Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2411/20.6T8VCT-D.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
FUNDAMENTOS
EFEITOS
PRESUNÇÕES INILIDÍVEIS
PRESUNÇÃO DE «EXISTÊNCIA DE CULPA GRAVE»
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Para o preenchimento da presunção inilidível de insolvência culposa da al. g), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, não é suficiente que o administrador da futura insolvente haja prosseguido uma gestão deficitária nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, sabendo, ou devendo-se saber, que a mesma adviria, exigindo-se ainda que a dita gestão deficitária tenha sido levada a cabo em benefício do próprio administrador, ou de terceiro.

II. Para o preenchimento da presunção inilidível de insolvência culposa da al. h), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, não é suficiente que a contabilidade da sociedade insolvente não tenha sido mantida organizada, exigindo-se ainda que essa falta de organização ocorra em termos substanciais (nomeadamente, impedindo que se conheça a situação de insolvência).

III. Para o preenchimento da presunção inilidível de insolvência culposa da al. h), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, não basta que haja um incumprimento dos deveres de apresentação e de colaboração do insolvente, exigindo-se ainda que esse incumprimento seja reiterado.

IV. A presunção de «existência de culpa grave» prevista no art. 186.º, n.º 3, do CIRE, reporta-se unicamente ao incumprimento do dever do administrador do devedor de oportuna apresentação deste à insolvência, ou de elaborar, fiscalizar e depositar as contas anuais daquele; e a lei permite a sua ilisão, pela prova em contrário, isto é, de que não existiu culpa grave na violação daqueles deveres.

V. Para que uma insolvência seja qualificada como culposa, pelo incumprimento com culpa grave dos deveres previstos no art. 186.º, n.º 3, do CIRE, exige-se ainda que se alegue e prove que aquele inadimplemento afectou a situação de insolvência, nomeadamente agravando-a.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Em 03 de Fevereiro de 2022, nos autos principais de insolvência relativos a J..., Limitada, com sede na Avenida ..., Centro Comercial ..., em ... (que com o n.º 2411/20.6T8VCT-D.G1 correm termos pelo Juízo de Comércio ...), foi proferido acórdão, declarando a insolvência da dita Sociedade, requerida em 21 de Agosto de 2021 por AA, BB e CC, seu trabalhadores (acórdão que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.2. A credora Vinhos ..., Limitada (anterior fornecedora da Insolvente) deduziu incidente de qualificação de insolvência, pedindo que a mesma fosse considerada culposa, nos termos do art. 186.º, n.º 3, als. a) e b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [1]; e afectada por esta qualificação DD, residente em ..., ..., freguesia ..., concelho ..., gerente única da Insolvente (J..., Limitada).
Alegou para o efeito, e em síntese, que, encontrando-se a Sociedade em situação de insolvência, não se apresentou à mesma; e também não prestou, nem depositou contas, desde 2020.

1.1.3. Foi proferido despacho, declarando aberto o incidente de qualificação da insolvência, com carácter pleno.

1.1.4. A Administradora da Insolvência apresentou o parecer a que alude o art. 188.º, n.º 6, do CIRE, defendendo que: a insolvência deveria ser qualificada como culposa; e deveria ser afectada por ela a gerente da Insolvente (J..., Limitada), DD (parecer que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, em síntese: encontrar-se a Insolvente (J..., Limitada) em insolvência técnica desde 2020, não se tendo porém apresentado à mesma, com o que lesou o interesse dos seus credores, que se continuaram a relacionar com ela; não possuir a Insolvente (J..., Limitada) activo patrimonial relevante, tendo descurado a sua guarda, omitido informações sobre o seu paradeiro e, previamente à declaração de insolvência, dado em pagamento a um único credor dezenas de quilos de bacalhau; e não possuir a Insolvente (J..., Limitada) contabilidade organizada, não tendo efectuado o registo de contas no ano de 2019, nem nos posteriores.
Defendeu, por isso, dever a insolvência ser considerada culposa ao abrigo do art. 186.º, n.º 1 e n.º 2, als. a), b), d), g), h) e i), e n.º 3, als. a) e b), do CIRE.

1.1.5. O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do art. 188.º, n.º 7, do CIRE, pedindo que: a insolvência de J..., Limitada fosse considerada culposa, nos termos do art. 186.º, n.º 1, n.º 2, als. a), b), d), g), h) e i), e n.º 3, als. a) e b), do CIRE; e que fosse afectada por essa qualificação a sua gerente, DD.
Alegou para o efeito, em síntese, subscrever o parecer da Administradora da Insolvência, tendo como assente ter existido: «protelamento notório de apresentação à insolvência, vários anos antes de Junho de 2020»; «não apresentação tempestiva de documentos contabilísticos, mormente relativos a Informação Empresarial Simplificada (IES) durante vários anos»; «ausência de contabilidade organizada devidamente»; «e «manutenção de um passivo constante ao longo dos anos, com desconhecimento objetivo de alguns dos seus activos».

1.1.6. Notificada a Insolvente (J..., Limitada) e citada a Requerida (DD), apenas esta veio deduzir oposição, pedindo que a insolvência não fosse considerada culposa.
Alegou para o efeito, em síntese, dever-se exclusivamente a mesma à pandemia de Covid-19, que afectou dramaticamente o sector da restauração.
Mais alegou que qualquer atraso seu na apresentação da Sociedade à insolvência não criou ou agravou a mesma, defendendo que nem mesmo teriam sido alegados factos que permitissem afirmar o contrário.
Alegou ainda ter sido surpreendida pela renúncia do Técnico Oficial de Contas da Sociedade, estando convencida que a contabilidade da mesma se encontrava devidamente organizada.
Por fim, alegou não ter dissipado quaisquer bens, que teriam sido apreendidos, tendo apenas entregue a um fornecedor alguns quilos de bacalhau congelado, dado a sua natureza perecível.

1.1.7. A credora Vinhos ..., Limitada (anterior fornecedora da Insolvente) respondeu, reiterando o seu pedido inicial.
Alegou para o efeito, e em síntese, não ter a Requerida (DD) impugnado especificadamente os factos alegados para a qualificação da insolvência, nem ter deduzido outros que eficazmente contrariassem os primeiros.

1.1.8. A Administradora da Insolvência veio responder, reiterando o seu pedido inicial.
Alegou para o efeito, e em síntese, ter a Requerida (DD) dissipado «o património ao entregar bens da insolvente a um fornecedor, não podendo a conduta ser relativizada por se tratar de um bem perecível e “apenas” de uns “quilos de bacalhau”, os quais, na verdade, eram o maior activo da devedora».
Mais alegou «que a gerência da insolvente criou e contribuiu para o agravamento da sua situação de insolvência ao incumprir, no decurso do presente processo, com a colaboração que lhe era exigível, bem sabendo que, bastava a declaração de insolvência para ter consciência que deveria prestar colaboração com a ora signatária».

1.1.9. Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); decidindo ser destituída de qualquer efeito a não impugnação especificada dos factos articulados (por, no âmbito do incidente, vigorar o princípio do inquisitório pleno e situar-se o mesmo no âmbito dos direitos indisponíveis, o que inclusivamente tornaria qualquer eventual revelia inoperante); fixando o valor do incidente «na alçada da Relação»; identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios e designando dia para a audiência final.

1.1.10. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, qualificando a insolvência de J..., Limitada, como culposa e afectando por ela a sua gerente (DD), lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
5. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, decide o Tribunal:
i. qualificar a insolvência de J..., Lda. como culposa;
ii. declarar DD, a pessoa afectada pela qualificação da insolvência como culposa;
iii. decretar a inibição de DD, por um período de 4 anos, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
iv. determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela mencionada DD e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
v. condenar DD a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente, no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.

Custas pela Requerida [art. 304.º do CIRE].
Registe e notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com a sentença proferida, a Requerida (DD) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e considerada a insolvência como fortuita.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1. A meritíssima juíza a quo fundamenta a sua decisão, exclusivamente, nos termos do disposto nas als. g), h) e i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE e [als. a) e b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE.

2. Ora, como se tentará demonstrar, o Tribunal a quo viola ou faz errada interpretação dessas disposições legais acima citadas.

3. Os factos dados como provados apontam em sentido diverso, ou seja, na qualificação da insolvência como fortuita.

4. A douta sentença, viola, ou faz errada interpretação, do disposto no Artigo 3º e 186º ambos do CIRE.

5. Não resultou provado qual a data (o momento certo) em que a sociedade insolvente deixou de poder “cumprir as suas obrigações vencidas”, para, consequentemente, se poder aferir se houve ou não incumprimento na apresentação à insolvência.

6. Resultou provado que o estabelecimento da sociedade insolvente encerrou em Março do ano de 2020 (na sequência da Pandemia COVID 19) e que o processo de insolvência deu entrada em tribunal no dia 21 de Agosto de 2020, ou seja, volvidos menos de seis meses do fecho do estabelecimento.

7. Considerando os factos dados como provados a douta sentença proferida não se deverá manter.

8. A douta sentença fundamenta, como se disse, a qualificação como culposa nos termos do disposto nas als. g), h) e i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE e [als. a) e b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE.

9. Salvo o devido respeito que é muito labora em erro a douta sentença.

10.Tendo em conta os factos dados como provados só se poderá concluir que a insolvência deveria ter sido qualificada de fortuita.

11. Por mera economia processual dão-se por reproduzidos todos os factos provados constantes da douta sentença, os factos assentes.

12. Salientado, por ser importante, que a ação de insolvência deu entrada em juízo em 21 de Agosto de 2020, ou seja, cerca de cinco meses após o encerramento do estabelecimento comercial da sociedade insolvente: um Restaurante denominado “Z...”.

