Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1717/17.6T8VNF.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: DIREITOS REAIS
DIREITOS ILIMITADOS
SITUAÇÃO DE VIZINHANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. A perícia é um meio de prova a ser avaliado, conjuntamente com as outras provas, livremente pelo tribunal, embora com as limitações impostas pelos juízos técnicos dela constantes. Deve ser mantida a matéria de facto livremente e bem decidida, com base nos juízos técnicos do Sr. Perito, não infirmados por outras provas.

2. Das normas do Direito do urbanismo e do Código Civil resulta a imposição de os donos dos prédios os manterem, permanentemente, em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos, sob pena de responderem pelos danos causados;

3. A situação de vizinhança de prédios impõe restrições ao exercício do direito de propriedade e deveres aos proprietários de prédios em relação de vizinhança – v. as previstas nos arts. 1346.º a 1348.º, 1350.º , 492.º e 493.º do Código Civil, diploma a que pertencem os preceitos subsequentes – que decorrem da ponderação de direitos conexos com essa relação a justificar um direito à proteção do proprietário através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por ações e omissões que provoquem uma rutura do equilíbrio imobiliário e traduzam violação de um dever geral de prevenção de danos. Entre as restrições aos direitos reais estão as de direito privado, impostas por necessidade de compatibilizar direitos privados de vários titulares, designadamente as limitações resultantes das relações de vizinhança (que estabelecem limitações ao exercício de direitos reais sobre os prédios, em benefício do titular do direito real sobre prédio vizinho) contando-se entre elas os deveres específicos de prevenção de perigos para o prédio vizinho e dentro destes surge o “dever de evitar a ruina de edifícios ou outras construções”, previsto no art. 1350º;

4. Para aplicação das providências destinadas a evitar a ruína, previstas no referido artigo, exige-se a demonstração de três requisitos:

a) perigo de ruina;
b) risco de que essa ruína venha a causar dano ao prédio vizinho;
c) necessidade e adequação das providências para evitar o dano.

5. Existe perigo de ruína de um muro de suporte de terras, construído em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra, que, sem drenagem, não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras), sofre de fissuração, de deformação, de deslocamento, de deterioração da argamassa de revestimento, de infiltrações de água e de desabamentos, anomalias que se vêm agravando com o tempo e que mais se agravaram, ainda, com plantação de árvores e plantas, efetuada pelos Réus junto ao mesmo;

6. Sendo no prédio vizinho explorado um complexo de piscinas, frequentado diariamente por muitas pessoas, designadamente por crianças e jovens, existe risco de que essa ruína venha a causar dano a esse prédio e a necessidade e adequação da providência para evitar o dano estão, também, presentes no pedido de condenação na realização dos trabalhos de reposição consolidada e sustentada do muro, assim se mostrando integralmente preenchidos os requisitos da providência solicitada, destinada a evitar a ruína do muro dos Réus que delimita o prédio destes do da Autora.

7. A condenação na execução de obras (nos termos dos art°s 1350° e 492° n°1) constitui a forma de exercício do direito adequada a assegurar as necessidades da Autora que tem em conta, também, o menor prejuízo que decorre para os Réus, satisfazendo, até, o próprio interesse destes em ver, também para si, o seu muro seguro, desenhando-se, assim, a providência solicitada como equilibrada;

8. A violação dos arts 1346º e seguintes (ou do princípio geral que impõe um dever de equilíbrio nas relações de vizinhança decorrente dos referidos artigos) subsume-se ao art. 483º.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães (1)
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I. RELATÓRIO

Recorrente: (..)
Recorridos: (…)

(…) com sede na Rua (…) , Vila Nova de Famalicão, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra (…) residentes na Rua (…) Vila Nova de Famalicão, pedindo a condenação dos Réus a:

a) reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre os prédios urbanos identificados na petição inicial;
b) efetuar os trabalhos mencionados nos artigos 51.º a 55.º da petição inicial, com vista a repor o muro na situação (consolidada e sustentada) em que se encontrava antes da atuação ilícita e lesiva dos Réus;
c) a pagar à Autora indemnização cujo cômputo deverá ser apurado em sede de incidente de liquidação.

Alegou, para tanto e em síntese, que é proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição (…) (resultante da sua desanexação do prédio descrito sob o n.º …), que confronta a Norte com o prédio dos Réus, que a delimitação entre estes prédios é feita por um muro pertencente aos Réus, que ameaça ruir, face à existência de fissuras, deformação e deslocamento, deterioração da argamassa de revestimento e infiltrações de água, colocando em causa os bens propriedade da Autora e a integridade física de todos os que frequentam a piscina por esta construída no prédio sua propriedade e que o estado do muro e a sua desconsideração por parte dos Réus tem feito com que a Autora se veja impedida de usar e rentabilizar o prédio na sua plenitude, danos causados com a conduta dos Réus cuja liquidação relega para momento posterior à prolação da sentença por ainda se estarem a sentir.
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Os Réus apresentaram contestação onde se defendem por impugnação, ao negar factos alegados pela Autora, e por exceção, ao alegar que o estado atual do muro se ficou a dever à atuação desta aquando da construção da piscina, mais concretamente à realização dos furos hertzianos e ao desaterro efetuado junto ao muro, deduzindo, com base nestes factos, reconvenção pedindo a condenação desta a:

a) reconhecer que os defeitos que o muro apresenta resultam da sua conduta,
b) efetuar ou custear na íntegra a construção de um novo muro, sólido e seguro, de acordo com as regras de engenharia, cujo valor deve ser liquidado em execução de sentença.
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A Autora/Reconvinda apresentou réplica, impugnando os factos alegados pelos Réus.
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Admitida a reconvenção, procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

Pelo exposto:

» julgo a acção parcialmente procedente, e em consequência decide-se condenar os Réus (…) a reconhecer que o prédio urbano composto de edifício destinado a piscina colectiva com logradouro situado no Lugar de (…) , da freguesia de (..) descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o artigo (…) pertence à Autora (…), absolvendo-os do demais peticionado.
» julgo a reconvenção totalmente improcedente, e em consequência decide-se absolver a Autora/Reconvinda (…) do pedido reconvencional.
» Custas pela Autora/Reconvinda e Réus/Reconvintes, na proporção de metade, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil".
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A Autora apresentou recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença e sua substituição por Acórdão que julgue procedentes os pedidos por si formulados.

Apresenta, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:

1 - O presente recurso visa:
- Obter a reapreciação da prova gravada
- Obter a revogação da douta sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados pela A..
2 - Com vista a obter a reapreciação da prova gravada, a recorrente transcreve supra as passagens dos esclarecimentos do perito que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido e que contrariam frontal e inequivocamente a douta decisão sobre a matéria de facto no que diz respeito aos pontos infra identificados.
3 - As afirmações do perito (produzidas em audiência, mas também no relatório e nos esclarecimentos escritos) impõem que os factos não provados 5, 6, 7, e os factos constantes dos nºs 19, 20, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 32 33, 34, 35 e 37 da p.i. passem a ser considerados provados, ou seja,
- As anomalias referidas em E. põem em causa os bens que se encontram na propriedade da Autora e todos aqueles que frequentam o complexo de piscinas. (artigos 19.º e 20.º da petição inicial)
- Os Réus, após construírem o muro, fizeram um aterro, e construíram a sua casa de habitação, sem terem reforçado (ou adaptado às novas cargas emergentes quer do aterro, quer da habitação) o muro. (artigos 22.º a 24.º da petição inicial)
- Os Réus fizeram um aterro, tendo aumentado o volume de terras, o que provoca uma pressão suplementar sobre o muro e aumentou o impulso hidráulico (artigos 26.º a 28.º e 32.º da petição inicial)
- Os RR. não dotaram o seu muro da drenagem necessária, pelo que a acumulação de águas (provocada pela falta de drenagem) aumenta ainda mais a carga que as terras em causa provocam no muro, já tendo causado o seu deslocamento, a sua deformação e muitas e profundas fissuras, tanto mais que este foi construído em blocos (e não em betão, como seria aconselhável de acordo com as boas técnicas construtivas e que teria sido apto a evitar o actual estado do muro (nºs 33, 34, 35 e 37 da p.i.)
4 - Devendo ainda ser considerado provado que

