não restaram dúvida da prática pelo arguido dos factos e, consequentemente, também nós concluímos que foi acertada a avaliação feita em 1ª instância da prova produzida em audiência, descontada a correcção já efectuada. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as expostas ilações quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugnou o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso. Assim, perante a prova produzida, pensamos que, com a apontada ressalva, não se detecta qualquer outro pontual e concreto erro de julgamento ou patente irrazoabilidade na convicção probatória formada pela julgadora (com imediação (24)).

Por conseguinte, procede apenas parcialmente, nos expostos termos, a impugnação da matéria de facto.

4.1. O crime de ofensa à integridade física.
O recorrente C. A. também não se conformou com o enquadramento jurídico com que o Tribunal entendeu qualificar a sua conduta, como crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo artigo 143º nº 1 e 144°, als) b), c) e d), 26º e 14º nº 3 do C. Penal, por o mesmo implicar uma conduta dolosa, pelo menos a título eventual, pelo que, o «máximo que se aceitaria, seria uma ofensa à integridade física simples, podendo-se discutir se agravada pelo resultado ou não».
Perante a matéria de facto, tal como se configura após a decidida alteração, assiste razão ao recorrente. Vejamos.
Nos termos do art. 143º do C. Penal, quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, mas se as ofensas à integridade física forem produzidas de forma a provocar qualquer das consequências previstas nas diversas alíneas do art. 144º do mesmo código (25), o agente é punido com pena de prisão de dois a dez anos.
Nesta matéria, dispõe o artigo 25º, da Constituição que «A integridade moral e física da pessoa é inviolável», o que concede um direito a ninguém ser agredido ou ofendido no corpo ou espírito.
O tipo legal do crime em apreço integra-se no Título I, dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, no Capítulo III, relativo aos crimes contra a integridade física, do Livro II, e tem como ratio a protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
Pretende-se, com a citada prescrição, proteger a integridade física da pessoa humana, integridade entendida como corporal e psíquica e, por consequência, punir o agente que inflige na vítima «mau trato através do qual [aquela] é prejudicada no seu bem estar físico de forma não insignificante» (ofensa no corpo), ou age de modo a pôr «em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a» (lesão da saúde) (26).
Sendo elemento objectivo do tipo de ilícito qualquer ofensa no corpo ou na saúde de outrem, ainda que não cause dor ou sofrimento, o crime de ofensa à integridade física é um crime de resultado, na medida em que supõe tal dano, imputado objectivamente à conduta do agente, cuja consumação depende da verificação da ofensa entendida como efeito e não como acção de ofender. «O tipo legal em análise abrange (…) um determinado resultado que é a lesão do corpo ou saúde de outrem, fazendo-se a imputação objectiva deste resultado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais» (art. 10) (27).
É também um crime de realização instantânea, bastando para o seu preenchimento a verificação do resultado descrito, que pode ser uma ofensa no corpo ou uma ofensa na saúde da pessoa visada.
Subjectivamente, para o preenchimento do mesmo crime, é imposto que o agente actue com consciência e vontade de que a sua conduta lesa o corpo ou a saúde de outra pessoa. Tem como elemento subjectivo o dolo, em qualquer das suas modalidades, dolo, que deve ser dirigido à ofensa do corpo ou da saúde de terceiro, sendo irrelevante a motivação do agente (28).
Da factualidade apurada extrai-se que o arguido, intencionalmente, atingiu a integridade física do ofendido, pelo que, no caso vertente, dúvidas não restam que a integridade física de outra pessoa foi violada, dolosamente pelo arguido, verificando-se, pois, os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito do citado art. 143º.
Todavia, o dolo no crime de ofensa à integridade física grave tem de abranger não só o tipo fundamental (citado art. 143º), como as consequências que o qualificam. Dito de outro modo, o dolo no crime de ofensa à integridade física grave tem de abranger o resultado grave. Por isso, no caso das alíneas b), c) e d) daquele art. 144º, que estão em causa nestes autos, o dolo, pelo menos a título de dolo eventual, teria de abranger a afectação, de maneira grave, das capacidade de trabalho, intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem, ou a provocação de doença permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável ou perigo para a vida. Estando perante resultados que são todos, seguramente, graves e que, efectivamente, advieram da conduta do arguido, mas não se considerou provado que o mesmo os tenha representado como possível consequência da sua acção e se tenha conformado com a sua realização.
Assim sendo, a factualidade assente, pela falta do elemento subjectivo, não sustenta a condenação do arguido pelo crime de ofensa à integridade física grave, que lhe vinha assacado.
