Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
55067/19.8YIPRT.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
EMPREITADA
EXCEÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
DIREITOS DO DONO DA OBRA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Não se verifica qualquer exceção dilatória inominada, de violação do princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), quando a ação corre os seus termos até final, sem que tal questão tenha sido suscitada por qualquer das partes, apenas o sendo em sede de recurso.
II- Num contrato de empreitada, provando-se a existência de defeitos na obra, mas não tendo o dono da obra seguido a ordem dos direitos conferidos pelos arts. 1221º e 1222º CC (eliminação dos defeitos → nova construção → redução do preço → resolução do contrato, não pode invocar com sucesso esses defeitos para fundamentar a arguição da exceção de não cumprimento do contrato.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

M. F., Lda., intentou contra X, Revestimentos e Isolamentos, Lda., a presente acção declarativa especial para cobrança de obrigações pecuniárias emergentes de contratos através da apresentação de requerimento de injunção, na qual reclama o pagamento da quantia de € 9.016,18, a título de capital, acrescida de € 976,96 de juros de mora vencidos, de € 102,00 correspondentes à taxa de justiça paga, e de € 450,00 referentes a “outras quantias”.

Alega, em síntese, o seguinte:
-A Requerente dedica-se à construção civil;
-No exercício desta actividade prestou serviços à Requerida, a seu pedido, em 16.11.2017, que consistiram no revestimento de um piso, referidos na factura abaixo indicada;
-O valor dos serviços prestados foi de € 11.016,18, tendo a Requerida apenas pago a quantia de € 2.000,00, apesar de várias vezes instada para pagar a restante quantia em dívida, ou seja, a quantia de € 9.018,16;
-São devidos juros de mora desde 17.11.2018 até integral pagamento;
-A Requerida é, ainda, devedora das despesas judiciais com este procedimento, nomeadamente, taxa de justiça e com a constituição de mandatário judicial, que computa em € 450,00, nos termos do artigo 7.º do DL 262/2013 de 10 de Maio.

A Ré contestou, impugnando os fundamentos da acção, alegando em síntese que:

-No exercício da sua actividade, a Requerida foi contratada pela sociedade comercial Y - GELADARIA TRADICIONAL, Ldª, para realizar uma empreitada num pavilhão industrial desta última, sito na Rua ..., n.º …, na cidade do Porto;
-Empreitada essa que, em suma e relativamente à Requerente, se resumia ao enchimento na zona das câmaras frigoríficas e zona fabril com camada de betão e uma rampa onde somente era colocada betão, tendo a Requerida contratado a Requerente em regime de subempreitada para lhe executar tais serviços, o que veio acontecer;
-Acordaram previamente Requerente e Requerida que o pagamento da subempreitada seria liquidado quando a Requerida recebesse do dono da obra o preço da mesma, facto este que ainda não aconteceu e como tal ainda não se venceu tal factura;
-Após a conclusão dos trabalhos, a referida sociedade Y reclamou alegados defeitos e anomalias da obra à Requerida em 03 de Julho de 2017
-Em 06 de Julho de 2017 a Requerida reclamou à Requerente os supra alegados defeitos
-Em resposta, a Requerente prontificou-se a verificar os referidos defeitos, mas veio a declinar os mesmos, tendo a Requerida transmitido que também só liquidaria o preço se se provasse que não haveria qualquer defeito e quando o dono da obra lhe pagasse;
-Requerente e Requerida acordaram que esta ultima proporia a competente injunção contra a sociedade Y, e ambas aguardariam o desenlace judicial, sendo que o sócio gerente da Requerente Sr. M. F. seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados;
-A Requerida propôs a competente injunção contra a sociedade Y, para receber aquilo a tem que direito pela empreitada executada e depois pagar à aqui Requerente, processo esse que actualmente se encontra a correr termos sob o n.º 15617/19.1YIPRT, no Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga;
-Aquela sociedade opôs-se à injunção, invocando os defeitos da obra;
-Entretanto, contrariando o acordo assumido, foi intentada esta injunção;
-A Requerente agiu de má-fé, violando o dever de lealdade e confiança, e como tal deve ser condenada em competente multa ao tribunal e ainda numa adequada indemnização à Ré;
-Verifica-se uma situação de abuso de direito na pretensão que a Requerente pretende fazer valer na acção e, havendo abuso de direito a acção tem irremediavelmente de improceder, pois, na acção já proposta de acordo com a Requerente, se irá discutir se a empreitada levada a cabo por esta, foi portadora dos supra alegados defeitos ou não;
-Estamos perante uma situação fáctica que configura a exceptio non rite adimpleti contratus, não assistindo assim razão à Requerente nesta questão;
-Nos termos do artigo 272º do CPC, os presentes autos devem ser suspensos, até decisão final do referido processo, pois, em nome da economia processual e da adequação formal seria despiciendo repetir provas em processos diferentes e sobre a mesma questão jurídica;

A Autora exerceu o contraditório relativamente à defesa por excepção e ao pedido de suspensão da instância, alegando, em síntese, que:

-A requerente é totalmente alheia ao litígio existente entre a requerida e a sua cliente Y, pelo que não faz sentido a suspensão dos presentes autos;
-O que foi efectivamente acordado entre as partes foi que a requerente procederia à elaboração dos trabalhos contratados e aqueles seriam pagos no prazo acordado, ou seja, no mencionado na factura;
-Quem actua em claro abuso de direito é a requerida;
-Mesmo que tivessem existido defeitos na obra, o que não se aceita nem concede, sempre estes estariam caducos, pois decorreram mais de dois anos desde que a obra foi entregue pela requerente à requerida;
-A requerida não entregou à requerente qualquer reclamação em mão, mas mesmo que o tivesse feito, tal como a própria refere, teria sido em 6 de Julho de 2017;
-Em momento algum da sua oposição, a ré referiu quais os defeitos provocados pela requerente, limitando-se a referir a existência de defeitos, mas não refere exactamente quais os actos, omissões ou condutas da requerente, que provocaram defeitos;

Por despacho de fls. 73 e 74 foi indeferida a suspensão da instância requerida pela Ré.

Realizou-se a audiência de julgamento, e a final foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 7.917,50, acrescida de juros vencidos desde 8.06.2017 e vencidos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 7.917,50, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto;
b) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 40,00, acrescida de juros vencidos desde a data da notificação do requerimento de injunção e vencidos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 40,00, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto;
c) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia que se venha a liquidar oportunamente, a título de preço pela realização dos trabalhos referidos nos pontos 10 e 12 dos Factos Provados, acrescida de juros vencidos desde a data da liquidação até efectivo e integral pagamento, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto.

Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – artigos 549º,1, 629º,1, 631º,1, 638º,1,7, 644º1,a), 645º,1,a), e 647º,1 do Código de Processo Civil.
Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

