Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5225/18.0T8VNF.G2
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
INSOLVÊNCIA DA EMPRESA
DISTRIBUIÇÃO
APRECIAÇÃO DO PARECER/REQUERIMENTO
TRAMITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Ainda que se admita a possibilidade de ser apresentada, em sede de processo especial de revitalização, uma desistência da instância, esta terá de ser formalizada até ao termo do período negocial (por o dito processo perder nesse momento o seu cariz eminentemente voluntário e extrajudicial, sobrepondo-se a partir de então interesses de ordem geral, nomeadamente pertinentes à verificação e resolução de uma eventual situação de insolvência).

II. Perante parecer do administrador judicial provisório que conclua pela insolvência da empresa devedora, e a requeira, deverá o juiz que haja presidido ao processo especial de revitalização respectivo ordenar a remessa daquele à distribuição, para que se inicie um novo e distinto processo (de insolvência), a que ficará apenso aquele outro (de revitalização); e, por isso, caberá exclusivamente ao juiz a quem o dito parecer/requerimento seja distribuído apreciá-lo e tramitá-lo, nomeadamente com a prévia e imperativa audição da devedora e com a realização das diligências probatórias que entenda necessárias para proferir o seu juízo sobre a insolvência requerida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. No dia 03 de Agosto de 2018, S. M. & Filhos, S.A., com sede no Lugar da …, em …, apresentou-se ao presente processo especial de revitalização, pedindo que o mesmo fosse admitido e que se nomeasse administrador judicial provisório a pessoa por si indicada para o cargo.
Alegou para o efeito, em síntese, que não obstante as dificuldades económico-financeiras em que se encontrava, não estaria insolvente, acreditando na sua recuperação.

1.1.2. Tramitados regularmente os autos, foi proferido despacho inicial em 06 de Agosto de 2018 a admitir o processo especial de revitalização e a nomear administrador judicial provisório; foram citados os credores; e foi elaborado e apresentado em 12 de Maio de 2021 um plano de recuperação.

1.1.3. A votação do plano de revitalização decorreu de 26 de Maio de 2021 a 04 de Junho de 2021 (ficando esgotado o prazo de dois meses para conclusão das negociações encetadas com vista à sua aprovação, contado do termo do prazo para se impugnar a lista provisória de créditos, prorrogado por mais um mês), tendo a quase totalidade dos credores que se pronunciaram votado pela sua não aprovação.

1.1.4. A Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) veio, em 4 de Junho de 2021, «desistir da instância, nos termos do disposto no art. 21 do CIRE, deste modo pondo termo imediato ao presente processo especial de revitalização».

1.1.5. O Administrador Judicial Provisório informou o Tribunal, em 07 de Junho de 2021, «que se encontra encerrado o processo negocial» (com bold apócrifo), indo posteriormente «proceder à emissão de parecer sobre se a Devedora S. M. & Filhos, S.A. se encontra ou não em situação de insolvência, devendo primeiramente ouvir os Credores e a própria Devedora».

1.1.6. A Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) defendeu não haver lugar à emissão de um tal parecer, pedindo que fosse homologada a desistência da instância que apresentou após a conclusão das negociações com os credores, aplicando-se para o efeito o art. 21.º do CIRE, face à ausência de norma especial na regulamentação aplicável ao processo especial de revitalização (isto é, sendo a desistência da instância possível até à prolação da sentença declaratória de insolvência).

1.1.7. Os credores que se pronunciaram (v.g. Fazenda Nacional, Banco ..., S.A., X, Limitada, vários credores laborais), defenderam que a Requerente se encontra em situação de insolvência, pedindo que a mesma viesse a ser declarada.

1.1.8. O Administrador Judicial Provisório emitiu parecer, concluindo pela insolvência da Requerente., lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
1.A Devedora não dispõe de contabilidade organizada desde o ano de 2018; 2. A Devedora não dispõe atualmente de trabalhadores, tendo promovido um despedimento coletivo operado a 31/12/2019; 3. A Devedora não tem cumprido com as obrigações perante o estado, após a admissão a PER, no que tange ao pagamento do IMI dos imóveis da sua propriedade e outros impostos; 4. A Devedora não dispõe atualmente de alvará de construção civil, essencial para laborar, face ao objeto social da empresa.
(…)
durante a tramitação do PER foram várias as coimas instauradas à Devedora pelo incumprimento das suas obrigações fiscais e declarativas, nomeadamente: falta da entrega das declarações periódicas de IVA, falta da entrega dos modelos 22 de IRC e 2017 e 2018, o não pagamentos dos pagamentos especiais por conta e não pagamento dos IUCs.
(…)
Sucede que o passivo da Devedora na presente data será consideravelmente superior aos 52.014.391,93 €, atendendo aos seguintes factos: 1. Aos juros de mora constituídos entre a admissão a PER (06/08/2018) e a presente data; 2. Ao acréscimo das indemnizações devidas aos trabalhadores, relativamente ao período decorrente entre a admissão a PER e a efetivação do despedimento, que ocorreu a 31/12/2019; 3. Às contribuições não pagas ao Instituto da Segurança Social, I.P. após a admissão a PER; 4. Aos pagamentos não realizadas a fornecedores durante o PER.
(…)
face ao valor da dívida e da situação patrimonial e à incapacidade de cumprimento generalizado das suas obrigações vencidas por parte da Devedora, motivo que levou ao PER, é entendimento do Administrador Judicial Provisório que, à luz do n.º 1 do artigo 3.º e do artigo 20.º, ambos do CIRE, a Devedora S. M. & Filhos, S.A. encontra-se em situação de insolvência.
(…)»

1.1.9. Foi proferido despacho, indeferindo a homologação da desistência da instância apresentada pela Requerente, declarando findo o processo especial de revitalização e ordenando a remessa do parecer do Administrador Judicial Provisório à distribuição, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
É entendimento deste tribunal que o art.º 21 CIRE - desistência do pedido ou da instância no processo de insolvência - não se pode aplicar, analogicamente ao PER, sob pena de se furtar o requerente, em situação de insolvência, à sua declaração judicial, fazendo do processo uso reprovável.
(…)
Assim, e por todo o exposto, indefiro o requerido pedido de desistência da instância.
Considerando o teor do parecer emitido pelo Sr. AJP, ao abrigo do disposto no art.º 17 G,3 e 4 CIRE, declaro findo o presente processo especial de revitalização, determinando que o parecer que antecede seja remetido à distribuição, iniciando-se, assim, processo de insolvência.
Custas pela devedora.
Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com o último despacho referido, a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado procedente.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

I. Entendeu a decisão ora posta em crise que não é aplicável o art. 21.º do CIRE, sob pena de se furtar o requerente, em situação de insolvência, à sua declaração judicial, fazendo do processo uso reprovável.