13. A conduta da gerente da sociedade insolvente não pode, face aos factos dados como provados, ser considerada culposa e merecedora de ser qualificada como culposa.

14. Ora, considerou o Tribunal a quo que: “E o n.º 2, não presume apenas a existência de culpa, mas também a existência de nexo de causalidade entre a atuação dos administradores do devedor [que não seja uma pessoa singular] e a criação ou o agravamento da situação de insolvência”, a recorrente não concorda que o preceito legal tenha essa interpretação, ou seja, a presunção inilidível quer da culpa quer do nexo de causalidade, como adiante se desenvolverá.

15. Inexiste qualquer facto dado como provado que se possa subsumir ao disposto na alínea g) do artigo 186 do CIRE.

16. Não ficou provado que a Recorrente prosseguiu, no seu interesse ou de terceiro, uma exploração deficitária.

17. Muito menos ficou provado que a Recorrente sabia que tal conduziria a uma situação de insolvência.

18. Os únicos factos que muito “tenuemente” se podem aproximar deste preceito legal são os factos vertidos nos pontos 3.7 e 3.11 (numeração da douta sentença).

19. Ora, o ter capitais próprios negativos ou apresentar resultados líquidos negativos, não significa, por si só, que uma determinada sociedade está em situação de insolvência.

20. Desde logo não se refere desde quando existem capitais próprios negativos, pelo que nunca se poderá extrapolar que o dever se apresentação à insolvência foi incumprido.

21. Para cabalmente se aferir que o dever de apresentação à insolvência foi incumprido devirá estar assente quando deveria ter ocorrido.

22. Em suma não esta provado qual a data em concreto (ou aproximada) em que a Recorrente deveria ter apresentado a sociedade à insolvência, consequentemente não se pode concluir que
o dever foi incumprido.

23. Pelo que, salvo melhor, apenas com os (parcos) factos que resultaram provados não se pode considerar que a Recorrente incumpriu os seus deveres não se apresentado à insolvência.

24. Dispõe que:

25. Nada, mesmo nada, resultou provado que se possa minimamente subsumir à alínea h) do artigo 168 do CIRE.

26. Desde logo que o incumprimento tem de ser SUBSTANCIAL.

27. E o único que ficou provado foi só e apenas que a sociedade não apresentou contas desde o ano de 2019 (recorde-se que o estabelecimento fechou em agosto de 2020).

28. Ora, esse único facto não pode ser considerado como um incumprimento em termos substanciais.

29. Por outro lado, resultou provado (ponto 3.7) que a sociedade forneceu um balancete à AI, pelo que forçosamente se terá de concluir que a contabilidade existe e pelo menos de forma substancial não foi incumprida essa obrigação.

30. Salvo o devido respeito, não vislumbra a Recorrente, qualquer facto minimamente se possa subsumir à alínea g) do artigo 168 do CIRE.

31. Antes pelo contrário, a entrega de um balancete denota (pelo menos) alguma colaboração.

32. A Recorrente como decorre das diversas atas esteve sempre presente em Tribunal.

33. Nada resultou provado que se possa subsumir às alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE:

34. A douta sentença, embora na qualificação jurídica entenda que nas situações do n.º 3 do artigo 186 do CIRE existe uma presunção mas que carece de uma atuação com dolo e culpa grave e ainda, uma relação de causalidade entre a conduta do devedor (neste caso a Recorrente) e o estado de insolvência.

35. Ora, não resultou provada nem a culpa grave nem o nexo de causalidade.

36. Mas de forma paradoxal decide nos termos em que decidiu.

37. O artigo n.º 2 do artigo 186º do CIRE, no entender da Recorrente, contem uma presunção ilidível, mas, tal como o n.º 3 do mesmo preceito, obriga à existência de um nexo de causalidade.

38. Nem a utilização do vocábulo “sempre” pode configurar a existência de uma presunção inelidível.

39. Sendo de realçar, que a atual redação do n.º 2 do artigo 186 entrou em vigor em Abril do ano 2022 (Lei n.º 9/2022, de 11/01), ou seja, em data posterior à entrada em Tribunal da ação de insolvência (agosto do ano de 2020).

40. Não obstante o disposto no artigo 10º da Lei 9/2022 o certo é que a lei só se aplica aos factos que depois da sua entrada em vigor se operaram; e, mesmo que normativamente permitida, a retroactividade está sujeita aos limites que o n.º 2 do art.º 12.º do C. Civil lhe impõe para a sua real concretização.

41. A conduta da Recorrente e os seus efeitos já se tinham produzido pelo que não se poderá aplicar a nova redação do n.º 2 do artigo 186 do CIRE aos presentes Autos.

42. Sendo que nesse caso se estaria a ofender os princípios constitucionais da não retroatividade das normas e princípio da proteção da confiança.
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1.2.2. Contra-alegações

O Ministério Público apresentou contra-alegações, pedindo que se julgasse o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Requerida (DD), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do direito, já que os factos provados são insuficientes para preencherem a previsão do art. 186.º, n.º 2, als. g), h) e i), e n.º 3, als. a) e b), do CIRE (tendo a Insolvente prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro,  uma exploração deficitária, não obstante saber ou dever saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência, tendo incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, tendo incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração, tendo violado o seu dever de se apresentar à insolvência e tendo violado a sua obrigação de depositar as contas anuais), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, considerando-se a insolvência fortuita) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente -, e renumerados), não impugnados por qualquer dos intervenientes nos autos (e, por isso, definitivamente assentes):

1 - J..., Limitada constituiu-se em 30 de Março de 1994.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.5.)

2 - O objeto social J..., Limitada consistia no exercício da atividade de «exercício de café e restaurante, venda a retalho de comidas preparadas e bebidas para consumo imediato».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.2.)

3 - O capital social de J..., Limitada era de € 49.879,79, sendo uma quota no referido valor nominal, titulada em comum e sem determinação de parte ou direito, por DD, EE e FF; e sendo a gerência exercida pela primeira.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.3.)

4 - Desde 2017, que J..., Limitada se encontrava numa situação financeira deficitária, com os seguintes resultados líquidos negativos: em 2017, € 32.175,00; em 2018, € 30.698,00; em 2019, € 45.317,00; e em 2020, € 9.674,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.11.)

5 - A contabilidade de J..., Limitada não se encontrava organizada, não tendo sido efectuado o registo das contas (da prestação de contas) a partir do ano de 2019.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.12.)

6 - O restaurante explorado por J..., Limitada encontra-se encerrado desde Março de 2020.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.6.)

7 - Por decisão datada de 03 de Fevereiro de 2022, e devidamente transitada em julgado, foi declarada a insolvência de J..., Limitada, NIPC ..., com sede Centro Comercial ..., ... União das Freguesias ..., ... e ..., concelho ....
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.1.)

8 - A insolvência de J..., Limitada foi requerida por credores trabalhadores.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.4.)

9 - A Insolvente (J..., Limitada) apresentou junto da Administradora da Insolvência balancete, do qual se extraiu que a mesma tinha capitais próprios negativos de € 83.868,00, dívidas a fornecedores de € 61.625,00, dívida de IVA de € 20.404,00, dívida à Segurança Social de € 94.541,00 e créditos bancários de € 40.414,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.7.)

10 - A Insolvente (J..., Limitada) não é titular de imóveis nem móveis sujeitos a registo.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.8.)

11 - Os bens móveis apreendidos, que constituíam o recheio do estabelecimento explorado pela Insolvente (J..., Limitada), mostram-se obsoletos e com um valor de mercado muito baixo, sendo que os seus activos não valem € 1.000,00 em termos contabilísticos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.9.)

12 - Nos presentes autos foram reconhecidos créditos pelo montante global de € 302.488,51, sendo € 87.728,00 referentes a créditos privilegiados e € 214.714,67 referentes a créditos comuns.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3.10.)
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3.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou ainda que inexistem «factos não provados, com interesse para a decisão da causa».
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Incidente de qualificação da insolvência - Propósito

Lê-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março (que aprovou o CIRE), que um «objectivo da reforma introduzida pelo presente diploma reside na obtenção de uma maior e mais eficaz responsabilização dos titulares de empresas e dos administradores de pessoas colectivas. É essa a finalidade do novo “incidente de qualificação da insolvência”».
Reconhece-se, a propósito, que as «finalidades do processo de insolvência e, antes ainda, o próprio propósito de evitar insolvências fraudulentas ou dolosas, seriam seriamente prejudicados se aos administradores das empresas, de direito ou de facto, não sobreviessem quaisquer consequências sempre que estes hajam contribuído para tais situações», já que a «coberto do expediente técnico da personalidade jurídica colectiva, seria possível praticar incolumemente os mais variados actos prejudiciais para os credores».
O incidente destina-se, assim, «a apurar (sem efeitos quanto ao processo penal ou à apreciação da responsabilidade civil) se a insolvência é fortuita ou culposa, entendendo-se que esta última se verifica quando a situação tenha sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave (presumindo-se a segunda em certos casos), do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e indicando-se que a falência é sempre considerada culposa em caso da prática de certos actos necessariamente desvantajoso para a empresa» (com bold apócrifo).
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4.2. Insolvência culposa - Cláusula geral aberta (art. 186.º, n.º 1, do CIRE)
Compreende-se, assim, que se leia no art. 186.º, n.º 1, do CIRE, que a «insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência».
Consagra-se aqui uma «cláusula geral aberta» (Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 508, com bold apócrifo); e a mesma, exige, «para a qualificação da insolvência como culposa, não apenas uma conduta dolosa ou com culpa grave do devedor e seus administradores mas também um nexo de causalidade entre essa conduta e a situação de insolvência, consistente na contribuição desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3ª edição, Almedina, 2011, págs. 283-4, com bold apócrifo).
Logo, surgem como requisitos cumulativos da qualificação de uma insolvência como culposa: (i) o facto inerente à actuação, por acção ou por omissão, do devedor ou dos seus administradores, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência; (ii) a ilicitude desse comportamento; (iii) a culpa qualificada do seu autor (dolo ou culpa grave - cujas noções respectivas serão dadas pelo direito em geral -, estando assim excluída a culpa simples); (iv) e o nexo causal entre aquela actuação e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.