I. A recorrida propôs requerimento de injunção onde solicitava o pagamento global de 10.545,14 €uros, contra a aqui recorrente.
II. Acontece que, após audiência de discussão e julgamento, o Exmº Juiz “a quo” julgou a acção parcialmente provada procedente, condenando a Ré aqui recorrente no seguinte: “ a) A pagar à Autora, “M. F., Lda.”, a quantia de € 7.917,50, acrescida de juros vencidos desde 8.06.2017 e vencidos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 7.917,50, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto; b) A pagar à Autora, “M. F., Lda.”, a quantia de € 40,00, acrescida de juros vencidos desde a data da notificação do requerimento de injunção e vencidos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 40,00, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto; c) Condeno a Ré, “X, Revestimentos e Isolamentos, Lda.”, a pagar à Autora, “M. F., Lda.”, a quantia que se venha a liquidar oportunamente, a título de preço pela realização dos trabalhos referidos nos pontos 10 e 12 dos Factos Provados, acrescida de juros vencidos desde a data da liquidação até efectivo e integral pagamento, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto.”, sendo que a recorrente, salvo o devido respeito, não pode concordar.
III. Isto porque, observando-se os factos dados como provados e como não provados, resulta que, como infra veremos, no presente processo, a justiça não aconteceu.
IV. Antes de mais, foi dado como provado nos itens 15, 16 e 17 dos ”Factos Provados” que a empreitada realizada pela recorrida foi clamorosamente defeituosa.
V. Mas, mesmo assim, pela sentença em crise, a recorrente foi condenada a pagar à recorrida tal empreitada defeituosa e, ainda (mal, diga-se) condenada igualmente, noutra quantia a liquidar em execução de sentença, onde como infra se aferirá também está ligada a empreitada defeituosa.
VI. Segundo o princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual, que com altíssimo respeito não aconteceu.
VII. Para não dar azo a estas injustiças, é que a jurisprudência tem atendido que o processo injuntivo não é o próprio para dirimir estes tipos de situações. Deste modo e a título meramente exemplificativo e, porque o tema a dirimir é também o da empreitada, indica-se o Ac. da Relação de Lisboa n.º 73674/18.4YIPRT.L1, de 24/04/2019, «in www.dsgi.pt, assim como o Processo n.º 184887/14.1YIPRT.L1-8, in www.dgsi.pt.
VIII. Assim, referiu o dito acórdão: “(…) apesar do concreto preenchimento dos pressupostos objectivos exigidos para a utilização do procedimento de injunção – cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, concretamente contrato de empreitada/gestão de obra ;obrigação pecuniária de valor inferior a 15.000,00 €, estando em causa concretamente o valor de 10.866,18 € -, a complexidade das questões apreciadas podem ilegitimar o uso, por parte do Requerente, do procedimento de injunção. A verificação de tal ocorrência configura excepção inominada, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância, nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do Cód. de Processo Civil.”. Pelo que, citando vários arestos das Relações, aduz que “neste quadro normativo, o processo de injunção não é meio processualmente adequado a peticionar indemnização, por incumprimento contratual, antecipadamente fixada em contrato de prestação de serviços.”.
IX. Do mesmo modo decidiu o Acórdão do TRL, Ac. de 14 de Maio de 2020, que sumariando diz: “O processo de injunção não é meio processualmente adequado a peticionar indemnização por incumprimento contratual, antecipadamente fixada em contrato de prestação de serviços, pelo que não podendo o tribunal conhecer do mérito da causa esta excepção dilatória dá lugar à absolvição da instância”.
X. Até porque, neste tipo de processo, está vedada à recorrente, como se sabe, a oportunidade de reconvir.
XI. Deste modo, perante o complexo cenário a dirimir no processo em crise o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter configurado a tal excepção inominada, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância, nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do CPC.
XII. Dentro do contexto complexo, diga-se, que definiu os “Factos Provados”, verifica-se numa leitura atenta e na perspectiva da recorrente que:
a) Há factos dados como provados que não podem colher, de modo algum, pois há a considerar outros factos que foram provados e olvidados pelo ilustre julgador.
b) Há factos que são dados como provados, mas para que sejam conformes com a verdade factual, que se busca e se almeja alcançar, têm de ser completados por acréscimos que lhe são atinentes e/ou com os infra esclarecimentos que obrigatoriamente determinarão no sentido diverso do contemplado.
c) Há factos que foram considerados não provados e integrados nos “Factos não Provados”, mas que, quer pela prova produzida, deveriam ter disso dados como provados.
d) Por último, entende até a recorrente que os esclarecedores factos dados como provados respeitantes à empreitada defeituosa daria para absolver esta.
XIII. E funda o reconhecimento na sua convicção no seguinte: No teor dos documentos juntos aos autos; na prova por confissão resultante da declaração de parte, por parte do sócio gerente da recorrida e na prova testemunhal.
XIV. Quanto à prova documental trazida aos autos que, relembre-se, não foi posta em causa pelas partes, resulta que, em 21/10/2019, através de requerimento veio a recorrente juntar aos autos determinados documentos, nomeadamente fotografias respeitantes aos defeitos resultantes da deficiente empreitada executada pela recorrida, fotografias essas que não foram impugnadas, quer nos 10 dias exigidos pelo artigo 444º do C.P.C., nem no início da audiência final (nº 3 do artigo 3º do C.P.C.), a esse respeito prescreve o artigo 374º do C.C. pelo que se devem considerar verdadeiras.
XV. Como tal, para além dos defeitos provados na sentença, deveriam ser acrescentados mais alguns. Isto é, não se pode deixar de entender que a decisão sobre a matéria de facto terá de ser parcialmente diversa da apresentada na sentença em crise quando confrontados entre si o teor dos depoimentos e conjugados com a prova documental, mais propriamente, os depoimentos do representante da recorrida (confissão), o depoimento das testemunhas e os documentos que infra se transcreverão.
XVI. Assim, para além dos defeitos dados como provados nos itens 15, 16, 17 e 18 (este relativo à reclamação da Y) constata-se, até pela alínea a) dessa missiva que os cortes no pavimento foram mal executados.
XVII. Para isso, comprovam os depoimentos das testemunhas já supratranscritos nas competentes alegações, nomeadamente: o depoimento da testemunha da recorrente D. J. no depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 10:29:13 horas e no minuto 4:49 do ficheiro da gravação; o depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 11:00:23h e no minuto 11:08 e 11:41 do ficheiro da gravação, pela testemunha da recorrente Eng. M. M. e o depoimento do representante da recorrida M. F. na audiência de julgamento de 03-06-2020, com início pelas 12:00:19 horas e no minuto 11:27 do ficheiro da gravação.
XVIII. Desta forma, deveria ter disso aditado aos “Factos Provados” que a recorrida executou mal os cortes no piso, nomeadamente que tinham rectas imperfeitas e outros inacabados, da seguinte forma que a recorrente se atreve a transcrever: “Os cortes realizados no pavimento, foram executados de forma defeituosa, não apresentando linha rectas perfeitas e outros cortes ficaram por finalizar.”
XIX. Um segundo defeito que deveria ter sido levado em conta e que, erradamente, não o foi, tem a ver com a questão das WCs.
XX. Como se pode constatar pelo orçamento executado, o piso do WC seria realizado em betonilha, seguido de uma pintura epóxi Barbot, o que veio a acontecer, sendo colocado pela recorrida tal piso e pintura. No entanto, após a sua execução, notou-se que o mesmo estava com grandes defeitos, apresentava a betonilha muito porosa e mau acabamento.
XXI. Tal como se confere com os depoimentos das testemunhas já supratranscritos nas competentes alegações, nomeadamente: no depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 11:00:23 horas e no minuto 13:19 e 19:15 do ficheiro da gravação, pela testemunha da recorrente Eng. M. M. e no depoimento do representante da recorrida M. F., na audiência de julgamento de 03-06-2020, com início pelas 12:00:19 horas e no minuto 14:57 do ficheiro da gravação.
XXII. Ora, por causa desses defeitos, foi necessário colocar auto-nivelante e pintar novamente. Como é óbvio, tais despesas competiam à recorrida.
XXIII. Assim, olvidar por completo este defeito provocado pela recorrida e, mais, condenando que a recorrente pague a colocação da betonilha e a sanação do supra-referido defeito, sendo o seu preço determinado através da liquidação de sentença sem limites, não se percebe.
XXIV. Deste modo, provado este defeito, o mesmo deveria ter sido levado aos “Factos Provados” e consequentemente, ser alterada também nesta parte a decisão judicial.
XXV. Para além desses “esquecidos” defeitos quanto aos cortes e betonilha e constantes nas cartas de reclamação juntas aos autos, certo é que os outros dados como provados nos itens 15, 16 e 17 dos “Factos Provado”, teriam obrigatoriamente de improceder a acção.
XXVI. Para prova de que são de grande mote, veja-se os depoimentos das testemunhas já supratranscritos nas competentes alegações, nomeadamente: o da testemunha da recorrente D. J. no depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 10:29:13 horas e no minuto 03:07 do ficheiro da gravação; o da testemunha da recorrente M. V. no depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 10:48:31 horas e no minuto 1.37 do ficheiro da gravação; o depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 11:00:23h, pela testemunha da recorrente Eng. M. M., no minuto 7:56, 13:44, 19:15 e 21:04 do ficheiro da gravação.
XXVII. Por outro lado, quanto aos “Factos Não Provados”, no seu item 4, deu o Sr. Juiz como não provado que o referido no ponto 19 dos Factos Provados tenha ocorrido em 6 de Julho de 2017 e que a Ré tenha entregue em mão à Autora a carta com a reclamação referida em 18. No entanto, existe matéria suficiente nos autos que contraria essa tese. Neste sentido, observe-se os depoimentos das testemunhas já supratranscritos nas competentes alegações, nomeadamente: o da testemunha da recorrente M. V. no depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 10:48:31 horas e no minuto 1:57, 2:32 e 3:15 do ficheiro da gravação; o depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 11:00:23 horas e no minuto 24:07 e 24:32 do ficheiro da gravação, pela testemunha da recorrente Eng. M. M..
XXVIII. Igualmente no que concerne ao item 5 dos “Factos Não Provados”, o tribunal deu como não provado que a recorrente transmitiu que só pagaria se se provasse que não haveria qualquer defeito e quando o dono da obra lhe pagasse.
XXIX. Todavia, só se compreende este item com uma errada interpretação de toda a factualidade trazida aos autos pela recorrente em relação ao acordo feito ou à desvalorização dada pelo tribunal ao mesmo acordo realizado entre as partes. Como infra se verá de forma mais pormenorizada, ficou acertado entre as partes que só haveria pagamento quando o litígio que existia com o verdadeiro dono da obra “Y” estivesse resolvido.
XXX. Aliás, é a própria sentença que afirma no seu item 22 dos “Factos Provados”, que: “22- A Autora e a Ré acordaram que esta efectuaria àquela um pagamento parcial por conta do preço, a acrescer ao referido em 14, que o remanescente seria pago com o desenlace de injunção que esta proporia contra a sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Lda.”, e que o sócio gerente da Autora seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados.”
XXXI. Além disso, ninguém nos autos comprovou qualquer interpelação para pagamento. Porquê? Tal nunca aconteceu porque a recorrente não poderia, nem naquela altura nem neste momento, pagar, repita-se, trabalhos defeituosos.
XXXII. Ademais, no entendimento da aqui recorrente existem outros aspectos e realidades que dão resultado diverso da matéria fáctica dada como provada e dada como não provada. Isto porque, o Exmº Senhor Juiz “a quo” olvidou factos importantíssimos, que a ter em conta, darão obrigatoriamente nova fundamentação e razão à recorrente, entre outros, quanto à matéria dada como provada na sentença, nomeadamente nos seus pontos 5, 6, 7 e 9.
XXXIII. No que concerne ao ponto 5 da sentença, nada tem a recorrente a dizer pois foi o que na realidade veio acontecer num primeiro momento, dando origem ao orçamento nº31/2017 de 30/02/2018 (fls 85).
XXXIV. Posteriormente e após previa visita ao local pela recorrida, esta ficou a saber que a colocação do betão já não seria num espaço amplo, mas sim num piso já trabalhado, nomeadamente com camaras de frio e piso para os WC, sendo que essa nova realidade veio dar origem a um segundo orçamento, mormente o orçamento nº50/2018, datado de 30/03/2017 (um mês depois).
XXXV. Nesse momento, a recorrida já sabia que o piso a colocar não seria num espaço amplo, mas em espaço com condicionantes e, portanto, não houve surpresas como amiúde alega nos seus articulados.
XXXVI. Nesse sentido, a sentença nunca podia dar como provado, que o orçamento aprovado seria para a colocação de betão num espaço amplo, havendo logo aqui um erro claro de interpretação.
XXXVII. Aliás, para além desse orçamento que prova o contrário, há ainda a prova documental e testemunhal que comprovam tal alegação.
XXXVIII. Desta forma, no e-mail dado como provado no ponto 21 dos “Factos Provados” e enviado pela recorrida à recorrente em 13 de Janeiro de 2018, pelas 00.55h, na qual entre outras coisas expressamente confessou: “Nas vésperas do último agendamento visitamos a obra, para a descarga de alguns materiais…”.
XXXIX. Ou seja, a recorrida confessa que visita a obra nas vésperas, sabendo em que condições a mesma se encontrava. Tais dados são ainda consubstanciados com o teor dos depoimentos das testemunhas já supratranscritos nas competentes alegações, nomeadamente: o da testemunha da recorrente D. J. no depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 10:29:13 horas e no minuto 14:25 do ficheiro da gravação; o depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 11:00:23h e no minuto 2:06 do Ficheiro da gravação, pela testemunha da recorrente Eng. M. M. e o depoimento do representante da recorrida M. F. na audiência de julgamento de 03-06-2020, com início pelas 12:00:19 horas e no minuto 2: 13 do ficheiro de gravação.
XL. Portanto, dúvidas não há em como a recorrida, soube previamente da constituição do piso e suas condicionantes (WC e câmaras frigoríficas). Pelo que o tribunal não deveria ter dado como provado que a colocação do betão seria num espaço amplo, pois, foi-o num piso já trabalhado.
XLI. Aliás, é até caricato o vertido pela recorrida quando disse no seu Requerimento de 07/10/2019, nomeadamente no seu item 42º que: “Mas o que é certo é que, no que respeita à requerente, nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada, pois se limitou a aplicar o betão sobre um piso, que se encontrava previamente trabalhado, não tendo sido consultada sobre a sua consistência”.
XLII. Além do mais, de acordo com as regras da arte, competia ao técnico especializado (como profissional da arte), neste caso a recorrida a obrigatoriedade de aferir previamente da consistência do piso. Não o tendo feito, é responsável pelas consequências. Não era a recorrente que tinha que saber qual a consistência, nem se o betão desidrata em meia hora ou numa hora.
