Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
234/17.9T8VLN.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: PARTILHA DO PATRIMÓNIO COMUM
PARTILHA INVÁLIDA
IMPERATIVIDADE DA LEI
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I - Sobre a participação dos cônjuges no património comum, o comando legal ínsito no artigo 1730º, nº1, do Código Civil prescreve que os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.

II - Atenta a imperatividade da lei, qualquer estipulação contrária à regra da metade torna inválida a partilha do património comum.

III - Teve-se em primeira conta a necessidade de se afastar o risco de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico eventualmente adquirido sobre o outro para obter uma distribuição mais vantajosa do património.

IV - Quis-se também salvaguardar os interesses de terceiros, cujas expectativas na manutenção do regime de bens convencionado ou fixado por lei pudessem vir a ser defraudadas, caso o mesmo pudesse ser alterado livremente por acordo dos cônjuges através de acordos de partilha.

V - Impondo a lei que os cônjuges participam forçosamente por metade no património comum, mesmo que a vontade das partes seja a de fazer um acordo de partilha de bens em que a regra da metade seja afastada – por razões que só a elas dizem respeito - sempre tal partilha será nula, com base no referido normativo legal, se resultar da estipulação contratual para uma das partes uma quota inferior a metade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I-RELATÓRIO

Cristina (…) instaurou contra Paulo (…) a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, formulando os seguintes pedidos:

a) se proceda à emenda a partilha por falta de acordo, nos termos do disposto no art. 71° n° 2 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, condenando o R. a:

1) Alterar o valor atribuído às verbas do ativo, constantes do mapa de partilha, para os seus valores venais;
2) Sejam recalculados e apurados os quinhões nos termos do artigo 1790º do Código Civil;
3) Seja, no seguimento, retificado o valor das tornas efetivamente devidas;
4) Seja o R. condenado no pagamento de tornas à A.

b) Caso assim não se entenda, deve o procedimento de partilha ser considerado nulo e o R. ser condenado a proceder a nova partilha das verbas descritas neste articulado, com os valores de mercado.
6) seja o R. condenado no pagamento de danos morais avaliados em €2.000,00 (dois mil euros) e em danos patrimoniais de valor nunca inferior a €250,00 (duzentos e cinquenta euros).

Contestou o R. invocando a exceção da caducidade do direito de arguir a anulabilidade, no mais impugnando a factualidade alegada pela A., concluindo pela improcedência da ação.

Foi proferida sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, decidiu declarar nulo o procedimento de partilha outorgado entre A. e R.. em face da manifesta desproporcionalidade da partilha do património do casal dissolvido.
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Inconformado com a sentença, veio o Réu recorrer, formulando as seguintes conclusões:

- Vem o presente recurso do despacho saneador-sentença que decidiu julgar procedente a ação, no que ao pedido subsidiário concerne, e, em consequência, declarar nulo o procedimento de partilha outorgado entre a Autora e o Réu.
- Ao recurso ora interposto roga o apelante seja dedicada a maior atenção, e efetividade no escrutínio, porquanto, no seu firme entender, a decisão da primeira instância viola vários dos ditames por que se deve pautar o fiel desempenho da função jurisdicional, não se ancorando nas traves mestras do processo de construção da Justiça.
- De facto, no caso sub judice, a decisão recorrida claramente não convence do seu mérito e bondade, e muito menos nesta fase, sem que às partes seja dada sequer a possibilidade de produzir prova, através da instrução e discussão da causa, em ordem a demonstrar que não tem qualquer sentido, no caso sub judice, a aplicação, cega, da chamada “regra da metade”;
- Não traduzindo a decisão proferida uma acertada interpretação e aplicação da lei e do direito atinentes à matéria e à questão cuja apreciação vem suscitada, assim como traduzindo, antes, um desrespeito para com o silogismo judiciário que se impõe cumprir numa decisão jurídico-processual de mérito, pecando por falta de uma fundamentação clara, objetiva, assertiva, suficiente.
- Na contestação que introduziu em juízo, o Réu/apelante deduziu defesa por exceção e também por impugnação.
- A título de exceção, alegou o Réu matéria factual consubstanciadora do abuso de direito, na modalidade do “venire contra factum proprium”, e, bem assim, a caducidade do direito de ação;
- Mais alegou o Réu, em termos de impugnação, a sua contribuição para os bens comuns do casal, com bens e poupanças que a ele, e só a ele, pertenciam, do seu tempo de solteiro, assim como a liquidação, após o casamento, de um empréstimo contraído pela Autora para pagamento de um imóvel por ela adquirido ainda no seu tempo de solteira.
- O Tribunal “a quo” não apreciou nem se pronunciou, como lhe competia, sobre a matéria de exceção alegada pelo Réu e, designadamente, no que às exceções do abuso de direito e da caducidade do direito de ação concerne;
- Tal omissão de pronúncia conduz à nulidade da sentença.
10º- Por outro lado, não se pode pegar na partilha exarada no documento nº 3 da petição inicial (de fls. 13 a 15 dos autos), agarrar-se ao teor literal dos números aí postos ou atribuídos aos bens comuns e aos bens “próprios” nela (partilha) enunciados, despidos de tudo quanto a tal respeito foi alegado pelas partes, e concluir-se, sem mais, pela nulidade da partilha, por violação da regra da metade.
11º- A decisão em recurso comete vários “pecados”, entre os quais o de considerar que os valores pelos quais foi feita a partilha são meramente patrimoniais e não os valores venais dos mesmos, e, não obstante essa consideração, fazer o uso de tais valores (que se consideram meramente patrimoniais) para sustentar a anulação da partilha.
12º- De facto, acaso a usar se viessem os valores venais, à data da partilha, dos bens partilhados, e acaso a permitir se viesse a produção de prova e a consideração dos valores com que cada um dos partilhantes contribuiu, no antes e no pós casamento, para tais bens, considerando, ainda, a diferente proporção que cada um deles assumiu no pagamento do passivo da responsabilidade comum do extinto casal, certamente que a concluir se viria que a dita regra da metade não se mostra violada na partilha em pronúncia. Efetivamente,
13º- Não se poderia determinar a anulação da partilha sem a comprovação do valor venal ou real dos bens partilhados à data da sua efetivação, o que não se mostra apurado (seja por recurso a prova pericial, à avaliação de tais bens, ou a qualquer outra prova admissível).
14º- Outrossim se não poderá considerar, e dar como provado, que à data da partilha, e para efeitos da mesma, constituíam bens próprios do cônjuge mulher os descritos sob as verbas nºs 1, 3 e 6 do “Ativo” a partilhar, e bens próprios do cônjuge marido os identificados sob as verbas nºs 4 e 5 do mesmo “Ativo”.
15º- O que acaba de se dizer contende com o disposto no artigo 1.790º do Código Civil, segundo o qual “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”.
16º- Conforme é consabido, e pacificamente aceite, quando naquele artigo 1.790º se diz que nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos, não se está a querer dizer que se o regime de bens do casamento foi o da comunhão geral há que considerar, para efeitos de partilha, que o regime que vigorou foi o da comunhão de adquiridos. O regime de bens não é, de forma alguma, alterado.