Precisa-se, ainda, que, estando em causa um devedor pessoa colectiva, as omissões ou os actos eleitos por lei para qualificar a insolvência têm necessariamente que ser dos seus administradores, isto é, não basta para este efeito a actuação descrita na lei, sendo ainda exigível que a mesma seja imputável aos ditos administradores (e não a terceiros).
Recorda-se que o CIRE «acolhe a noção corrente de administrador», isto é, «”a pessoa que tem a seu cargo a condução geral de um determinado património; pessoa que administra, governa, dirige um organismo ou empresa, gere bens ou negócios”»; e, por isso, a noção em causa abrange todos os que desempenhem tais funções «de facto, nomeadamente quando o fazem com carácter de permanência, mesmo que falte, para tanto, o apoio em determinação legal ou em acto voluntário do titular do património a gerir» (Ac. da RC, de 28.06.2016, Fonte Ramos, Processo n.º 682/15.9T8FND-A.C1, que cita para o efeito o Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo 2001, pág. 87).
Dir-se-á ser «compreensível que a atuação dos administradores, de direito ou de facto, do devedor que não é pessoa singular, conduza à qualificação da insolvência como culposa quando está preenchida alguma das hipóteses que foram enumeradas. Os administradores são, agora, “aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente”. Não sendo o devedor pessoa singular, não tem cabeça, tronco e membros que lhe permitam atuar por si». Compreende-se, por isso, que possam «ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa tanto os administradores que ainda o sejam na data em que é proferida a sentença de qualificação como aqueles que já deixaram de o ser nessa altura», mas que tenham sido os autores dos factos em causa (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2016, pág. 420).
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4.3. Factos-Índices de insolvência culposa (art. 186.º, n.º 2 e n.º 3, do CIRE)
Contudo, o legislador não deixou de reconhecer que o apuramento do carácter doloso ou gravemente negligente da conduta do devedor ou dos seus administradores, e da relação de causalidade entre essa conduta e a criação ou o agravamento da situação de insolvência (de que depende a sua qualificação como culposa), se revelar muitas vezes extraordinariamente difícil.
Assim, e como forma auxiliar de determinação de uma insolvência culposa, a lei entendeu por bem estabelecer um conjunto tipificado (e taxativo) de factos-índices da mesma (reportados a factos/situações tidos como graves), fazendo-o nos números seguintes do artigo 186.º em causa, embora com diferente natureza.

Com efeito:

· n.º 2 (do art. 186.º, do CIRE) - da verificação dos factos-índices nele estabelecidos, resultará inilidivelmente o carácter culposo da insolvência, isto é, não só se prescinde de um juízo de culpa (presumida normativamente), como se torna desnecessário demonstrar a existência do nexo de causalidade entre a conduta culposa e a sua adequação para a criação ou para o agravamento da insolvência.
Nas suas diversas hipóteses desdobram-se «um conjunto de adstrições que pacificamente se aceitará estarem incluídas, quer entre os deveres emergentes da relação (fiduciária de administração) que une o administrador à sociedade, quer de outras relações especiais que aquele tenha encetado com os demais sujeitos (sócios, credores, trabalhadores) por via da sua qualidade de administrador» (Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos administradores na insolvência», ROA, Ano 66, Setembro de 2006, Volume II, pág. 692 e segs.);

· n.º 3 (do art. 186.º, do CIRE) - da verificação dos factos-índices nele estabelecidos, resultará apenas uma mera presunção ilidível de violação, com culpa grave, de obrigações impostas aos administradores do insolvente, a exigir depois a subsequente prova do nexo de causalidade entre aquele seu comportamento e a criação, ou o agravamento, da situação de insolvência.

Com efeito, lia-se singelamente na redacção inicial do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, que se presumia a existência de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, do devedor que não fosse uma pessoa singular que tivessem incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência, ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
O exposto permitiu que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, se dividissem entre aqueles que viam nos factos-índices estabelecidos neste n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, apenas uma presunção ilidível de culpa grave do administrador [4], o que aqui se subscreve [5], e aqueles outros que, além daquela presunção, defendiam estar igualmente ali consagrada uma outra, relativa ao nexo de causalidade exigido pelo n.º 1 do mesmo preceito [6].
A Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, que conferiu nova redacção ao n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, veio, porém, por fim a esta polémica, consagrando expressamente o primeiro entendimento referido. Com efeito, lê-se hoje no dito preceito que se presume unicamente a existência de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular que tenha incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência, ou a obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.

Dir-se-á, assim, que «o preenchimento de qualquer das situações ou factos-índice previstos no n.º 2 deste artigo, determina a qualificação da insolvência como culposa, pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidível, jure et jure, de culpa. O que dimana do advérbio “sempre”.
Por isso que seja mais correcto afirmar-se em nosso entender, que nas situações a que se faz referência no art.º 186º, nº2, do CIRE, mais do que uma presunção legal, se verifica o que Batista Machado define – “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 108 e 109 – como “ficções legais”, pois que, o que o legislador extrai a partir do facto base, não é um outro facto, mas antes uma conclusão jurídica, numa remissão implícita para a situação definida no nº 1 do art.º 186º do CIRE» (Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria Purificação Carvalho, Processo n.º 2127/12.7TBGMR-D.G1, com bold apócrifo) [7].
Provada, assim, qualquer uma das situações enunciadas nas diversas alíneas deste n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento.

De forma diferente sucederá no caso do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, em que, estão «em causa deveres (…) de carácter formal», sem prejuízo de permitirem, «presuntivamente, a ser cumpridos, a detecção mais precoce da situação real da empresa, de insolvência ou de risco de insolvência»; e, por isso, o «seu incumprimento é, assim, razoavelmente indiciador de, no mínimo, um grave desleixo na actuação gestionária, levando a admitir (mas com carácter de presunção juris tantum, rebatível por prova em contrário) estar preenchido o requisito de culpa grave, forma de culpa qualificada, exigível, em alternativa ao dolo, tanto pela lei de autorização (n.º 6 do artigo 2.º), como pelo CIRE (artigo 186.º, n.º 1)» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 564/2007, de 13.11.2007, Joaquim de Sousa Ribeiro, com bold apócrifo).
Contudo, e agora de forma expressa, «a existência de culpa do administrador decorrente da respectiva conduta, não basta para, por si só e sem mais, qualificar a insolvência como culposa», tendo-se depois que «articular o preceito com o que resulta do n.º 1, isto é, impõe-se ainda exigir, para qualificar de culposa a insolvência, a prova de que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada pela referida conduta culposa do(s) administrador(es)», que tenha existido um nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência (Ac. da RL, de 09.11.2010, Graça Amaral, Processo n.º 168/07.5TBLNH-D.L1-7, com bold apócrifo).
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Na concretização de tais factos-índices (quer do n.º 2, quer do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE), ter-se-á, naturalmente, que atender às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor, exigindo-se aqui uma ponderação casuística, temporalmente balizada pelo período correspondente aos três anos anteriores à entrada em juízo do processo de insolvência.
«A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser deduzido dos factos provados»; e por meio dos quais se conclua «que o devedor, ou os seus administradores, nas circunstâncias concretas em que actuaram, podiam ter conformado a sua conduta de molde a evitar a queda do primeiro na situação de insolvência ou agravamento do estado correspondente» (Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo nº 1255/12.3TBBGC-G.G1, com bold apócrifo).
Importa, porém, reconhecer a este propósito que, «genericamente, a lei mostrou-se muito sensível à actividade em proveito pessoal ou, em todo o caso, à conduta dos Administradores que não se orientou pela prossecução do interesse social e representa um desvio no exercício dos respectivos poderes, particularmente se essa conduta for desfavorável à empresa».
Contudo, importa igualmente salientar que tudo deverá ser interpretado «com ponderação, de modo a alcançar um efeito responsabilizante equilibrado que, sem deixar de dissuadir condutas manifestamente injustificáveis dos administradores e de ordenar a reparação dos prejuízos por elas causadas, respeite, por outro lado, a autonomia decisória que têm de ter e o cenário de risco em que muitas vezes a actividade de administração se processa e se tem de desejar possa desenvolver-se (sem risco de responsabilidade)» (Manuel A. Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos Administradores na Insolvência», R.O.A., Ano 66, Setembro de 2006, Vol. II, p. 696 e 698, com bold apócrifo).