XLIII. A subempreiteira é a única responsável pela realização daquela obra de colocação de betão, tendo de cumprir e executar a obra em função da actuação, prática e técnica que, no quadro do consensualizado no contrato, entender ser melhor e mais adequado para a realização da obra sem defeitos e, assim, consentânea à satisfação das suas finalidades ou funções, mesmo que contra a vontade daquele.
XLIV. Ora, a recorrida, na qualidade de subempreiteira não provou, como lhe competia, que observou, BEM PELO CONTRÁRIO, no decurso da execução da obra, no que respeita às causas relacionadas, como o aparecimento de fissuras, má execução dos cortes e destruição de painéis das paredes das arcas frigoríficas, aquelas regras de saber técnico que comandam a arte da actividade da construção civil, o ofício a que se dedica, as denominadas «legis artis».
XLV. Além disso, tendo a recorrente demonstrado a existência dos defeitos da obra, presume-se a culpa da recorrida.
XLVI. Assim, a recorrida, na qualidade de subempreiteira da obra, incorreu em responsabilidade civil em virtude da violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada que celebrou com a recorrente, por ter agido com culpa, sem a diligência inerente a um bom pai de família, em que assenta aquela responsabilidade, ao infringir as regras de arte vigentes na construção civil, culpa essa que, aliás se presume, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1207º, 1208º, 799º, nº1 e 487º, nº2, do CC.
XLVII. Por tudo supra exposto, fica claro que a recorrida incumpriu claramente com o contrato que celebrou com a recorrente.
XLVIII. Por outro lado, a obra não foi realizada num simples pavilhão industrial, como a sentença quer fazer crer. A recorrida sabia o destino do pavilhão e podia e devia ter feito melhor. A Y na sua carta de reclamação, refere que as rachadelas pioram com a exposição a temperaturas negativas.
XLIX. Por tudo isto, se conclui pela errada interpretação feita pelo Sr. Juiz “a quo” quando na sentença em crise, entendeu que à recorrente não lhe é lícito invocar a excepção de não cumprimento do contrato.
L. Não há dúvidas que a recorrida incumpriu.
LI. Quanto a este assunto, diremos primeiramente que se deu como provado (cfr. ponto 22 dos “Factos provados”) que recorrente e recorrida tinham um acordo, acordo esse em que o sócio gerente da recorrida seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados pela “Y”.
Neste sentido, faria sentido pedir a eliminação dos defeitos? Ou redução de preço? Etc? Ainda por cima quando havia ainda uma acção a decorrer…
LII. A recorrente jamais poderia lançar mão dessas faculdades que a lei lhe confere, até porque, fazendo-o, actuaria em nítido abuso de direito, aliás como a recorrida o fez. Isto porque, a recorrente só não ordenou a eliminação nem a redução do preço, na medida em que a outra acção, na qual autora e ré estavam “juntas no mesmo barco”, estava ainda em curso.
LIII. Aliás, para evitar estes transtornos pediu até a recorrente a suspensão do presente processo, sendo que, caso tivesse sido diferida, tais injustiças teriam sido evitadas.
LIV. Não faz, de todo, sentido que, provando-se (o que se provou) os clamorosos defeitos resultantes da empreitada da recorrida (aos quais espera a recorrente serem acrescidos mais alguns devido a estas alegações), e provando-se portanto um também clamoroso incumprimento defeituoso, a recorrente tenha de os pagar, por se considerar que não se pode lançar mão do instituto da excepção de não cumprimento.
LV. Ainda assim, diga-se sempre que a recorrente na sua oposição e no que se refere a esta excepção, disse no seu art. 46: “46º Como atrás se referiu, a Requerida demonstrou a existência de cumprimento defeituoso por parte da Requerente, donde, encontrando-nos nós perante um contrato sinalagmático assiste-lhe o direito de não cumprir com a sua obrigação correlativa de pagar o preço, até que a prestação defeituosa seja corrigida.” Ou seja, a ré não se limitou só “a invocar a existência de defeitos para obstar ao pagamento, sem que alegue ou demonstre ter lançado mão de qualquer dos meios que a lei lhe faculta para obtenção do cumprimento perfeito ou de seu sucedâneo”.
LVI. Demonstrada na douta sentença a ocorrência dos defeitos quando diz: “Ora,
afigura-se que as fissuras visíveis, os restos de betão nos painéis das câmaras frigoríficas e as diferenças de tonalidade do betão correspondem a um defeito no sentido acima referido, dado traduzir-se num desvio relativamente à qualidade normal que era legítimo esperar da obra realizada pela Autora.”), e mais os que ora se provarão, não impende sobre o empreiteiro o ónus de alegar e demonstrar as respectivas causas (art. 799.º, nº1 CC), mas sim “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.
LVII. Neste caso, onde é que a recorrida provou que os defeitos não foram por culpa sua? Não era à recorrente que os incumbia provar.
LVIII. Parece óbvio que, pela factualidade dada como provada, não é possível permitir a condenação da recorrente, somente porque esta não cumpriu com o plasmado nos artigos 1224º e 1222º do C.C.., estando provado um acordo entre ambas que coarcta qualquer dessas possibilidades.
LIX. O direito não existe para sacralizar normas, mas sim, para pacificar tensões sociais e, para o fazer bem, tem de ser entendido e aplicado tão justamente quanto possível. A deificação de uma outra literalidade legal realizaria negativamente, a velha máxima “summum jus, summa injuria”. (Ac. STJ de 7/12/1994 in Revista sub judice/Novos Estilos, nº12-1994 – pág. 273).
LX. Fora da equidade, há somente o direito duro, excessivo e maldoso, sendo que a equidade é o direito benigno moderado, ou seja, a razão humana.
LXI. Por fim, quanto à condenação da recorrente a pagar à recorrida uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de preço pela realização dos trabalhos referidos nos pontos 10 e 12 dos “Factos Provados”, dir-se-á sempre que tais trabalhos encontram-se expressamente plasmados na factura nº FA 2017/34, a que os autos dizem respeito na qual a recorrida alicerça o seu pedido.
LXII. Neste sentido, de acordo com o vertido no nº1 do artigo 609 do C.P.C., há limites a que a condenação tem de obedecer: “1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.”.
LXIII. Como tal, como a recorrida fez o seu pedido, tendo o liquidado, o tribunal não pode ir para além deste mesmo pedido. Ou seja, a sentença terá sempre de se considerar contida dentro dos limites do pedido.
LXIV. Além disso, a douta sentença não cuidou em balizar aquela inusitada liquidação de sentença, de acordo com os valores plasmados no pedido da recorrida, podendo levar a recorrente a pagar montantes superiores àquele pedido, o que não pode, de todo, acontecer.
LXV. Exemplificando, refere taxativamente o segundo item da dita factura: “Serviço de empreitada (execução de piso auto-nivelante, pintado com tinta Epoxi. Quant. 25,00 preço unitário 53,00 valor 1.325,00€” e refere taxativamente o terceiro item da dita factura: “Serviço de empreitada (reparação de piso intervencionado) Quant.1,00 preço unitário 700,00 valor 700,00€”, sendo que tais itens até foram alvo de reclamação feita pela recorrente à recorrida, entre outros, na carta assinalada no item 18 dos “Factos Provados”.
LXVI. Por outro lado, a colocação do piso auto-nivelante facturado só foi aplicado e originado pelo facto do piso em betonilha aplicado no W.C. apresentar defeito evidente, como já se referiu e como se viu nas supras transcrições. Aliás facto este que deveria, como já supra-referido, também ter sido dado como provado.
LXVII. Assim, este facto deveria também ter sido aos Factos dados como provados.
LXVIII. Assim, o Exmº Sr. Juiz fez uma errada interpretação dos factos, quando manda liquidar trabalhos já facturados e pedidos, aliás, salvo o devido respeito, contrário à lei, violando claramente o nº1 do artigo 609º do C.P.C.
LXIX. Tal violação é sancionada no artigo 615º nº1 alínea e) do C.P.C., como nulidade evidente, o que configura em qualquer das situações apresentadas, uma condenação em quantidade e objecto superior e diverso do pedido.
LXX. Quanto à parte da sentença em que não considerou que a recorrida tivesse actuado em abuso de direito, sempre se dirá que a douta sentença levou aos dados como provados que: a) “A Autora e a Ré acordaram que esta efectuaria àquela um pagamento parcial por conta do preço, a acrescer ao referido em 14, que o remanescente seria pago com o desenlace de injunção que esta proporia contra a sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Lda.”, e que o sócio gerente da Autora seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados” – Cfr., o ponto 22 dos “Factos Provados”; b) “que o sócio gerente da Autora seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados” tem um objecto legalmente impossível, sendo, por isso, nulo, nos termos do art.º 280.º, n.º 1, do Código Civil.
LXXI. Tendo em conta a teoria da sentença, a teoria que o recorrido remeteu para os articulados e a sua declaração de parte e matéria dada como provada, constata-se que este mentiu flagrantemente e nem por isso foi sancionado com má-fé.
LXXII. O acordo era para se cumprir. O facto de a recorrente naquele processo defender que não existiam defeitos, era e foi a defesa agilizada entre recorrente e recorrida, tese esta altamente plasmada nos autos.
LXXIII. O que é certo é que, contrariamente ao acordado, o gerente da recorrida não compareceu à dita audiência, pois, ao contrário do que a sentença alega, as testemunhas eram a apresentar (AECOP) e ele, apesar de notificado verbalmente pela recorrente, não compareceu.
LXXIV. Outro facto que a sentença recorrida se sustenta para que não haja abuso de direito é, segundo ela, o facto de não ter havido o pagamento intercalar.
LXXV. No entanto, a recorrente quis pagar e até emitiu o cheque que estava depositado no escritório do advogado da recorrente. Só que a recorrida continua a agir com argúcia, querendo deixar a recorrente desarmada pois queria que a recorrente fizesse uma declaração em como a obra não era portadora de defeitos.
LXXVI. Aliás como se pode constatar pelos depoimentos das testemunhas já supratranscritos nas competentes alegações, nomeadamente: no depoimento do representante da recorrida M. F. na audiência de julgamento de 03-06-2020, com início pelas 12:00:19h e no minuto 17.55 do ficheiro da gravação; no depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 11:00:23h e no minuto 25:11 do ficheiro da gravação, pela testemunha da recorrente Eng. M. M..
LXXVII. Portanto, também não pode colher este argumento.
LXXVIII. Perante os evidentes defeitos resultantes da empreitada da recorrida, outra solução não restou à recorrente, senão ter terminado aquela Injunção (com a Y) através de uma, diga-se, prejudicial transacção. Pois, como foi debatido nos autos, os serviços da recorrente não se cingiram a dar de subempreitada à recorrida a colocação do piso em betão, tinham outros que orçaram em dezenas de milhares de euros.
LXXIX. Portanto, dúvidas não subsistem de que a recorrida actuou em claro abuso de direito, pois excedeu manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito, ou seja, exerceu esse direito em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
LXXX. Ou seja, não se pode, pois, em face do que exposto, suscitar dúvida razoável de que a conduta da recorrida, quer a anterior (factum proprium), quer a actual (venire em contradição) é da responsabilidade da mesma, que a assumiu com total liberdade de exercício e integram um comportamento contraditório, que se confronta com uma situação para que contribuíram, alimentando-a com o decorrer do tempo e o gerar de expectativas e que pelo exercitar da conduta posterior, de forma inopinada e frustrante de expectativas geradas e violador da confiança pela qual se deve nortear o comércio jurídico, não pode tal comportamento deixar de integrar os pressupostos da figura do abuso do direito.
LXXXI. Concluído se mostra que se verifica esta situação abusiva na pretensão que a recorrida pretende fazer valer na acção e, havendo abuso de direito a acção tem irremediavelmente de improceder (artº334º do C.C.).
LXXXII. Pelo atrás vertido, constata-se ainda que a recorrida actuou também de Má-Fé.
LXXXIII. Não se aceita que alguém acredite que a recorrente, com mais de 40 anos de história, não defenderia os seus interesses, se não tivesse havido o tal acordo supra já provado e plasmado na sentença. (Cfr., o ponto 22 dos “Factos Provados”).
LXXXIV. A recorrida convenceu a recorrente que iria refutar facilmente os defeitos e depois escapuliu-se. E, pasme-se, levou mesmo a recorrente a ser condenada a pagar uma obra defeituosa como a sentença indica.
LXXXV. Ora, a recorrida refere nos seus articulados que, entre outros, não foi ao local antes da execução da obra (o que se provou ser mentira). Para o tribunal tal inverdade não colide com as vicissitudes da prova em juízo.
LXXXVI. Disse ainda que nunca lhe foram apresentados os defeitos, (o que se provou ser mentira) etc, etc.
LXXXVII. Portanto, existe factualidade abundante nos autos em como a recorrida actuou em nítida má-fé.
LXXXVIII. Por fim, o tribunal deu como provado (item 8 dos “Factos Provados”) que a factura dos autos teria de ser liquidada no prazo de 30 dias, atendendo à data constante na mesma, tendo, nesse sentido, condenado a recorrente a pagar JUROS desde 8.06.2017 e vencidos até efectivo e integral pagamento, sobre o capital de € 7.917,50, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto;
LXXXIX. Porém, a recorrida também não concorda com tal decisão.
XC. Na verdade, nem a própria factura refere tal modo de pagamento, nem ninguém nos autos referiu, que seria esse o prazo de pagamento, bem pelo contrário.
XCI. A recorrente até para uma análise mais célere da questão respeitante aos juros, remete para os depoimentos das testemunhas já supratranscritos nas competentes alegações, que provam que havia o acordo (Cfr. item 20 dos “Factos Provados”) e que o pagamento só se realizaria após e conforme o término da acção contra a “Y”. A saber: o depoimento realizado na audiência de julgamento 03-06-2020, com início pelas 11:00:23h e no minuto 25:11 do ficheiro da gravação, pela testemunha da recorrente Eng. M. M. e o depoimento do representante da recorrida M. F. na audiência de julgamento de 03-06-2020, com início pelas 12:00:19h e no minuto 17.55 do ficheiro da gravação.
XCII. Deste modo, não vislumbra a recorrente onde o Meritíssimo Juiz conseguiu conjugar depoimentos indicadores quanto à data dada como provada para o pagamento e nos documentos juntos como folhas 85 e 86, que são também completamente omissos quanto à data de pagamento.
XCIII. Além disso, a ter razão que não a tem e, sempre numa hipótese académica, a recorrida só teria direito aos juros desde a data da entrada da injunção e não antes.
XCIV. Por último, uma vez que o Meritíssimo Juiz “a quo” tomou a opção de relegar para execução de sentença valores a atribuir a trabalhos defeituosos como supra se provou, o mesmo procedimento poderia ter sido adoptado relativamente aos trabalhos defeituosos e provados.
XCV. Ou seja, como estamos perante um claro incumprimento contratual, e foram dados como provados defeitos, estes factos poderiam com base na dissertação que se efectuou para condenação da recorrente em liquidação de sentença para alguns trabalhos, usar os mesmos pressupostos para liquidar em sentença, os valores da deficiente empreitada realizada pela recorrida.
XCVI. O que atrás se referiu, é uma hipótese meramente académica, mas no fundo consistente com a tese que a douta sentença aderiu a outros trabalhos realizados.
XCVII. A douta sentença viola, por errónea interpretação e aplicação o disposto nos artigos 334º, 352º, 428º, 762º, 798º, 801º, 883º, 884º, 1207º, 1223º Código Civil e nº 4 e 5 do artigo 607º, nº2 do artigo 609º e 615º do Código de Processo Civil.