- o muro dos RR. não foi construído de acordo com as técnicas construtivas aconselháveis ao seu caso,
- para evitar o agravamento das anomalias que o afectam, o muro deve ser objecto de intervenção que lhe aplique um dreno interior, com vista a permitir a drenagem, e cintas verticais e horizontais em betão nos moldes apontados pelo perito,
- se os RR. tivessem procedido à construção do seu muro em betão ou com cintas de betão e com um dreno interior, o muro não estava na situação (de existência de fissuras, deformação e deslocamento do muro, deterioração da argamassa de revestimento, infiltrações de água) em que se encontra actualmente e que inevitavelmente se irá agravar no futuro.
5 – As afirmações do perito (produzidas em audiência, mas também no relatório e nos esclarecimentos escritos) impõem que passem a ser considerados não provados os factos provados L, M e N.
6 - ou seja
- O desaterro para a construção da piscina e as máquinas usadas interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram pequenos desabamentos.(artigo 11.º da contestação/reconvenção)
- Vibraram com as terras circundantes. (artigo 12.º da contestação/reconvenção)
- Foram efectuados mais de uma dezena de furos hertzianos a 4 - 5 metros do muro. (artigos 13.º e 14.º da contestação/reconvenção)
7 - ou, pelo menos e quando muito, devem passar a ser considerados provados, com a menção expressa constante do último parágrafo de fls 9 da douta sentença recorrida,
8 - Ou seja «também resulta peremptóriamente do referido relatório que não foi a movimentação de terras, por si só, que provocou as anomalias existentes no muro (cf. fls. 4 do relatório – fls. 70 dos autos), que os desabamentos referidos em L. não foram suficientes para colocar em risco a estabilidade do muro (cf. fls. 5 do relatório – fls. 71 dos autos), que não há qualquer deslaçamento dos alicerces do muro.»
9 - Consequentemente, devem ser julgados procedentes os pedidos formulados pela recorrente sob as alíneas b) e c) da p.i., para mais se se tiver em conta, como é devido, a factualidade já considerada provada pelo Tribunal recorrido,
10 - ou seja, e para o que aqui importa,
«C. No âmbito da sua actividade visando a promoção, o desenvolvimento e a prática da acção cultural, recreativa, desportiva e social na área das freguesias de(…) , de Vila Nova de Famalicão, a Autora construiu e explora um complexo de piscinas sito no prédio referido em A. (artigo 8.º da petição inicial)
D. Esse complexo de piscinas é frequentado diariamente por muitas crianças e jovens.(artigo 9.º da petição inicial)
E. O muro referido em B. apresenta as seguintes anomalias: existência de fissuras, deformação e deslocamento do muro, deterioração da argamassa de revestimento, infiltrações de água. (artigos 14.º a 17.º da petição inicial)
F. As anomalias estão-se a agravar com o tempo. (artigo 18.º da petição inicial)
G. Os Réus plantaram árvores e plantas junto ao muro que contribuem para o agravamento das anomalias referidas em E. (artigo 25.º da petição inicial)
H. O muro é de suporte de terras. (artigo 30.º da petição inicial)
I. O muro não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras). (artigo 31.º da petição inicial)
J. Os Réus não dotaram o muro com qualquer sistema de drenagem, o que aumenta a carga que as terras provocam. (artigos 33.º e 34.º da petição inicial)
K. O muro foi construído em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra. (artigo 37.º da petição inicial) »
11 - sendo certo que, mesmo sem alteração da decisão sobre a matéria de facto, a recorrente reputa tal factualidade provada de (mais do que) suficiente para a procedência dos pedidos.
12 - Compulsada a douta sentença recorrida, é possível concluir que o factor decisivo para que o Tribunal fizesse improceder os pedidos da recorrente foi apenas a mera circunstância do muro não estar em situação de ruina iminente.
13 - A recorrente não se conforma com tal entendimento, que tem subjacente apenas a tese de reacção (necessariamente a posteriori) após os danos acontecerem e que desconsidera a posição (pugnada pela recorrente) de prevenção e de observância do dever de cuidado que qualquer proprietário deve cumprir com vista a evitar a produção de danos em terceiros, sendo que, conforme já se referiu e está provado, o complexo de piscinas da recorrente é frequentado diariamente por muitas crianças e jovens.
14 - Ora, a tutela jurídica deve ser antecipada, impondo aos proprietários, in casu os RR., um dever de diligência acrescido na adopção das opções de construção do seu muro, devendo esse dever abranger também a prevenção dos perigos que tais opções acarretam, para mais quando é evidente e incontroverso que as mesmas (opções) não correspondem às técnicas construtivas aconselháveis ao caso vertente e não são aptas a dotar o muro de condições de estabilidade e segurança.
15 - São, pois, realidades e enquadramentos distintos a produção do dano e o perigo da sua produção e necessidade da sua prevenção, merecendo ambas a tutela do Direito, o que a recorrente busca nos presentes autos”.
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Os Réus apresentaram resposta onde pugnam pela improcedência da apelação. Apresentam as seguintes CONCLUSÕES:

I- Nenhuma crítica ou censura merece a douta sentença posta em crise.
II- A qual deve ser integralmente mantida, preservando-se, assim, uma decisão justa, sensata e proferida de acordo com a prova produzida. Prova que, sob a capa da figura da “reapreciação da prova gravada”, a Recorrente, numa atitude desesperada, que, apesar de tudo, se compreende vinda de quem acaba de perder uma acção, tenta desvirtuar.
III- Em síntese, a Recorrente alegou que é legítima proprietária do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob a descrição (…) , que confronta a Norte com o prédio dos Recorridos, e que a delimitação entre estes prédios é feita por um muro que lhes pertence, que ameaça ruir, face à existência de fissuras, deformação e deslocamento, deterioração da argamassa de revestimento e infiltrações de água, colocando em causa os bens de sua propriedade e a integridade física de todos os que frequentam a piscina construída no prédio sua propriedade. Mais alegou que o estado do muro e a sua desconsideração por parte dos Recorridos tem feito com que a Recorrente se veja impedida de rentabilizar o prédio na sua plenitude, concluindo peticionando que os RR. procedessem à construção de um novo muro, em betão, e lhe pagassem uma indemnização.
IV- Dúvidas não restam que a Recorrente interpôs uma acção por causa de um muro que, na sua perspectiva, ameaça ruir, colocando em causa bens e a integridade física de pessoas. Não sendo a Ex.ma Senhora Juiz nem os Advogados especialistas em engenharia civil, recorreu-se à prova pericial.
V- Nesse relatório escreve o Senhor Perito, sem margem para qualquer interpretação extensiva, teológica ou outra ajustada aos desejos intrínsecos da Recorrente, que se julga decisivo para o insucesso do presente recurso, como o foi para a decisão do Tribunal a quo: “À data da vistoria, o muro existente não apresenta características que evidenciem instabilidade funcional (suporte de terras), nem de queda ou colapso iminente.”.
VI- Tanto assim que o muro não caiu e é a própria Recorrente que admite em audiência de julgamento que não tomou nem tem tomado qualquer providência preventiva ou cautelar.
VII- É desprovido de fundamento todo o argumentário expendido pela Recorrente, que, com a interposição deste recurso, mais não pretende do que postergar o desfecho desta ação, adiando uma decisão que sabe, ab initio, ser inevitável, tanto para mais, se tivermos em conta as diversas contradições em audiência de julgamento de algumas das testemunhas da então A., bem como todos os factos que constam, de forma objetiva e imparcial, quer do relatório, quer do depoimento prestado pelo perito Arq.º (…).
VIII- Relativamente à factualidade vertida no número 5 da douta sentença (pontos 19 e 20 da p.i.), isto é, as anomalias presentes no muro que, alegadamente, põem em causa a propriedade da Recorrente, bem como de todos os demais que frequentem o complexo de piscinas, julgamos que o entendimento do Tribunal a quo não podia ser outro, visto que, quer do relatório pericial junto aos autos, quer do depoimento do perito Arq.º (…) que adiante se transcreverá, consta, de forma incontornável que o mesmo não apresenta perigo de ruína, nem tão pouco tem inclinações para que tal aconteça.
IX- Também através da depoimento de parte do Representante Legal da Recorrente, Sr. (…), se pode concluir que, não obstante a tese apresentada pela Recorrente, de que o muro se encontra em perigo de ruína, o certo é que o complexo de piscinas, junto ao muro, não se encontra encerrado ao público, e todas as semanas uma empresa de jardinagem e respectivos trabalhadores cortam e tratam da relva situada num combro bem próximo do muro.
X- De registar, também, o depoimento da testemunha (…), engenheiro responsável pela execução da obra das piscinas, que afirmou que as patologias presentes no muro causaram-lhe alguma preocupação, mas nunca tal o impediu de começar a obra ou de a suspender, nem tão pouco, com esse comportamento, se questionou sobre a alegada falta de segurança dos seus funcionários perante um muro que, alegadamente e segundo a tese da A., ameaçava ruir.
XI- Já a testemunha (…), autor do projeto da construção das piscinas, assegurou, no seu depoimento, que o muro dos Recorridos não lhe causou preocupação alguma.
XII- Em suma, depoimentos relevantes que certamente o Tribunal a quo não ignorou aquando do seu exercício de livre apreciação da prova, assente na observância das regras da experiência e critérios de lógica.
XIII- Assim, não obstante a existência de patologias no muro, a verdade é que resulta de forma objetiva e imparcial, quer do relatório e posterior depoimento do perito, bem como do relatório de inspeção realizado pelos RR., que o muro não ameaça ruir, conclusão esta que nenhuma das testemunhas da Recorrente logrou infirmar, ainda para mais se tivermos em linha de conta todos os depoimentos acima referenciados, e que posteriormente se transcreverá, sendo este mesmo entendimento proferido pelo Tribunal a quo, tal como pode ler-se na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto: “Foi com base no mesmo juízo técnico que se deu como não provada a factualidade constante dos pontos 4., 5., 11. e 13. a 15.. Com efeito, não existindo dúvidas de que o muro se apresenta “em mau estado de conservação (estado este relatado quer na perícia, quer no relatório de inspeção efetuado a mando dos Réus), a verdade é que concluiu o perito e bem assim o técnico que elaborou o referido relatório de inspecção que o muro não está em perigo de ruína iminente, conclusão esta que nenhuma das testemunhas inquiridas foi capaz de infirmar” (cf. fls. 9 da douta sentença).
XIV- Relativamente aos factos constantes dos números 6 e 7 da douta sentença (artigos 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º e 28.º da p.i.), isto é, segundo a A., logo após terem construído o muro, os RR. fizeram um aterro e construíram a sua casa de habitação, sem, contudo, terem reforçado o muro, o que veio a acentuar ainda mais as patologias presentes no mesmo. Também aqui andou bem o Tribunal a quo. O entendimento não poderia ter sido outro, dado não constarem dos autos elementos probatórios suficientes que permitissem dar como provados factos sobre os quais não existia grau de convicção suficiente, pois caso contrário, estar-se-ia a violar de forma crassa as regras de direito processual probatório.
XV- Por sua vez, no que tange à factualidade constante das alíneas L, M e N da douta sentença recorrida, e que diz respeito às obras efetuadas pela A., designadamente o desaterro feito para a construção das piscinas, as máquinas utilizadas aquando da execução da obra, que interferiram com as terras envolventes, originando desabamentos, bem como os vários furos artesianos feitos a uma distância de 4/5 metros do muro, resulta de forma inequívoca, quer do relatório pericial, quer dos posteriores esclarecimentos escritos também eles prestados pelo perito, que os mesmos contribuíram para agravar o estado em que o muro se encontrava.
XVI- Lê-se a determinada altura: “(…) é certo que as movimentações das máquinas pesadas, com a consequente vibração causada, aumentaram os danos à débil estrutura do muro” (cf. fls. 9 do relatório pericial). “(…) essas deficiências construtivas do muro de suporte foram ampliadas pelas vibrações causadas pelas máquinas durante a construção das piscinas e dos furos artesianos, o que provocou o aumento das patologias construtivas, particularmente da fratura horizontal aparente, entre os blocos de cimento e a base de betão armado” (cf. esclarecimentos aditados pelo perito).
XVII- Ora, não obstante no nosso direito processual probatório vigorar o princípio da livre apreciação da prova, o certo é que o juízo técnico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação por parte do julgador, e não obstante a força probatória a atribuir à prova pericial ser fixada livremente pelo Tribunal, o certo é que tratando-se de uma prova obtida mediante a emissão de juízos de ordem técnica, elaboradas por especialistas com conhecimentos na área, esta livre apreciação apresenta, naturalmente, limitações. Assim, não existido nos autos prova contrária que permitisse infirmar o juízo técnico emitido pelo Perito, julgamos que o entendimento da 1ª instância não poderia ter sido outro, devendo tais factos, constantes em L, M e N da douta sentença manter-se como não provados.
XVIII- Desta feita, resultando como provado, quer do relatório pericial e posteriores esclarecimentos do perito a pedido da A., quer de toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento que, não obstante as diversas patologias presentes no muro, o mesmo não se encontra em perigo de ruína iminente, patologias essas agravadas pela conduta da A. aquando dos trabalhos levados a cabo para a construção das piscinas, designadamente, o desaterro e o uso das máquinas que interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram desabamentos, bem como os diversos furos artesianos feitos a uma distância de 4/5 metros do muro, não deve proceder o pedido da Recorrente, no que tange às obras a ser levadas a cabo pelos Recorridos, nomeadamente a construção de um novo muro.
XIX- É certo que «a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde uma ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação», mas tal pressupõe que haja um verdadeiro perigo que se pretende eliminar, um dano que se visa prevenir, o que, in casu, não se sucede. Além disso, mesmo que existisse um efetivo perigo de ruína, deverá sempre atender-se ao menor prejuízo que decorre para os RR. como forma de prevenir a ocorrência de um dano.
XX- Deverá igualmente improceder o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente, dado que a mesma não logrou provar que efetivamente tenha sofrido algum dano por força do estado em que o muro se encontra (v.g. perda de clientela, ainda para mais se tivermos em linha de conta as declarações do Representante Legal da A., que, quando inquirido, alegou que as instalações da Cooperativa se encontram abertas ao público), e dado que é a esta quem pertence o ónus probatório, claro está de ver que falha um dos pressupostos para a aplicação do instituto da responsabilidade civil aquiliana.
XXI- Não obstante a existência de patologias no muro, a verdade é que resulta, de forma objetiva e imparcial, quer do relatório e posterior depoimento do Perito, bem como do relatório de inspeção efetuado a mando dos RR., que o muro não ameaça ruir, conclusão esta que nenhuma das testemunhas da Recorrente. conseguiu infirmar.
XXII- Da perícia efetuada nos autos conclui-se que a construção do muro não tinha obrigatória ou legalmente que ser feita em betão.
XXIII- No que tange à factualidade constante das alíneas L, M e N da douta sentença recorrida, e que diz respeito às obras efetuadas pela Recorrente, designadamente, o desaterro para a construção das piscinas, as máquinas utilizadas aquando da execução da obra, que interferiram com as terras envolventes, originando pequenos desabamentos, bem como os vários furos artesianos feitos a uma distância de 4/5 metros do muro, resulta de forma inequívoca, quer do relatório pericial, quer dos posteriores esclarecimentos escritos também eles prestados pelo perito a pedido da Recorrente que os mesmos contribuíram para agravar o estado em que o muro se encontrava.
XXIV- Ora, não obstante, no nosso direito processual probatório vigorar o princípio da livre apreciação da prova, o certo é que o juízo técnico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação por parte do julgador, e não obstante a força probatória a atribuir à prova pericial ser fixada livremente pelo Tribunal, o certo é que tratando-se de uma prova obtida mediante a emissão de juízos de ordem técnica, elaboradas por especialistas com conhecimentos na área, esta livre apreciação apresenta, naturalmente, limitações. Assim, não existido nos autos prova contrária que permitisse infirmar o juízo técnico emitido pelo perito, julgamos que o entendimento da 1.ª instância não poderia ter sido outro, devendo tais factos, constantes em L, M e N da douta sentença manter-se como não provados.
XXV- Deverá igualmente improceder o pedido indemnizatório formulado pela Recorrente, dado que a mesma não logrou provar que efetivamente tenha sofrido algum dano por força do estado em que o muro se encontra (v.g. perda de clientela, ainda para mais se tivermos em linha de conta as declarações do representante legal da A., que afirma que as instalações se encontram abertas ao público), e dado que é a esta quem pertence o ónus probatório, claro está de ver que falha um dos pressupostos para a aplicação do instituto da responsabilidade civil aquiliana”.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1ª– Se a sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova e, consequentemente, se, em função da perícia efetuada, é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos mencionados pela recorrente;
2ª – Se a sentença recorrida padece de erro de direito na decisão de mérito ao não ter dado satisfação:

a) à providência preventiva de conservação do muro, através da condenação dos Réus a realizar trabalhos de consolidação e de reposição sustentada do mesmo;
b) ao pedido indemnizatório.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância, com interesse para a decisão da causa (transcrição):

A. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o artigo (…) a favor da Autora o prédio urbano composto de edifício destinado a piscina coletiva com logradouro situado no Lugar de (…) da freguesia de (…) – cfr. certidão de fls. 8-9. (artigo 4.º da petição inicial);
B. O prédio referido em A. e o prédio dos Réus estão delimitados por um muro edificado pelos Réus. (artigo 6.º da petição inicial);
C. No âmbito da sua atividade visando a promoção, o desenvolvimento e a prática da ação cultural, recreativa, desportiva e social na área das freguesias de(…) , de Vila Nova de Famalicão, a Autora construiu e explora um complexo de piscinas sito no prédio referido em A. (artigo 8.º da petição inicial);
D. Esse complexo de piscinas é frequentado diariamente por muitas crianças e jovens. (artigo 9.º da petição inicial);
E. O muro referido em B. apresenta as seguintes anomalias: existência de fissuras, deformação e deslocamento do muro, deterioração da argamassa de revestimento, infiltrações de água. (artigos 14.º a 17.º da petição inicial);
F. As anomalias estão-se a agravar com o tempo. (artigo 18.º da petição inicial);
G. Os Réus plantaram árvores e plantas junto ao muro que contribuem para o agravamento das anomalias referidas em E. (artigo 25.º da petição inicial);
H. O muro é de suporte de terras (artigo 30.º da petição inicial);
I. O muro não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras). (artigo 31.º da petição inicial);
J. Os Réus não dotaram o muro com qualquer sistema de drenagem, o que aumenta a carga que as terras provocam. (artigos 33.º e 34.º da petição inicial);
K. O muro foi construído em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra. (artigo 37.º da petição inicial);
L. O desaterro para a construção da piscina e as máquinas usadas interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram pequenos desabamentos. (artigo 11.º da contestação/reconvenção);
M. Vibraram com as terras circundantes. (artigo 12.º da contestação/reconvenção);
N. Foram efetuados mais de uma dezena de furos hertzianos a 4 - 5 metros do muro (artigos 13.º e 14.º da contestação/reconvenção);
O. A Autora colocou vaseiras e relva. (artigo 20.º da contestação/reconvenção)
P. A obra que a Autora levou a cabo baixou a quota original do terreno. (artigo 21.º da contestação/reconvenção)
*
Foram os seguintes os factos considerados não provados pelo Tribunal de 1ª instância:

1. O prédio referido em A. confronta do norte com prédio dos Réus. (artigo 5.º da petição inicial)
2. O prédio dos Réus confronta do sul, com o prédio referido em A.. (artigo 6.º da petição inicial)
3. O muro referido em B. situa-se a uma cota inferior não concretamente apurada relativamente ao prédio dos Réus. (artigo 7.º da petição inicial)
4. O muro ameaça ruir. (artigo 13.º da petição inicial)
5. As anomalias referidas em E. põem em causa os bens que se encontram na propriedade da Autora e todos aqueles que frequentam o complexo de piscinas. (artigos 19.º e 20.º da petição inicial)
6. Os Réus, após construírem o muro, fizeram um aterro, e construíram a sua casa de habitação, sem terem reforçado (ou adaptado às novas cargas emergentes quer do aterro, quer da habitação) o muro. (artigos 22.º a 24.º da petição inicial)
7. Os Réus fizeram um aterro, tendo aumentado o volume de terras, o que provoca uma pressão suplementar sobre o muro e aumentou o impulso hidráulico (artigos 26.º a 28.º e 32.º da petição inicial)
8. Quando foi construído o muro era de delimitação ou divisório. (artigo 29.º da petição inicial)
9. A construção do muro é anterior ao aterro e à construção da habitação dos Réus, o que constitui um factor de agravamento do peso e da carga que se faz sentir sobre o muro. (artigos 38.º a 40.º da petição inicial)
10. Com a sua conduta, os Réus têm feito com que a Autora se veja impedida de rentabilizar o seu prédio em toda a sua plenitude. (artigo 56.º da petição inicial)
11. A movimentação de terras na envolvente do muro com vista à construção da piscina esteve na origem da sua deformação. (artigo 9.º da contestação/reconvenção)
12. A fissuração é posterior ao início dos trabalhos de construção da piscina. (artigo 10.º da contestação/reconvenção)
13. O mencionado em L. a N. provocou cedência de terras, mexeu com o solo e o alicerce do muro. (artigo 15.º da contestação/reconvenção)
14. A Autora colocou vaseiras e relva de forma a evitar o constante descalçamento dos alicerces do muro. (artigo 20.º da contestação/reconvenção)
15. Foi a ação da Autora com a construção da piscina que, ao efetuar os furos hertzianos e ao proceder a desaterro junto ao muro, provocou-lhe as anomalias referidas em H.. (artigos 28.º e 30.º da contestação/reconvenção).
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto

Conclui a recorrente ter havido deficiente análise da prova, impondo a prova pericial produzida, desde logo os esclarecimentos verbais do Sr. Perito, efetuados em audiência de julgamento, decisão diferente nos pontos que refere.