A insolvência fortuita é definida por exclusão, isto é, serão todas aquelas que não sejam culposas.
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4.4. Concretas presunções inilidíveis de insolvência culposa
4.4.1. Prosseguir numa exploração deficitária (al. g), do n.º 2, do art. 186.º)
4.4.1.1. Lê-se no art. 186.º, n.º 2, al. g), do CIRE, que se considera «sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham» prosseguido, «no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência» [8].
Logo, para que esta concreta presunção inilidível de insolvência culposa se verifique é necessário que: i) nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência se prossiga numa exploração deficitária; ii) se vise com, e redunde, a mesma no interesse pessoal do administrador ou de terceiro; iii) e saber, ou dever saber o mesmo (de acordo com o normal fluir das coisas, e atenta as concretas circunstâncias em que assumiu essa sua conduta), que o prosseguimento da exploração deficitária conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
«Deste modo, na al. g) do n.º 2 não está em causa a mera gestão ruinosa e imprudente do património ou rendimento da pessoa coletiva devedora, pelo administrador de direito ou de facto daquela, independentemente das concretas circunstâncias em que ela se traduziria» (Ac. da RG, de 31.03.2022, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 6156/20.9T8GMR-B.G1). Para além desta ideia de continuidade ou de prática reiterada de uma exploração deficitária, exige-se ainda que o devedor ou os seus administradores saibam perfeitamente, ou tenham a obrigação de saber, que a mesma conduzirá, com grande probabilidade, a uma situação de insolvência, mas nela persistam para satisfazer o seu interesse ou o interesse de terceiro [9].
Ora, não «esquecendo os objectivos (também moralizadores) do Código da Insolvência (ver o preâmbulo da lei), neste particular importará assinalar que o gestor médio deve considerar que há um momento para parar, na defesa dos credores, não prosseguindo uma exploração deficitária, até ficar sem nada para apresentar aos credores»: se «a empresa já não é rentável, os seus gerentes não devem acenar com alguma coisa sua e a sua responsabilização pessoal (e que, afinal, é nada), para esconder aquele facto e prosseguir no défice» (Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 2127/12.7TBGMR-D.G1, com bold apócrifo).
Enfatiza-se, a propósito, que a «insolvência de uma sociedade é, como todos sabem, susceptível de ocasionar danos diversos, que atingem sócios, credores e trabalhadores. São de facto afectados múltiplos interesses. Os credores, por exemplo, não conseguem amiúde cobrar os seus créditos, pelo menos na íntegra, os sócios são confrontados com a dissolução da sociedade e a liquidação do respectivo património, vendo esfumar-se o valor das suas participações sociais, os trabalhadores perdem, em consequência da extinção da empresa, os seus postos de trabalho e, com eles, o meio de sustento próprio e das suas famílias» (Manuel A. Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos Administradores na Insolvência», R.O.A., Ano 66, Setembro de 2006, Volume II, in https://portal.oa.pt/comunicacao/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/doutrina/manuel-a-carneiro-da-frada-a-responsabilidade-dos-administradores-na-insolvencia/, com bold apócrifo).
Reconhece-se, porém, que, na «prática, nem sempre será fácil distinguir entre a situação tipicamente prevista na alínea g) e aquela outra em que o devedor ou os seus administradores persistem numa atividade não lucrativa porque acreditam que conseguirão superar um período deficitário e voltar a uma atividade rentável» (Ac. do STJ, de 29.10.2019, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 434/14.3T8VFX-C.L1.S1).
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4.4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, desde 2017, que J..., Limitada se encontrava numa situação financeira deficitária, com os seguintes resultados líquidos negativos: em 2017, € 32.175,00; em 2018, € 30.698,00; em 2019, € 45.317,00; e em 2020, € 9.674,00.
Verifica-se ainda que, tendo o restaurante por si explorado sido encerrado em Março de 2020, a sua insolvência foi requerida em 21 de Agosto de 2021; e declarada em 03 de Fevereiro de 2022.

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, se é admissível que se afirme que, nos últimos três anos que antecederam o início do processo de insolvência, a Sociedade prosseguiu uma exploração deficitária, certo é igualmente que nada ficou provado na sentença recorrida quanto a essa exploração ter sido feita no interesse   pessoal da Requerida (DD), sua gerente única, ou de terceiro [10]; e que a mesma soubesse, ou devesse saber, que inelutavelmente (isto é, de forma independente de qualquer facto fortuito e/ou imprevisível, como a pandemia de Covid 19), a dita exploração deficitária conduziria à insolvência da Sociedade.

Logo, e com o elenco dos factos provados da sentença recorrida (que ninguém impugnou nos autos), não se mostra preenchida a al. g), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE.
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4.4.2. Incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada (al. h), do n.º 2, do art. 186.º)
4.4.2.1. Lê-se no art. 186.º, n.º 2, al. h), do CIRE, que se considera «sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham» incumprido «em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor».

Precisa-se antes de mais, que se entende por «contabilidade»  a «compilação, registo, análise e apresentação de informações, em termos monetários, sobre operações patrimoniais» (Luís Brito Correia, Direito Comercial, Volume I, AAFDL, pág. 257); e a sua elaboração deve ser orientada segundo os princípios de clareza e de verdade, implicando por isso o arquivo em pastas próprias, por ordem cronológica, de todos os documentos relativos a actos com expressão patrimonial (v.g. compras e vendas, entradas e saídas de caixa e operações bancárias), de molde a permitir às autoridades públicas a verificação da regularidade tributária e o conhecimento pelos sócios da situação patrimonial da empresa(nomeadamente, tendo em vista a distribuição de lucros), bem como a verificação da regularidade da actuação do comerciante, nomeadamente em caso de insolvência, tendo em vista o interesse público (apud Luís Brito Correia, op.cit., pág. 253).
Precisa-se ainda que «contabilidade organizada» é «um regime fiscal obrigatório para as empresas constituídas em sociedades comerciais», designadamente as sociedades por quotas, que “deve reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes” (cfr. artigo 17º, nº 3, alínea b), do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), e cuja execução, segundo o nº 2 do artigo 123º do mesmo código, exige que “todos os lançamentos devam estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário”, e que “as operações sejam registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras”» (Ac. da RG de 10.09.2020, Heitor Gonçalves, Processo n.º 1373/17.T8CHV.G1).

Compreende-se que assim seja, já que a contabilidade «revela ao comerciante a sua situação económica e financeira», «põe-lhe em evidência os erros da sua actuação em certos aspectos do seu comércio, permitindo-lhe modificá-la», e mostra-lhe «os benefícios trazidos pela sua orientação em outros aspectos, animando-o a continuá-la». Contudo, é obrigatória no interesse de «quem contrata com os comerciantes, pois nela muitas vezes se fundam reclamações das pessoas que se sentem lesadas, e é nos seus lançamentos que vai buscar-se a prova»; e, simultaneamente, é «obrigatória no interesse geral do público porque demonstra a maneira de negociar do comerciante, o seu procedimento honesto ou a sua má-fé nas transacções, sobretudo nos casos de falência em que se tem que reconstituir a sua vida mercantil, para averiguar se houve negligência, fraude ou culpa» (Pires Cardoso, Noções de Direito Comercial, 10.ª edição, Rei dos Livros, págs. 98 e 99, com bold apócrifo) [11].
Logo, o conjunto dos elementos escriturados na contabilidade de uma empresa deve demonstrar fielmente, e permitir avaliar eficazmente, a respectiva situação patrimonial e financeira; e assim se explica que, não só seja obrigatória para determinados agentes económicos, como tenha que obedecer a rigoroso modelo técnico-legal [12].
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Particularizando, pretendendo a lei, não só que exista uma contabilidade organizada, como a mesma obedeça a regras precisas e determinadas, a frustração dos seus objectivos, poderá ocorrer por simples omissão da sua existência, ou por incorrecção intencional do seu teor.
À primeira hipótese reporta-se a lei quando refere o «incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organizada».
Logo, caiem aqui hipóteses em que, existindo ainda contabilidade, a mesma não atinge o nível de substância que se pretende com a sua criação; e, por isso, «o incumprimento de manter a contabilidade organizada deve considerar-se substancial quando as omissões a esse nível atinjam um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental» (Ac. da RC, de 08.02.2011, Processo n.º 1543/06.8TBPMS-O.C1, CJ, Tomo I/2011, pág. 32) [13].

Já a «manutenção de uma contabilidade fictícia ou de uma dupla contabilidade» pressupõe a existência de uma contabilidade organizada, mas que constitui apenas uma aparência da situação patrimonial, económica, financeira, fiscal, organizacional e laboral do agente económico, uma vez que foi construída propositadamente para criar uma imagem da mesma que não corresponde à realidade.
Por fim, a «prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor», pressupõe de novo a existência de uma contabilidade organizada, mas onde se regista o incumprimento de uma qualquer disposição imperativa sobre a sua organização, que precisamente causa um prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do incumpridor [14].

Ora, tratando-se aqui «de uma valoração comportamental tipificada, há que ter em atenção, primacialmente, todo o envolvimento comportamental dos administradores, directamente relacionado com a situação económico-financeira da devedora, de onde possa resultar violações inequívocas do dever de manter a contabilidade organizada da empresa administrada, ou de outros deveres que conduzam a um errada e/ou deficiente percepção ou demonstração da sua real situação económica» (Ac. do STJ, 02.03.2021, Ana Paula Boularot, Processo n.º 3071/16.4T8STS-F.P1.S1, com bold apócrifo).
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4.4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que ficou provado que a contabilidade de J..., Limitada não se encontrava organizada.

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, nada foi referido na sentença recorrida sobre se essa falta de organização era, ou não substancial, isto é: existindo de facto uma contabilidade da Insolvente (J..., Limitada), e não se mostrando a mesma organizada, nada foi dito ou particularizado na sentença recorrida (no elenco dos factos provados e dos factos não provados) quanto aos concretos termos dessa falta de organização.
Precisa-se ainda que, tendo ficado provado que, a partir de 2019, não foi efectuado o registo das contas anuais da Insolvente (J..., Limitada), certo é que nada se diz na sentença recorrida (no elenco dos factos provados e dos factos não provados) quanto à sua, eventual e simultânea, falta de elaboração e de aprovação; e a falta de publicidade das contas (pela ausência de registo) não importa, de per se, a sua não existência, ou a sua falta de substância.
A omissão apontada não permite, por isso, concluir que a Requerida (DD) incumpriu em termos substanciais a obrigação que sobre si impendia de manter a contabilidade da Insolvente (J..., Limitada) organizada.