A recorrida apresentou contra-alegações, defendendo a total improcedência do recurso.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir são:

a) erro no julgamento da matéria de facto
b) defeitos da obra e excepção de não cumprimento
c) condenação em quantidade superior ao pedido
d) abuso de direito
e) litigância de má-fé

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1- A Autora dedica-se à construção civil.
2- No exercício desta actividade, a Autora prestou, em data anterior a 8.05.2017, serviços à Ré, a seu pedido, que consistiram no revestimento de um piso.
3- No exercício da sua actividade, a Ré foi contratada pela sociedade comercial “Y – Geladaria Tradicional, Ld.ª”, para realizar uma obra num pavilhão industrial desta última, sito na Rua ..., n.º …, na cidade do Porto.
4- Tendo a Ré contratado a Autora para, no âmbito dessa obra, proceder ao enchimento na zona das camaras frigoríficas e zona fabril com camada de betão e uma rampa onde somente era colocado betão.
5- Foi pedido à Autora que fizesse um orçamento para a aplicação do piso de betão, que seria feita em cima de outro piso já existente e num espaço amplo.
6- A Autora elaborou os orçamentos juntos a fls. 85 e 86, o primeiro, datado de 30.02.2017, no valor de € 8.304,00, o segundo, datado de 30.03.2017, no valor de € 9.917,50, de acordo com o que lhe foi solicitado.
7- O orçamento de fls. 86 foi aprovado, com os materiais descritos no mesmo.
8- Foi acordado que o pagamento seria efectuado a 30 dias a contar da data da factura.
9- No dia em que o piso seria colocado, encontrando-se os camiões com o betão no local, o piso inferior ainda não estava concluído pela Ré.
10- Tendo a Autora contratado trabalhadores que se deslocaram para a obra, para auxiliarem os trabalhadores da Ré, pois, se o piso não fosse colocado naquele dia, o betão teria de ser destruído.
11- A Autora colocou, a pedido da Ré, piso em betonilha nas instalações sanitárias do pavilhão, que pintou com tinta epoxi Barbot.
12- Posteriormente, a Autora colocou, nesses compartimentos, a pedido da Ré, piso autonivelante, pintado com tinta epoxi.
13- A Autora emitiu a factura FA 2017/34, com data de emissão de 5.06.2017, no valor de € 11.016,18.
14- A Ré apenas pagou a quantia de € 2.000,00.
15- O pavimento em betão colocado pela Autora apresentou fissuras visíveis.
16- Ficaram restos de betão nos painéis interiores e exteriores das câmaras frigoríficas.
17- O pavimento do corredor das câmaras frigoríficas apresentou tonalidades diferentes.
18- Após a conclusão dos trabalhos, a referida sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Lda.”, veio reclamar alegados defeitos e anomalias de execução à Ré, nomeadamente:
“a) Trabalhos remendados, como p. ex. nos cortes no pavimento mal-executados, que não apresentam uma linha recta perfeita e cortes por finalizar;
b) Maus acabamentos nos trabalhos de betão - faltavam finalizar a cobertura de betão no interior de todas as câmaras frigoríficas, com plásticos à vista nos remates laterais;
c) Pavimento mal acabado, existindo já inúmeras rachadelas visíveis, antevendo-se que possa piorar com a respectiva exposição às temperaturas negativas;
d) Estragos nos painéis interiores e exteriores de todas as câmaras frigoríficas, incluindo alguns buracos, sendo por isso necessário colocar rodapés novos com 20 cm de altura nas paredes interiores e exteriores das câmaras para reparar tais danos;
e) O pavimento do corredor das câmaras frigoríficas apresenta tonalidades diferentes, sendo necessário pintá-lo;
f) Na entrada do armazém foi colocado um tubo vermelho, por causa das condensações geradas pelas câmaras frigoríficas, o qual ficou pendurado no interior antes do portão, quando o mesmo tem de passar por baixo do portão, com ligação ao saneamento no exterior do armazém a fim de permitir o adequado escoamento de águas;
g) Falta colocar uma rede no topo do tubo de libertação de ar posicionado na entrada que dá para o corredor de acesso às câmaras frigoríficas;
h) Falta realizar cortes no betão dentro de todas as câmaras, com cerca de 35 m2 cada, fundamental para que o betão não venha a estalar com a refrigeração;
i) Todos os cortes existentes no pavimento interior e exterior das câmaras têm de ser limpos e devidamente isolados, sob pena de acumulação de resíduos”.
19- A Ré Comunicou à Autora a reclamação referida em 18.
20- Em 11 de Janeiro de 2018, a Ré enviou à Autora uma mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
“Ex.mos Senhores,
Em face dos defeitos da execução da obra sita na Rua ..., no Porto, e que são do vosso conhecimento, informamos que ainda não foi possível chegar a acordo com o nosso cliente.
Temos indicação que o nosso advogado terá, nos próximos dias, uma reunião com a advogada da Y, para tentar chegar a um entendimento.
Caso tal não aconteça, já demos indicação ao mesmo para prosseguir para os meios judiciais.
Por último, sublinhamos que, conforme conversa tida, existe discrepância entre o orçamento fornecido e a factura enviada, que esperamos que tenha ainda o assunto em consideração.
Subscrevemo-nos com a maior consideração por V.Ex.a”.
21- Em 13.01.2018, a Autora enviou à Ré uma mensagem de correio electrónico com o seguinte teor:
“Exmos senhores,
Em relação aos defeitos que V.Exas fazem referência já nos mostramos disponíveis para visitar a obra, verificar os referidos defeitos e as suas causas mas, da vossa parte, não obtivemos qualquer marcação.