II. A recorrente não concorda com essa decisão.

III. Entende a recorrente que dispõe da faculdade de: Desistir das negociações nos termos do disposto no art. 17G n.º 5 do CIRE mas não tem a obrigação de o fazer, pois tal imposição não resulta do normativo em análise e sempre a mesma teria de obedecer a determinados pressupostos, nomeadamente o momento temporal e as notificações aos credores. Desistir da instância nos termos do disposto no art. 21.º do CIRE.

IV. No caso dos autos, a recorrente apresentou desistência da instância já após a conclusão das negociações com os credores, nos termos do preceituado no art. 21 do CIRE, aplicável nos presentes autos face à ausência de norma especial sobre a desistência de instância ou do pedido, conforme previsto no n.º3 do art. 17 A do CIRE, obviamente com as necessárias adaptações.

V. A recorrente estava em tempo de o fazer, tendo-se vindo a entender que tal desistência pode ser feita nesses termos e desde que, dê entrada antes da prolação de sentença declaratória de insolvência. AC. TRG processo n.º 84/13.1TBGMR.G1 de 01.10.2013 em www.direitoemdia.pt

VI. Podendo a recorrente desistir da instância, não estavam assim os presentes autos sujeitos à emissão de parecer sobre se a recorrente se encontra ou não em insolvência.

VII. A emissão de parecer previsto no n.º 4 do art. 17 G do CIRE é apenas aplicável para as situações previstas no n.º 1 e 5 do art. 17.º G do CIRE: quando não seja possível alcançar acordo com os credores no decurso das negociações, quando seja ultrapassado o prazo previsto no n.5 do 17.º D do CIRE ou quando a empresa ponha termo às negociações.

VIII. Não é essa a situação dos autos, que não se enquadra em nenhum dos normativos referidos.

IX. Assim, não deveria o tribunal a quo ter recebido o parecer do Sr. Administrador Judicial e com base nele encerrar o processo e remeter os autos para insolvência.

X. Deverá assim, essa decisão ser substituída por outra que defira a desistência da instância apresentada pela recorrente e se pronuncie no sentido de, não ser nesse caso, aplicável a emissão de parecer do AJP sobre a insolvência.

XI. A decisão do tribunal encontra-se inquinada pelas seguintes nulidades: por falta fundamentação, omissão e obscuridade:

XII. O tribunal a quo ao declarar encerrado o processo Especial de revitalização, remete apenas para o relatório do Sr. administrador judicial provisório, sem se pronunciar quanto aos fundamentos alegados pelo mesmo nesse relatório.

XIII. A falta de fundamentação mais visível encontra-se no facto de o tribunal não determinar a fundamentação de direito que esteve na base da aplicação na sentença dos art. 3 e 4 do art. 17G do CIRE.

XIV. A douta sentença recorrida decidiu simplesmente o seguinte:
“Considerando o teor do parecer emitido pelo Sr. AJP, ao abrigo do disposto no art. 17 G, 3 e 4 do CIRE, declaro findo o presente processo especial de revitalização, determinando que o parecer que antecede seja remetido à distribuição, iniciando-se assim, processo de insolvência”.

XV.O Tribunal a quo, não refere na sua decisão o que esteve na base da mesma e porque motivo aceita o relatório do Sr. AJP e declara encerrado, sem mais, o processo.

XVI. E, salvo melhor entendimento, deveria fazê-lo, referindo pelo menos um dos três dos motivos previstos nos n.s 1 e 5 do art. 17G do CIRE (1. Quando a empresa ou a maioria dos credores concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo; 2) Quando seja ultrapassado o prazo das negociações; 3) Quando a empresa ponha termo às negociações (a todo o tempo), fundamentando de facto e de direito o que lhe permitiu estabelecer essa relação, e que o levou à aplicação dos n.º 3 e 4 do art. 17G do CIRE.

XVII. A decisão do tribunal a quo é totalmente omissa nessa matéria, pelo carece de omissão sancionada com nulidade art. 615 al. D

XVIII. Ou se assim não se entender, pelo menos de falta de fundamentação no sentido de não se entender os factos e pressupostos de direito que estiveram na base da aplicação das normas do n.º 3 e 4 do art. 17G do CIRE.

XIX. Ao omitir a motivação jurídica da decisão, entra-se no campo da obscuridade e da ambiguidade da decisão recorrida, o que impede qualquer exercício de raciocínio e de defesa da recorrente nesta parte.

XX. Neste âmbito, é manifesto que a sentença ora recorrida padece de uma evidente obscuridade, criando na recorrente uma situação de verdadeiro desconhecimento quanto aos motivos e fundamentos jurídicos que levaram o Tribunal “a quo” a decidir como decidiu. Pelo que, quanto a este ponto, é a sentença recorrida nula, por padecer de um vício de obscuridade, nos termos previstos na al. c), do artigo 615.º do C.P.C.

XXI. Pelo exposto, a sentença recorrida padece de nulidades e vícios que motivam necessariamente a sua respectiva revogação e alteração em conformidade.
*
1.2.2. Contra-alegações

1.2.2.1. Os credores A. G. e J. D. contra-alegaram, pedindo que se negasse provimento ao recurso.

Concluíram as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, na parte que ora nos interessa):

1. A sentença proferida nos presentes autos não padece de qualquer vício, pelo que deve ser mantida.

2. A sentença recorrida considerou não se poder aplicar analogicamente o artigo 21º do CIRE ao PER, sob pena de se furtar o devedor em situação de insolvência à sua declaração judicial, fazendo uso reprovável do processo.

3. O CIRE não prevê a possibilidade do devedor desistir da insolvência, resultando claro do artigo 21º do CIRE que nos casos de apresentação à insolvência não pode o devedor desistir nem da instância nem do pedido.

4. No PER a devedora pode desistir das negociações, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 17º-G do CIRE,

5. ficando depois sujeita à emissão de parecer do Administrador Judicial Provisório sobre a sua situação (ou não) de insolvência.

6. O referido artigo 21º do CIRE admite apenas a desistência da instância ou do pedido nos casos em que a insolvência é requerida por outrem que não a própria empresa.

7. No PER é a devedora que dá início ao processo,

8. pelo que, mesmo que o artigo 21º do CIRE se aplicasse ao PER, sempre estaria a desistência da instancia ou do pedido vedada à devedora, como o está à devedora que se apresente à insolvência.