Porém, como é sabido, embora, por regra, só seja punível o facto praticado com dolo, só o sendo com negligência nos casos especialmente previstos na lei (art. 13º), dispõe o art. 18º de mesmo código que, «Quando a pena aplicável a um facto for agravada em função da produção de um resultado, a agravação é sempre condicionada pela possibilidade de imputação desse resultado ao agente pelo menos a título de negligência».
E o art. 147º de tal diploma, sob a epígrafe «Agravação pelo resultado», prescreve, justamente, que se das ofensas previstas no artigo 143º, resultarem as ofensas previstas no artigo 144º, «o agente é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo».
Trata-se, aqui, de um crime que se costuma designar por preterdoloso ou preterintencional, em que o resultado, portanto, excede a intenção do agente, sobre cuja natureza o STJ, no seu Acórdão de 07-03-1990 (29), se pronunciou nestes termos: «No crime preterintencional, o evento agravante e, consequentemente, o tipo legal preterintencional, só podem ser imputados ao agente quando este tenha actuado, em relação àquele evento, com negligência e portanto, com culpa - artigo 18 do Código Penal».
Porque o agente só teve a intenção de ofender outrem corporalmente, exige-se a negligência do mesmo, ainda que inconsciente, quanto à produção do resultado mais grave, em homenagem ao princípio basilar do direito penal de que sem culpa não há responsabilidade criminal (30).
Especificamente sobre este crime, expendeu Paula Ribeiro de Faria (31):
«Estamos perante um delito qualificado pelo resultado por uma especial combinação de dolo e negligência (crime preterintencional). O delito fundamental doloso {aqui a lesão da integridade física) é por si só susceptível de punição, no entanto a pena é substancialmente elevada com base numa especial censurabilidade do agente, uma vez que o perigo específico que envolve esse comportamento se concretiza num resultado agravante negligente (morte ou lesão da integridade física grave) (...) É claro que a morte ou a ofensa à integridade física grave deverão ser expressão de um perigo específico que o comportamento do agente envolve (e aqui, conjuntamente com a especial censurabilidade; cfr. infra § 9; Figueiredo Dias, Responsabilidade cit. 135, fala numa "previsibilidade subjectivamente possível"). Todavia, por imposição da própria letra do art. 145°, da sua estrutura e do próprio processo típico do crime em análise, deve esse perigo específico estar directamente relacionado com o crime fundamental doloso (que apresenta uma determinada natureza e que por isso anda associado a efeitos de determinado tipo), não se podendo responsabilizar o agente por consequências imprevisíveis ou anormais que não se relacionem com o mesmo crime. Ter-se-á que afirmar uma relação de adequação entre a acção fundamental dolosa e o evento agravante; com o que se entra no plano da imputação de determinado resultado à conduta do agente».
Ora, temos como assente que o arguido, quando cometeu, como se disse, o mencionado crime (doloso) contra a integridade física do ofendido, em quem desferiu, intencionalmente, uma bofetada, também representou como possível consequência da violência do impacto que desferiu na face do mesmo este poder vir a cair desamparado e embater com a sua cabeça no solo e, por efeito também deste outro impacto, vir a sofrer lesões, tendo-se conformado também com esta realização, bem como, podia e devia ter previsto a possibilidade de o ofendido, por efeito de ambos os impactos, vir a sofrer as lesões referidas em 13., com as sequelas descritas nos pontos 14 a 17 (correndo até risco de vida), resultado que, todavia, não antecipou e com o qual não se conformou.
Portanto, o arguido, embora não tenha chegado, sequer, a representar a possibilidade de realização de qualquer daqueles graves resultados – com que, por isso, não se conformou –, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, abstendo-se da conduta penalmente proibida, a qual não se limitou a criar um risco proibido para a integridade física de outra pessoa, antes concretizou esse risco, desencadeando adequadamente tais resultados ilícitos. E daí que estes resultados lhe sejam imputáveis a título de negligência inconsciente, em conformidade com o preceitua o art. 15º do C. Penal.
Como se disse, o arguido, subjectivamente, não antecipou ou não previu o resultado, mas, nem por isso, o mesmo deixa de lhe ser censurável: a perigosidade da situação para o valor protegido advindo do desencadeamento do aludido processo causal não consentiria àquele não prever nem confiar, indevidamente, em que tal resultado não se verificasse, atendendo, segundo critérios de normalidade, ao concreto circunstancialismo e às descritas condições do ofendido, que constituíam um quadro global que lhe possibilitaria prever que a inobservância do cuidado devido poderia conduzir às mais graves consequências, como sucedeu, e disso se poderia ter apercebido, pois o possível percurso causal, ainda que rodeado de alguma complexidade, era acessível à capacidade por ele adquirida com a sua experiência pessoal.