Quanto à discrepância de valores já vos foi explicada, mas passo novamente a descrever:
O Sr. AL. solicitou um orçamento, com o melhor preço possível, para aplicação de um piso que, segundo ele, seria um trabalho simples e apresentaria as seguintes condições para ser executado: a aplicação seria em cima de um piso já existente; a área a aplicar seria ampla e o local acessível para entrada dos camiões e descarga directa do betão. Assim, apresentamos o nosso melhor orçamento segundo estas condições.
O trabalho foi agendado, depois desmarcado porque, da vossa parte ainda não estava pronto e, mais tarde, agendado novamente.
Nas vésperas do último agendamento visitamos a obra, para descarga de alguns materiais, e as condições encontradas para a execução do trabalho eram completamente diferentes das indicações dadas. Para além do vosso trabalho estar bastante atrasado, verificamos que a área não era ampla e apresentava várias divisões destinadas a arcas frigoríficas, o piso apresentava uma camada de tijolo de 20 cm de altura, em toda a sua extensão, impossibilitando a entrada dos camiões.
Assim sendo, para execução do nosso trabalho foi necessário o aluguer e deslocação de um camião bomba, outro camião com 30 ml de linha de betonagem e mais uma equipa de homens para movimentar a linha, originando custos que não estavam contemplados no orçamento.
Inicialmente aconselhamos a aplicação de plástico na separação dos dois pisos, conselho esse recusado, pela vossa empresa. Assim, aplicamos a malha sol em cima do tijolo. Posteriormente o dono da obra obrigou a vossa empresa a aplicar referido plástico pelo menos dentro das arcas. Fomos obrigados a retirar a malha sol, por nós já aplicada de dentro das arcas frigoríficas, para aplicar o plástico e voltar a colocar a referida malha sol o que originou atrasos e custos não contemplados no orçamento.
Para podermos executar o nosso trabalho, devidamente agendado, também foi necessário ajudar os vossos funcionários a aplicar o tijolo em falta, aplicar cabos eléctricos, abrir roços no piso e isolar com espuma algumas divisórias, estivemos também à espera e a ajudar a aplicar os taipais metálicos colocados à volta do piso, pois deveriam ser colocados em dias anteriores, tudo isto originou também custos não contemplados no orçamento.
Com os atrasos provocados na execução do nosso trabalho alguns camiões de betão estiveram à espera para betonar mais de 3 horas, sendo-nos debitado valor extra pela demora, custos este não contemplados no orçamento.
Pelo exposto não podemos manter o valor apresentado no orçamento inicial devido ao acumular de todas estas situações que aqui descrevemos.
Certos pela vossa compreensão, apresentamos os nossos melhores cumprimentos”.
22- A Autora e a Ré acordaram que esta efectuaria àquela um pagamento parcial por conta do preço, a acrescer ao referido em 14, que o remanescente seria pago com o desenlace de injunção que esta proporia contra a sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Lda.”, e que o sócio gerente da Autora seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados.
23- A Ré apresentou requerimento de injunção contra a sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Ld.ª”, para receber o preço pela realização da obra referida em 3, o qual deu origem à acção declarativa que, com o n.º 15617/19.1YIPRT, correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
24- A sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Ld.ª” apresentou oposição à injunção referida em 23, alegando, entre o mais, que:
“(…) a Requerente não concluiu todos os trabalhos a que se havia obrigado a executar e vários trabalhos foram executados com defeitos e anomalias, que necessitaram de ser corrigidos.
4.º Pelo que é falso que a Requerida tenha reconhecido os valores peticionados como sendo devidos e se tenha comprometido a liquidá-los.
5.º A Requerente denunciou os defeitos identificados nos trabalhos executados pela Requerida, inicialmente através de correio electrónico, e
6.º Por missiva datada de 03 de Julho de 2017, a Requerida formalizou a denúncia dos defeitos identificados, por carta registada com aviso de recepção, interpelando a Requerida à sua reparação no prazo de oito dias a contar da recepção da aludida comunicação (…).
7.º Os vícios denunciados são os seguintes (…):
a) Trabalhos remendados, como p. ex. nos cortes no pavimento mal executados, que não apresentam uma linha recta perfeita e cortes por finalizar;
b) Maus acabamentos nos trabalhos de betão - faltava finalizar a cobertura de betão no interior de todas as câmaras frigoríficas, com plásticos à vista nos remates laterais;
c) Pavimento mal acabado, existindo já inúmeras rachadelas visíveis, antevendo-se que possa piorar com a respectiva exposição às temperaturas negativas;
d) Estragos nos painéis interiores e exteriores de todas as câmaras frigoríficas, incluindo alguns buracos, sendo por isso necessário colocar rodapés novos com 20 cm de altura nas paredes interiores e exteriores das câmaras para reparar tais danos;
e) O pavimento do corredor das câmaras frigoríficas apresenta tonalidades diferentes, sendo necessário pintá-lo;
f) Na entrada do armazém foi colocado um tubo vermelho, por causa das condensações geradas pelas câmaras frigoríficas, o qual ficou pendurado no interior antes do portão, quando o mesmo tem de passar por baixo do portão, com ligação ao saneamento no exterior do armazém a fim de permitir o adequado escoamento de águas;
g) Falta colocar uma rede no topo do tubo de libertação de ar posicionado na entrada que dá para o corredor de acesso às câmaras frigoríficas;
h) Falta realizar cortes no betão dentro de todas as câmaras, com cerca de 35 m2 cada, fundamental para que o betão não venha a estalar com a refrigeração;
i) Todos os cortes existentes no pavimento interior e exterior das câmaras têm de ser limpos e devidamente isolados, sob pena de acumulação de resíduos;
8.º Os defeitos acima identificados foram vistoriados e confirmados pela Requerente, tendo-se inclusive comprometido em proceder à respectiva resolução, agendando dia para o efeito com a Requerida, primeiro no dia 19 de Junho, posteriormente adiado para os dias 20 e 21 de Junho.
9.º Mas ninguém se apresentou no local da obra em nenhuma das datas referenciadas, nem posteriormente, sem qualquer justificação plausível.
10.º Além disso, a Requerida decidiu emitir logo de seguida, em 26 de Junho de 2018, mais duas facturas, uma no valor de € 3.500,00, alegadamente referente à conclusão dos trabalhos no pavimento e outra no valor € 2.300,00, relacionados com alegados trabalhos a mais, os quais não são devidos pela Requerida, dado que
11.º quanto ao primeiro tem “execução de enchimentos nas portas das câmaras frigoríficas com betão”, tais serviços devem-se à falta de técnica por parte da Requerente na boa execução do isolamento das câmaras frigoríficas,
12.º Com efeito, o betão nas portas das câmaras frigoríficas não ficou devidamente executado, não permitindo que a caixa de ar que se encontra por baixo das câmaras funcionasse correctamente, o que obrigou a Requerente a destruir e refazer estes trabalhos, repondo o adequado isolamento das câmaras frigoríficas, pelo que não são exigíveis quaisquer trabalhos extra, na medida em que resultam da rectificação de trabalhos mal-executados pela Requerida.
13.º Depois, quanto ao segundo item constante da supra referida factura, com a descrição “pintura com tinta epoxi do piso das I.S. incluindo argamassa autonivelante”, importa referir que os trabalhos em causa resultam de alterações aos materiais inicialmente previstos na zona dos quartos-de-banho sem quaisquer encargos adicionais.
14.º Em momento algum foram aprovados como trabalhos a mais entre as partes, pelo que a importância debitada a este título não é, de igual modo, exigível à Requerida.
15.º A Requerente respondeu à missiva da Requerida, por carta datada de 11 de Julho de 2018, conforme Documento n.º 2 que aqui se junta, na qual reconhece todos os defeitos elencados na missiva enviada pela Requerida, na medida em que não só não os impugnou, como referiu inclusive que “nunca negou concluir os trabalhos acordados com a Y”,
25- A aqui Ré exerceu, nos autos referidos em 23, o contraditório relativamente ao alegado pela sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Ld.ª”, alegando que:
“8º É redondamente falso que a Autora não tenha concluído todos os trabalhos e que o serviço executado padeça de qualquer anomalia.
9º Pois, como adiante se comprovará, o vertido na missiva aludida na oposição e enviada pela Ré à Autora, respondeu esta negativamente à mesma, conforme carta que adiante se junta e se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais (…).
10º A Ré quer confundir concluir a obra orçamentada, com o facto de a querer concluir com trabalhos extras.
11º A Autora sempre quis executar os trabalhos extras ao orçamento e que eram necessários e obrigatórios para a Ré poder encetar e trabalhar como empresa de confecção de alimentos naquele pavilhão industrial.
12º Para isso, teria obrigatoriamente e face à legislação vigente ser pintado o chão da zona fabril em tinta epóxi e, no entendimento da Ré, este procedimento remataria sempre qualquer problema que existisse no betão e que sempre foi assumido como exigência da Ré, pois nunca poderia laborar sobre uma superfície porosa.
13º Sendo redondamente falso que a Ré tivesse parada em virtude dos falsos alegados problemas, até porque como adiante também se verá, esteve vários meses sem “baixada” adequada à potência que necessitava para laborar.
14º Além de que, se porventura houvesse defeitos, já há muito os mesmos estariam caducos.
15º Pois, como a própria Ré confessa, enviou tal denúncia à Autora em três de Julho de 2017.
16º Nos termos do artigo 1225º, nºs 1 e 2 do C.C., a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, tanto para a indemnização como para a eliminação de defeitos, estabelecendo-se o prazo de caducidade de um ano, a partir da denúncia, para a propositura da respectiva acção.
17º Sendo o pedido da Ré o da eliminação de defeitos, a acção teria que ser proposta no prazo de um ano a contar da data da respectiva denúncia.
18º Ora, tendo em conta aquela data de 03/07/2017, a Ré tinha um prazo de um ano para propor a respectiva acção de defeitos, ou seja, até 03/07/2018.
19º A presente contestação/reconvenção só deu entrada em juízo em 09 de Abril de 2019, muito depois de se ter ultrapassado aquele prazo de um ano.
20º Estando portanto caducos os eventuais direitos da Ré.
21º Pelo que está, inevitavelmente a presente pretensão ferida de caducidade, nos termos do artigo 1225º nº2 do C.C..
22º Excepção peremptória que aqui expressamente se invoca e implica a absolvição do pedido e extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Ré, nos termos do artigo 576º nº3 do C.P.C..
23º Por outro lado, a Autora tinha executado já trabalhos extras já discriminados no requerimento de injunção.
24º E a Ré tinha-se comprometido a liquidar à Autora tais facturas, o que nunca aconteceu, aliás como já se referiu na carta que Autora enviou para a Ré (conf.doc.nº2).
25º Deste modo, a Autora utilizou um instituto que a lei lhe confere, ou seja, a excepção do não cumprimento, que é um meio lícito de que podia lançar mão.
(…)
31º Assim sendo e, como atrás se referiu no supra item 7º, a Autora foi contratada para encher o piso da fábrica da Ré com tijolo e depois colocado este, encher o mesmo com betão.
32º Mas, tal serviço seria realizado em superfície totalmente livre e ampla (…).
33º Aliás, aquando a realização e apresentação do orçamento da Autora, a Ré tinha um fornecedor para as câmaras frigoríficas que informou que os painéis das paredes das câmaras seriam metidos após o enchimento do tijolo e o betão.
34º Porém, a Ré, de modo próprio e à revelia da Autora, a Ré mudou de fornecedor e este último exigiu à mesma que estes painéis seriam colocados antes do enchimento e da betonagem.
35º Estas e outras enormes alterações realizadas à revelia da Autora, vieram alterar por completo a programação da obra, orçamento e a execução da mesma.
36º Estas alterações são da inteira responsabilidade da Ré, pois aquando o contratado com a Autora, estas importantes alterações não existiam.
37º Assim, no dia da betonagem e à hora marcada (8 da manhã) estava tudo pronto para se iniciar a betonagem.
38º E estas alterações realizadas pela Ré, sem conhecimento da Autora, obrigou esta, naquele dia marcado para a aplicação da betonagem, a resolver estes “berbicachos”, enquanto o seu fornecedor de betão aguardava fora do pavilhão a sua colocação.
39º Deste modo, foi a Autora, apanhada de surpresa, e o serviço contratado (enchimento do piso do pavilhão em superfície livre e ampla) teria de ser realizado já com os ditos painéis das câmaras e paredes das casas de banho.
40º Ainda por cima, a Ré, no início dos trabalhos solicitou à Autora que fizesse mais “negativos” (buracos no chão para posterior colocação das portas das câmaras frigorificas.
41º Para além disso, nunca foi fornecido à Autora os elementos necessários para a boa execução do pavimento, tais como: camadas de isolamento das camaras frigorificas e outras infra-estruturas que foram incorporadas na camada de betão.
42º Perante tal inusitada situação, recusou a Autora ainda fazer o trabalho na data prevista, mas como tinha já encomendado o betão a terceiros (fornecedor), que estava à frente do pavilhão para ser colocado, confrontou a Ré com essa despesa acrescida, pois o betão estava a deteriorar-se com o tempo.
43º Tendo a Ré assumido totais responsabilidades pelo aguardar do enchimento, mesmo sabendo que o betão ía secando e provocaria uma retracção mais rígida, e que, porventura poderia dar origem algumas micro fissuras.
44º Mesmo assim, a Ré solicitou que se fizesse o serviço, pois, posteriormente o piso teria obrigatoriamente de ser pintado conforme a lei exige.
45º Para além disso, a Autora foi ainda nesse dia informada pela Ré (dono da obra) e pelo instalador das câmaras frigorificas, que teria ainda de levar os plásticos que constam no orçamento e que eram da responsabilidade da Ré e, ao contrário do acordado, foi a Autora que ainda teve de ir comprar o filme plástico (plástico este que competia à Ré tê-lo já colocado - conf.doc. nº1), para colocar sobre o isolamento térmico, antes da aplicação do betão nas câmaras frigorificas.
46º Porém, não foi só isso que originou as alegadas microfissuras (que não são defeito como se verá à frente) pois, sobre o tijolo aplicado seria somente para levar o betão em superfície lisa.
47º Entretanto após a colocação do tijolo, a Ré à revelia da Autora, executou por cima do tijolo diversas obras, nomeadamente mandou terceiros colocar tubagens para as infra-estruturas que necessitava entre outras tubos para a electricidade, abastecimento de água e drenagem de água residuais.
48º O que veio mais uma vez contrariar o projecto inicial, pois o betão era para ser aplicado em superfície lisa e não com vários relevos.
49º Pois, desta forma, o betão ficaria obrigatoriamente com espessuras diferentes e provocaria os alegados problemas.
50º A Autora informou sempre que tais alterações não eram da sua responsabilidade.
51º Deste modo os pretensos “vícios” denunciados pela Ré e mencionados no seu item 7º da oposição, os mesmos não foram causados pela Autora, e que convém, mais uma vez, avivar a memória da Ré sobre considerandos que ainda não foram aflorados.
52º Os cortes foram executados com as normas da boa execução e conforme o contratado. Posteriormente aos mesmos, a Ré apresentou um “lay-out” que contrariava esses cortes em virtude das inusitadas alterações que foi aleatoriamente fazendo.
53º Deste modo, como os cortes já estavam feitos em conformidade com a lei e o contratado e não com as alterações entretanto efectuadas pela Ré a Autora já nada poderia fazer.
54º Trabalhos estes que nem sequer são da responsabilidade da Autora, uma vez que os mesmos não estavam previstos.
55º Quanto aos pretensos estragos nos painéis interiores e exteriores de todas as câmaras frigoríficas, mesmo não sendo da sua responsabilidade, sempre se dirá que a Autora fez reparações apenas por questão de mera cortesia, pois os mesmos não deveriam lá estar.
56º Em relação ao referido na alínea f) do item 7º da oposição da Ré, tal também não é da responsabilidade da Autora pois, essa obra ficou de ser executada pela Ré quando arranjasse a calha no portão e tal nunca poderia ser da responsabilidade da Autora.
57º Como também não é da responsabilidade da Autora a colocação de uma rede no topo do tubo de libertação de ar e devidamente discriminado na alínea g) do 7º da oposição da Ré, pois nada lhe foi pedido nem estava orçamentado.
58º Quanto à alegada falta de cortes no betão dentro de todas as câmaras, nada foi executado pela Autora, pois foi informada pela Ré que não podia fazer cortes no local das câmaras frigoríficas.
59º Certo é que, estamos perante uma grande contradição alegada pela Ré, pois ora refere que não foram executados cortes nas câmaras e depois, mais à frente, refere que os cortes nesse sítio têm de ser isolados. Mas apesar disso nada foi solicitado à Autora nem tal serviço fazia parte do orçamento.
60º A Autora nunca confirmou nem aceitou qualquer defeito pelo trabalho por ela executado, apenas aceitou fazer reparações e novos trabalhos para a Ré, mas desde que esta última lhe pagasse pelos serviços extras entretanto efectuados.
61º Quanto ao alegado pela Ré no seu item 11º da oposição, sempre se dirá que segundo as normas legais, as portas das câmaras deveriam estar colocadas antes da betonagem.
62º A Autora sem conhecimento técnico sobre as câmaras frigoríficas, foi executado os trabalhos conforme a Ré lhe ia indicando, pelo que nada lhe deve ser imputado.
63º O mesmo no que concerne às casas de banho, que mais uma vez contrariando o contratado, as suas paredes destas foram feitas pela Ré antes da colocação do betão, este inusitado facto originou que fosse impossível colocar o betão antes das mesmas. Em face disso Autora e Ré acordaram que nas casas de banho seria colocada no seu piso uma betonilha com pintura epóxi.
64º Porém, a Ré veio a exigir a aplicação do autonivelante o que encareceu a empreitada e consequentemente foi debitado como trabalho extra, como não poderia deixar de ser.
65º Como atrás já se referiu, a Ré teria que pintar obrigatoriamente o chão com tinta epóxi, o que também seria um trabalho extra a realizar pela Autora, mas que a Ré habilidosamente não quer pagar.
66º A Ré quer resolver problemas seus à custa da Autora.
67º Aliás, a Ré escandalosamente remete falsos factos para documentos que não junta. O que impede nesta fase à Autora de se pronunciar sobre os mesmos”.