Impugnada a decisão da matéria de facto, cumpre, antes de mais, decidir se a apelante/impugnante observou os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, que vêm enunciados nos artºs 639º e 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os artigos citados sem outra referência, os quais constituem requisitos habilitadores para que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la, para, uma vez fixada a matéria de facto, apreciar da modificabilidade da fundamentação jurídica.

O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal.

E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).

O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:

a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).

Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (2).

Ora, como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c), pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
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Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objeto de recurso, cabe observar que se não vai realizar novo julgamento nesta 2ª Instância, mas tão só reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.

O art. 662º, nº1, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:

a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (3) (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.

Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (4).A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).

O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (5)

E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).

Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.

Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (6), devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.

Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.

Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos.

Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.

E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como a prova testemunhal e declarações de parte -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.

Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
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Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão à Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.

Conclui a apelante que se impõem que:

a) os factos não provados 5, 6 e 7 passem a ser considerados provados (ou seja, que se considere provado que: - As anomalias referidas em E. põem em causa os bens que se encontram na propriedade da Autora e todos aqueles que frequentam o complexo de piscinas;- Os Réus, após construírem o muro, fizeram um aterro, e construíram a sua casa de habitação, sem terem reforçado (ou adaptado às novas cargas emergentes quer do aterro, quer da habitação) o muro; - Os Réus fizeram um aterro, tendo aumentado o volume de terras, o que provoca uma pressão suplementar sobre o muro e aumentou o impulso hidráulico; - Os RR. não dotaram o seu muro da drenagem necessária, pelo que a acumulação de águas (provocada pela falta de drenagem) aumenta ainda mais a carga que as terras em causa provocam no muro, já tendo causado o seu deslocamento, a sua deformação e muitas e profundas fissuras, tanto mais que este foi construído em blocos (e não em betão, como seria aconselhável de acordo com as boas técnicas construtivas e que teria sido apto a evitar o atual estado do muro, devendo, ainda, ser considerado provado que: - o muro dos RR. não foi construído de acordo com as técnicas construtivas aconselháveis ao seu caso, - para evitar o agravamento das anomalias que o afectam, o muro deve ser objecto de intervenção que lhe aplique um dreno interior, com vista a permitir a drenagem, e cintas verticais e horizontais em betão nos moldes apontados pelo perito, - se os RR .tivessem procedido à construção do seu muro em betão ou com cintas de betão e com um dreno interior, o muro não estava na situação (de existência de fissuras, deformação e deslocamento do muro, deterioração da argamassa de revestimento, infiltrações de água) em que se encontra actualmente e que inevitavelmente se irá agravar no futuro.
b) os factos provados L, M e N, passem a ser considerados não provados (ou seja, que:

- desaterro para a construção da piscina e as máquinas usadas interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram pequenos desabamentos; - Vibraram com as terras circundantes; - Foram efectuados mais de uma dezena de furos hertzianos a 4 - 5 metros do muro) ou, pelo menos, provados, com a menção de que resulta do referido relatório que não foi a movimentação de terras, por si só, que provocou as anomalias existentes no muro (cfr. fls. 4 do relatório – fls. 70 dos autos), que os desabamentos referidos em L. não foram suficientes para colocar em risco a estabilidade do muro (cfr. fls. 5 do relatório – fls. 71 dos autos), que não há qualquer deslaçamento dos alicerces do muro, impondo-se tais alterações pelas afirmações do perito produzidas em audiência mas, também, pelas constantes do relatório e dos esclarecimentos escritos prestados pelo mesmo.

Sustentam os Réus, na resposta às alegações, que:

- Relativamente à factualidade vertida no número 5 o entendimento do Tribunal a quo não podia ser outro, visto que, quer do relatório pericial junto aos autos, quer dos esclarecimentos verbais do Senhor perito Arq.º C. D. consta que o mesmo não apresenta perigo de ruína, nem tão pouco tem inclinações para que tal aconteça (sendo que do depoimento de parte do Representante Legal da Recorrente, Sr. (…), se pode concluir que, não obstante a tese apresentada pela Recorrente, de que o muro se encontra em perigo de ruína, o certo é que o complexo de piscinas não se encontra encerrado ao público e todas as semanas uma empresa de jardinagem e respetivos trabalhadores cortam e tratam da relva próximo do muro, do depoimento da testemunha (…), engenheiro responsável pela execução da obra das piscinas, que afirmou que as patologias do muro lhe causaram preocupação mas tal não o impediu de realizar a obra e a testemunha (…), autor do projeto da construção das piscinas, não se preocupou com o muro). Afirma que não obstante as patologias existentes no muro, a verdade é que resulta de forma objetiva e imparcial, quer do relatório e posterior depoimento do perito, bem como do relatório de inspeção realizado pelos RR., que o muro não ameaça ruir, conclusão esta que nenhuma das testemunhas da Recorrente logrou infirmar.
- Relativamente aos factos constantes dos números 6 e 7, bem andou o Tribunal a quo, dado não constarem dos autos elementos probatórios suficientes que permitissem dar como provados factos sobre os quais não existia grau de convicção suficiente.
- No que tange à factualidade constante das alíneas L, M e N resulta quer do relatório pericial quer dos esclarecimentos prestados pelo perito, que as obras efetuadas pela Autora contribuíram para agravar o estado em que o muro se encontrava citando as referências feitas “(…) é certo que as movimentações das máquinas pesadas, com a consequente vibração causada, aumentaram os danos à débil estrutura do muro” (cf. fls. 9 do relatório pericial). “(…) essas deficiências construtivas do muro de suporte foram ampliadas pelas vibrações causadas pelas máquinas durante a construção das piscinas e dos furos artesianos, o que provocou o aumento das patologias construtivas, particularmente da fratura horizontal aparente, entre os blocos de cimento e a base de betão armado” (cf. esclarecimentos aditados pelo perito) e afirmam que, não obstante no nosso direito processual probatório vigorar o princípio da livre apreciação da prova, o certo é que o juízo técnico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação por parte do julgador, e não obstante a força probatória a atribuir à prova pericial ser fixada livremente pelo Tribunal, o certo é que tratando-se de uma prova obtida mediante a emissão de juízos de ordem técnica, elaborados por especialistas com conhecimentos na área, esta livre apreciação apresenta, naturalmente, limitações. Assim, não existido nos autos prova contrária que permitisse infirmar o juízo técnico emitido pelo Perito, julgamos que o entendimento da 1ª instância não poderia ter sido outro.

Após análise da prova pericial produzida e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção, como bem referem os apelados, de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento.

Vejamos.

Motivou o tribunal a quo a decisão da matéria de facto referindo que para formar a sua convicção relativamente aos factos dados como provados e não provados “no que diz respeito à factualidade constante das Alíneas E. a P. foi valorado o relatório de inspecção efectuado a mando dos Réus e constante de fls. 26 a 30, assim como a peritagem ordenada nestes autos (cujo relatório consta de fls. 67 a 76), complementada pelos esclarecimentos escritos (constantes de fls. 81-82) e presenciais prestados pelo Perito (…), sendo certo que a prova testemunhal produzida, seja da parte da Autora ((…), ambos engenheiros civis), seja da parte dos Réus ((…), este último engenheiro civil) não foram de molde a colocar em causa as conclusões vertidas pelo Perito no relatório e confirmadas em audiência.

Neste conspecto, relativamente às anomalias do muro apontadas pela Autora – factualidade da Alínea E. – e o seu agravamento – factualidade da Alínea F. – não obstante a sua impugnação por parte dos Réus (artigo 5.º da contestação), as mesmas resultam do próprio relatório de inspecção em que estes Réus assentam a sua pretensão (cf. fls. 27 verso), sendo que as mesmas também acabam por ser apontadas pela perícia efectuada nos autos e resultam (parte delas) da análise do suporte fotográfico junto aos autos (designadamente a fissuração). Ademais, os dois relatórios concluem pela necessidade de correcção das deficiências com vista a evitar a degradação, o que permite concluir nos termos da Alínea F.

Os mesmos meios de prova são unânimes ao descrever o muro em questão (de suporte de terras), o modo de construção (alvenaria de tijolo construído sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro já existente em alvenaria de pedra) e a sua incapacidade de resistência às cargas transmitidas e falta de sistema de drenagem. (factualidade das Alíneas H., I., J. e K.)

A perícia efectuada nos autos concluiu, igualmente, nos termos apontados nas Alíneas G., e L. a P., não tendo sido produzida prova contrária que infirmasse o juízo técnico emitido pelo Perito que efectuou a perícia.