Temos, pois, que, apesar de o resultado da acção do arguido ter excedido a sua intenção, já que o mesmo, dolosamente, apenas cometeu um crime de ofensa simples, aquele resultado é-lhe imputável a título de negligência e, por isso, pode afirmar-se que a sua conduta preenche o crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, p. e p. pelo art. 147º, do C.Penal.

4.1. A pena.
Ponderemos, agora, a medida da pena a impor ao recorrente.
Para este efeito, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Em consonância com o estipulado no nº 1, do art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40º, nº 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há, assim, que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do C. Penal).
Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» (32). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (33). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (34).
Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, nº 2, do C. Penal).
Resulta da matéria de facto e de todas as considerações já expendidas que é muito exacerbada a gravidade objectiva da conduta do arguido já que, com a mesma, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, com uma repercussão chocante na vida de uma pessoa.
Por outro lado, no que respeita às necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização, há que ponderar que, a favor do arguido só é computável a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais à data da prática dos factos. Realmente, apesar de dizer lamentar o incidente e a actual condição de saúde da vítima, o arguido não evidenciou um sincero e efectivo juízo autocrítico em relação ao seu comportamento e, sobretudo, o que mais impressiona é que não se coibiu de se ausentar do local, imediatamente após ter dado causa às moléstias à vítima, no instante em que esta ficou prostrada no chão, dirigindo-se para o estabelecimento e fechando-se no seu interior, revelando, assim, insensibilidade e indiferença e não mais se importando com o estado ou condição de saúde da mesma.
Ora, sopesando todos os enunciados factos apurados quanto à pessoa do arguido e as considerações expendidas quanto à intensidade das exigências de prevenção geral, atinentes à necessidade da pena, factores, aliás, que foram devidamente ponderados na decisão recorrida, embora à luz de uma diferente moldura penal, entendemos ser perfeitamente ajustada e adequada às particularidades do caso a imposição de uma pena de prisão, a única que satisfaz tais necessidades, e de três anos, portanto situada em medida significativamente acima da média da moldura abstractamente aplicável, ainda que bastante abaixo do respectivo limite máximo (3 anos e 9 meses).
Encontrado o quantum da pena a aplicar ao arguido/recorrente, subscrevemos o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido quando, depois de averiguar se o sentido pedagógico e ressocializador ínsito ao direito penal se atinge com a suspensão da sua execução, respondeu afirmativamente, tendo ponderado, com a fundamentação exibida na sua decisão, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão poderão realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim sendo, nos termos do art.50º, nº 5 do C. Penal, decidimos suspender a pena na sua execução pelo período legal de três anos, embora acompanhado de regime de prova, talqualmente foi decidido em 1ª instância.

5. O crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada.
Os recorrentes também se insurgem contra a sua condenação como autores de um crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada, p. e p. pelos arts. 57º, nº 2 e 4 e 58º, da Lei n.º 34/2013, de 16/5.
Ultrapassadas que estão as objecções colocadas nos recursos em relação à matéria de facto fixada pela 1ª instância, logo se constata que as questões suscitadas, agora, no âmbito do enquadramento jurídico dessa factualidade foram eficiente e adequadamente enfrentadas na decisão recorrida, com uma fundamentação que, por isso, merece a nossa inteira adesão. Por assim ser, esquematizaremos a nossa pronúncia com umas brevíssimas ponderações complementares, tendo em atenção os contra-argumentos aduzidos pelos recorrentes:
Os recorrentes, tanto invocam que os factos ocorreram no exterior do estabelecimento e por isso não são da sua responsabilidade, como alegam que o estabelecimento em causa pertence à Associação Académica de Braga, instituição de utilidade pública, que não se encontra abrangida pelo Dec. Lei nº 135/2014 de 8 de Setembro.
Importa esclarecer que, salvo o devido respeito, a argumentação em causa só poderá dever-se a um descuido jurídico, porquanto, como é sabido, por força do contrato de concessão de exploração a actividade desenvolvida no espaço em causa era feita pela recorrente Insólito, Lda, em nome próprio, enquanto entidade de natureza privada, não pela evocada Associação Académica, e daí que seja descabida a discussão em torno da pretendida exclusão do âmbito de aplicação do Dec. Lei nº 135/2014 de 8/9, questão que, aliás, nada tem a ver com a falta de consciência da ilicitude, mas sim com a inerente natureza da conduta em apreço.