9. O meio adequado de pôr fim ao PER por iniciativa do devedor é o previsto no nº 5 do artigo 15º-G do CIRE, e não a desistência da instância tal como definida no Código de Processo Civil.

10. A desistência das negociações por parte da devedora implica a emissão de parecer do Administrador Judicial Provisório sobre a situação de solvência ou insolvência daquela.

11. Considerando o teor do parecer emitido nos autos pelo Sr. Administrador Judicial Provisório só podia a sentença recorrida ter determinado a remessa à distribuição desse parecer, dando-se início ao processo de insolvência da devedora.

12. Em nosso entender, a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer obscuridade ou omissão,

13. não tendo a mesma de reproduzir o teor do parecer do Administrador Judicial Provisório.

14. Resulta claro da sentença recorrida ter a mesma indeferido o pedido de desistência da instância apresentado pela devedora por impossibilidade legal do mesmo, considerando que tal desistência configura uma desistência das negociações, ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 17º-G do CIRE.

15. Entendemos que a sentença recorrida decidiu bem ao considerar que o pedido de desistência apresentado pela recorrente configura uma desistência das negociações, declarando em consequência findo o processo especial de revitalização e determinando a remessa à distribuição do parecer emitido pelo Administrador Judicial Provisório.

16. A decisão recorrida fez correcta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 21º e 17º-G do CIRE, pelo que deve ser mantida.
*
1.2.2.2. A credora Banco ..., S.A. contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se confirmasse a inexistência de qualquer nulidade da sentença recorrida.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, na parte que ora nos interessa):

I. O recurso interposto, pela Recorrente, não merece, com o devido respeito, o menor provimento, uma vez que a decisão em causa, limitou-se a aplicar o Direito, pelo que, as suas Alegações, como se irá tentar demonstrar, carecem de fundamento material e legal.

II. E com calma neste caminho, ajudemos esta Instância na sua decisão, demonstrando que do MM. Juiz do Tribunal a quo, não atropelou a ciência dos factos e a verdade nela contida.

III. Tem razão a Recorrente ao afirmar que, em 03.08.2018, apresentou-se a um Processo Especial de Revitalização, cujo processo judicial é o que se encontra em apreciação.

IV. Peca a Devedora ao omitir a esta Ordem, que este não é o seu primeiro processo especial de revitalização.

V. Já em 2012 (vide Parecer do Senhor Administrador Judicial Provisório), a mesma, recorreu a este regime legal, o qual se encontra identificado com o número de processo 743/12.6TBVVD, cujos termos correram no Tribunal Judicial de Vila Verde.

VI. No mesmo processo, foi nomeado o mesmo Administrador Judicial Provisório (doravante AJD), Exmo. Senhor Dr. D. L..

VII. Certo é que o referido plano não foi concretizado com sucesso, dando início a mais um processo especial de revitalização. O presente.

VIII. No Parecer do AJD, página 2, artigos 5º e 6.º, alega o AJD que o plano de recuperação antes aprovado, foi anulado pelo Tribunal da Relação de Guimarães (proc. n.º 5225/18.0T8VNF.G1), decidindo anular “… todos os atos subsequentes à apresentação da Lista Provisória de Créditos, incluindo esta, fazendo repetir todo o processado até aquela data, incluindo as negociações com os Credores”.

IX. E em vénia ao douto Acórdão, iniciou-se no sobredito processo, novos atos, novas diligências.

X. Mas não obstante as diligências encetadas, certo é que, os Credores, na sua quase totalidade, manifestaram-se contra o plano de recuperação “desenhado” pela Recorrente.

XI. O Recorrido, foi um dos Credores que mais se pronunciou pela ausência de meios da Devedora/Recorrente para pagamento aos seus Credores. Aliás, toda a sua posição foi sendo projetada na instância, bem antes do Parecer do AJD.

XII. Se formos mais rigorosos, o alegado Parecer, esclarece que, a Devedora não remeteu ao AJD, os documentos necessários, a fim do mesmo analisar a situação fiscal e económica a empresa.

XIII. O artigo 9.º do Parecer é claro sobre a situação da Devedora: “A Devedora não dispõe de contabilidade organizada desde o ano de 2018; 2. A Devedora não dispõe atualmente de trabalhadores, tendo promovido um despedimento coletivo operado a 31/12/2019; 3. A Devedora não tem cumprido com as obrigações perante o estado, após a admissão a PER, no que tange ao pagamento do IMI dos imóveis da sua propriedade e outros impostos; 4. A Devedora não dispõe atualmente de alvará de construção civil, essencial para laborar, face ao objeto social da empresa”.

XIV. Estranhamente, em 04.06.2021, a Devedora desiste da instância por aplicação ao artigo 21.º do CIRE.

XV. A desistência, apenas e só, se revela quando a Devedora se apercebe que os Credores se manifestam contra a homologação do plano de recuperação, pugnando, consequentemente, pela sua insolvência.

XVI. Mesmo depois de apresentada a sua desistência, a Devedora não respondeu ao AJD sobre os documentos que este solicitou em 07.06.2021.

XVII. Qual o objetivo da Desistência da Devedora? Novo Processo Especial de Revitalização? Cremos que sim.

XVIII. Acresce ainda o Parecer do AJD, no ponto 3. do seu artigo 11.º refere, “… Que durante a tramitação do PER foram várias as coimas instauradas à Devedora pelo incumprimento das suas obrigações fiscais e declarativas, nomeadamente: falta da entrega das declarações periódicas de IVA, falta da entrega dos modelos 22 de IRC e 2017 e 2018, o não pagamentos dos pagamentos especiais por conta e não pagamento dos IUCs”.

XIX. Esmiuçando no seu artigo 13.º, “Sucede que o passivo da Devedora na presente data será consideravelmente superior aos 52.014.391,93 €, atendendo aos seguintes factos: 1. Aos juros de mora constituídos entre a admissão a PER (06/08/2018) e a presente data; 2. Ao acréscimo das indemnizações devidas aos trabalhadores, relativamente ao período decorrente entre a admissão a PER e a efetivação do despedimento, que ocorreu a 31/12/2019; 3. Às contribuições não pagas ao Instituto da Segurança Social, I.P. após a admissão a PER; 4. Aos pagamentos não realizadas a fornecedores durante o PER”.