Logo, e com o elenco dos factos provados da sentença recorrida (que ninguém impugnou nos autos), não se mostra preenchida a al. h), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE.
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4.4.3. Incumprimento dos deveres de apresentação e colaboração (al. i), do n.º 2, do art. 186.º)
4.4.3.1. Lê-se no art. 186.º, n.º 2, al. i), do CIRE, que se considera «sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham» incumprido, «de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração previstos no artigo 83.º até à data da elaboração do parecer referido no n.º 6 do artigo 188.º».
Recorda-se que se lê, no art. 83.º, n.º 1, do CIRE, que o «devedor insolvente fica obrigado a»: «Fornecer todas as informações relevantes para o processo que lhe sejam solicitadas pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal» (al. a)); «Apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo administrador da insolvência, salva a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazer representar por mandatário» (al. b)); e a «Prestar a colaboração que lhe seja requerida pelo administrador da insolvência para efeitos do desempenho das suas funções» (al. c)).
Estes deveres «têm como denominador comum facultar aos órgãos da insolvência e ao tribunal elementos de vária ordem para o exercício adequado das suas funções e ao desenvolvimento do processo»; e o seu incumprimento, para a automática qualificação de insolvência, terá de ser reiterado (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, Lisboa, 2015, págs. 420 e 421) [15].
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4.4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, e compulsado uma vez mais o elenco dos factos provados da sentença recorrida, verifica-se que do mesmo não consta qualquer um onde se afirme a violação dos deveres de apresentação e colaboração da Insolvente (J..., Limitada), actuados pela Requerida (DD), enquanto sua gerente única.
Dir-se-á ainda (quer a propósito desta concreta presunção de insolvência culposa, quer de qualquer outra referida pelo Tribunal a quo) que não se colhe esclarecimento adicional da «FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO» da sentença recorrida: após a extensa enunciação e interpretação das normas legais tidas por aplicáveis, e no que tange à subsunção dos factos provados às mesmas, limitou-se aquela a enunciar um juízo meramente conclusivo [16].

Logo, e com o elenco dos factos provados da sentença recorrida (que ninguém impugnou nos autos), não se mostra preenchida a al. i), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE.
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4.5. Concretas presunções ilidíveis de insolvência culposa
4.5.1.1. Não apresentação oportuna à insolvência (al. a), do n.º 3, do art. 186.º)
Lê-se no art. 186.º, n.º 3, do CIRE, que se presume «unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência».
Mais se lê, a propósito, no art. 18.º, n.º 1, do CIRE, que o «devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la».
A dita situação de insolvência é feita coincidir legalmente com a situação em que «o devedor (…) se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas» (art. 3.º, n.º 1, do CIRE).

Recorda-se que se lê no Preâmbulo do CIRE (sempre com bold apócrifo) que uma «das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência residiu no seu tardio início, seja porque o devedor não era suficientemente penalizado pela não atempada apresentação seja porque os credores são negligentes no requerimento e providências de recuperação ou de declaração de falência, por falta dos convenientes estímulos».
Reconhecendo-se que uma «lei da insolvência é tanto melhor quanto mais contribuir para maximizar ex post o valor do património do devedor sem por essa via constitui ex ante um estímulo para um comportamento negligente», e com «o intuído de promover o cumprimento do dever de apresentação à insolvência, que obriga o devedor pessoa colectiva (…) a requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 [depois reduzidos para os actuais 30] dias seguintes à data em que teve, ou devesse ter, conhecimento da situação de insolvência, estabelece-se a presunção de culpa grave dos administradores, de direito ou de facto, responsáveis pelo incumprimento daquele dever, para efeitos da qualificação desta como culposa». 
Logo, o que está em causa com a consagração deste dever de apresentação oportuna à insolvência é, sobretudo, a protecção dos credores contra o risco da diminuição do património social, que perpassa ainda no interesse geral de afastar da vida económica aqueles que não estejam em condições de nela participarem sem porem em risco (precisamente pela sua insolvência) a normalidade que para ela se pretende.
Com efeito, o «tráfego jurídico exige a pontualidade de pagamentos, porque cada operador económico, ao mesmo tempo que tem os seus devedores, tem por outro lado os seus credores, de modo que a impontualidade dos seus devedores pode obrigá-lo à impontualidade para com os seus credores, e este efeito reflecte-se na actividade económica, trazendo as mais graves e perversas consequências. A regularidade da vida económica e a salvaguarda das regras de concorrência inerentes e indispensáveis ao funcionamento de uma economia de mercado reclama que cada operador económico cumpra, com pontualidade, os seus compromissos; quando isso não suceda, ocorre uma lesão do tecido económico que deve ser reparada, extirpando-se dele, através da declaração de insolvência, o devedor comprovadamente relapso e promovendo-se liquidação total do seu património em benefício de todos os seus credores A insolvência tem também, na verdade, por finalidade expurgar do mercado as empresas, económica ou financeiramente, inviáveis» (Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo nº 1255/12.3TBBGC-G.G1, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que a «prática do velho lema “deixa andar”, tão próprio de uma geração de “empresários” mais preocupados com o seu próprio património do que com a saúde económico-financeira da empresa e com o dever de honrar os compromissos assumidos», tenha «de ser devidamente sancionado pelos tribunais, tal como foi expressa intenção do legislador, corporizada, também, nas duas alíneas do n.º 3 do art. 186º» (Ac. da RP, de 15.07.2009, Henrique Araújo, Processo n.º 725/06.7TYVNG-C.P1, com bold apócrifo).
Contudo, e sem prejuízo do afirmado, importa que se distingam perfeitamente as situações em que a manutenção irrestrita de uma situação de insolvência de facto é um mero compasso de espera destinado a permitir a salvaguarda de benefícios indevidos de terceiros, daquelas outras em que se pode ainda justificar a expectativa de recuperação da insolvente.
Com efeito, se é normal que uma empresa que não cria riqueza para assegurar o pagamento das responsabilidades naturais ao seu giro tenderá a acumular novas dívidas, «essa não é uma verdade universal (não é, seguramente, um facto notório)», já que «há muitos e bons exemplos de empresas que, parecendo condenadas ao fracasso, ressurgiram por obra das mais variadas circunstâncias» (Ac. da RC, de 23.06.2009, Gonçalves Ferreira, Processo nº 273/07.8TBOHP – C.C1). Entre elas encontrar-se-á o carácter dinâmico que qualquer negócio sempre comporta, a sua necessária indexação aos cenários macro-económicos em que se insere (tal como os seus fornecedores e clientes), a efectiva cobrança de créditos próprios possibilitada pelo desconhecimento de uma situação de insolvência de facto temporária, e o crédito de que a sociedade ainda beneficie (quer junto da Banca, quer dos próprios sócios, como tal - e em derradeira análise - se qualificando os respectivos suprimentos).
Logo, e ainda que se venha, de facto, a confirmar o seu definitivo insucesso, tal poderá não implicar um automático juízo de culpa grave sobre o respectivo administrador.
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4.5.1.2. Incumprimento de deveres relativos a contas anuais (al. b), do n.º 3, do art. 186.º)
Lê-se no art. 186.º, n.º 3, do CIRE, que se presume «unicamente a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial».
Com efeito, lê-se no Código Comercial [17]: no art. 18.º, n.ºs 2, 3 e 4, que os «comerciantes são especialmente obrigados» a «ter escrituração mercantil» e a «dar balanço, e a prestar contas»; no art. 29.º, que todo «o comerciante é obrigado a ter escrituração mercantil efectuada de acordo com a lei»; e no art. 40.º, n.º 1, que todo «o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos».
Consagra-se, assim, a exigência do registo constante e integral do exercício respectivo, por parte do comerciante, a chamada escrituração mercantil (que mais não é do que o registo dos factos que podem influir nas operações e na situação patrimonial dos comerciantes). 
Mais se lê, no art. 62.º, do CCom., que todo «o comerciante é obrigado a dar balanço anual do seu activo e passivo nos três primeiros meses do ano imediato e lança-lo no livro de inventário e balanços, assinando-o devidamente», constituindo o balanço a síntese da situação patrimonial do comerciante em determinado momento, através da indicação abreviada dos elementos do activo, do passivo e da situação líquida e respectivos valores.
Consagra-se, assim, a exigência de um acertamento periódico da situação do comerciante.
Lê-se ainda, no art. 65.º, do Código das Sociedades Comerciais [18] (sob a epígrafe «Dever de relatar a gestão e apresentar contas»), que os membros da administração devem elaborar e submeter aos órgãos competentes da sociedade o relatório de gestão, incluindo a demonstração não financeira ou o relatório separado com essa informação, ambos referidos nos artigos 66.º-B e 508.º-G, quando aplicáveis, as contas do exercício, bem como os demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual» (n.º1); e o «relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas devem ser apresentados ao órgão competente e por este apreciados, salvo casos particulares previstos na lei, no prazo de três meses a contar da data do encerramento de cada exercício anual, ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se trate de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou que apliquem o método da equivalência patrimonial» (n.º 2).
De forma conforme, lê-se no art. 67.º, n.º 1, do CSC (com a epígrafe «Falta de apresentação das contas e de deliberação sobre elas») que, se «o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no artigo 65.º, n.º 5, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito».
Por fim, lê-se nos arts. 3.º, n.º 1, al. n) e 15.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial [19], que está sujeita a registo obrigatório a «prestação de contas das sociedades anónimas, por quotas e em comandita por acções, bem como das sociedades em nome colectivo e em comandita simples quando houver lugar a depósito, e de contas consolidadas de sociedades obrigadas a prestá-las»
Ora, a «elaboração das contas permite decisões tomadas de modo informado, decisões essas que podem afastar a situação de insolvência. A sujeição das contas à devida fiscalização permite ao órgão de fiscalização atuar em conformidade com a lei. E o depósito na conservatória do registo comercial confere aos terceiros a possibilidade de apreciarem mais facilmente a situação do devedor e de tomarem decisões mais informadas sobre a concessão de (mais) crédito)» (Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª edição, Almedina, 2016, p. 423).
Logo, da «letra da lei resulta que a presunção se verifica logo que ocorra o incumprimento de qualquer dos deveres» aqui identificados (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, Lisboa, 2015, pág. 682).
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4.5.1.3. Nexo de causalidade entre o dever incumprido e a situação de insolvência
Reitera-se, porém, que o que resulta do art. 186.º, n.º 3, do CIRE, e actualmente de forma expressa, «é apenas uma presunção de culpa grave, em resultado da actuação dos seus [da insolvente] administradores, de direito ou de facto, mas não uma presunção de causalidade da sua conduta em relação à situação de insolvência, exigindo-se a demonstração nos termos do art. 186º, nº 1, que a insolvência foi causada ou agravada em consequência dessa mesma conduta» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, pág. 285).