Acresce que, como abundantemente resulta da decisão recorrida, o espaço em questão não estava afecto ao uso exclusivo dos associados daquela entidade. Assim, decisivo para a apreciação em causa, é delimitar o âmbito do preceito por que os recorrentes acabaram por ser condenados, para cuidar, então, de saber da verificação de um exercício de funções de segurança privada pelo arguido C. A., não sendo ele titular de cartão profissional habilitante, se há por parte do arguido M. F. a utilização de serviços prestados por segurança privada, com conhecimento de que a prestação de tais serviços de segurança se faz sem aptidão para tal. Ora, em face do que resulta do teor da decisão recorrida é incontornável o preenchimento dos mencionados pressupostos.
Efectivamente, tendo em conta a definição de actividade de segurança privada a que alude o art. 1º, nº 3, alíneas a) e b) do diploma, como sendo, por um lado, a prestação de serviços a terceiros por entidades privadas com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes e, por outro, como a organização, por quaisquer entidades e em proveito próprio, de serviços de autoprotecção, com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes, abarca a situação dos autos que, como se acentuou, se insere no âmbito do exercício de poderes privados.
Na vertente subjectiva, o tipo em causa abrange o dolo em qualquer das suas modalidades.
Na verdade, o dolo desdobra-se nas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional (Figueiredo Dias e Fernanda Palma incluem ainda uma componente emocional, relativa ao dolo da culpa). Aquelas correspondem, respectivamente, ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto. O elemento cognoscitivo ou intelectual pode bastar-se com a mera representação (dos elementos do tipo objectivo). Em suma, o dolo traduz-se num saber (ou, pelo menos, representar) e num querer.
É factualmente que terá de resultar que o agente representou e quis os factos do tipo objectivo. A base factual tem, por isso, de incluir os factos do dolo do tipo.
A decisão concluiu por essa verificação, afastando o erro sobre a ilicitude invocado pelo recorrente M. F., o que não merece qualquer censura.
Por último, dir-se-á, no alinhamento do pensamento que foi expendido pelo Sr. Procurador de 1ª Instância, que os recorrentes apenas em sede de recurso vêm suscitar a irrelevante questão da qualificação do espaço como “bar” e, aliás, sem qualquer substracto na factualidade provada.
Improcedem, pois, os recursos, nesta vertente.

Decisão:
Nos termos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido C. A. e improcedente o recurso interposto pelos arguidos M. F. e ..., Lda, e, por consequência, decide-se:
1º) alterar, nos termos sobreditos, a decisão proferida sobre a matéria de facto quanto ao ponto 19.;
2º) revogar parcialmente a decisão recorrida e, consequentemente, absolver o arguido C. A. da imputação de um crime de ofensa à integridade física grave p. e p. pelos arts. 143º, nº 1, 144º, als. b), c) e d), 26º e 14º, nº 3, do C. Penal, e condená-lo como autor de um crime de ofensa à integridade física agravado p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143º, nº 1, 147º, nº 2, 144º, als. b), c) e d), 26º, 14º, nºs 1 e 3, 15º, b), e 18º, na pena de 3 (três) anos de prisão, com a respectiva execução suspensa por igual período, sendo essa suspensão sujeita a regime de prova;
3º) confirmar, no demais, o acórdão recorrido.

Sem tributação o recurso interposto pelo arguido C. A. e custas a cargo dos demais recorrentes, quanto ao respectivo recurso, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC´s.
Guimarães, 19/06/2017

Ausenda Gonçalves

Fátima Furtado
-----------------------------------------------------------
1 O art. 97º, nº 5, do CPPenal, consagra o princípio geral sobre a fundamentação dos actos decisórios, estatuindo que estes são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. Este princípio geral é reiterado relativamente a alguns particulares e específicos actos que afectam ou podem afectar os direitos dos arguidos.
2 Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167, citado no Ac. do STJ de 8-01-2014 (7/10.0TELSB.L1.S1 - Armindo Monteiro), considera que «motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter“ seguido no tratamento valorativo da prova».
3 Segundo o Ac. do STJ de 17-09-2014 (1015/07.3PULSB.L4.S1 - Armindo Monteiro), a «A fundamentação das sentenças judiciais é a forma que o legislador se serve para a sua explicação aos sujeitos processuais e aos cidadãos: através dela o julgador presta conta a ambos, proclama as razões de facto e de direito, por que optou por certa solução, ao fixar os factos e ao assentar neles o direito».