XX. Tendo ainda que reter o mencionado no artigo 19.º (do Parecer) “…face ao valor da dívida e da situação patrimonial e à incapacidade de cumprimento generalizado das suas obrigações vencidas por parte da Devedora, motivo que levou ao PER, é entendimento do Administrador Judicial Provisório que, à luz do n.º 1 do artigo 3.º e do artigo 20.º, ambos do CIRE, a Devedora S. M. & Filhos, S.A. encontra-se em situação de insolvência”.

XXI. Em nada do Recurso interposto pela Recorrente há lacunas e/ou omissões de pronúncia.

XXII. Todos os critérios e exigências legais impostas pelo diploma legal deste regime jurídico, foram observadas escrupulosamente.

XXIII. Se as mesmas não satisfazem humores, isso, será naturalmente outra questão. Mas, em bom rigor, a magnitude do artigo 17.º do CIRE revelou-se no seu sentido puro, sem qualquer norma latente aos olhos do Julgador.

XXIV. Pela intransigência do artigo 17.º, mais propriamente, pelo seu n.º 5, o prazo fixado para a conclusão das negociações tendentes à revitalização do devedor é um prazo perentório, sendo consequentemente improrrogável pelo juiz, para além da possibilidade de prorrogação que aquele preceito prevê: por uma só vez e por um mês, salvo caso de justo impedimento que oportunamente haja sido alegado. Prazo observado e cumprido!

XXV. Assim, decorrido tal prazo - de dois meses, caso não tenha havido prorrogação, ou de três meses, caso esta tenha existido -, sem que as negociações, incluindo a votação e aprovação de eventual plano de recuperação, estejam concluídas e remetidas ao tribunal para apreciação, o processo negocial é encerrado. Prazo observado e cumprido!

XXVI. O MM Juiz do Tribunal a quo, dentro da lei, agiu sempre em conformidade com os pedidos tecidos pelas partes. Até aqui, não se alcança qualquer omissão de pronúncia dando asas a uma suposta anulação.

XXVII. A partir do momento em que o AJD informa os Credores que está em curso a votação do plano de Recuperação, o Recorrido, entre outros Credores, informou aquele que já se tinha manifestado em tempo (antes da anulação dos atos), pela não homologação do Plano.

XXVIII. O Plano que, recentemente foi apresentado aos autos, aos Credores, era o mesmo que, outrora, foi apresentado a todos os intervenientes processuais.

XXIX. Esqueceu-se o Recorrido de informar esta alta Instância que o Plano, não aprovado pelos Credores, não é um Plano novo.

XXX. O Recorrido, como outros Credores, informou o Tribunal do Tribunal a quo, que o recente Plano, já era conhecido e, há muito, votado.

XXXI. O próprio AJP refere no seu requerimento datado de 05.05.2021 que, “… Sucede que por lapso do aqui Signatário, pelo qual desde já se penitencia, o mesmo não juntou aos Autos, a seu tempo, o respetivo acordo de prorrogação do prazo das negociações, que agora se junta ... não está prevista a realização de qualquer alteração ao Plano de Recuperação anteriormente depositado nos autos…” .

XXXII. No próprio requerimento, há uma confissão sobre as negociações, ou seja, que não houve qualquer comunicação aos autos sobre a sua prorrogação.

XXXIII. Relevante será dizer, que o Credor votou contra o plano antes apresentado e, que de acordo com o AJD o mesmo não sofreu alterações.

XXXIV. Relevante será dizer que, o plano não obedeceu aos critérios de homologação, não apenas pela sua exposição, como também pelas posições dos Credores.

XXXV. Por todas estas considerações, por todas as posições dos Credores, foi solicitado parecer ao AJD, ao que o mesmo anuiu, sem omitir qualquer passo, ato, facto, norma, etc.

XXXVI. O seu Parecer pugna, tal como todos os Credores pela insolvência da Devedora!

XXXVII. O que destrói as expetativas da Devedora, que continua a querer entretecer-se no regime legal de PER e não no estatuto de Insolvente.

XXXVIII. O Processo Especial de Revitalização foi introduzido com a 6.ª alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL n.º 53/2004.

XXXIX. Mas, a Devedora, e bem, teve uma oportunidade que, apesar de não conseguir sustentar a mesma, vem, mais tarde, a apresentar-se a novo processo especial de revitalização.

XL. O mesmo não tem agora o proveito desejado, porque todos, sem exceção, vêm e confirmam por todo o histórico processual da Devedora que esta, afinal, assume perfil de insolvente e não de devedora.

XLI. “Nestes termos, não tendo o plano de revitalização da Devedora sido objecto de acordo, previamente ao termo do prazo para as negociações, decorrido aquele prazo, o processo negocial fica encerrado, não podendo ser homologado o plano posteriormente aprovado, por ocorrer uma violação não negligenciável de regras procedimentais que, no caso, são preclusivas. De facto, como afirmado supra nas considerações gerais, a intervenção do juiz no PER está reservada, para o que ora importa, ao controlo do cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano de recuperação por forma a assegurar a legalidade do acordo alcançado pelos intervenientes, nos termos do artigo 17º-F, n.ºs 3 e 5.” Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo n.º 1839/15.8T8STR.E1.

XLII. Consequentemente, o MM. Juiz do tribunal a quo, recusou a homologação do plano de revitalização, declarando o encerramento do processo, com base no Parecer emitido pelo AJP, nos termos do artigo 17.º G, n.º 4 do CIRE (ou art. 222.º G, n.º 4), o qual prova a situação da insolvência da Devedora.

XLIII. O MM Juiz do Tribunal a quo, investigou toda a matéria de facto relevante que interessou para formar a sua convicção, limitando-se ao refúgio da Lei, cujo alento lhe proporcionou o conforto da sua decisão.

XLIV. Afastadas estão, quaisquer nulidades por falta de fundamentação, omissão e obscuridade.

XLV. Garantida está a eminente situação de insolvência da Recorrente.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - É a decisão recorrida nula, nomeadamente por não especificar os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC), e/ou por ocorrer ambiguidade ou obscuridade que a torna ininteligível (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), II parte, do CPC), e/ou por ter deixado de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC)?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao não admitir a desistência da instância apresentada pela Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) do processo de revitalização, concluídas as negociações sem aprovação de um plano de revitalização ?
*
III - QUESTÕES PRÉVIAS - Nulidades

3.1. Conhecimento de nulidades - Momento
3.1.1. Lê-se no art. 663.º, n.º 2, do CPC que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
*
3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Requerente recorrente (S. M. & Filhos, S.A.) a nulidade do despacho recorrido, deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (1).
*
3.2. Vícios da decisão de mérito

3.2.1.1. Nulidade da sentença/do despacho versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por ter-se errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (2).
Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar (3), desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133, com bold apócrifo).
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3.2.1.2. Nulidades da decisão de mérito

3.2.1.2.1. Omissão de fundamentação
3.2.1.2.1.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando»:
. omissão de fundamentação - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, e pelo art. 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art. 154.º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (4).
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «fundamentação exerce, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 317).