Precisa-se, ainda, que se entende habitualmente por «culpa grave» «a situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria susceptível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma. Ou seja, a que consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos, em princípio adoptam», apresentando-se «assim como uma situação de negligência grosseira, “nimia” ou “magnata negligentia”» (Ac. da RG, de 06.03.2012, Eduardo Oliveira Azevedo, Processo nº 9041/07.6TBBRG-AB.G1).
O administrador inadimplente poderá, deste modo, não só ilidir a presunção de culpa grave na não adopção do comportamento a que estava obrigado (v.g. oportuna apresentação à insolvência, cumprimento dos deveres relativos às contas anuais), mediante prova em contrário, nos termos do n.º 2, do art. 350.º, do CC, como poderá demonstrar que aquela omissão em nada contribuiu para criar ou agravar a situação de insolvência [20].
Contudo, no apuramento deste nexo de causalidade - entre a conduta do devedor ou dos seus administradores e a criação ou o agravamento da situação de insolvência -, entende-se habitualmente que não é suficiente o mero decurso da passagem do tempo (v.g. nomeadamente, pelo singelo vencimento de juros e, desse modo, do avolumar das prévias dívidas de capital).
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4.5.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, independentemente de qualquer efectiva falta de oportuna apresentação de J..., Limitada à insolvência e do real não registo das suas contas anuais desde o ano de 2019 (comportamentos ilícitos), com presumida (e não ilidida) culpa grave da Requerida (por conhecer aquelas obrigações e saber que omitia o respectivo cumprimento, o que lhe é censurável), certo é que nada consta do elenco dos factos provadas da sentença recorrida (que ninguém impugnou) que permita afirmar que essas suas condutas omissivas criaram, ou agravaram, a posterior insolvência da Sociedade.
Com efeito, nada se refere quanto ao aproveitamento, pela Requerida (DD), daquela eventual dilação para afectar o património da Insolvente (nomeadamente, dissipando-o, ocultando-o ou transmitindo-o a terceiros, com prejuízo para os seus credores); e nada se refere quanto ao avolumar de anteriores passivos (que não pela mera passagem do tempo, nomeadamente pelo vencimento de juros), ou quanto à contracção de novos (nomeadamente, mercê da falta de conhecimento das respectivas contas anuais).

Logo, e com o elenco dos factos provados da sentença recorrida, ainda que se mostrassem preenchidas as als. a) e b), do n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, tal só serviria para presumir a culpa grave da Requerida (DD) na violação destes concretos deveres (que lhe estavam cometidos, enquanto gerente única da Insolvente); e não também para qualificar a insolvência, uma vez que ficou por demonstrar o exigido para o efeito no n.º 1, do mesmo preceito (a «insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência»).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência do recurso interposto pela Requerida (DD).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Requerida (DD), gerente única da Insolvente e, em consequência, em