Foi com base no mesmo juízo técnico que se deu como não provada a factualidade constante dos pontos 4. e 5. e 11., 13. a 15. Com efeito, não existindo dúvidas que o muro se apresenta “em mau estado de conservação” (estado este relatado quer na perícia, quer no relatório de inspecção efectuado a mando dos Réus), a verdade é que concluiu o perito do tribunal e bem assim o técnico que elaborou o referido relatório de inspecção que, embora necessite de correcções, o muro não está em perigo de ruína iminente, conclusão esta que nenhuma das testemunhas inquiridas foi capaz de infirmar.

Por outro lado, também resulta peremptoriamente do referido relatório que não foi a movimentação de terras, por si só, que provocou as anomalias existentes no muro (cf. fls. 4 do relatório – fls. 70 dos autos), que os desabamentos referidos em L. não foram suficientes para colocar em risco a estabilidade do muro (cf. fls. 5 do relatório – fls. 71 dos autos), que não há qualquer deslaçamento dos alicerces do muro, designadamente provocados pelas vaseiras e relva colocadas pela Autora, que de resto conclui-se estarem bem empregues (cf. fls. 7 do relatório – fls. 73 dos autos) e que os furos artesianos e o desaterro junto ao muro efectuado pela Autora foram realizados a uma distância segura em relação ao muro dos Réus (cf. fls. 8 do relatório – fls. 74 dos autos).

Com efeito, como já se referiu, embora do relatório pericial e do relatório junto pelos Réus resulte problemas na estrutura do muro, ambos concluem pela inexistência de perigo de ruína iminente, e, nenhum deles é capaz de assentar a causa provável das anomalias apenas na actuação da Autora ou dos Réus (antes acabando por concluir ter sido o seu conjunto). Aliás, o perito do tribunal admite que, se o muro tivesse sido construído em betão armado (ou pelo menos com sistema de drenagem) não se colocaria a questão por provavelmente não existirem as anomalias reportadas actualmente.

Sobre a factualidade constante dos pontos 6. a 9., e que se reporta à construções/trabalhos/obras efectuadas pelos Réus, a prova produzida foi insuficiente. As testemunhas da Autora nada contribuíram. O mesmo se refira quanto às testemunhas dos Réus (sendo que a última testemunha inquirida – (..), engenheiro que executou o projecto dos Réus poderia ter esclarecido tal factualidade, não fosse a sua postura de considerar ridícula a pretensão da Autora)”.

Cumpre, desde já, referir que cada elemento de prova de livre apreciação não pode ser considerado de modo estanque e individualizado, antes deve proceder-se a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura.

E revisitando e reponderando a prova produzida, na verdade, quanto à matéria impugnada tida como não provada (“5. As anomalias referidas em E. põem em causa os bens que se encontram na propriedade da Autora e todos aqueles que frequentam o complexo de piscinas” “6. Os Réus, após construírem o muro, fizeram um aterro, e construíram a sua casa de habitação, sem terem reforçado (ou adaptado às novas cargas emergentes quer do aterro, quer da habitação) o muro” e “7. Os Réus fizeram um aterro, tendo aumentado o volume de terras, o que provoca uma pressão suplementar sobre o muro e aumentou o impulso hidráulico (artigos 26.º a 28.º e 32.º da petição inicial)”), importa referir que não adveio ao conhecimento do Tribunal qualquer elemento, minimamente sustentável, que permita afirmar a sua verificação. Assim, as respostas negativas ficaram a dever-se a ausência de prova que permita dar respostas diversa. Não pode, pois, este Tribunal, por falta de prova, com segurança, divergir do juízo probatório efetuado pelo Tribunal a quo. Efetivamente, quanto à matéria acabada de referir nada cumpre considerar provado, por falta de prova, não resultando dos esclarecimentos verbais do Senhor Perito nem do relatório, sequer dos esclarecimentos escritos elementos que permitam dar como provados os referidos factos, nada de seguro, resultando.

Na verdade, relativamente ao ponto 5, para além de “poem em causa” não ser propriamente um facto, nem do relatório pericial junto aos autos nem dos esclarecimentos, escritos e verbais, prestados pelo Senhor Perito que o elaborou - Arquiteto e com especialização em Engenharia Municipal, (..) -, decorre que as anomalias referidas em E. tenham feito perigar, efetiva e concretamente, os bens que se encontram na propriedade da Autora e as pessoas que frequentam o complexo de piscinas, não constando que o mesmo apresente, até ao momento da observação do Sr Perito, iminente perigo de ruína, como ele próprio refere, não apresentando inclinações para que tal aconteça, sendo certo que as patologias do muro e as suas deficiências construtivas, a poder originar (no futuro) perigo para pessoas e bens que se encontrem no prédio da Autora, como bem esclarece o Senhor perito, mais a mais dado o permanente agravar das mesmas com o decurso do tempo, constam, já, dos factos provados.

E os factos dados como provados L. M. e N bem foram considerados provados.

Vejamos.

Têm os referidos factos a seguinte redação:“L. O desaterro para a construção da piscina e as máquinas usadas interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram pequenos desabamentos”; “M. Vibraram com as terras circundantes”; “N. Foram efetuados mais de uma dezena de furos hertzianos a 4 - 5 metros do muro”.

Efetuando uma análise crítica da prova produzida e analisando a mesma de modo conjunto e conjugado e com base nas regras da experiência comum outra não pode ser a conclusão do Tribunal. Na verdade, para além da prova pericial, da qual resultam elementos para dar as mencionadas respostas aos factos, temos a considerar, até, a prova documental junta aos autos, designadamente fotografias, e mesmo a prova testemunhal, concretamente, o depoimento de (…), Engenheiro civil que foi o responsável pela obra de construção das piscinas, que esclareceu que quando a obra começou o muro já existia e já apresentava fissuras, revelando saber das deficiências de construção do mesmo, que não tinha dreno, e conhecer a sua falta de segurança, sendo que com o passar do tempo as fissuras foram, e vão, ficando maiores, esclarecendo, contudo, que não notou que as obras da piscina (nem as máquinas utilizadas nem os furos hertesianos efetuados) tivessem agravado o estado do muro, pois que dele estavam suficientemente afastadas, nenhuma diferença tendo, na altura, detetado no muro, e o depoimento de (…), Engenheiro Civil que foi o autor do projeto de estruturas e fazia a fiscalização da obra e que a acompanhou do princípio ao fim, indo lá quase todas as semanas, que esclareceu que o muro em causa já apresentava fissuras quando a obra começou e que no fim da mesma aquelas estavam sensivelmente na mesma, que o que foi feito o foi afastado do muro e nenhuma consequência teve nele, sendo que as causas das patologias do mesmo se devem aos materiais de construção utilizados (blocos) e sem drenagem, infiltrando-se nele as águas, que as fissuras têm vindo a aumentar com o decorrer do tempo e que com o continuar do decurso do tempo, não tendo drenagem, pode ruir.

Baseia a apelante a impugnação sobre a decisão da matéria de facto na perícia efetuada.

Ora, pedido ao Sr. Perito uma observação e análise técnica, objetiva, do objeto da perícia e que relatasse, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, o mesmo apresentou o relatório que elaborou.

A perícia é um meio de prova a ser avaliado, conjuntamente com as outras provas, livremente pelo tribunal, embora com as limitações impostas pelos juízos técnicos dela constantes.

O contributo dado pela perícia ao tribunal é o de auxiliar o tribunal a resolver questões técnicas que não são da área de competência do julgador nem por ele dominadas, como é o caso de saber:

1 . se o desaterro para a construção da piscina e as máquinas usadas interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram pequenos desabamentos, vibrando com as terras circundantes, e se foram efetuados (mais de uma dezena) furos hertzianos a 4 - 5 metros do muro;
2 . Se as anomalias referidas em E. põem em causa os bens que se encontram na propriedade da Autora e todos aqueles que frequentam o complexo de piscinas), se os Réus, após construírem o muro, fizeram um aterro, e construíram a sua casa de habitação, sem terem reforçado (ou adaptado às novas cargas emergentes quer do aterro, quer da habitação) o muro e se os Réus fizeram um aterro, tendo aumentado o volume de terras, o que provoca uma pressão suplementar sobre o muro e aumentou o impulso hidráulico.

Ora, do relatório pericial de fls. 67 a 76, dos esclarecimentos escritos e verbais prestados pelo Sr. Perito resultou verificar-se o mencionado no antecedente ponto 1 e, como vimos, não verificado o referido em 2.

Com efeito, como resulta do relatório pericial, foi analisada a “sustentabilidade do muro” e as “possíveis causas de instabilidade”, não resultando que as anomalias referidas em E. põem em causa os bens que se encontram na propriedade da Autora e todos aqueles que frequentam o complexo de piscinas nem que os Réus, após construírem o muro, tivessem feito um aterro, e construíram a sua casa de habitação, sem terem reforçado (ou adaptado às novas cargas emergentes quer do aterro, quer da habitação) o muro nem, ainda que os Réus tenham feito um aterro, tendo aumentado o volume de terras, o que provoca uma pressão suplementar sobre o muro e aumentou o impulso hidráulico e resultando que o desaterro para a construção da piscina e as máquinas usadas interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram pequenos desabamentos, vibrando com as terras circundantes e foram efetuados mais de uma dezena furos hertzianos a 4 - 5 metros do muro, sendo que são apontadas anomalias de construção ao muro, causadoras originais das patologias.