Logo, e em termos de matéria de facto, o art. 607.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5, do CPC, impõe ao juiz que deixe bem claros: quer a indicação do elenco dos factos provados e não provados; quer dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo); quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.
De seguida, e do mesmo modo, o art. 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.

Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito -, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (5).
Reitera-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (6).

Por fim, lê-se no art. 613.º, n.º 3, do CPC, que o «disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações, aos despachos».
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3.2.1.2.1.2. Concretizando, veio a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) arguir a nulidade do despacho recorrido, por alegada falta de fundamentação no que tange à decisão de «declarar encerrado o processo Especial de revitalização», já que «remete apenas para o relatório do Sr. Administrador judicial provisório, sem se pronunciar quanto aos fundamentos alegados pelo mesmo nesse relatório», e sem «determinar a fundamentação de direito que esteve na base da aplicação na sentença dos art. 3 e 4 do art. 17G do CIRE», nomeadamente se foi por «a empresa ou a maioria dos credores» concluírem «antecipadamente não ser possível alcançar o acordo», ou por ter sido «ultrapassado o prazo das negociações», ou por «a empresa» ter posto «termo às negociações».

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, verifica-se que a decisão recorrida especificou devidamente os respectivos fundamentos, atenta nomeadamente a sua natureza.
Com efeito, não se trata de qualquer decisão proferida após a produção de prova sobre factos controvertidos nos autos, mas sim de decisão proferida em momento preciso da tramitação dos autos, cujo teor é conhecido de todos os seus intervenientes, nomeadamente da Requerente (S. M. & Filhos, S.A.).
Por outras palavras, resulta - sobeja e exclusivamente - da tramitação dos autos que: concluídas as negociações, no prazo legal previsto para o efeito (normal, de dois meses, acrescido de um mês, de prorrogação máxima), não foi aprovado pelos respectivos credores qualquer plano de revitalização da Requerente (7); tendo esta vindo então desistir da instância, foi recusada a homologação da dita desistência, por se ter por legalmente inadmissível nesta sede (o que consta expressamente da decisão recorrida); e, pronunciando-se maioritariamente os credores pela insolvência da Requerente, foi também nesse sentido emitido o parecer do Administrador Judicial Provisório (o que consta expressamente da decisão recorrida).
Verifica-se ainda que, na mesma decisão se afirma que, «considerando o teor do parecer emitido pelo Sr. AJP, ao abrigo do disposto no art.º 17G,3 e 4 CIRE, declaro findo o presente processo especial de revitalização, determinando que o parecer que antecede seja remetido à distribuição, iniciando-se, assim, processo de insolvência».
Logo, a decisão recorrida remete expressamente para o teor do parecer do Administrador Judicial Provisório, de que todos os intervenientes nos autos (incluindo a Requerente e os seus credores) foram notificados; e do mesmo resulta a tramitação dos autos referida no parágrafo anterior (isto é, a conclusão das negociações sem aprovação de qualquer plano de revitalização, e a emissão de parecer concluindo pela insolvência da Requerente).
Verifica-se, assim, que a fundamentação de facto da decisão recorrida resulta, tão só e apenas, da tramitação dos autos (de todos os seus intervenientes conhecida); e, ainda, da expressa remissão feita para o parecer do Administrador Judicial Provisório.
Verifica-se, ainda, que a fundamentação de direito da decisão recorrida resulta da expressa invocação do art. 17.º-G, , n.ºs 3 e 4, do CIRE (incluindo a remissão feita por este último número para o primeiro do mesmo artigo), onde se lê que compete ao administrador judicial provisório, caso seja ultrapassado o prazo legal de conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de um plano de revitalização (o que determina o encerramento do processo negocial), emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência; e, em caso afirmativo, requerer a insolvência do devedor.

Improcede, assim, o primeiro fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a decisão recorrida, na parte em que determinou o encerramento do processo especial de revitalização e a remessa à distribuição do parecer do Administrador Judicial Provisório que concluiu pela insolvência da Requerente (por ausência de especificação dos fundamentos que justificam a respectiva decisão).
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Contudo, e ainda que assim se não entendesse (julgando efectivamente verificada a nulidade, por falta de fundamentação de facto, desta parte da decisão recorrida), poderia e deveria a mesma ser suprida nesta sede.
Com efeito, lê-se no art. 665.º, do CPC, que, ainda «que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação» (n.º 1); e, se «o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários» (n.º 2).
Defende-se, assim, que, «ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2». Logo, «a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objecto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários», já que só «nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 261).

Ora, resultando a factualidade alegadamente omissa do singelo teor da tramitação dos autos, tal como sinteticamente se referiu no ponto «I - RELATÓRIO», dando-se a mesma por reproduzida na posterior fundamentação de facto do acórdão a proferir por este Tribunal ad quem (como se fará infra), sempre ficaria a mesma suprida.
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3.2.1.2.2. Ininteligibilidade

3.2.1.2.2.1. Mais se lê, no art. 615º, nº 1, al. c), II parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:
4
. ininteligibilidade - «(…) ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

A redacção em causa surge pela primeira vez com o novo CPC, face ao fim do anterior pedido de aclaração da sentença (uma vez que, se a sentença é ininteligível, passa agora a ser nula).
Precisando, a «sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, Limitada, pg. 151, com bold apócrifo).
Por outras palavras, «a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos», e «a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença» (Remédio Marques, Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto, 3.ª edição, p. 667, com bold apócrifo) (8).
Ocorrerá, então, a dita ininteligibilidade da decisão quando não se consiga perceber o que se decidiu; ou quando o que se escreveu é passível de mais do que uma interpretação, ou de um sentido diverso e, porventura, oposto.
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3.2.1.2.2.2. Concretizando, veio ainda a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) arguir a nulidade do despacho recorrido, por alegada ininteligibilidade, no que tange à decisão de «declarar encerrado o processo Especial de revitalização», já que, ao «omitir a motivação jurídica da decisão, entra-se no campo da obscuridade e da ambiguidade da decisão recorrida, o que impede qualquer exercício de raciocínio e de defesa da recorrente nesta parte», criando-se «uma situação de verdadeiro desconhecimento quanto aos motivos e fundamentos jurídicos que levaram o Tribunal “a quo” a decidir como decidiu».