· Revogar a sentença recorrida, declarando agora que a insolvência de J..., Limitada foi fortuita.
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Custas da apelação pela Massa Insolvente (conforme art. 304.º, do CIRE), na na exclusiva vertente de custas de parte liquidandas (por a taxa de justiça devida pela interposição do recurso já se encontrar paga e por o mesmo não ter dado azo ao pagamento de quaisquer encargos)
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Guimarães, 11 de Maio de 2023.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE -, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março.
[2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. GG (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[3] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[4] Neste primeiro sentido (considerando que os factos-índices estabelecidos no n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, constituíam apenas presunção ilidível de culpa grave do administrador, a exigir depois a prova do nexo de causalidade exigido pelo n.º 1 do mesmo preceito), e na doutrina: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, Lisboa, 2015, págs. 680-682; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 8.ª edição, Almedina, 2015, págs. 215-6, e Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, págs. 284-5; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, 2016, págs. 416, 422 e 423; e, tanto quanto nos apercebemos, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6.ª edição, 2016, págs. 129.
Na jurisprudência: Ac. da RG, de 14.06.2006, Manso Raínho, CJ, Ano XXXI, Tomo III, págs. 288-290; Ac. da RG, de 11.01.2007, Conceição Bucho, Processo n.º 1954/06-2; Ac. da RL, de 22.01.2008, Graça Amaral, Processo n.º 10141/2007-7; Ac. da RG, de 12.03.2009, Manso Raínho, Processo n.º 1621/07.6TBBCL-B.G1; Ac. da RC, de 23.06.2009, Gonçalves Ferreira, Processo n.º 273/07.8TBOHP – C.C1, Ac. da RP, de 15.07.2009, Henrique Araújo, Processo n.º 725/06.7TYVNG-C.P1; Ac. da RP, de 20.10.2009, Guerra Banha, Processo n.º 578/06.5TYVNG-A,.P1; Ac. da RP, de 26.11.2009, Filipe Caroço, Processo n.º 138/09.9TBVCD-M.P1; Ac. da RL, de 09.11.2010, Graça Amaral, Processo nº 168/07.5TBLNH-D.L1-7; Ac. da RP, de 25.11.2010, Pinto de Almeida, Processo n.º 814/08.3TBVFR-F.P1; Ac. da RC, de 08.02.2011, Beça Pereira, Processo n.º 1543/06.8TBPMS-O.C1; Ac. do STJ, de 06.10.2011, Serra Baptista, Processo n.º 46/07.8TBSVC-0.L1.S1; Ac. da RG, de 12.07.2011, Conceição Bucho, Processo n.º 503/10.9TBPTL-H.G1; Ac. da RG, de 06.03.2012, Eduardo Oliveira Azevedo, Processo n.º 9041/07.6TBBRG-AB.G1; Ac. da RL, de 26.04.2012, Esaguy Martins, Processo n.º 2160/10.3TJLSB-B.L1-2; Ac. da RL, de 18.04.2013, Jorge Leal, Processo n.º 1027/10.0TYLSB-A.L1-2; Ac. da RC, de 28.05.2013, Moreira do Carmo, Processo n.º 102/12.0TBFAG-B.C1; Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 2127/12.7TBGMR-D.G1; Ac. da RP, de 21.02.2014, Leonel Serôdio, Processo n.º 1595/10.6TBAMT-A.P2; Ac. da RE, de 08.05.2014, Paulo Amaral, Processo n.º 65/11.0TBPSR-B.E1; Ac. da RE, de 08.05.2014, Francisco Xavier, Processo n.º 915/11.0TBENT-I.E1; Ac. da RG, de 05.06.2014, Estelita de Mendonça, Processo n.º 1243/12.80TBGMR-D.G1; Ac. da RP, de 13.01.2015, Anabela Dias da Silva, Processo n.º 376/12.7TYVNG-A.P1; Ac. da RG, de 30.04.2015, Maria Luísa Ramos, Processo n.º 3129/12.9TBBCL-C.G1; Ac. da RE, de 07.01.2016, Elisabete Valente, Processo n.º 583/13.5TBABR-B.E1; Ac. da RG, de 25.02.2016, Cristina Cerdeira, Processo n.º 1857/14.3TBGMR-DG1; Ac. da RP, de 07.07.2016, Carlos Querido, Processo n.º 353/09.5TYVNG-E.P1; Ac. da RP, de 07.12.2016, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 262/15.9T8AMT-D.P1; Ac. da RG, de 01.06.2017, João Peres Coelho, Processo n.º  280/14.4TBPVL-E.G1; Ac. da RG, de 01.06.2017, Maria João Matos, Processo n.º 1617/16.7T8GMR-B.G1; Ac. da RG, de 11.07.2017, José Cravo, Processo n.º 1255/12.3TBBGC-G.G1; Ac. da RC, de 12.07.2017, Falcão de Magalhães, Processo n.º 370/14.3TJCBR-A.C1; Ac. da RG, de 04.09.2017, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 7165/15.5T8VNF-A.G1; Ac. da RE, de 23.11.2017, Vítor Sequinho, Processo n.º 926/14.4TBTNV-B.E1; Ac. da RG, de 01.02.2018, Maria João Matos, Processo n.º 5091/16.0T8VNF-B.G1 (com detalhada dilucidação das razões pelas quais se optava pelo entendimento dominante na jurisprudência); Ac. da RG, de 31.01.2019, Joaquim Boavida, Processo n.º 3478/16.7T8VNF-D.G1; Ac. da RP, de 21.02.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 1733/15.2T8STS-B.P1; Ac. da RG, de 02.05.2019, Margarida Sousa, Processo n.º 665/14.6TBEPS-E.G2; Ac. da RL, de 11.06.2019, Maria do Rosário Gonçalves, Processo n.º 2278/17.1T8BRR-B.L1-1; Ac. da RP, de 07.05.2019, Rodrigues Pires, Processo n.º 521/18.9T8AMT-C.P1; Ac. da RG, de 19.09.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 4778/15.9T8VNF-B.G1; ou Ac. do STJ, de 29.10.2019, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 434/14.3T8VFX-C.L1.S1.
[5] Conforme se explicou no Ac. da RG, de 01.02.2018, da mesma relatora, Processo n.º 5091/16.0T8VNF-B.G1, ponderam-se «aqui, a favor da diferente natureza e âmbito das presunções consagradas no nº 2 e do nº 3 do art. 186º do C.I.R.E., os critérios referidos no art. 9º do C.C., nomeadamente:
. o argumento literal -  enquanto que no nº 2 se afirma que se considera «sempre culposa» a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular perante a verificação de qualquer uma das condutas dos seus administradores que a seguir tipifica, no nº 3 apenas se afirma que presume-se «a existência de culpa grave» quando os administradores do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido um dos dois deveres que lhes estavam cometidos e que a seguir se discriminam.
Logo, o facto presumido é, diferentemente: no nº 2, a «insolvência culposa», assim abrangendo (por referência aos requisitos enunciados no n.º 1), quer a culpa qualificada na adopção das condutas que aí se discriminam, quer a sua contribuição para a insolvência; e no n.º 3, exclusivamente a «culpa grave» do administrador no incumprimento das duas obrigações que aí se discriminam, assim abrangendo apenas a actuação, dolosa ou com culpa grave, exigida na cláusula geral do nº 1, ficando a faltar o seu outro requisito, isto é, a demonstração que o dito incumprimento com culpa grave criou ou agravou a insolvência;
. o argumento teleológico - distinguem-se no nº 2 «comportamentos que afectam negativamente, e de forma muito significativa, o património do devedor, e eles próprios apontam, de modo inequívoco, para a intenção de obstaculizar o ressarcimento dos credores», ou dificultá-lo gravemente (Ac. da RG, de 05.06.2014, Estelita de Mendonça, Processo nº 1243/12.80TBGMR-D.G1), enquanto que no nº 3 se encontram apenas tipificados deveres formais (o incumprimento da obrigação de apresentação oportuna à insolvência, e da obrigação de elaborar, submeter a fiscalização ou depositar as contas anuais), cujo incumprimento poderá ser explicado por outras razões, e que poderão não ter influenciado a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
Não nos convencem ainda os argumentos com que se pretende contrariar a interpretação aqui defendida, nomeadamente de que a mesma:
. «poderá retirar força, lógica e utilidade ao incidente em apreço, tornando mesmo praticamente dispensável, pela sua diminuta relevância, a presunção legal estabelecida», já que tudo «se centraria, no fundo, na concreta determinação da existência, ou não, de nexo de causalidade entre a conduta do administrador e a insolvência da empresa ou o seu agravamento», levando a questionar «a especial necessidade e o desiderato útil que teriam levado o legislador a consagrar estes dois casos específicos reveladores da culpa grave (inclusive, de forma branda, em termos de presunções ilidíveis)» (Ac. da RP, de 05.02.2009, Luís Espirito Santo, Processo nº 0837835, com bold apócrifo).
Com efeito, não se encontra demonstrado que fosse dispensável a presunção de culpa do administrador na falta de adopção de qualquer uma das duas condutas previstas no nº 3 do art. 186º do C.I.R.E., já que, como meros deveres formais que são, mais facilmente permitiriam que o seu incumprimento fosse imputado a simples desleixo ou culpa leve.
. faria com que «o art. 186.º/3 do CIRE» fosse «um preceito vazio de sentido útil», já que , «com tal exigência, se estar a impedir que o desígnio tido em vista possa ser atingido»: entre «o facto omitido (incumprimento do dever de apresentação à insolvência e incumprimento do dever de elaboração e depósito das contas) e a criação ou o agravamento da situação de insolvência não há, logo em abstracto, um perceptível nexo lógico ou uma qualquer conexão» (Ac. da RC, de 22.05.2012, Barateiro Martins, Processo nº 1053/10.9TJCBR-K, com bold apócrifo).
Por outras palavras, a não apresentação à insolvência nunca poderá contribuir para a criação da (necessária e logicamente) já existente situação de insolvência; e o mesmo acontece com a falta de elaboração, de fiscalização e de depósito das contas anuais, uma vez que esta contabilidade apenas «é suposto exprimir com fidelidade o que antes (no ano anterior) aconteceu», pelo que aqueles comportamentos omitidos «quando muito escondem e ocultam a situação de insolvência, mas não geram ou agravam» a mesma. Torna-se, assim, «mais ou menos “impossível” a prova, em concreto, do nexo de causalidade e redunda - exigindo-se a prova de tal nexo causal - na inutilidade e no esvaziamento do art. 186.º/3 do CIRE (enquanto enumeração de actos/factos susceptíveis de desencadear como consequência a qualificação da insolvência como culposa)».
Logo, o «sentido útil no art. 186.º/3» exigiria que as suas presunções não pudessem «ser consideradas simples presunções de culpa qualificada (no facto praticado), tendo antes que ser vistas como presunções (ilidíveis) de culpa qualificada na insolvência»: «“Existem para impedir que, devido à dificuldade de provar o nexo de causalidade, fiquem, na prática, impunes os sujeitos que violaram obrigações legais. Oneram-se, assim, estes sujeitos com a prova de que não foi a sua conduta ilícita (e presumivelmente culposa) que deu causa à insolvência ou ao respectivo agravamento, mas sim uma outra razão, externa ou independente da sua vontade - por exemplo a conjuntura económica ou as condições de mercado”» (Ac. da RC, de 22.05.2012, Barateiro Martins, Processo nº 1053/10.9TJCBR-K, com bold apócrifo, e citando a final Catarina Serra, «Decoctor ergo fraudator ? A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções)», Cadernos de Direito Privado, nº 21, Janeiro/Março 2008, p. 69. Posteriormente, o Ac. da RG, de 21.01.2016, Miguel Baldaia Morais, Processo nº 442/13.1TBVLN-C.G1, veio reiterar esta mesma linha de argumentação).
Com efeito, se é fundada a objecção de que, «se já há situação de insolvência, o incumprimento de tal dever» não «pode contribuir para algo - situação de insolvência - que é um pressuposto de existência do próprio dever de apresentação (à insolvência)», crê-se porém que já não o é a objecção fundada na impossibilidade do mesmo incumprimento, bem como o da obrigação de elaborar, fiscalizar e depositar as contas anuais, contribuir para o agravamento da dita situação de insolvência: o desconhecimento, por parte de Terceiros que contratem com a Insolvente de facto (mas ainda não reconhecida judicialmente como tal), no desconhecimento dessa sua situação (quer porque não se apresentou oportunamente à insolvência, quer porque não possui contas anuais consultáveis), poderá levar a que vejam perdida a futura cobrança dos créditos que desse modo constituíram sobre ela, consubstanciando o aumento do seu passivo precisamente o agravamento da situação de insolvência antecipado como possível pela lei. 
Por outras palavras, é «sabido, em geral, que quanto mais prolongada é uma situação de crise económica e financeira, mais difícil ela se vai tornando. Uma empresa que não cria riqueza bastante para pagar as dívidas mais comezinhas acumula novas dívidas e a acumulação de dívidas agrava, inevitavelmente, o estado de insolvência» (Ac. da RC, de 23.06.2009, Gonçalves Ferreira, Processo nº 273/07.8TBOHP – C.C1).