Como esclareceu o Senhor Perito, as patologias que o muro (que não tem presente quando foi construído) apresenta e que com o tempo se vão agravando e que, apesar de não estar, ainda, na iminência de cair, decorrem de deficiências construtivas: não ter drenagem freática e ter sido efetuado assentamento, posterior, de tijolo em cima de pedra (sendo o muro composto por uma parte de pedra e um assentamento de tijolo na pedra, efetuado posteriormente, sendo na ligação da referida pedra com os tijolos onde está a fenda). Esclareceu que se o muro tivesse dreno nada destas patologias teriam acontecido, pois que a água se infiltra e racha o muro, mais referindo, que, para além de ter de possuir drenagem, ser aconselhável ser efetuado em betão.

Conclui o Senhor Perito, como se pode, desde logo, constatar pelos esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento, que a deformação do muro, de estrutura débil e já com danos, teve origem no modo como o muro foi construído – carecendo de elementos de travação em betão e de drenagem freática – e que os trabalhos de construção da piscina, com vibrações de vária ordem, os aumentaram.

Não obstante, no nosso direito processual probatório vigorar o princípio da livre apreciação da prova, o certo é que o juízo técnico inerente à prova pericial presume-se, na verdade, subtraído à livre apreciação por parte do julgador, e não obstante a força probatória a atribuir à prova pericial ser fixada livremente pelo Tribunal, o certo é que tratando-se de uma prova obtida mediante a emissão de juízos de ordem técnica, elaborados por especialistas com conhecimentos na área, esta livre apreciação apresenta, naturalmente, limitações. Assim, não existido nos autos prova contrária que permitisse infirmar o juízo técnico emitido pelo Senhor Perito, julgamos que o entendimento da 1.ª instância não poderia ter sido outro, sendo de manter.

Quanto a fazer-se menção de que não foi a movimentação de terras, por si só, que provocou as anomalias existentes no muro (cf. fls. 4 do relatório – fls. 70 dos autos), que os desabamentos referidos em L. não foram suficientes para colocar em risco a estabilidade do muro (cf. fls. 5 do relatório – fls. 71 dos autos) e que não há qualquer deslaçamento dos alicerces do muro, e a levar aos factos provados o restante referido pela Autora nas conclusões - que o muro dos RR. não foi construído de acordo com as técnicas construtivas aconselháveis ao seu caso; que para evitar o agravamento das anomalias que o afectam, o muro deve ser objecto de intervenção que lhe aplique um dreno interior, com vista a permitir a drenagem, e cintas verticais e horizontais em betão nos moldes apontados pelo perito; e que se os RR .tivessem procedido à construção do seu muro em betão ou com cintas de betão e com um dreno interior, o muro não estava na situação (de existência de fissuras, deformação e deslocamento do muro, deterioração da argamassa de revestimento, infiltrações de água) em que se encontra actualmente e que inevitavelmente se irá agravar no futuro -, cumpre deixar claro que constam já dos factos provados as menções fácticas provadas a fazer, nada mais sendo de acrescentar, sequer conclusões ou os factos pela negativa, sendo, até, que, apenas, são de levar aos factos assentes factos alegados pelas partes e não conclusões, juízos de valor ou factos negativos retirados do esclarecido pelo Senhor Perito.

E, na verdade, consta já dos factos provados que:

- O muro construído pelos Réus não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras);
- Os Réus não dotaram o muro com qualquer sistema de drenagem, o que aumenta a carga que as terras provocam;
- O muro foi construído em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra,

sendo que não resultou provado que:

- A movimentação de terras na envolvente do muro com vista à construção da piscina esteve na origem da sua deformação.
- O mencionado em L. a N. provocou cedência de terras, mexeu com o solo e o alicerce do muro;
- Foi a ação da Autora com a construção da piscina que, ao efetuar os furos artezianos e ao proceder a desaterro junto ao muro lhe provocou as anomalias referidas em H.

O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada, quer quando considerou a factualidade como provada quer no que concerne à que considerou não provada, esta, por evidente, falta de prova suficientemente credível e convincente que permita resposta diversa.

Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova e ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.

Na verdade, e não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.

Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada e não provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.

Não resultando os pretensos erros de julgamento, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
*
2ª. Do erro de direito na decisão de mérito

Reconhecido que se mostra o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado na petição inicial, vizinho do dos Réus, atento o objeto do recurso, cumpre apreciar da procedência dos restantes pedidos condenatórios formulados na petição inicial:

a) o de realização dos trabalhos de consolidação e reposição sustentada do muro;
b) o indemnizatório,

ambos fundados na inobservância, pelos Réus, de atos impostos pelas limitações/restrições ao exercício do seu direito de propriedade, decorrentes de situação de vizinhança dos prédios referidos nos autos.

Na verdade, a situação de vizinhança implica limitações ao exercício do direito de propriedade, como bem o evidenciam as normas dos artºs. 1346º, 1348º e 1350º, do Código Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos que doravante se citarem sem outra referência, e outras que regulam o exercício do direito de propriedade sobre imóveis, e até outras, ainda, não expressamente previstas mas ditadas por um juízo de equilíbrio. Efetivamente, como bem analisa Abrantes Geraldes, “A problemática foi objecto de apreciação no Ac. do STJ, de 26-3-80 (com comentário favorável de ANTUNES VARELA na RLJ 114º) que inscreveu a responsabilização do proprietário do prédio vizinho na violação de deveres emergentes de um princípio geral que envolveria as relações de vizinhança de que os artºs. 1346º e sgs. do CC constituiriam afloramentos. (…). Concluiu-se no referido aresto que, apesar de o proprietário do prédio demolido ter agido ao abrigo do seu direito de propriedade, deveria responder pelos danos causados pelo não acatamento de um dever de protecção justificado diversificadamente a partir da violação de deveres de diligência e da ponderação da relação de vizinhança. (…) J. ALBERTO GONZALEZ, na monografia intitulada “Restrições de Vizinhança” (…) alude a um dever geral de prevenção cuja violação, em determinadas circunstâncias, pode sustentar a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil (págs. 118 e 209).

Para MENEZES CORDEIRO, a resposta (…) encontra apoio nas regras sobre o abuso de direito (…) excede manifestamente os limites impostos pela boa fé”. Argumentos resumidos que servem para fundar um direito à protecção (…)” (ob. cit., pág. 831). Tal é feito mediante a enunciação de um princípio geral que enformaria as disposições específicas dos arts. 1346º e segs. do CC e que, para além das concretas situações reguladas, sustentaria ainda outros vínculos submetidos ao mesmo princípio.

Já segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, as relações de vizinhança envolvem um princípio geral que, aflorando em diversas disposições reguladoras do direito de propriedade, geram para cada um dos proprietários de prédios vizinhos ou confinantes deveres de “manutenção do equilíbrio imobiliário”, implicando a necessidade de compressão e de actuação mútua no sentido da manutenção do statu quo que, por razões subjectivas ou objectivas, tenha sido modificado, causando uma forte perturbação na relação vicinal.

No artigo intitulado “A previsão do equilíbrio imobiliário como princípio orientador das relações de vizinhança” (ROA, ano 67º, págs. 7 e sgs.), tece pertinentes considerações que podem ser transpostas para o caso, considerando que aquele princípio releva dos artºs. 1346º, e sgs. do CC, sendo susceptível de “expandir a regulação jurídica a casos não previstos”. Assevera que “cada titular está vinculado, não só a abster-se da prática de actos que quebrem o equilíbrio imobiliário, como a reparar a falta de execução normal do seu direito, quando pela omissão desse exercício o equilíbrio imobiliário possa da mesma forma vir a ser quebrado” (pág. 25). Defendendo a legitimidade para assacar ao proprietário o dever de reconstituir o equilíbrio imobiliário perturbado, sustenta no referido princípio “a aplicação a outras situações em que o princípio justificativo for o mesmo “ (pág. 30), para concluir, tal como se fizera no caso que foi apreciado no citado Ac. do STJ, de 26-3-80, que “a demolição provoca uma ruptura do equilíbrio imobiliário que surte por si o efeito de impor ao titular do prédio onde se originou a reconstituição daquele equilíbrio (pág. 28, nota 30)” (7).

E, na verdade, como refere a apelante, têm enquadramentos jurídicos distintos as situações de violação dos limites impostos ao exercício do direito de propriedade em que o dano já se produziu e aquelas de que resulta o perigo da sua produção, cabendo, no caso, analisar se estão preenchidos os requisitos desta última - necessidade da prevenção do dano e da tutela jurídica do direito de que a Autora se arroga.

Analisemos.
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a) Da providência preventiva: direito à realização de trabalhos de consolidação sustentada do muro

Apreciando a questão do direito da Autora de exigir a execução de trabalhos de consolidação e drenagem do muro que delimita o seu prédio e dos Réus, considerou o Tribunal a quo não ter aquela tal direito. Refere que o direito de propriedade, consagrado nos artigos 1302.º e seguintes, confere ao respetivo titular o gozo, de modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ele impostas, sendo estas várias, destacando “o artigo 1350.º do Código Civil, que atribui ao dono do prédio vizinho um “direito de prevenção do dano”, pois que “A simples existência de edifício ou obra de outra natureza, num prédio, pode envolver riscos para o prédio vizinho, se, em relação àqueles, não forem tomadas as providências adequadas para os afastar.

Trata-se, como bem se compreende, dos danos decorrentes da ruína ou desmoronamento do edifício ou da obra.” (cf. Luís A. Carvalho Fernandes, “Lições de Direitos Reais”, Qui Iuris, 6.ª edição, pág. 228)” e considerando que para a aplicação daquele preceito, é necessária a “verificação de três pressupostos: a) Saber se o edifício ou outra obra (in casu, o muro), oferece ou não perigo de ruína; b) Apurar se do desmoronamento eventual da obra podem ou não resultar danos para o prédio vizinho; e c) Saber quais as providências adequadas à prevenção desse perigo, dentro dos critérios da menor onerosidade para o dono da obra e da necessária segurança para o dono do prédio ameaçado. (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado”, Volume III, p. 190)”, entende que a Autora não logrou demonstrar a existência de uma obra que oferece perigo de ruir e não demonstrado tal risco ou perigo de ruína, determinante das obras de construção do novo muro por si pretendidas, perigo esse que subjaz à pretensão deduzida em juízo (facto constitutivo do direito da Autora), não estão reunidos os requisitos da invocada providência.