26- Por sentença proferida em 3 de Outubro de 2019, no processo referido em 23, foi homologada transacção celebrada entre a aqui Ré e a sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Ld.ª”, com o seguinte teor:
“A. A autora reduz o pedido à quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).
B. A quantia supra-referida será paga pela ré, no prazo de dez dias, através de transferência bancária para uma conta da autora cujo IBAN a autora indicará à ré.
C. Com o cumprimento do atrás acordado, as partes consideram nada mais ter a haver ou a reclamar uma da outra em relação à empreitada descrita nos autos.
D. Custas em partes iguais, prescindindo de custas de parte”.
27- No contrato referido em 3, a Ré comprometeu-se a colocar Malhasol LR130 e Malhasol LQ47.
28- Mas o que solicitou à Autora foi o fornecimento de Malhasol SQ30 e Malhasol AR50, que foi o que esta aplicou no local.

b) Factos não provados.
-Que os serviços referidos na factura foram prestados em 16.11.2017 e nas exactas condições acordadas de quantidade, qualidade e preço;
-Que a Ré não apresentou qualquer reclamação quanto à qualidade dos serviços prestados;
-Que o valor dos serviços prestados foi de € 11.016,18;
-Que o referido no ponto 19 dos Factos Provados tenha ocorrido em 6 de Julho de 2017 e que a Ré tenha entregue em mão à Autora a carta com a reclamação referida em 18;
-Que a Ré transmitiu que só pagaria se se provasse que não haveria qualquer defeito e quando o dono da obra lhe pagasse;
-Que a Ré tenha procedido nos termos referidos no ponto 25 dos Factos Provados de acordo sempre com a aqui Autora;
-Que a Autora tenha levado a Ré a tomar acções e omissões que não teria adoptado se a Autora tivesse cumprido o acordado;
-Que, à excepção do que consta dos pontos 15 a 17 dos Factos Provados, a obra apresente os defeitos referidos no ponto 18 dos Factos Provados.

IV
Conhecendo do recurso.

Havendo impugnação do julgamento da matéria de facto, é normalmente por aí que se começa a decidir, por razões lógicas óbvias.
Porém, no caso em concreto, a recorrente vem suscitar uma questão que tem prioridade sobre essa.
Alega que segundo o princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual, que com altíssimo respeito não aconteceu. E que para não dar azo a estas injustiças, é que a jurisprudência tem atendido que o processo injuntivo não é o próprio para dirimir estes tipos de situações. Assim é que a complexidade das questões apreciadas pode ilegitimar o uso do procedimento de injunção. Até porque, neste tipo de processo, está vedada à recorrente, como se sabe, a oportunidade de reconvir. Deste modo, perante o complexo cenário a dirimir no processo em crise o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter configurado a tal excepção inominada, obstativa do conhecimento do mérito da causa e determinante de decisão de absolvição da instância, nos quadros dos artigos 577º e 578º, ambos do CPC.
A esta arguição contrapõe a recorrida que tal configura matéria nova que não foi invocada na primeira instância, e que não é de conhecimento oficioso. Assim, a recorrente devia ter suscitado tal questão em sede de oposição á injunção e, ao não o fazer, precludiu a possibilidade de a suscitar mais tarde, nomeadamente em sede de recurso, tal questão.
A essência do argumento da recorrente prende-se com a igualdade de armas entre as partes, e com a complexidade da causa.
Em primeiro lugar, é óbvio que esta é uma questão nova, no sentido que não foi suscitada por nenhuma das partes nos articulados, nem foi tratada na sentença recorrida, sendo apenas introduzida agora em sede de recurso. Não obstante, sendo as excepções dilatórias, nominadas ou inominadas (a lei não distingue) de conhecimento oficioso (art. 578º CPC), a referida questão nova pode ser suscitada e conhecida em sede de recurso.
Vejamos pois.
Primeiro, a forma processual em causa é, sem sobra de dúvida, aplicável ao litígio tal como ele foi formulado perante o Tribunal. Olhando para o pedido e causa de pedir apresentados no requerimento de injunção, verificamos que ele coincide com a previsão legal do art. 1º do diploma preambular do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, na redacção do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. Aí se prescreve: “é aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.
No caso estamos perante uma acção destinada a obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de empreitada, e o valor do pedido é de € 10.545,14. Donde, a total correcção da forma processual escolhida.
A recorrente esgrime com a complexidade do litígio.
Sucede que essa complexidade não surge imediatamente ao Julgador com a simples leitura do requerimento injuntivo. Da leitura do mesmo não se retira qualquer complexidade, tudo parece linear. Cabia à requerida, que por definição era quem estava em melhores condições de saber da complexidade do litígio, suscitar essa questão no seu articulado de oposição, nomeadamente se pretendesse deduzir reconvenção, ou se precisasse de mais tempo para se opor, por causa da referida complexidade. Porém, a ora recorrente não o disse. Não suscitou essa questão, e, ao invés, apresentou a defesa que entendeu dever apresentar dentro do prazo. Não pode pois alegar desigualdade de armas, ou violação do princípio do “fair trial” ou do “due process of law”.
Acresce que apesar de ter sido usada uma forma processual mais expedita, não se vê que algum direito processual das partes tenha ficado postergado, ou que algum princípio processual civil tenha sido tocado, nomeadamente o princípio do contraditório e o princípio da igualdade de armas. A recorrente teve oportunidade de se opor a tudo o que a requerente alegou, e de produzir toda a prova que entendeu.

E mesmo em relação à alegada impossibilidade de deduzir reconvenção nesta forma processual, ainda podemos acrescentar que a mesma é tudo menos líquida. Basta recordar que, na Doutrina, Miguel Teixeira de Sousa, no “blog IPPC”, sob o título: “AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples ?”, escreve:

“1. Dois recentes acórdãos (Ac. 1: RG 5/3/2020 (104469/18.2YIPRT.G1); Ac. 2: RG 5/3/2020 (3298/16.9T9VCT-B.G1)) voltaram a tratar do tema da dedução da compensação nas AECOPs e voltaram a defender que nestas acções a compensação não pode ser deduzida por via de reconvenção. Dos respectivos sumários transcreve-se o seguinte:
-- Ac. 1: I. Nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.
-- Ac. 2: 2. Nestas acções especiais não pode vir a ser admitida a reconvenção, também: nem pela via da norma remissiva do art.549º/1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da acção especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts.6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas acções especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º/2 do CPC.
3. Nestas acções especiais, em que não é admissível a reconvenção, o réu que pretenda invocar a compensação de créditos, pode defender-se por via de excepção peremptória contra o pedido e o direito invocado pelo autor, pois: a compensação dos arts. 847º ss do CC é uma excepção extintiva, nos termos dos arts. 395º e 342º/2 do CC e do art. 571º/2- 2ª parte do CPC; a excepção assegura os direitos constitucionais de defesa do réu, nos termos do art. 20º/1 da Constituição da República Portuguesa, e conduz ao equilíbrio entre os dois direitos em discussão (o direito do autor em obter a celeridade na discussão e decisão sobre o crédito por si invocado, o direito do réu se defender contra o crédito invocado pelo autor).
Volta-se ao tema, porque, como aliás resulta dos referidos acórdãos, se tem procurado justificar a solução da via da excepção com um enorme aparato dogmático, quando afinal há uma solução que não só é muito mais simples, como é a única que é constitucional.
2. A proposta que, dentro de um espírito de back to the basics, agora se deixa é simplificar o que é simples. Em concreto, o que se propõe é que a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção e que o devido contraditório do autor pode ser feito em articulado próprio.
Para se chegar a esta solução basta aplicar a lei (nomeadamente, os art. 266.º, n.º 2, al. c), e 584.º, n.º 1, CPC, ex vi do art. 549.º, n.º 1, CPC) e respeitar o princípio da igualdade das partes em processo civil (art. 4.º CPC). É simples por isto mesmo: resulta da lei. Não precisa de nenhuma argumentação destinada a demonstrar que afinal o que decorre do CPC não é aplicável”.
Esta Relação, em acórdão por nós proferido no Processo 13397/20.7YIPRT.G1, a 28.1.2021, enveredou por essa mesma solução, admitindo a reconvenção nesta forma processual.
Finalmente, ainda é importante referir que, como escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, in CPC anotado, vol. 1º, 2ª edição, em anotação ao art. 578º, “o Tribunal pode e deve conhecer das excepções dilatórias, mas apenas a partir dos factos alegados pelas partes (ou do que objectivamente resultar do processo), não lhe cabendo, nesta específica sede, uma investigação oficiosa”.
Ora, com base no que resulta objectivamente dos autos, não vemos qualquer razão para considerar que a complexidade do litígio tenha prejudicado a recorrente.
Tanto assim é que a mesma não veio arguir essa questão em tempo próprio, quando tivesse sentido que algum dos seus direitos processuais estava a ser postergado, só o vindo alegar depois de perder a acção. E seria um verdadeiro contra-senso e um atentado à economia processual deixar que o litígio se desenvolvesse todo ele através desta forma processual, com a realização da audiência de julgamento, na qual foi produzida toda a prova que as partes entenderam apresentar, e com prolação de sentença, para só depois vir destruir todo este trabalho com o argumento que uma das partes não pode defender-se como queria.
Como tal, não se verifica a alegada excepção dilatória inominada.

Recurso sobre matéria de facto

A recorrente vem impugnar o julgamento da matéria de facto.

Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

A)
Ora, a recorrente começa por alegar que “foi dado como provado nos itens 15, 16 e 17 dos ”Factos Provados” que a empreitada realizada pela recorrida foi clamorosamente defeituosa”. E que para além dos defeitos provados na sentença, deveriam ser acrescentados mais alguns: concretamente, que os cortes no pavimento foram mal-executados, e que a betonilha do piso do WC e a pintura epóxi Barbot que se lhe seguiu estava com grandes defeitos, apresentava a betonilha muito porosa e mau acabamento.
Sucede, porém, que esses defeitos, sendo factos essenciais para a tese defendida pela requerida, não foram por si alegados na oposição.
De acordo com o art. 5º,1 CPC, “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.
E o nº 2 acrescenta: “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”.
Ora, salvo melhor opinião, os alegados defeitos da obra são factos essenciais para a defesa apresentada pela requerida, pois foi neles que fez assentar a excepção de não cumprimento do contrato, e, como tal, tinham de ser alegados no respectivo articulado. Não o tendo sido, não podia o Tribunal conhecer deles, pelo que esta parte do recurso da matéria de facto improcede.

B)
Seguidamente, vem dizer a recorrente que no “item quarto dos Factos Não Provados, deu o Sr. Juiz como não provado que o referido no ponto 19 dos Factos Provados tenha ocorrido em 6 de Julho de 2017 e que a Ré tenha entregue em mão à Autora a carta com a reclamação referida em 18. No entanto existe matéria suficiente nos autos que contraria essa tese (…)”. Ora, o assim alegado não preenche o ónus de alegação que sobre si incumbia. A recorrente tinha o ónus de dizer qual era a solução correcta que deveria resultar da decisão, nomeadamente se tal facto não provado deveria ter sido integralmente convertido em facto provado, ou qualquer outra solução intermédia. Só assim seria respeitado o ónus de alegação que a lei sobre si fez recair.
Quando o legislador diz que “deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição … a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, está a delimitar o recurso da decisão relativa à matéria de facto como um recurso sobre pontos concretos e individualizados, ao invés de permitir um segundo julgamento sobre toda ou grande parte da matéria. Se fosse permitida a formulação do recurso em termos vagos e amplos, isso subverteria toda a filosofia subjacente ao recurso em matéria de facto no CPC.
Assim, como a recorrente não indicou -especificadamente-, como diz a lei, a decisão que em seu entender deveria ter sido proferida, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, usando ao invés uma formulação vaga e dúbia, desta parte não podemos conhecer.

C)
E o mesmo se deve dizer quanto ao item quinto dos “Factos Não Provados”, em que não vislumbramos em ponto nenhum das alegações ou das conclusões qual a formulação concreta que a recorrente pretende que seria a correcta face à prova produzida.
Logo, também não se conhecerá desta parte.