17º- O que o legislador teve em vista foi, antes, estabelecer o princípio de que os cônjuges não podem receber maior valor do que o que lhes caberia receber se o casamento tivesse sido contraído segundo o regime de comunhão de adquiridos (e não subtrair da comunhão da massa de bens comuns aqueles que cada um deles levou para o casamento, ou adquiriu, na constância deste, a título gratuito).
18º- Transpondo o que acaba de se dizer para a situação sub judice, há que concluir que (todos) os bens submetidos à partilha outorgada entre a Autora e o Réu mantém a natureza de bens comuns, como tal sendo partilháveis, simplesmente não podendo qualquer dos cônjuges receber, por via de tal partilha, maior valor do que aquele que receberiam se tivessem casado sob o regime da comunhão de adquiridos.
19º- O cerne da questão residirá, pois, e antes, nos valores a perceber por cada um dos ex-cônjuges, ou nas compensações que a cada um são, por força da aplicação daquele dispositivo, devidas (e não na natureza dos bens a partilhar).
20º- Ora, tal como sucede com o valor venal dos bens à data da partilha, o atingimento ou apuramento do concreto valor que cada um dos ex-cônjuges tinha do seu tempo de solteiro, ou com o qual contribuiu, com as suas poupanças, ou com o seu trabalho, em momento prévio ao do casamento, e em prol dos bens que se tornaram comuns, jamais se logrará sem a possibilidade de, com a instrução e discussão da causa, se vir a discutir, e apurar, tais valores, essenciais para que a concluir se venha, depois, se foi, ou não, violada a regra da metade.
21º- É que a referida regra da metade, positivada no artigo 1.730º do Código Civil, não pode perspetivar-se, no caso sub judice, atendendo aos bens ou poupanças que cada um dos cônjuges tinha do seu tempo de solteiro, ou que cada um deles levou para o casamento, sem a consideração do disposto no artigo 1.790º do mesmo diploma legal, preceitos que, em concreto, tem necessariamente de se conjugar.
22º- Não pode deixar de atentar-se na vasta documentação que o Réu/apelante aportou ao processo por via dos seus requerimentos entrados em juízo com data de 14/04/2018 e 10/06/2018, demonstrativos de que, somente em materiais, despendeu ele, das suas poupanças de solteiro, e na construção da casa que viria a ser terminada já após o casamento, importância pecuniária superior a 80.000,00 €uros (a que acresce o valor da mão de obra aí empregue, por ele, e por familiares e amigos seus, com igual correspetividade de prestação de força laboral nas obras deles).
23º- O Tribunal “a quo” não pode ter receio de ordem alguma, ou coartar, ao Réu, a possibilidade de vir a demonstrar qual o valor da sua contribuição, com poupanças suas, e só suas, para os bens comuns do casal.
24º- O Tribunal “a quo” não pode deixar de considerar, para concluir como concluiu, a diferente proporção que cada um dos ex-cônjuges assumiu na responsabilidade pelo pagamento do passivo do casal (tal repartição de responsabilidades no pagamento do passivo – 35% para a Autora e 65% para o Réu - foi meticulosamente calculada para que nenhum deles ficasse mais ou menos prejudicado ou avantajado na partilha).
25º- Em apreciação quanto ao exarado nos terceiro e quarto parágrafos da página 9 da sentença em recurso, cabe dizer que na partilha em questão o Réu, contrariamente ao que sucedeu com a Autora, se encontrava desacompanhado de advogado, que o assessorasse e esclarecesse acerca das consequências jurídicas eventualmente decorrentes do que em tal título se fez constar, em termos de valores;
26º- Valores esses que aí são esses como, atendendo à consensualidade e recíproca aceitação dos termos da partilha, poderiam perfeitamente ter sido outros;
27º- Sendo incontornável que o que para os partilhantes importava, à data da partilha, era a distribuição dos bens, via adjudicações, e a proporção que cada um deles assumia na responsabilidade pelo pagamento do passivo. De resto,
28º- O que consta, nesse particular, do procedimento de partilhas (que a casa foi construída na sequência do casamento, a expensas de ambos os partilhantes), não invalida, de modo algum, que a sua construção tenha sido iniciada pelo Réu, muito antes ainda da data do casamento, e, bem assim, que tenha sido diferente a contribuição de cada um deles para tal construção, ou que nela tenham sido aplicadas as poupanças que o Réu tinha do seu tempo de solteiro.
29º- Não o entendendo conforme explanado nestas alegações, a douta sentença objeto deste recurso violou, além do mais, o disposto nos artigos 1.730º e 1.790º do Código Civil, e 608º e 615º do novo C. P. Civil.