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, verifica-se que a decisão recorrida não enferma de qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
Com efeito, e face ao já referido no ponto anterior («3.2.1.2.1. Omissão de fundamentação»), mostra-se sobejamente fundamentada, de facto e de direito, a decisão recorrida (na parte arguida de nula), sendo absolutamente claro e expresso o teor dos autos que a justificaram; e expressamente invocadas as disposições legais que a sustentaram.
Acresce confundir a Requerente a (in)inteligibilidade da decisão com a sua pretensa falta de fundamentação, isto é, reconhece a mesma perfeitamente qual o juízo do Tribunal a quo (na decisão de encerramento do processo, por esgotamento do prazo das negociações sem aprovação de qualquer plano de revitalização, e de remessa do parecer do Administrador Judicial Provisório à distribuição por no mesmo se ter concluído pela sua insolvência), defendendo porém que o mesmo não podia ter decidido da forma como o fez, por ela própria ter previamente apresentado uma desistência da instância (que deveria ter sido homologada, impedindo assim a posterior apresentação do dito parecer pelo Administrador Judicial Provisório).
Por outras palavras, resulta claramente do despacho recorrido, na parte em causa, qual a realidade jurídica que entendeu estar em causa, qual a subsunção que a ela fez da prévia tramitação dos autos, e qual a decisão final que desse modo proferiu; e é a própria Requerente quem revela, no requerimento em análise, ter compreendido perfeitamente a referida decisão, discordando porém dela (por entender que não poderia, sequer, ter sido proferida).
Ora, podendo muito legitimamente a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) discordar do entendimento exposto (por errada fundamentação), a eventual razão que lhe possa assistir não comina de nulidade o despacho proferido (nomeadamente, por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível), justificando antes um pedido de reponderação do assim ajuizado.

Improcede, assim, o segundo fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria o despacho recorrido (por ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível).
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3.2.1.2.3. Omissão de pronúncia
3.2.1.2.3.1. Lê-se no art. 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de pronúncia - «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (9).
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui.
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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3.2.1.2.3.2. Concretizando, veio por fim a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) arguir a nulidade do despacho recorrido, por alegada omissão de pronúncia, no que tange à decisão de «declarar encerrado o processo Especial de revitalização», já que «é totalmente omissa» quanto a qual dos «três dos motivos supra referidos (n.ºs 1 e 5 do art. 17G do CIRE)», isto é, o «Tribunal a quo, não refere na sua decisão o que esteve na base da mesma e por que motivo aceita o relatório do Sr. AJP e declara encerrado, sem mais, o processo».

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, verifica-se que o Tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, no caso, de encerramento do processo e de envio do parecer do Administrador Judicial Provisório à distribuição, por o mesmo ter concluído pela insolvência da Requerente (S. M. & Filhos, S.A.).
Confunde, assim, a mesma a omissão de pronúncia com a pretensa falta de fundamentação da decisão recorrida, isto é, reconhecendo a Requerente qual a efectiva decisão proferida pelo Tribunal a quo, entende porém não estar na mesma discriminado o seu concreto fundamento.
Ora, e conforme já referido no ponto «3.2.1.2.1. Omissão de fundamentação», mostra-se sobejamente fundamentada a decisão recorrida (na parte arguida de nula), sendo absolutamente claro e expresso o teor dos autos que a justificaram; e, conforme já referido no ponto «3.2.1.2.2. Ininteligibilidade», é absolutamente unívoco e claro o seu teor.
Reitera-se o já anteriormente afirmado: podendo muito legitimamente a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) discordar do entendimento exposto (por errada fundamentação), a eventual razão que lhe possa assistir não comina de nulidade o despacho proferido (nomeadamente, por omissão de pronúncia), justificando antes um pedido de reponderação do assim ajuizado.

Improcede, assim, o terceiro fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria o despacho recorrido (por omissão de pronúncia).
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Improcede, deste modo, na sua totalidade a arguição de nulidades que alegadamente afectariam a decisão recorrida (quando na mesma se declarou findo o processo especial de revitalização, e se determinou que o parecer do Administrador Judicial Provisório fosse remetido à distribuição, por forma a que se iniciasse o processo de insolvência respectivo).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da segunda questão enunciada (10), encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que - por economia - aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Processo Especial de Revitalização - PER
5.1.1. Finalidade

No âmbito do Memorando de Entendimento celebrado entre a República Portuguesa e o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (no quadro do programa de auxílio financeiro a Portugal), previu-se um conjunto de medidas que tinham como objectivo a promoção dos mecanismos de reestruturação extrajudicial de devedores, ou seja, de procedimentos que permitissem que - antes de recorrer ao processo judicial de insolvência - a empresa que se encontrasse numa situação económica difícil e os respectivos credores pudessem optar por um acordo extrajudicial que visasse a recuperação da devedora e que lhe permitisse continuar a sua actividade económica (conforme referido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 29 de Setembro, publicada no DR, I Série, n.º 205, de 25 de Outubro).
O enfoque dado a estes mecanismos decorre do facto de se considerar que, em comparação com o processo judicial de insolvência, e mercê das suas flexibilidade e eficiência, aqueles permitiriam alcançar diversas vantagens sobre este: a empresa manter-se-ia sempre em actividade (nomeadamente, mantendo as suas relações jurídicas e económicas com trabalhadores, clientes e fornecedores); e os credores teriam uma taxa de recuperação dos seus créditos mais elevada.
Viria, assim, a ser publicada a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril (entrada em vigor em 20 de Maio de 2012), a qual consubstanciou a sexta alteração do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (11), aditando um Capítulo II ao seu Título I, com a denominação de «Processo Especial de Revitalização», a que se reportam os arts. 17.º-A a 17.º-I do CIRE (sendo mesmo esta a maior das novidades da reforma do CIRE então operada) (12).