Ora, apesar de se não ter logrado demonstrar que o “muro ameaça ruir”, que a ruína está “iminente” – que é, até, um juízo conclusivo -, dos factos provados resulta, na verdade, o “perigo de ruir”, perigo esse que maiores proporções vai tornando com o decorrer do tempo.

Vejamos.

Na verdade, não sendo os direitos ilimitados também os direitos reais o não são, sequer o de propriedade e menos ainda quando estão em causa situações de vizinhança. Para além da limitação geral em virtude da função social atribuída à propriedade, traduzida no abuso de direito, existem diversas restrições aos direitos reais. Essas restrições têm sido consideradas de direito público, caso sejam motivadas pela intervenção de uma entidade dotada de ius imperii, ou de direito privado, quando haja que compatibilizar direitos privados de outros titulares (8). Neste âmbito a categoria mais importante de limitações ao exercício dos direitos reais é resultante das relações de vizinhança, que estabelecem limitações ao exercício de direitos reais sobre os prédios, em benefício do titular do direito real sobre prédio vizinho (…) e podem corresponder à imposição de deveres de conteúdo negativo ou de conteúdo positivo. Os deveres de conteúdo negativo correspondem a deveres de abstenção de certas condutas (non facere) ou deveres de tolerar o exercício de certos poderes do vizinho sobre o seu prédio (pati). Por sua vez, os deveres de conteúdo positivo podem subdividir-se em deveres específicos de prevenção de perigos para o prédio vizinho ou em deveres de participar com o vizinho em actividades de interesse comum (9).

Entre os deveres de prevenção do perigo para o prédio vizinho encontra-se o “dever de evitar a ruina de edifícios ou outras construções”, traduzindo-se numa obrigação do proprietário, tendo o proprietário do prédio vizinho um direito potestativo de exigir o cumprimento de tal obrigação. O art. 492º, nº1, estabelece consequentemente a responsabilidade pelos danos causados pela ruína de edifícios ou outras obras, devida a vício de construção ou defeito de conservação, estabelecendo nesse caso uma presunção de culpa que recai sobre o proprietário ou possuídor do edifício, presunção essa que, no caso de danos devidos exclusivamente a defeitos de conservação, se transfere para a pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra (nº2). Trata-se de uma responsabilidade subjectiva fundada na violação dos deveres a observar na construção e na conservação de edifícios ou outras obras (deveres de segurança no tráfego), a qual é agravada através de uma presunção de culpa.(…) O art, 1350º confere, porém, ao proprietário do prédio vizinho a faculdade de exigir imediatamente do proprietário ou possuidor do prédio em risco de ruína, que seria responsável pelos danos nos termos do art. 492º, as providências necessárias para evitar o perigo. O perigo de ruína dos edifícios permite assim uma reacção no âmbito das relações de vizinhança, uma vez que a possibilidade de exigir providências destinadas a evitar a ruína insere-se entre a protecção que a lei reserva ao proprietário, em substituição da figura da cautio damni infectio romanista (10).

In casu, alegando a Autora que a delimitação entre o seu prédio e o dos RR é feita por um muro pertencente aos Réus, que ameaça ruir, face à existência de fissuras, deformação e deslocamento, deterioração da argamassa de revestimento e infiltrações de água, colocando em causa bens seus e a integridade física de todos os que frequentam a piscina por si construída no seu prédio, pede, a mesma, a condenação dos Réus a efetuarem os trabalhos de reposição do muro em situação consolidada e sustentada (sanando os problemas que o mesmo apresenta, nomeadamente com construção em betão, com a segurança e solidez à sobrecarga e com realização de trabalhos necessários a que a drenagem seja efetuada) nos termos mencionados nos artigos 51.º a 55.º da petição inicial.

Ora, resulta provado que:

- O prédio da Autora, referido em A., e o prédio dos Réus estão delimitados por um muro edificado pelos Réus;
- Tal muro apresenta as seguintes anomalias: existência de fissuras, deformação e deslocamento do muro, deterioração da argamassa de revestimento, infiltrações de água;
- As referidas anomalias estão a agravar-se com o tempo;
- Acresce que os Réus plantaram árvores e plantas junto ao muro que contribuem para o agravamento das referidas anomalias;
- O muro é de suporte de terras;
- O muro não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras);
- Os Réus não dotaram o muro com qualquer sistema de drenagem, o que aumenta a carga que as terras provocam;
- O muro foi construído em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra.

Apresenta, assim, o muro dos Réus anomalias resultantes, desde logo, de vícios de construção.

Na verdade, sendo um muro de suporte de terras, para além de ter sido construído em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra e de não oferecer capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras), sequer os Réus o dotaram de sistema de drenagem, o que, com chuvas ou acumulações de água, aumenta a carga que as terras provocam.

Assim, verificando-se a existência de fissuras, deformação e deslocamento do muro, deterioração da argamassa de revestimento e infiltrações de água e que as referidas anomalias se estão a agravar com o tempo, acresce que os Réus ainda foram plantar árvores e plantas junto ao muro, que contribuem para o agravamento das referidas anomalias.

Sendo imprevisível o estado do tempo, com possibilidade de ocorrência, até, de abundante precipitação, a aumentar consideravelmente a carga que as terras provocam, bem pode dar-se o caso, daí o perigo, de o muro não aguentar a carga (provado que está que não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras)), com a consequente responsabilidade dos Réus pelos danos que para os lesados daí possam advir, mais a mais cientes que estão do estado do muro de que são proprietários.

Resultando provado que o muro dos Réus não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras) e padece das apontadas fissuras, deformação e deslocamento, deterioração da argamassa de revestimento e infiltrações de água e que as referidas anomalias se estão a agravar com o tempo não pode, na verdade, ficar-se à espera que o mesmo se deteriore de tal modo que, efetivamente, se já não vá a tempo, até, de poupar danos para o prédio vizinho (e, até, mesmo, perda de vidas). E sendo o muro propriedade dos Réus, são eles responsáveis pela conservação e segurança do mesmo.

Apesar de resultar que o desaterro para a construção da piscina e as máquinas usadas interferiram com as terras envolventes que serviam de suporte e provocaram pequenos desabamentos e vibrações com as terras circundantes e que foram efetuados mais de uma dezena de furos hertzianos a 4 - 5 metros do muro, o certo é que tal não afasta a obrigação que impende sobre os Réus de zelarem pela conservação e manutenção da segurança do seu muro, que apresenta todas as referidas patologias, que se estão a agravar com o decurso do tempo e esclarecido que se encontra que o muro débil, pouco resistente e construído até por partes - “em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra”-, e que nem sistema de drenagem possui, o que aumenta infiltrações, acumulação de água e de carga que as terras provocam.

Não pode, pois, o pedido de condenação dos Réus a efetuarem os trabalhos de reposição do muro em situação consolidada e sustentada (sanando os problemas que o mesmo apresenta, nomeadamente com construção em betão, com a segurança e solidez à sobrecarga e com realização de trabalhos necessários a que a drenagem seja efetuada) nos termos mencionados nos artigos 51.º a 55.º da petição inicial, deixar de proceder.

Como refere Menezes Leitão (11) “O perigo de ruína de construção é ainda regulado no Direito do Urbanismo. Efetivamente, o art. 89º, nº1, do RJUE estabelece que “as edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético”. Em consequência, nos termos do art. 89º, nº2 do RJUE tem a câmara municipal a faculdade de oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado ordenar a realização de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético. O art. 89º, nº3, RJUE atribui ainda à câmara municipal a competência para, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública ou segurança das pessoas”.

E, na verdade, apesar de a ruina do muro não estar iminente não cabe aguardar que o esteja para, uma vez no chão, e com danos já provocados se atuar, bastando o perigo de ruir, e, até, apenas em parte, sendo esta - perigo de ruina - a causa de pedir da ação.

Com efeito, estatui o artigo 1350.º, do Código Civil, que “Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do artigo 492.º, as providências necessárias para eliminar o perigo.”.

O referido artigo “dá ao proprietário de um prédio o direito de exigir da pessoa civilmente responsável, nos termos do art. 492º, que tome as providências necessárias para eliminar o perigo de ruína, no todo ou em parte, de edifício ou outra obra situado em prédio vizinho, quando do desmoronamento puderem resultar danos para o seu prédio”, tratando-se “de um poder preventivo que visa evitar o dano em prédio próprio. Este direito é feito valer perante as pessoas que responderão caso o dano se concretize: o proprietário ou possuidor do edifício ou obra, bem como a pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação (art. 492º)” (12). Dele se deduz “que o titular de um edifício deve tomar as medidas necessárias para que o mesmo se não desmorone, provocando danos em prédios vizinhos. Daí que: a) – se houver perigo de ruína danosa o titular do prédio em perigo pode exigir providências para fazer cessar esse perigo (o titular do prédio em ruína pode evitar essa situação provando alguns dos factores expressos no art. 492º, nos termos da remissão expressa feita pelo art. 1350º); b) – se houver desmoronamento efectivo, o titular do edifício responde pelos danos havidos, salvo se provar que não teve culpa ou que nada se podia fazer para evitar o acidente – art. 492º” (13).

Para aplicação das providências destinadas a evitar a ruína previstas no referido art. 1350º, exige-se a demonstração de três requisitos: a) perigo de ruina; b) risco de que essa ruína venha a causar dano ao prédio vizinho; c) necessidade e adequação das providências para evitar o dano (14).