 Dir-se-á, por isso, que o preceito em causa (art. 186º, nº 3 do C.I.R.E.) efectivamente permite a demonstração que as concretas omissões a que pretende obstar, desde que ocorridas com culpa grave do sujeito adstrito a evitá-las, afectaram efectivamente a situação de insolvência (pelo menos, na vertente do seu agravamento), como a realidade jurisprudencial reflecte (v.g. Ac. da RE, de 08.05.2014, Francisco Xavier, Processo nº 915/11.0TBENT-I.E1).
Por fim, dir-se-á ainda que, perante as duas razoáveis interpretações da lei que se vêem desenhando, e antes que uma seja imposta por meio de acórdão uniformizador de jurisprudência, ou se torne inidónea por superveniente alteração legislativa, tendo em conta as gravíssimas consequências que advêm para a pessoa singular afectada pela qualificação da insolvência como culposa (v.g. inibição do exercício de múltiplas actividades, por 2 a 10 anos, perda de quaisquer créditos sobre a insolvente e obrigação de restituição de bens ou direitos já recebidos para pagamento aos mesmos, e afectação do seu património pessoal ao pagamento dos créditos da insolvente não satisfeitos - art. 189º, nº 2 do C.I.R.E.), se outros argumentos não nos convencessem, sempre teríamos como mais prudente optar por aquela interpretação que maiores garantias de defesa propiciasse ao requerido pessoa singular.
(…)»
[6] Neste segundo sentido (considerando que os factos-índices estabelecidos no n.º 3, do art. 186.º, do CIRE, constituem igualmente presunção ilidível, não apenas de culpa grave do administrador, mas também do nexo de causalidade exigido pelo n.º 1 do mesmo preceito), na doutrina: Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência - Uma Introdução, 4.ª edição, Almedina, pág. 122, «Decoctor ergo fraudator ? A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções)», Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Janeiro/Março 2008, pág. 69, e Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 301-303; Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos administradores na insolvência», ROA, Ano 66, Setembro de 2006, Volume II, pág. 692; Cassiano Santos, Direito Comercial, Volume I, págs. 241 e seguintes; e Pinto de Oliveira, «A responsabilidade dos administradores pela insolvência culposa», I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, 2015, pág. 207.
Na jurisprudência: Ac. da RP, de 22.05.2007, Mário Cruz, Processo n.º 0722442; Ac. da RP, de 24.09.2007, Sousa Lameira, Processo n.º 0753853; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 564/2007, de 13.11.2007, Joaquim de Sousa Ribeiro (in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070564.html); Ac. da RP, de 05.02.2009, Luís Espírito Santo, Processo n.º 0837835; Ac. da RC, de 22.05.2012, Barateiro Martins, Processo n.º 1053/10.9TJCBR-K; Ac. da RG, de 21.01.2016, Miguel Baldaia Morais, Processo n.º 442/13.1TBVLN-C.G1; Ac. da RG, de 11.05.2017, Francisca Micaela da Mota Vieira, Processo n.º 1775/15.8T8VNF-A.G1; Ac. da RP, de 23.04.2018, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 523/15.7T8AMT-A.P1; Ac. do STJ, de 23.10.2018, Catarina Serra, Processo n.º 8074/16.6T8CBR-D.C1.S2; Ac. da RP, de 03.06.2019, Jorge Seabra, Processo n.º 607/13.6TYVNG-E.P1; Ac. da RG, de 24.07.2019, Conceição Sampaio, Processo n.º 8502/17.3T8VNG-A.G1; Ac. da RE, de 26.09.2019, Mário Silva, Processo n.º 1966/09.TBFAR.LE1; Ac. da RP, de 09.03.2020, Vieira e Cunha, Processo n.º 1116/13.9TYVNG-B.P1; Ac. da RC, de 07.09.2020, Arlindo Oliveira, Processo n.º 4366/11.9TBLRA-D.C1; ou Ac. da RC, de 06.10.2020, Maria João Areias, Processo n.º 3422/19.0T8VIS-B.C1.
[7] No mesmo sentido, mas apenas para as als. h) e i), do n.º 2, do art. 186.º, do CIRE, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 301, onde se lê que, se «as als. a) a g) do n.º 2 do art. 186.º correspondem indiscutivelmente a presunções (absolutas) de insolvência culposa, as als. h) e i) do n.º 2 do art. 186.º mais parecem ficções legais - dado que a factualidade descrita não é de molde a fazer presumir com segurança o nexo de causalidade entre o facto e a insolvência, que é, a par da culpa (dolo ou culpa grave), o requisito fundamental da insolvência culposa, segundo a cláusula geral do n.º 1 do art. 186.º».
[8] Criticando em particular este normativo, Rui Pinto Duarte, «Efeitos da Declaração de Insolvência quanto à Pessoa do Devedor», Themis (Novo Direito da Insolvência), edição especial, Almedina, 2005, págs. 144-145, onde se lê:
«(…)
Segundo tal preceito, prosseguir uma exploração deficitária no interesse pessoal dos administradores ou de terceiros, leva a que a insolvência seja irremediavelmente considerada culposa sempre que os administradores soubessem ou devessem saber que tal exploração conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência.
Pergunta-se:
- o que é “exploração deficitária”? O deficit de que se fala é “antes ou depois” dos encargos financeiros? “Antes ou depois” dos encargos de estrutura? “Antes ou depois” dos encargos inerentes às medidas de reestruturação destinadas a evitar a insolvência?
- Interesse pessoal abrange o recebimento de vencimentos? Abrange o reembolso de empréstimos?
- Os sócios são terceiros para os efeitos em causa?
- O facto de haver uma probabilidade significativa de uma empresa cair em insolvência implica a proibição de tentar evitar que isso aconteça?
(…)»
[9] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 785/11.9TBLRA-A.C1, onde se lê que o  «que está em causa na alínea g) da norma acima citada não é propriamente a mera gestão ruinosa e imprudente do património ou rendimentos do devedor, independentemente das concretas circunstâncias em que ela se traduza, sendo que o preenchimento dessa previsão legal pressupõe o prosseguimento de uma determinada actividade cuja exploração se revele deficitária e pressupõe que tal aconteça em benefício e no interesse de pessoa diversa do devedor, ou seja, em benefício dos seus administradores ou de terceiro».
[10] Reitera-se que os «comportamentos visados na alínea g) do nº 2 do art.º 186º do CIRE exigem a demonstração de terem sido praticados “no interesse pessoal” dos gerentes ou de terceiro» (Ac. da RP, de 14.12.2022, Isabel Silva, Processo n.º 9844/17.3T8VNG-C.P1).
[11] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 11.12.2019, Rijo Ferreira, Processo n.º 167/09.2TYLSB-C.L1, onde se lê que a «contabilidade das empresas, através da escrituração, assume particular importância na medida em que, através das demonstrações geradas pela correlação dos respectivos dados, permite avaliar em cada momento a situação patrimonial e financeira da empresa e o seu comportamento negocial, quer por parte do empresário, quer por parte daqueles que se relacionam com a empresa, quer por parte do público em geral».
[12] Os ditames legais a que a contabilidade organizada tem actualmente de obedecer encontram-se no Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho.
[13] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 11.12.2019, Rijo Ferreira, Processo n.º 167/09.2TYLSB-C.L1-1, onde se lê que o «incumprimento [da obrigação de manter contabilidade organizada] deve considerar-se substancial quando as omissões a esse nível atinjam um patamar que corresponde à não realização do que, em termos contabilísticos, é essencial ou fundamental. E, porque para o efeito em causa o que releva não é tanto a contabilidade enquanto registo dos fluxos financeiros e operações comerciais, mas antes enquanto evidenciação do comportamento negocial do empresário, a violação da obrigação de manter a contabilidade organizada só pode ser tida em termos substanciais quando dessa omissão resulte não ser possível indicar com segurança a causa da insolvência e os seus responsáveis».
Ainda Ac. da RE, de 14.03.2019, Tomé de Carvalho, Processo n.º 494/14.7TBLLE-E.E1, que relaciona esta exigência com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos arts. 18.º e 20.º, da CRP; e, por isso, terá que ser «a partir da integração factual nesta categoria conceptual», de «infringência substancial», «que se retira o preenchimento da facti species e a existência do nexo causal legalmente ficcionado», sob pena de «situações manifestamente desproporcionais e gravosas».
[14] Logo, e nesta última hipótese, tem «que se estar perante uma irregularidade contabilística com algum relevo, segundo as boas regras e práticas contabilísticas, e tem, simultaneamente, que ser uma irregularidade contabilística com influência na percepção que uma contabilidade transmite sobre a situação patrimonial e financeira do contabilizado. Configurará por certo tal presunção inilidível uma contabilidade cuja organização fuja às regras do SNC em vigor, que não contenha os documentos de prestação de contas exigíveis, que esteja engenhosamente feita por forma a esconder/mascarar/disfarçar a realidade financeira e patrimonial da empresa contabilizada» (Ac. da RC, de 22.05.2012, Barateiro Martins, Processo n.º 1053/10.9TJCBR-K.C1).
 [15] No mesmo sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 8.ª edição, Almedina, 2015, pág. 141.
[16] Lê-se num único e exclusivo parágrafo:
«(…)
Do exposto, conclui-se que a insolvência de J..., Lda. é culposa, quer porque se verifica quer porque se verificam as presunções inilidíveis previstas nas als. g), h) e i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, quer porque a situação de insolvência foi agravada em consequência do incumprimento culposo pelo seu gerente do dever de requerer a insolvência e da obrigação de elaborar as contas anuais [als. a) e b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE], devendo ser afectado pela qualificação da insolvência a respectiva gerente, DD.
(…)»
[17] O Código Comercial - aqui doravante CCom. - foi aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888.
[18] O Código das Sociedades Comerciais - aqui doravante CSC - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 02 de Setembro.
[19] O Código do Registo Comercial foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 03 de Dezembro.
[20] Neste sentido:
. Ac. da RG, de 14.06.2006, Manso Raínho, CJ, Ano XXXI, Tomo III, págs. 288-290 (com bold apócrifo), onde se lê que não se pode concluir «pela culpa grave» quando se mostra que a insolvência resultou «de factores económicos alheios à vontade dos responsáveis», e que a empresa deixou de ter actividade «por motivo da paralisação forçada dos trabalhos em resultado da falência da empresa com quem mantinha um contrato de empreitada (…), sendo que foi em decorrência do incumprimento do contrato de empreitada por parte desta falida que a sociedade (…) se viu impossibilitada, por arrastamento, de cumprir as suas obrigações de natureza financeira e fiscal, levando-a a uma completa ruptura da sua capacidade económica e financeira».
. Ac. da RP, de 24.09.2007, Sousa Lameira, Processo n.º 0753853 (com bold apócrifo), onde se lê que a «insolvente encontra-se insolvente por razões externas e independentes da sua vontade, por razões – de mercado – que ela não podia controlar», já que, «trabalhando exclusivamente para» um único cliente «desde 2003 se viu em Setembro de 2004 e de um momento para o outro e sem que nada o fizesse prever, com as encomendas canceladas» por ele, «devido à deslocalização de produções», sendo que «ainda tentou assegurar encomendas de outros agentes, mas não foi possível conseguir a angariação de encomendas que permitissem honrar os compromissos assumidos».
. Ac. da RG, de 12.03.2009, Manso Raínho, Processo n.º 1621/07.6TBBCL-B.G1, onde se lê que  não «se pode concluir pela culpa grave quando se mostra que a insolvência resultou de factores económicos alheios à vontade dos responsáveis», tendo-se nomeadamente «por ilidida a presunção de culpa grave» quando se tenha provado «que a insolvente, que se dedicava à confecção têxtil a feitio, estava totalmente dependente de firmas de maior calibre, suas clientes, tendo começado a enfrentar dificuldades pois, para além das dificuldades do sector, clientes de referência decidiram abandonar o mercado, ora porque fecharam, ora porque se decidiram pela importação de produtos cujo preço era inferior mas de qualidade semelhante».