Foi, por isso, objectivo assumido do novo processo especial de revitalização «alterar o espírito do regime colocando a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património para satisfação dos credores» (Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, pág. 64, com bold apócrifo).
Com efeito, «globalmente considerado, o regime do Código é dominado pela finalidade de liquidação da massa insolvente em benefício dos credores», tendo implicado um «regresso a um sistema de falência - liquidação, que dominou no sistema jurídico português durante um longo período de tempo e que só começou a evoluir para um sistema de falência-saneamento com o CPC de 1961 e obteve plena consagração no CPEREF» (Carvalho Fernandes, «Sentido Geral do Novo Regime da Insolvência no Direito Português», Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 85 e ss).
Ora, o processo especial de revitalização, aliado ao Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extra-Judicial (13), pretenderam inverter a referida lógica do CIRE: em nome do interesse público de defesa da economia, colocaram como preocupação primordial a recuperação da empresa devedor.
Isso mesmo foi expressamente assumido na Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII da Presidência do Conselho de Ministros, de 30 de Dezembro de 2012 (in http://www.dgpj.mj.pt/sections/noticias/codigo-da-insolvencia-/downloadFile/file/PPL_39_XII_6Alteracao_CIRE.pdf), onde se afirma que «cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que dificilmente se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas» (14).
Compreende-se, por isso, que a «primeira grande alteração introduzida no CIRE - correspondente, como já se acentuou, a uma alteração de fundo - resulta, antes de mais, da modificação do seu art 1º onde, dizendo-se que “o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”, se deverá concluir que a liquidação só deve ocorrer quando não seja possível a recuperação da empresa».
Compreende-se ainda a consagração, no n.º 2, desse art. 1.º, do processo especial de revitalização, «destinado a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente - mas que ainda seja susceptível de recuperação - estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica, como resulta do nº 1 do art. 17º-A para que aquele remete» (Ac. da RL, de 16.10.2014, Maria Teresa Albuquerque, Processo n.º 9262/12.6TBCSCL.L1-2, com bold apócrifo).

Logo, «enquanto naquele [processo de insolvência] se constitui como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos credores» (Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 137, com bold apócrifo).
Por outras palavras, «o PER é, intencionalmente, um processo pré-insolvencial, dirigido, portanto, exclusivamente às empresas sobre as quais ainda não impende o dever de apresentação à insolvência (…). O PER tem, de facto, como beneficiários os devedores que comprovadamente se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda sejam suscetíveis de recuperação» (Catarina Serra, «Revitalização - A designação e o misterioso objeto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE», I Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação de Catarina Serra, Almedina, 2013, págs. 85/106, com bold apócrifo).

O art 17º-B virá, depois, esclarecer quais os pressupostos da nova figura: encontrar-se o devedor em situação económica difícil (trata-se do devedor que enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez, ou por não conseguir obter crédito); ou em situação de insolvência meramente iminente (trata-se do devedor que previsivelmente não irá estar na posição de cumprir no momento do vencimento as obrigações de pagamento existentes).
Ao referido pressuposto (do devedor se encontrar em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente), deverá ainda juntar-se a susceptibilidade de recuperação dessas situações.
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5.1.2. Tramitação
5.1.2.1. Em geral

Consagrou-se nos arts. 17.º-A a 17.º-I, do CIRE, um regime processual de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial (dando primazia à vontade dos intervenientes, devedora (15) e credores) deste processo especial de revitalização (por forma a, não só fomentar o recurso ao mesmo, como a contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso) (16).

Com efeito, o seu início dá-se precisamente com a apresentação em juízo do requerimento da empresa devedora, através do qual comunica ao tribunal competente para declarar a sua insolvência a sua pretensão de levar a cabo negociações com os credores em ordem à obtenção de um acordo dirigido à respectiva recuperação; e é de imediato nomeado, por despacho, um administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos arts. 32.º a 34.º, do CIRE, com as necessárias adaptações.
Lê-se, assim, no art. 17.º-C, do CIRE, que o «processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação» (n.º 1); e, uma vez recebido o requerimento, «o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações» (n.º 4).
Discute-se se neste despacho liminar o juiz pode, ou não, indeferir o processo, por falta de requisitos legais, encontrando-se a jurisprudência dividida a esse respeito (17).
Cremos, porém, que independentemente do que se decida quanto à possibilidade de sindicância de requisitos materiais (v.g. inexistência de uma situação de insolvência actual, e não apenas iminente), quando seja manifesta a inviabilidade do pedido (v.g. natureza de pessoa singular do requerente), o juiz poderá proceder a essa apreciação restrita, nomeadamente por aplicação analógica do disposto no art. 27.º, do CIRE (18).

No período de 20 dias (contados da publicação no portal Citius deste preciso despacho) deverão os credores da devedora requerente reclamarem os seus créditos, dirigindo as suas reclamações ao administrador judicial provisório, o qual, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos, apresentando-a na secretaria do tribunal e sendo a mesma publicada no portal Citius; e, podendo a dita lista provisória ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, na ausência de tais impugnações converter-se-á de imediato em lista definitiva (art. 17.º-D, n.º 1, n.º 2, n.º 3 e n.º 4, do CIRE).

Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem de dois meses para concluir as negociações encetadas, prazo que poderá ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e a empresa devedora, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius (art. 17.º-D, n.º 5, do CIRE).

Concluindo-se as negociações com os credores da empresa devedora, o plano de recuperação poderá ser aprovado: por unanimidade (art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE); ou sem ela, considerando-se aprovado quando recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções, ou recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada (art.17.º-F, n.º 4 e n.º 5, do CIRE).
Em qualquer caso, o plano de recuperação aprovado (com, ou sem, unanimidade), deverá ser remetido ao tribunal para homologação ou recusa pelo juiz, aplicando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX do CIRE (em especial, o disposto nos arts. 215.º e 216.º, do CIRE,); e a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (art. 17.º-F, n.ºs 7 e 10, do CIRE).
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5.1.2.2. Em particular - Termo sem aprovação de acordo de recuperação
5.1.2.2.1. Causas

Lê-se no art. 17.º-G, n.º 1, do CIRE, que, caso «a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius».
Prevê-se aqui o termo do PER por, não obstante se terem desenvolvido negociações para o efeito, não ter sido sequer possível chegar a apresentar uma proposta escrita de acordo (para posterior submissão aos credores que o deveriam votar), uma vez que se esgotou o prazo previsto na lei para o efeito (sem se alcançar esse resultado), ou porque o mesmo foi antecipadamente considerado inviável de obter.
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Mais se lê, no n.º 5 do mesmo art. 17.º-G do CIRE, que a «empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores».
Prevê-se agora aqui o termo do PER por desistência antecipada (face ao prazo legal máximo previsto para elas) das negociações encetadas com vista à formalização de um acordo de recuperação, por parte da requerente do próprio processo.
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Não se prevendo neste artigo, com a epígrafe «Conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano e recuperação», o termo do PER por não aprovação de plano de revitalização efectivamente apresentado (rejeitado pela maior dos votos sobre ele emitidos), considera-se que, por interpretação extensiva, igualmente o abarca (19).
«Atendendo à letra da lei, parece, de facto, ser possível concluir que a disciplina do artº 17º-G está reservada aos casos em que se torna flagrante que o PER não é - não era ab initio - o instrumento adequado para resolver a situação do devedor. Será, portanto, legítimo presumir, em face da epígrafe e do teor do preceito, que ele se aplica apenas aos casos de não aprovação do plano de recuperação» (Catarina Serra, O Processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, 2016, Almedina, pág. 107).
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5.1.2.2.2. Efeitos