Verificados se encontram in casu os referidos requisitos, pois que, como vimos, o perigo de o muro de ruir, pelo menos em parte, é ostensivo e evidente, caminhando para o desmoronamento, o que resulta do seu débil estado, das anomalias, que com o tempo e com as plantações efetuadas próximo do mesmo pelos Réus, se vão agravando, sem ter drenagem, pelo que poderão bastar, até, normais e previsíveis, chuvas mais intensas e persistentes para agravar consideravelmente o risco de ruir, de um muro de suporte de terras, que não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras), sendo que, como se verifica sofreu já fissuração, deformação, deslocamento, deterioração da argamassa de revestimento, infiltrações de água e e desabamentos.

O risco de que essa ruína venha a causar dano ao prédio vizinho existe dada a presença nele de inúmeras pessoas e bens.

Também se verifica a necessidade e adequação das providências para evitar o dano, pois que o que a Autora pretende é que sejam realizados os necessários trabalhos de reposição do muro em situação consolidada e sustentada (sanando os problemas que o mesmo apresenta, nomeadamente com construção em betão, com a segurança e solidez à sobrecarga e com realização de trabalhos necessários a que a drenagem seja efetuada).

Por força da conjugação dos já citados artºs 1350º e 492º C.Civ., manifestou a Autora um concreto jus a que os Réus efetuem as obras necessárias à remoção do perigo, isto é, à realização dos trabalhos de consolidação solicitados e à colocação de drenos de profundidade, a fim de evitar o perigo de derrocada, em ocasião de grande pluviosidade. A condenação na execução de tais obras constitui uma forma de exercício do direito de prevenir o dano, assegurando as necessidades da Autora (que pode sofrer tal dano), mas tendo em conta o menor prejuízo que decorre para os RR., nos estritos termos do artº 1350º C.Civ (15).

Destarte, existe perigo de ruína de um muro de suporte de terras, construído em blocos/alvenaria de tijolo, sobre um muro de betão ciclópico assente sobre um muro existente em alvenaria de pedra, que, sem drenagem, não oferece capacidade resistente às cargas transmitidas (impulso hidráulico e terras), sofre de fissuração, de deformação, de deslocamento, de deterioração da argamassa de revestimento, de infiltrações de água e de desabamentos, anomalias que se vêm agravando com o tempo e que mais se agravaram, ainda, com plantação de árvores e plantas, efetuada pelos Réus junto ao mesmo.

Sendo no prédio vizinho explorado um complexo de piscinas, frequentado diariamente por muitas pessoas, designadamente por crianças e jovens, existe risco de que essa ruína venha a causar dano a esse prédio e a necessidade e adequação da providência para evitar o dano estão, também, presentes no pedido de condenação na realização dos trabalhos de reposição consolidada e sustentada do muro, assim se mostrando integralmente preenchidos os requisitos da providência solicitada, destinada a evitar a ruína do muro dos Réus que delimita o prédio destes do da Autora.

A condenação na execução de obras constitui a forma de exercício do direito adequada a assegurar as necessidades da Autora que tem em conta, também, o menor prejuízo que decorre para os Réus, satisfazendo, até, o próprio interesse destes em ver, também para si, o seu muro seguro, desenhando-se assim a providência solicitada como equilibrada.

Assim, estão os Réus obrigados a tomar as solicitadas providências preventivas de conservação do muro, para evitar que o mesmo se desmorone.
*
b) Do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e do direito de indemnização

Pretende, ainda, a Autora ser indemnizada pelos Réus pelos danos por si sofridos, decorrentes da conduta ilícita e abusiva destes, que devido ao perigo de ruina do seu muro sobre o prédio vizinho, que criaram, têm feito com que se veja impedida de rentabilizar o seu prédio em toda a sua plenitude, relegando a liquidação da indemnização para momento ulterior à sentença.

Refira-se que na responsabilidade civil cabe distinguir a:

1- Responsabilidade civil contratual, que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos;
2- Responsabilidade civil extracontratual que é a que advém da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem, sendo categorias desta:

a) a emergente de atos ilícitos;
b) a emergente de atos lícitos (ato consentido por lei mas que a mesma lei considera de justiça que o seu titular indemnize o terceiro pelos danos que lhe causar);
c) a emergente do risco (alguém responde pelos prejuízos de outrem em atenção ao risco criado pelo primeiro).

O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil:

- no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º;
- no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 5620 a 5720;
- e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor – artigos 798º a 812º.

Alicerça a Autora a sua pretensão indemnizatória em responsabilidade civil extracontratual dos Réus.

Na verdade, a responsabilidade civil contratual distingue-se da extracontratual ou aquiliana pelo facto de naquela estar em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e esta emergir da violação de deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado.

Estas duas categorias de responsabilidade civil - porque diferentes - foram tratadas pelo Código Civil em secções distintas quanto à regulação da sua fonte (nos artigos 483.º ss para a responsabilidade civil extracontratual e nos artigos 798.º e ss para a responsabilidade contratual), ainda que seja hoje dominante uma corrente que considera não ser esta repartição estanque, existindo normas no sector reservado à responsabilidade delitual que se aplicam, manifestamente, à responsabilidade contratual, como é o caso das referentes à obrigação de indemnizar, que foi objeto de um tratamento unitário pelo legislador nos artigos 562.º e seguintes.

Dispõe o artigo 483°, sob a epigrafe "princípio geral" que:

1. “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

São, pois, pressupostos da responsabilidade civil:

1- a prática de um facto voluntário;
2 - a ilicitude de tal facto (que é a infração de um dever jurídico, por violação direta de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida);
3 - a verificação de um nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente);
4 - Dano (perda que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar);
5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (tendo o facto de constituir a causa do dano).

Na responsabilidade extracontratual incumbe ao lesado o ónus de provar todos os referidos pressupostos consagrados no nº1, do art. 483º, entre eles, como vimos, a culpa do autor da lesão, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, salvo existindo presunção especial de culpa, já que a obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, só existe nos casos especificados na lei - v. nº 2 do artigo 483º do Código Civil.

Como afirma o Tribunal a quo, tem o pedido indemnizatório da Autora por base responsabilidade civil extracontratual dos Réus, sendo que “O direito a que alude o disposto no artigo 1350.° Código Civil (ruína de construção) é lícito ser, em concreto, cumulado com quaisquer pedidos indemnizatórios.” (16) (17).

Tendo o direito à indemnização naquela fundado como pressupostos, cumulativos, a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, da falta de verificação de um deles resulta a inexistência de responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, a não constituição na obrigação de indemnizar. E à Autora, que invoca o direito, incumbia a prova daqueles pressupostos, constitutivos do mesmo (nos termos do nº1, do artigo 342.º).

Verifica-se, porém, in casu, que, como decidiu o Tribunal a quo, nenhuns concretos danos resultaram ter sido sofridos pela Autora - cfr. factualidade não provada, designadamente o ponto 10 -, não estando, por isso, preenchido o referido pressuposto da responsabilidade civil extracontratual e, como tal, não se encontram os Réus constituídos na obrigação de a indemnizar.

Assim, acontece, na verdade, pois que apesar de existir, como vimos, obrigação dos Réus de tomarem as providências necessárias para eliminar o perigo, nenhuns concretos danos resultaram provados terem-se verificado.

Com efeito, não resultou provado que, com a sua referida conduta, os Réus tenham feito com que a Autora se tenha ficado impedida de rentabilizar o seu prédio em toda a sua plenitude (cfr. ponto 10) e nenhum outro concreto dano/prejuizo resultou provado que a Autora tenha sofrido, diretamente decorrente da situação de perigo de ruina do muro.

Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação quanto às providências para evitar a derrocada do muro, improcedendo relativamente ao pedido indemnizatório formulado.

Deve, por isso, a decisão recorrida ser, apenas, parcialmente revogada.
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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam parcialmente a decisão recorrida, condenando os Réus a efetuarem os trabalhos de reposição do muro em situação consolidada e sustentada (sanando os problemas que o mesmo apresenta, nomeadamente com construção em betão, com a segurança e solidez à sobrecarga e com realização de trabalhos necessários a que a drenagem seja efetuada), nos termos mencionados nos artigos 51.º a 55.º da petição inicial, mantendo-se a mesma no demais.
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Custas, quer nesta instância de recurso quer na 1ª instância (relativamente à ação), por A./apelante e RR/ apelados, na proporção de 1/8 para a primeira e 7/8 para os segundos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
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Guimarães, 4 de abril de 2019
(Assinado digitalmente pelos Senhores Juízes Desembargadores

Eugénia Cunha (relatora), José Flores e Sandra Melo)


1. Relatora: Eugénia Cunha;1º Adjunto: José Manuel Flores; 2ª Adjunta: Sandra Melo
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, Almedina, págs 155-156
3. Acórdãos RC de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
4. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
5. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
6. Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
7. Ac. do STJ de 29/3/2012, processo 6150-06.2TBALM.L1.S1, in dgsi.net
8. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direitos Reais, 2017, 6ª Edição, Almedina, pág 161
9. Ibidem, pág 173 e seg
10. Ibidem, págs 185 e seg
11. Luís Menezes Leitão, Idem, pág 186
12. Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 172.
13. A. Meneses Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 598
14. Luís Menezes Leitão, Idem, pág 186
15. Ac. da RP de 22/9/2009, processo 1043/06.6TJVNF.P1, in dgsi.net
16. Ac da RP de 22.09.2009, processo 1043/06.6TJV.P1,in dgsi.net e Cfr Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, Abril, 2018, Ediforum, pág. 1234
17. V., ainda, Ac. do STJ de 29/3/2012, processo 6150-06.2TBALM.L1.S1, in dgsi.net