Pugna o Recorrente pela procedência da apelação e revogação da sentença recorrida.
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Foram apresentadas contra-alegações, em que se pugna pela manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:

i) nulidade da sentença por omissão de pronuncia;
ii) da suficiência da prova para o conhecimento da invalidade da partilha;
iii) se o estatuído no n.º 1 do art. 1730.º do Código Civil obsta a que os partilhantes possam validamente outorgar a partilha de bens comuns em que a um deles seja atribuído menos de metade do seu valor.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:

1.1. A Autora (A.) e o Réu (R.) contraíram casamento católico, em .. de … de 2007, com convenção antenupcial, lavrada por auto na Conservatória de (…), no dia .. de … de 2007, em primeiras núpcias de ambos, cfr Assento de Casamento nº (…) da Conservatória do Registo Civil/Predial/Comercial de …, tendo adoptado o regime da comunhão geral de bens, Cfr. Doc. 1 junto com a p.i., fls. 11.
1.2. O casamento foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de …, já transitado em julgado, cfr doc. 2 junto com a p.i. a fls.12.
1.3. Assim como transitou em julgado o Procedimento Simplificado de Partilha em casos especiais, lavrada na mesma Conservatória do Registo Civil, que dividiu o património comum do casal, cfr doc. 3 junto com a p.i. (fls. 13 e ss).
1.4. Na referida partilha e sob a verba nº 2, relacionou-se e descreveu-se o seguinte prédio: Prédio urbano composto por casa de R/C, destinada à habitação, sita no lugar ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar de Norte com caminho Público, de Sul com Proprietária, Nascente com José … e Poente Proprietária, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o nº (…) descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º (…) , com o valor patrimonial de € 134.762,10 (cento e trinta e quatro mil, setecentos e sessenta e dois euros e dez cêntimos) e o atribuído de igual valor.
1.5. E, relacionada e descrita sob a verba nº 3, o prédio rústico, composto por terreno de cultura, pastagem e pinhal, denominado “(…) ”, sito no lugar ..., da freguesia de ..., a confrontar de Norte com Caminho, Sul com Maria … e outro, Nascente José … e Poente Glória … e outros, com a área de 8.520 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo (…) descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º (…) , com o valor patrimonial e atribuído de € 414,86 (quatrocentos e catorze euros e oitenta e seis cêntimos).
1.6. Da composição do quinhão adjudicado ao R. constam as aludidas verbas pelos valores constantes da relação de bens, que soma o valor global de €135.176,96 (cento e trinta e cinco mil, cento e setenta e seis euros e noventa e seis cêntimos).
1.7. Sendo estes os valores meramente patrimoniais e não os valores venais dos mesmos.
1.8. Do casamento entre A. e R. nasceu, em 5/12/2008, uma filha Leonor (…) (Assento de Nascimento nº (…) da Conservatória do Registo Civil de …), cfr doc. 4 (fls. 15 vº).
1.9. Consta da Relação de Bens a Partilhar, no âmbito do Procedimento de Partilha do Património Conjugal (cf. doc. de fls. 13 e ss):
“RELAÇÃO DE BENS A PARTILHAR”
ACTIVO
IMÓVEIS
Verba nº 1: Fracção autónoma designada pela letra “(…), correspondente ao quarto andar esquerdo e uma arrecadação no sótão, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta (…), nº …, freguesia de …, (…), concelho de (…), destinada à habitação, descrito sob o nº (…), da Conservatória do Registo Predial de …, inscrito na matriz sob o artigo (…) com o valor patrimonial de €56.4560,00 e atribuído de igual valor;
Inscrições em vigor sobre o imóvel: Ap. 26 de 2000/10/13 – aquisição por compra a favor de Cristina …, no estado de solteira.