4 Cfr. também acórdãos do STJ de 11-07-2007 (07P1416) e 29-03-2006 (06P478), ambos relatados por Armindo Monteiro) e de 16-03-2005 (05P662) relatado por Henriques Gaspar.
5 Nada tem a ver com esse vício a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada, pois não são razões de fundo as que lhe subjazem, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
6 A semelhança do que se disse para a analisada nulidade, também nada tem a ver com qualquer destes vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar o objecto em apreço. Poder-se-á discordar da decisão, como, aliás, o recorrente também demonstra ser o caso, mas não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados. A arguição de tais vícios não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo distintos do erro de julgamento.
7 Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª ed., p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 8ª Edição, pp. 73 e ss.
8 Como assinalam os já mencionados autores Simas Santos e Leal Henriques, (ob. cit., p. 74) este vício existe quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final ou, por outras palavras, quando a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito (cf. também Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 340).
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena e circunstâncias relevantes para a determinação desta -, e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão (entre outros, cfr. Acs sumariados em Sumários de Acórdãos do STJ - Secções Criminais de: 4/10/2006, Proc. n.º 06P2678, em www.dgsi.pt; de 5/9/2007, Proc. n.º 2078/07; e de 14/11/2007, Proc. n.º3249/07).
9 Cfr. Acs. do STJ de 7/1/2004, P. n.º 3213/03, e de 29/4/1992, P. n.º 42535.
10 Ac. do STJ de 17-12-2014 (p. 937/12.4JAPRT.P1.S1 - Isabel São Marcos). No mesmo sentido, os Acs. do STJ de 14-03-2013 [(p. 1759/07.0TALRA.C1.S1 - Raul Borges): «Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, (…) se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados»], de 11/5/1994 [(p. 045987 - Amado Gomes): «verifica-se quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou quando, segundo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados»] e de 12/2/1997 [(p. 047001 - Joaquim Dias): «A contradição insanável de fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível, não passa de mera falácia. Este vício pode ocorrer por contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados e contradição entre a indicação das provas e os factos não provados.»].
11 Cfr. v. g., o Ac. STJ de 2/2/2011 (p. 308/08.7ECLSB.S1 - Maia Costa): «O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito».
12 Cfr. Germano Marques da Silva, loc. e p. cit..
13 Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, loc. cit., p. p. 80.
14 O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.
15 Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».
16 Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
17 É, aliás, no cumprimento deste último requisito que, segundo parece ser consensual, se deve estabelecer alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão, uma vez que se considere que a insuficiência de tal indicação não dificulta de forma substancial e relevante o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal.
18 Como dizia M. F. de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.
19 Rev. Min. Pub. 19º, 40.
20 Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».
21 Cfr. M. F. Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.
22 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.
23 O provérbio “testis unus testis nullus” não tem, pois, definitiva relevância, apesar de muito ancestral. É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187).
24 Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre impõe a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação.
25 a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanentemente;
b) Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável; ou
d) Provocar-lhe perigo para a vida.
26 Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense … I, pp. 202 e ss. Assim, o bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana, englobando o tipo legal um determinado resultado quer através de ofensas no corpo, quer lesando a saúde. Quando se fala em ofensa no corpo, abrange-se o mau trato através do qual o agente é afectado no seu bem-estar físico.
27 Paula Ribeiro de Faria, Ibidem.
28 Portanto, nos termos do art. 14º do CP, é indispensável que o agente, para além de representar aquelas lesões ou resultados, actue com intenção de as conseguir (dolo directo), as preveja como resultado necessário do seu comportamento voluntário (dolo necessário) ou, pelo menos, as admita como consequência possível e, não obstante, prossiga na sua actuação conformando-se com a ocorrência de tal resultado (dolo eventual).
29 P. 040612 - Ferreira Dias. Com considerações de idêntico pendor, v. os acórdãos do STJ de 10-01-2008 (P. 07P4640 - Santos Carvalho), da RC de 09-06-2010 (P. 1700/07.0PCCBR.C1- Alice Santos) e de 14-07-2010 (P. 106/08.8SAGRD.C1 - Orlando Gonçalves) e da RP de 31-10-2012 (442/10.3PBCHV.P1- Vítor Morgado).
30 V. Eduardo Correia, in Direito criminal, I, 440 e ss, Figueiredo Dias, in Responsabilidade pelo resultado e crimes preterintencionais, 1961, pp. 126 e ss.
31 Embora reportando-se ao artigo 145º do CP em vigor até 15-09-2007, in citado “Comentário Conimbricense …, I, pp. 240 e ss.
32 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.
33 Ibidem, p. 575.
34 Ibidem, p. 558.