E)
E a recorrente não consegue sair desta senda, pois na parte restante das suas alegações, o que se nota é que a alegação feita mistura matéria de facto com matéria de direito, impossibilitando extrair desse arrazoado uma impugnação adequada e correcta da matéria de facto.

Assim, parece que não se conforma com os factos provados 5, 6, 7 e 9, mas mais uma vez não avança com qual seria a formulação correcta para cada um desses pontos, não cumprindo o ónus de alegação. O que nos impede de conhecer dessa parte do recurso.

F)
E o mesmo temos de dizer quanto ao facto provado 8.
Começa a recorrente por dizer: “o tribunal deu como provado (item 8 dos “Factos Provados”) que a factura dos autos teria de ser liquidada no prazo de 30 dias, atendendo à data constante na mesma”.
Porém, se formos olhar para o facto em causa, vemos que o que desse item consta é o seguinte: “foi acordado que o pagamento seria efectuado a 30 dias a contar da data da factura”.
A recorrente não respeitou sequer a letra do facto dado como provado.
Depois refere a recorrente o facto provado 22. Deste consta: “A Autora e a Ré acordaram que esta efectuaria àquela um pagamento parcial por conta do preço, a acrescer ao referido em 14, que o remanescente seria pago com o desenlace de injunção que esta proporia contra a sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Lda.”, e que o sócio gerente da Autora seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados”.
Mais uma vez a recorrente não indicou qual a formulação que deveria ser dada ao facto provado 8, que impugnou. E não se pode dizer que exista contradição insanável entre os factos provados 8 e 22, pois resulta de toda a exposição da matéria de facto que há um desfasamento temporal entre os dois factos, ou seja: primeiro foi feito o acordo referido em 8, e posteriormente, após os vários problemas surgidos, foi alcançado o acordo referido em 22.
Também aqui não foi cumprido o ónus de alegação.

Assim, consideramos a matéria de facto provada definitiva.

Matéria de Direito

Começa a recorrente por dizer que “foi dado como provado nos itens 15, 16 e 17 dos ”Factos Provados” que a empreitada realizada pela recorrida foi clamorosamente defeituosa. Mas, mesmo assim, pela sentença em crise, a recorrente foi condenada a pagar à recorrida tal empreitada defeituosa e, ainda (mal, diga-se) condenada igualmente, noutra quantia a liquidar em execução de sentença, onde como infra se aferirá também está ligada a empreitada defeituosa”.
Porém, assim não é. Nos itens 15 a 17 da matéria de facto não se deu como provado que a empreitada foi clamorosamente defeituosa. Deram-se como provados alguns defeitos. E a análise jurídica dos mesmos foi feita na sentença.
Vejamos se algum dos argumentos da recorrente colhe.

Estamos perante uma subempreitada, contrato regulado no art. 1213º CC, cujo nº 1 estabelece que “Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela”.
E o nº 2 estabelece que é aplicável à subempreitada, assim como ao concurso de auxiliares na execução da empreitada, o disposto no artigo 264º, com as necessárias adaptações.
Porém, no litígio concreto trazido a estes autos apenas estão as partes no contrato de subempreitada, o que significa que para todos os efeitos práticos estamos perante um normal contrato de empreitada, em que os litigantes são justamente quem outorgou o contrato. O dono da obra “principal”, diga-se assim, não tem qualquer intervenção neste litígio.

A recorrente agarra-se ao facto provado nº 22, para retirar a conclusão de que a obrigação de pagamento do preço ainda não estaria vencida, e acrescenta ainda que ninguém nos autos comprovou qualquer interpelação para pagamento.
Ora, a recorrente sabe, porque não pode deixar de saber, que o Tribunal recorrido explicou que o acordo vertido no facto provado 22 tem um objecto legalmente impossível, sendo, por isso, nulo, nos termos do art.º 280º,1 do Código Civil.
Como a recorrente não investe nem tempo nem argumentos a rebater esta qualificação jurídica, e a mesma está correcta, também não perderemos mais tempo com o referido acordo, que em matéria de produção de efeitos jurídicos, é como se não tivesse existido (arts. 286º e 289º,1 CC).
Assim, a obrigação de pagamento do preço tinha prazo certo, o fixado no ponto 8 dos factos provados (foi acordado que o pagamento seria efectuado a 30 dias a contar da data da factura). Decorrido tal prazo, venceu-se a obrigação (art. 805º,1,2,a CC).

Quanto aos apontados defeitos da obra.

A recorrente afirma nas suas conclusões que a recorrida, na qualidade de subempreiteira não provou, como lhe competia, que observou as denominadas «legis artis». Além disso, tendo a recorrente demonstrado a existência dos defeitos da obra, presume-se a culpa da recorrida. Assim, a recorrida, na qualidade de subempreiteira da obra, incorreu em responsabilidade civil em virtude da violação dos deveres emergentes do contrato de empreitada que celebrou com a recorrente. Daí que a recorrente conclua “pela errada interpretação feita pelo Sr. Juiz “a quo” quando na sentença em crise, entendeu que à recorrente não lhe é lícito invocar a excepção de não cumprimento do contrato”.

Ora bem.

Mais uma vez vamos remeter para a sentença recorrida, que explica a decisão tomada, e não vemos que a recorrente apresente argumentos válidos em sentido contrário.
É desde logo óbvio que estamos perante a figura do cumprimento defeituoso, pois encontra-se provado que: “o pavimento em betão colocado pela Autora apresentou fissuras visíveis (…); ficaram restos de betão nos painéis interiores e exteriores das câmaras frigoríficas (…); o pavimento do corredor das câmaras frigoríficas apresentou tonalidades diferentes” (pontos 15, 16 e 17 dos Factos Provados).
A sentença desenvolve este conceito em termos que, por não terem sido impugnados, aqui vamos reproduzir.
A obrigação que impende sobre o empreiteiro (art. 1208º CC) é uma obrigação de resultado.
Em caso de incumprimento, na modalidade de cumprimento defeituoso, dispõe o art. 1221º,1 CC que “se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção”. E, numa segunda etapa, estabelece o art. 1222º,1 CC que “não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”. E dispõe o art. 1223º CC que “o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais”.
Assim, a sentença recorrida elencou de forma correcta estes meios de reacção ao dispor do dono da obra defeituosa (leia-se, no caso de subempreitada, do empreiteiro).
Esclarece depois que estes diversos remédios jurídicos não são de escolha livre. Existe uma ordem entre eles, de forma a que as pretensões de reparação ou substituição da coisa prevalecem sobre as de resolução do contrato ou de redução do preço, ao passo que as pretensões indemnizatórias têm uma função complementar, visando, no primeiro caso, compensar o interesse contratual positivo – colocando o comprador na posição em que se encontraria se o contrato tivesses sido cumprido – e, no segundo, o interesse contratual negativo – colocando-o na posição em que se encontraria se não tivesse celebrado o contrato.
Tudo isto é linear e não impugnado pela recorrente.
Seguidamente, a sentença entendeu que apesar de a excepção de não cumprimento do contrato poder ser arguida em caso de cumprimento defeituoso, ela só poderá ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos sejam eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização.
Ou seja, a sentença recorrida explicou que a excepção de não cumprimento do contrato, em caso de cumprimento defeituoso de empreitada, é sempre instrumental do exercício das demais faculdades conferidas pela lei ao credor, não podendo ser invocada sem que tais faculdades sejam exercidas.
Daqui seguiu-se, naturalmente, que tendo-se a Ré limitado a invocar a existência de defeitos para obstar ao pagamento, sem que alegue ou demonstre ter lançado mão de qualquer dos meios que a lei lhe faculta para obtenção do cumprimento perfeito ou de seu sucedâneo – v.g., exigindo a eliminação dos defeitos, a realização de nova obra, a redução do preço, a resolução do contrato ou o pagamento de uma indemnização, improcede a excepção invocada.
Ora, nas suas conclusões de recurso, para além de repetir inúmeras vezes que a recorrida incumpriu o contrato, a recorrente argumenta que tendo ficado provado no ponto 22 o acordo em que o sócio gerente da recorrida seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados pela “Y”, não faria sentido pedir a eliminação dos defeitos ou a redução de preço. E diz mesmo mais, que “jamais poderia lançar mão dessas faculdades que a lei lhe confere, até porque, fazendo-o, actuaria em nítido abuso de direito”.
Quanto ao “não fazer sentido”, não sabemos como qualificar este tipo de argumento, mas o que podemos ter como seguro é que não é um argumento jurídico. A recorrida/dona da obra/empreiteira, se estava convencida que a obra apresentava defeitos, tinha obrigação de ir averiguar quais as soluções que o direito civil oferecia para resolver esse problema, e decidir em conformidade.

Como sabemos, não o fez.
Optou pelo acordo -nulo- supra referido.
Vem agora dizer em recurso que jamais poderia lançar mão dessas faculdades que a lei lhe confere, até porque, fazendo-o, actuaria em nítido abuso de direito. E continua na mesma senda, acrescentando que só não ordenou a eliminação nem a redução do preço, na medida em que a outra acção, na qual autora e ré estavam “juntas no mesmo barco”, estava ainda em curso.
Lá estamos novamente remetidos para o já mencionado acordo, que a primeira instância, e bem, considerou nulo, com simples e sólida argumentação jurídica que a recorrente nem tentou rebater.
Recordemos esse acordo: Autora e Ré acordaram que esta efectuaria àquela um pagamento parcial por conta do preço, a acrescer aos € 2.000,00 já pagos, que o remanescente seria pago com o desenlace de injunção que esta proporia contra a sociedade “Y – Geladaria Tradicional, Lda.”, e que o sócio gerente da Autora seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados.
Olhando agora para a situação com o benefício de poder “ver no retrovisor”, parece óbvio que o dito acordo foi, a todos os títulos, um erro. A ideia de negar a existência dos defeitos que indubitavelmente existiam, deveria, para dizer o mínimo, ter sido evitada, e dada preferência à actuação de acordo com o Direito, de pura e simples reparação dos defeitos, ou redução do preço. E o argumento esgrimido pela recorrente de que as agora litigantes estavam então “juntas no mesmo barco”, não colhe, até pela razão de que os acordos nulos não produzem quaisquer efeitos (art. 289º,1 CC), donde não era devida obediência a tal acordo.
A recorrente limita-se agora a usar palavras fortes como “clamorosos defeitos” resultantes da empreitada, e “clamoroso incumprimento defeituoso”, porque, verdadeiramente, não tem argumentos jurídicos para utilizar, ou, pelo menos, se os tem, não os utilizou.
Insiste em dizer que: “encontrando-nos nós perante um contrato sinalagmático assiste-lhe o direito de não cumprir com a sua obrigação correlativa de pagar o preço, até que a prestação defeituosa seja corrigida”, não dizendo uma linha quanto à hierarquização das opções disponíveis para o dono da obra em caso de defeitos desta que resultam dos artigos supra citados, nem negando essa mesma ordem de exercício dos direitos do dono da obra.
E continua a recorrente a invocar o dito acordo, para justificar porque é que não cumpriu com o plasmado nos artigos 1224º e 1222º do CC, dizendo até que esse acordo entre ambas coarctava qualquer dessas possibilidades. Só que, como já vimos, o dito acordo não coarctava nada, não produzindo quaisquer efeitos. Era nulo.
Recorrente e recorrida optaram por essa via de se unirem contra a dona da obra, tentando negar a existência dos defeitos, em vez de seguirem os trâmites correctos impostos pela lei. A recorrente, na posição em que se encontra, diremos até, em que voluntariamente se colocou, não consegue deixar de cair em contradições sucessivas, vindo neste recurso falar em clamorosos defeitos da obra, quando no outro processo judicial supra referido negou que a obra tivesse qualquer defeito. Dizendo de outra forma, como pode a recorrente vir agora pretender alegar que a obra feita pela autora ostentava clamorosos defeitos, quando negou peremptoriamente a existência dos mesmos na supra referida acção ? E quando fez um acordo com a autora que envolvia a negação da existência de defeitos ?
Era pois inevitável que tal acordo, aliás nulo, não fosse respeitado. Aliás, quer-nos parecer que o primeiro “incumprimento” desse acordo nulo veio da própria recorrente, que não pagou o montante aí previsto, como também se refere, e bem, na sentença recorrida.
Não pode agora, tal como a sentença recorrida decidiu, valer-se da excepção de não cumprimento, pois deveria ter exercido em tempo próprio os direitos que a lei civil confere ao dono da obra que se vê confrontado com defeitos da mesma.