[...]
Verba nº 2: Prédio urbano, composto por casa de R/C, destinada à habitação, sita no lugar de (…)s, freguesia de (…), concelho de ..., a confrontar de Norte com caminho Público, de Sul com Proprietária, Nascente com José … e Poente Proprietária, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo (…), descrito na Conservatória de Registo Predial de (…) sob o n.º (…), com o valor patrimonial € 134.762,10 e atribuído de igual valor;
Inscrições em vigor sobre o imóvel: - Ap. 3 de 2006/04/06 – aquisição por doação a favor de Cristina ….
[...]
Verba nº 3: Prédio rústico, composto por terreno de cultura, pastagem e pinhal, denominado “(…)”, sito no lugar ..., da freguesia de ..., a confrontar de Norte com Caminho, Sul com Maria … e outro, Nascente José … e Poente Glória … e outros, com a área de 8520 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (…) sob o artigo (…), descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º (…) com o valor patrimonial de € 414,86 e atribuído de igual valor;
Inscrição em vigor sobre o imóvel: - Ap. 3 de 2006/04/06 – aquisição por doação a favor de Cristina ….
Verba nº 4: Prédio rústico, composto por terreno de cultivo, denominado “Leira da (…) ”, sito no lugar de Igreja, da União das Freguesias de …, (..) e, descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º (…), com o valor patrimonial de € 45,80 e atribuído de igual valor;
Inscrição em vigor sobre o imóvel: - Ap. 31 de 2008/10/17 – aquisição por sucessão hereditária e partilha a favor de Paulo ….
Verba nº 5: Prédio rústico, composto por leira de vinha e ramada, denominado “Leira (..)”, sito no lugar de …, da União das Freguesias de (…) descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º (…) com o valor patrimonial de € 7,94 e atribuído de igual valor.
Inscrição em vigor sobre o imóvel: - Ap. 31 de 2008/10/17 – aquisição por sucessão hereditária e partilha a favor de Paulo ….
MÓVEIS SUJEITOS A REGISTO
Verba nº 6: Veículo automóvel com a marca Peugeot, modelo 306 (7SDJYE), matrícula (…), com o valor atribuído de €1.000,00.
Verba nº 7: veículo automóvel com a marca Renault, modelo Mégane, matrícula (…), com o valor atribuído de € 13.500,00.
PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SUJEITAS A REGISTO
Verba nº 8: Quota com o valor nominal de €2.500,00, na sociedade comercial por quotas, que gira sob a firma “(…), LDA”, com sede na Rua Tenente (…), Loja 1, r/c, na freguesia de (…), concelho de ..., com o capital social de €5.000,00 (cinco mil euros), integralmente realizado, com a matrícula e NIPC (…) quota com o valor atribuído de €2.500,00.
PASSIVO
Verba nº 9: dívida decorrente de um empréstimo contraído junto da “Caixa ..., S.A.”, que à data de sete de Janeiro de dois mil e quinze, perfazia o valor de €130.104,24.
1.10. À data da partilha e para efeitos da mesma, constituíam bens próprios da cônjuge mulher:
a) Fracção autónoma designada pela letra “(…)”, descrito sob o nº (…), da Conservatória do Registo Predial de Santarém, com o valor patrimonial de €56.4560,00 (Verba nº 1)
b) Prédio rústico, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º (…), com o valor patrimonial de € 414,86 (Verba nº 3) c) Veículo automóvel com a marca Peugeot, com o valor atribuído de €1.000,00 (Verba nº 6).
1.11. À data da partilha e para efeitos da mesma, constituíam bens próprios do cônjuge marido:
d) Prédio rústico, descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º (…), com o valor patrimonial de € 45,80 (Verba nº 4)
e) Prédio rústico, descrito na Conservatória de Registo Predial de … sob o n.º (…) com o valor patrimonial de € 7,94 (Verba nº 5).
1.12. Autora e Ré declararam no acto da partilha do património conjugal que:

“No entanto, a casa (da verba 2) foi construída na sequência do casamento, a expensas de ambos os partilhantes, pelo que, para efeito de apuramento de quinhões, nos termos do referido artigo 1790º, acordam em atribuir ao terreno doado o valor de dez mil euros, e o valor de €124.762,10 à casa construída com dinheiro comum, reconhecendo que o mencionado valor consiste num crédito de compensação devido em favor do património comum.”
1.13. Mais declararam que os restantes bens (verbas 7, 8 e 9), bem como o crédito de compensação referente à verba nº2 são bens comuns.
1.14. Em 6/12/2016, a A. teve conhecimento que o R. pretendia a venda do prédio urbano descrito supra em 1.4. (da verba bº2), pelo valor de €298.000,00 (duzentos e noventa e oito mil euros) - cfr doc. de fls. 19 vº e ss.
1.15. Conhecimento este alicerçado pela carta registada com aviso de recepção enviada pelo R. à A., de fls. 23 e ss.
1.14. A A. assumiu a parte do empréstimo bancário, que constitui o passivo da relação de bens (verba nº9), ficando a A. com a assunção de 35% do valor de passivo, ou seja, no valor de €45.536,48, cabendo ao R. 65% do mesmo no valor de €84.567,76;
1.15. Por efeito da partilha, ao cônjuge marido couberam verbas no valor de €148.730,70, sendo que o valor do seu quinhão ascendia a €70.434,79 (€53,74 (bens próprios) + €70.381,05 (a meação).
1.16. À cônjuge mulher foram adjudicadas verbas no valor de €59.960,00, sendo que o valor do seu quinhão ascendia €138.255,91 (bens próprios €67.874,86 + valor da meação €70.381,05.
1.17. No acto da partilha, A. e R declararam nada terem a pagar ou receber um do outro.
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A primeira instância, com relevo para a decisão da causa não considerou provados quaisquer outros factos.
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3.2. O Direito

3.2.1. Da nulidade da sentença

Sustenta o Recorrente que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, porquanto o tribunal não se pronunciou sobre a matéria de exceção do abuso de direito e da caducidade do direito de ação.

A nulidade referida no art. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil ocorre quando o juiz, na sentença, não resolve todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Donde, não estaremos perante um vício de omissão de pronúncia quando o juiz deixe de se pronunciar, na sentença, sobre uma questão cuja apreciação esteja prejudicada pela solução dada ao litígio.

Foi o que ocorreu no caso concreto.

O Mmº Juiz a quo tendo começado por apreciar a validade da partilha, concluiu pela sua nulidade, por violação do disposto no artigo 1730º, nº1 Código Civil que estipula que os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.
Trata-se de disposição de caráter imperativo, sendo a nulidade do acordo de partilha de conhecimento oficioso.
Em face da decisão de nulidade da partilha, as exceções suscitadas pelo Réu na sua defesa ficaram prejudicadas.

Termos em que improcede, nesta parte, a apelação.
*
3.2.2. Da suficiência da prova para o conhecimento da invalidade da partilha e a questão de saber se o estatuído no n.º 1 do art. 1730.º do Código Civil obsta a que os partilhantes possam validamente outorgar a partilha de bens comuns em que a um deles seja atribuído menos de metade do seu valor

O Recorrente considera que mostrando-se ainda controvertidos factos alegados que, com relevância, contendem com a questão da anulação da partilha sobre a qual o Tribunal decidiu pronunciar-se no despacho saneador, não deveria o Tribunal a quo ter conhecido imediatamente, nessa fase processual, do mérito desse pedido.

Concretiza nas suas alegações de recurso, que não se pode determinar a anulação da partilha sem a comprovação do valor venal ou real dos bens partilhados à data da sua efetivação, o que não se mostra apurado (seja por recurso a prova pericial, à avaliação de tais bens, ou a qualquer outra prova admissível). Outrossim se não pode considerar, e dar como provado, que à data da partilha, e para efeitos da mesma, constituíam bens próprios do cônjuge mulher os descritos sob as verbas nºs 1, 3 e 6 do “Ativo” a partilhar, e bens próprios do cônjuge marido os identificados sob as verbas nºs 4 e 5 do mesmo “Ativo”, pois que haverá ainda que apurar os valores com que cada um dos partilhantes contribuiu, no antes e no pós casamento, para tais bens.

Salvo o devido respeito, para além da circunstância da posição defendida pelo Réu em sede de alegações de recurso ser bem diferente da sustentada na sua contestação (sempre defendeu o Réu a validade da partilha talqual consta do procedimento simplificado de partilha, quer quanto aos valores atribuídos aos bens, à sua natureza de bens próprios ou comuns, quer quanto à respetiva repartição e adjudicação), a verdade é que para a questão da validade do negócio jurídico em apreciação, o apuramento de tais factos não assume relevância.

A questão essencial posta no recurso é a de saber se o que está estatuído no n.º 1 do art. 1730.º do Código Civil obsta a que os partilhantes possam validamente outorgar a partilha de bens comuns em que a um deles seja atribuído menos de metade do seu valor.

A resposta é no sentido positivo.

Atenta a imperatividade da lei, qualquer estipulação contrária à regra da metade torna inválida a partilha do património comum.

O teor literal do preceito não consente outra interpretação ou diferente atribuição.

Com efeito, sobre a participação dos cônjuges no património comum, o comando legal ínsito no artigo 1730º, nº1, do Código Civil prescreve que os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso.

A redação legal mostra claramente que cada um dos cônjuges tem de participar forçosamente por metade.

No ato de partilha subsequente à dissolução do casamento, há-de, pois, imperativamente, atribuir-se a cada um dos cônjuges metade do ativo e metade do passivo (1).

Depois, apresenta-se o fundamento teleológico.

Esta é a solução que corresponde à melhor ponderação dos interesses dos cônjuges e sua salvaguarda e ainda à salvaguarda dos interesses dos terceiros e da segurança jurídica.

Teve-se em primeira conta a necessidade de se afastar o risco de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico eventualmente adquirido sobre o outro para obter uma distribuição mais vantajosa do património.

Quis-se também salvaguardar os interesses de terceiros, cujas expectativas na manutenção do regime de bens convencionado ou fixado por lei pudessem vir a ser defraudadas, caso o mesmo pudesse ser alterado livremente por acordo dos cônjuges através de acordos de partilha (2).

Aliás, estes fundamentos são os mesmos pelos quais são considerados nulos os acordos de partilha de bens em violação do princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento (art. 1714° do Código Civil) (3).

Em suma, impondo a lei categoricamente que os cônjuges participam por metade no património comum, mesmo que a vontade das partes seja a de fazer um acordo de partilha de bens em que a regra da metade seja afastada – por razões que só a elas dizem respeito - sempre tal partilha será nula, com base no referido normativo legal, se resultar da estipulação contratual para uma das partes uma quota inferior a metade.

A lei não só retira da disponibilidade das partes o conteúdo do acordo de partilhas no que respeita à não igualização, como fere de nulidade a sua violação.

Tal é o que ocorre no caso sub judice.

Analisando a partilha do património conjugal que as partes celebraram e que se encontra titulada no documento de fls. 13 a 15 verificamos que:

- ao cônjuge marido couberam verbas no valor de €148.730,70, sendo que o valor do seu quinhão ascendia a €70.434,79 (bens próprios €53,74 + €70.381,05 valor da meação);
- à cônjuge mulher foram adjudicadas verbas no valor de €59.960,00, sendo que o valor do seu quinhão ascendia €138.255,91 (bens próprios €67.874,86 + valor da meação €70.381,05);
- a Autora assumiu a parte do empréstimo bancário, que constitui o passivo da relação de bens (verba nº9), ficando com a assunção de 35% do valor de passivo, ou seja, no valor de €45.536,48, cabendo ao Réu 65% do mesmo no valor de €84.567,76;
- no acto da partilha, Autora e Réu declararam nada terem a pagar ou receber um do outro.