Condenação a pagar quantia a liquidar em execução de sentença

Outra questão suscitada pela recorrente é a da sentença recorrida violar o limite imposto pelo art. 609º,1 CPC: “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

Vejamos.
O pedido formulado pela autora é o pagamento da quantia de € 9.016,18, de capital, € 976,96 de juros de mora, € 102,00 de taxa de justiça, e 450,00 de patrocínio forense.

A argumentação da sentença recorrida é a seguinte: o orçamento aprovado entre as partes era no valor de € 9.917,50. A Autora emitiu factura no valor de € 11.016,18 (…); a Ré apenas pagou a quantia de € 2.000,00”. Porém, apenas parte do preço exigido pela Autora resultou de acordo com a Ré, mais concretamente, de orçamento apresentado por aquela e aprovado por esta. Com efeito, a Autora pede também a condenação da Ré a pagar quantias relativas a outros trabalhos que executou e que não estavam incluídos no orçamento – mais concretamente, os referidos nos pontos 10 e 12 dos Factos Provados.
Sucede que não ficou demonstrado qual o preço acordado pelas partes por esses trabalhos extra-orçamento. Dispõe o art. 609º,2 CPC que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”, não se ressalvando a hipótese de ter sido formulado pedido líquido.
Daí o segmento condenatório: “condeno a Ré, “X, Revestimentos e Isolamentos, Lda.”, a pagar à Autora, “M. F., Lda.”, a quantia que se venha a liquidar oportunamente, a título de preço pela realização dos trabalhos referidos nos pontos 10 e 12 dos Factos Provados, acrescida de juros vencidos desde a data da liquidação até efectivo e integral pagamento, às taxas resultantes da Portaria n.º 277/2013, de 16 de Agosto”.
A recorrente está preocupada porque a sentença não cuidou em balizar aquela liquidação de sentença, de acordo com os valores plasmados no pedido da recorrida, podendo levar a recorrente a pagar montantes superiores àquele pedido, o que não pode, de todo, acontecer.
Ora, os receios da recorrente não são justificáveis, pois é evidente que terá sempre aplicação, no incidente de liquidação, a proibição absoluta de condenação além do pedido, constante do art. 609º,1 CPC. Não era necessário a sentença referi-lo, justamente por ser óbvio que tal limite resulta da lei e não poderá nunca ser ultrapassado. Aquando da decisão de liquidação, tal limite será necessariamente tido em conta.

Abuso de direito

Afirma a recorrente que a recorrida actuou em claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porque apesar do acordo referido supra, entre autora e ré, em que esta última proporia a competente injunção contra a dita dona da obra e ambas aguardariam o desenlace judicial, sendo que o sócio gerente da Autora seria testemunha e refutaria em tribunal os alegados defeitos apresentados, a autora intentou esta injunção.

Quid iuris ?
A sentença recorrida pronuncia-se sobre a tese do abuso de direito, desenvolvendo argumentação jurídica para afastar tal tese.
A recorrente, salvo melhor opinião, não rebate essa argumentação com argumentação superior ou mais convincente. Limita-se, mais uma vez, a reafirmar a sua opinião de que o dúbio acordo celebrado entre ambas era para ser cumprido, e a impedia de lançar mão dos direitos que a lei civil lhe conferia. E insiste mesmo: “o acordo era para se cumprir. O facto de a recorrente naquele processo defender que não existiam defeitos, era e foi a defesa agilizada entre recorrente e recorrida, tese esta altamente plasmada nos autos”.
A recorrente, mais uma vez o dizemos, não nega a nulidade do referido acordo, mas continua a argumentar que o mesmo era para ser cumprido. Não era.
No mais, a recorrente vem tentar rebater a afirmação feita na sentença de que o dito acordo tinha desde logo sido incumprido pela própria ré/recorrente, que se tinha obrigado a efectuar um pagamento parcial à Autora, que não foi realizado – como decorre do confronto com o ponto 14 dos Factos Provados, esgrimindo com factos novos, que não foram alegados nem provados. Donde, tal argumentação não colhe de todo.
E porque a recorrente, para além de revelar que continua convencida que o dito acordo nulo era a solução para todo este litígio, não apresenta um único argumento para rebater a argumentação da sentença recorrida que negou a existência de abuso de direito, vamos limitar-nos a reproduzir aqui a mesma, com total concordância:
Importa, todavia, saber se o acordo acima referido pode relevar à luz do regime do abuso de direito – como pretende a Ré –, dispondo, a esse respeito, o art.º 334.º, do Código Civil, que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Reconhece-se, neste normativo, que o exercício de direitos subjectivos se deve sujeitar aos limites que decorrem dos bons costumes ou da funcionalidade do sistema jurídico, na sua materialidade subjacente – boa fé – ou do próprio direito que se exerce – fim social ou económico desse direito –, proibindo-se, consequentemente, o exercício de direitos sem respeito por esses limites.
Não estando, manifestamente, em causa a violação de limites decorrentes dos bons costumes – os quais relevam mais de práticas sociais reiteradas com relevância ética, ou dos sentimentos de moral pública –, nem o fim económico ou social do direito em questão, importa saber se a Autora excede os limites impostos pela boa fé, ao exigir o pagamento do preço.
A boa fé traduz-se numa cláusula geral de protecção da confiança legitimamente criada e da materialidade subjacente ao ordenamento jurídico no seu conjunto, em face de comportamentos que, formalmente correctos, o não são na sua substância.
Por isso, foi sendo objecto de desenvolvimentos periféricos cristalizados em situações típicas, legadas pela tradição e pela prática jurisprudencial.
Uma dessas figuras típicas é o venire contra factum proprio, locução por meio da qual se pretende traduzir o princípio de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio acto, exprimindo a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios. Assim, quando uma situação de aparência jurídica é criada, em termos tais que suscita a confiança das pessoas, tal confiança deverá, em princípio, ser tutelada.
Todavia, como ensina A. Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, V, 2.ª Edição, págs. 322 e 323, a relevância do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio, pressupõe
-Uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
-Uma justificação da confiança, reconduzida à existência de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocarem uma crença plausível; é necessário que a confiança se tenha alicerçado em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal;
-Um investimento de confiança, que consiste em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; a pessoa a proteger deve ter desenvolvido toda uma actuação baseada na própria confiança; actuação essa que não pode ser desfeita sem prejuízos inadmissíveis;
-Uma imputação da confiança, a qual implica que a pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante, por acção ou omissão, tenha dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.

Ora, no caso dos autos, falece, desde logo, o requisito do investimento de confiança, não se vislumbrando que actuação ou omissão foi desenvolvida pela Ré em consequência da actuação da Autora: ao intentar procedimento de injunção com vista ao recebimento do preço estipulado no contrato de empreitada, a Ré exerceu o direito de acção, não se vendo em que medida tal foi condicionado pela actuação da Autora; não existe um assentar de actuações jurídicas, por parte da Ré, que seja desfeito, com prejuízos inadmissíveis, pela propositura da presente acção, sendo certo que, naquele outro processo, a Ré defendeu, inclusivamente, não existirem defeitos ou serem os mesmos imputáveis à dona da obra.
Acresce que, nos termos do acordo referido no ponto 22 dos Factos Provados, a Ré obrigou-se a efectuar um pagamento parcial à Autora, que não foi realizado – como decorre do confronto com o ponto 14 dos Factos Provados. Ora, a partir do momento em que tal pagamento não é efectuado, deixa de existir justificação para qualquer situação de confiança, no sentido de que a Autora não exigiria o pagamento do preço devido pela sub-empreitada.
Por fim, e como decorre do ponto 26 dos Factos Provados, já acima transcrito, a acção a que a Ré se refere terminou por transacção, vendo-se, deste modo, prejudicada a discussão, nesse processo, sobre a existência ou inexistência de defeitos, pelo que carece, também por tal motivo, de justificação qualquer situação de confiança por parte da Ré, no sentido por esta defendido”.
Não há, pois qualquer situação de abuso de direito no comportamento da ora autora, de recorrer a Juízo para obter o cumprimento do contrato de empreitada que celebrou com a ora ré, quando o único argumento que a ré avança para a existência do abuso do direito de acção é o de as partes terem previamente feito um acordo nulo, que implicava irem a um outro processo judicial negar a existência de defeitos na obra realizada que ambas sabiam que existiam.

Litigância de má fé

Afirma para terminar a recorrente que a recorrida actuou também de Má-Fé.
Vamos dar por reproduzidos excertos da argumentação da sentença recorrida, mais uma vez com total concordância, pois a recorrente não rebate a mesma nas suas alegações/conclusões.
Pode ler-se na sentença recorrida, depois de várias apreciações em geral sobre o tema, com as quais concordamos, o seguinte:

“…explica Antunes Varela, in “O Direito de Acção e a sua natureza jurídica”, RLJ n.º 3824, págs. 329 a 331: (…) são tão frequentes e naturais as discrepâncias de interpretação da lei entre os diferentes tribunais ou entre os vários juízes do mesmo Tribunal, são tão numerosos os casos em que o tribunal inferior dá razão a uma das partes e o tribunal superior, em via de recurso, vem a dar razão à parte contrária, que não pode razoavelmente entender-se que cometeram um abuso, ou que exerceram um mero poder de facto (…) os milhões de litigantes que entraram em juízo com acções que vêm a improceder”. Assim, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de acção ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, através da regra geral da sua imputação à parte vencida, o sistema não retira do decaimento qualquer outra consequência a não ser que alguma das partes aja violado as regras e princípios básicos por que deve pautar a sua actividade processual. Não basta, por isso, que uma pretensão seja infundada para que haja má fé, é necessário dolo ou negligência grave na pretensão apresentada.
Ora, no caso, e no que tange à Autora, constata-se que a sua pretensão de tutela jurisdicional merece, na quase totalidade, acolhimento, sendo certo que, na parte em que não ocorre total procedência, o desfecho que não lhe foi inteiramente favorável decorre de vicissitudes próprias da produção da prova em juízo, sem que daí resulte ter ocorrido qualquer actuação processual dolosa ou gravemente negligente.
A questão assume maior delicadeza no que se refere à actuação processual da Ré, na medida em que se considere que esta alega factos em sentido contrário ao que sustentou noutro processo.
Todavia, também aqui cabe observar que, cotejados os articulados em apreço, constata-se que a oposição deduzida nestes autos tem, essencialmente, o sentido de acautelar um desfecho desfavorável da acção intentada contra o dono da obra, na eventualidade de aí se provar a existência de defeitos – que, aliás, a Ré, na resposta apresentada nos referidos autos, pese embora afirmações enfáticas de carácter genérico, acaba, em parte, por reconhecer na sua materialidade, apesar de imputar a sua responsabilidade ao dono da obra.
Por tal razão, não há que condenar qualquer das partes a título de litigância de má fé.

Pouco mais há a dizer. Para condenar a parte vencedora na acção como litigante de má-fé, como bem se compreende, seria necessário muito mais do que a recorrente vem agora alegar. Diz a recorrente:

a)a recorrida convenceu a recorrente que iria refutar facilmente os defeitos e depois escapuliu-se. E, pasme-se, levou mesmo a recorrente a ser condenada a pagar uma obra defeituosa como a sentença indica”.
b) a recorrida refere nos seus articulados que, entre outros, não foi ao local antes da execução da obra (o que se provou ser mentira). Para o tribunal tal inverdade não colide com as vicissitudes da prova em juízo.
c) Disse ainda que nunca lhe foram apresentados os defeitos, (o que se provou ser mentira) etc, etc.

E tenha-se presente ainda que foi considerado não provado que “a Ré tenha entregue em mão à Autora a carta com a reclamação referida em 18”.

Assim, a alegação de discrepâncias entre o alegado e o provado, que, como se sabe, resultam quase sempre da contingência dos meios de prova, não permite, nem de perto nem de longe, considerar que ocorreu litigância de má-fé, muito menos da parte que venceu a acção.

Assim, o recurso improcede na íntegra.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma na íntegra a decisão recorrida.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).

Data: 11/2/2021

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Joaquim Boavida)
2º Adjunto (Paulo Reis)