Daqui resulta que, considerando o valor da sua meação, o cônjuge marido levou a mais o valor de €78.304,91 (148.730,70 – 70.434,70), assumindo 65% do passivo; considerado o valor da sua meação a cônjuge mulher levou a menos o valor de €63.872,39, tendo ainda assumido 35% do passivo.

Em face desta repartição do património comum, mesmo considerando a proporção em que o passivo foi partilhado, como se refere na decisão recorrida, verifica-se que foi atribuído a cada um dos cônjuges prestações “líquidas” manifestamente desproporcionais, tendo desde logo em conta o valor da quota parte/quinhão que cabe a cada um dos interessados.

Ressaltando da divisão acordada que se atribui a um dos cônjuges prestações “manifestamente desproporcionais”, a estipulação contratual consubstanciada no procedimento de partilha de fls 13 a 15 é nula por violar a regra da metade. E isto seja qual for a razão ou fundamento que as partes tenham aos seus olhos por validamente subjacente àquele acordo.

Daí que, bem andou a Mmª Juíz a quo ao considerar que a defesa trazida aos autos pelo Réu quanto à distribuição e partilha do passivo não merece acolhimento, pela detetada manifesta desproporcionalidade, tanto mais que as verbas do ativo não foram adjudicadas pelo seu valor real (aqui numa clara alusão, em face dos termos da causa, ao valor patrimonial a que se atendeu na partilha entretanto posto em causa pela Autora por inferior ao valor real e por referência ao preço, muito superior, por que foi vendido o imóvel da verba 2 adjudicada ao Réu).

Tal como não merece acolhimento, como se refere na decisão recorrida, e sempre por referência ao quadro factual e valores comparativos vindos de descrever, por constituir manifesto abuso de direito, na vertente do venire contra factum proprium (artigo 334º Cód. Civil), a defesa alegada (artigos 92º e ss da contestação) e em sede de recurso repetida, e fazendo tábua rasa do por si declarado na própria partilha: “No entanto, a casa (da verba 2) foi construída na sequência do casamento, a expensas de ambos os partilhantes, pelo que, para efeito de apuramento de quinhões, nos termos do referido artigo 1790º, acordam em atribuir ao terreno doado o valor de dez mil euros, e o valor de €124.762,10 à casa construída com dinheiro comum, reconhecendo que o mencionado valor consiste num crédito de compensação devido em favor do património comum.”

E tanto mais é abusiva tal posição, quando é o mesmo Réu, no mesmo articulado, que afirma que “as declarações pelos ex-cônjuges vertidas no documento formalizante da partilha são dotadas de força probatória plena, valendo as mesmas como declarações confessórias extrajudiciais, nos termos do preceituado pelos artigos 352º e 358º, nº 2, do Código Civil. Prescrevendo o artigo 393º do citado diploma legal, no seu nº 2, que estando os factos plenamente provados por documento ou por outro meio com força probatória plena não é admitida, acerca deles, a prova testemunhal” – artigos 59º e 60º da contestação.

De tudo quanto se deixa exposto, resulta que o processo continha já todos os elementos necessários para considerar que o acordo de partilha é nulo por violação da regra da metade estipulada na norma imperativa do art. 1730º, nº1, do Código Civil, tal como veio a ser decidido.

Nestes termos, improcede a apelação.
*
IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 7 de Fevereiro de 2019

Assinado por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º Adj. - Des. Heitor Gonçalves


1. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 5 de Março de 2013, in www.dgsi.pt.
2. Assim, Antunes Varela in "Direito da Família", 1982, pag. 357.
3. Cfc. Rute Teixeira Pedro “A partilha do património comum do casal em caso de divórcio: reflexões sobre a nova redacção do art.º 1790.º do Código Civil”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, pag. 429-474.