Lê-se no art. 17.º-G, n.º 6, do CIRE, que o «termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos» (bold apócrifo).
«Com a limitação estabelecida no aludido nº 6 do artigo 17º-G pretende-se que o devedor, utilizando, abusivamente, sucessivos processos de revitalização, pudesse, dessa forma, impedir que os credores exercessem os respetivos direitos contra aquele, atentos os efeitos decorrentes do P.E.R. previstos no artigo 17º-E», sendo que a mesma «apenas se dirige às situações em que o processo especial de revitalização tenha finalizado “de harmonia com os números anteriores”» (Ac. da RP, de 07.01.2019, Augusto Carvalho, Processo n.º 147/14.6TYVNG-C.P1) (20).
«A contrario sensu, dir-se-á que, fora dessas hipóteses, o devedor não fica abrangido pela restrição legal do nº 6 do artigo 17º-G - o que acontecerá, por exemplo, quando o plano seja aprovado pelos credores e devedores. Nestes casos, e à luz do elemento literal, o devedor poderá recorrer novamente ao PER.
A opção legislativa não deixa de fazer algum sentido, pois restringe a limitação de recurso ao PER a casos gravosos em que a) ou o devedor ou credores representativos de uma maioria qualificada optaram por não continuar com o PER ou b) quando decorrido o prazo das negociações não tenha sido possível alcançar qualquer acordo». Assim, e noutras situações, «poderá fazer sentido conceder uma segunda oportunidade, como será o caso de o PER ter sido aprovado pelos credores e pelo devedor, mas seja necessário, passados menos de dois anos, outro PER».
O que, porém, será de rejeitar em absoluto é que «o PER e os efeitos a ele associados (nomeadamente ao nível da limitação e da compressão dos direitos dos credores sobre o devedor) sejam instrumentalizados e abusados. (…) Ora, se o recurso ao PER não fosse limitado, o devedor poderia, em conluio com um credor, apresentar sucessivos processos especiais de revitalização e dessa forma impedindo que os credores exercessem os seus direitos contra si» (Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O processo especial de revitalização - Comentário aos artigos 17.ºA a 17.º-I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 168 e 169).
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Mais se lê, no art. 17.º-G, do CIRE, que, nos «casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos» (n.º 2, com bold apócrifo); e estando, «porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1» (n.º 3, com bold apócrifo).
Com efeito, estando o administrador judicial provisório obrigado a informar sobre o encerramento do processo negocial sem aprovação de qualquer plano de recuperação (n.º 1, do art. 17.º-G, citado), está ainda obrigado a acompanhar essa mesma comunicação de parecer seu, sobre se a empresa «se encontra em situação de insolvência», «mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores», e, «em caso afirmativo, requerer a respetiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência» (n.º 4, do mesmo art. 17.º-G).

Discute-se, a propósito, se o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela insolvência da empresa é vinculativo para o juiz, devendo ele declará-la de forma imediata ou automática (tanto mais que o direito de defesa da devedora não ficaria precludido, face à possibilidade de posterior dedução de embargos à sentença e de interposição de recurso da mesma, nos termos dos arts. 40.º e 42.º, do CIRE) (21); ou se, pelo contrário, não fica o juiz privado de apreciar e decidir sobre os respectivos pressupostos (22).
Tem-se como mais adequado este último entendimento: só assim se respeita a hierarquia natural e a separação funcional dos órgãos da insolvência (estando reservado ao órgão judicial o exercício dos poderes jurisdicionais, como de avaliação objectiva dos pressupostos que justificam a prolação de uma sentença de insolvência, mercê da reunião de toda a informação disponível, e não apenas de um único - embora primordial - parecer); e só assim se respeita o direito de contraditório da empresa, à semelhança do que sempre sucede quando não seja ela própria a requerente da insolvência (23).
A favor do entendimento que aqui se defende pronunciou-se por três vezes o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta (24); e posteriormente, no seu Acórdão n.º 675/2018, de 18 de Dezembro (Maria José Rangel de Mesquita) (25), declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 4, do art. 17.º-G, do CIRE, quando interpretada no sentido de o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela situação de insolvência equivaler, por força do disposto no art. 28.º, do CIRE - ainda que com as necessárias adaptações -, à apresentação à insolvência por parte do devedor, quando este discorde da sua situação de insolvência, por violação do art. 20.º, nºs 1 e 4, conjugado com o art. 18.º, n.º 2, da CRP.
Mais recentemente, o mesmo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 331/2019, de 30 de Maio (Cláudio Monteiro), voltou a pronunciar-se expressamente sobre o art. 17.º-G, n.º 4, do CIRE, que julgou inconstitucional, quando interpretado no sentido de que, sendo requerida a insolvência pelo administrador judicial provisório, nos termos do preceito citado, a mesma deve ser decretada pelo juiz, sem audiência do devedor, por violação do art. 20.º, nºs 1 e 4, conjugado com o art. 18.º, n.º 2, da CRP.

Discute-se ainda se, perante o parecer do administrador judicial provisório que conclua pela insolvência da empresa devedora, existe uma conversão ou convolação do processo especial de revitalização em processo de insolvência (26); ou se, pelo contrário, se inicia um novo e distinto processo, de insolvência, a que ficará apenso aquele outro (devendo para o efeito o dito parecer ser remetido à distribuição, quando seja o caso) (27).
Tem-se como mais adequado este último entendimento, face ao disposto no art. 17.º, n.º 4, do CIRE: o mesmo exige que, não obstante a apresentação do seu parecer concluindo pela situação de insolvência da empresa devedora, o administrador judicial provisório tenha ainda que a requerer (forma habitual de se dar início ao processo de insolvência); e impõe que o processo especial de revitalização seja apenso ao processo de insolvência.
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5.1.3. Desistência da instância e/ou do pedido
5.1.3.1. Relevo na tramitação do PER

Inexistindo qualquer norma no processo especial de revitalização relativa à possibilidade de, no decurso do mesmo, a empresa requerente desistir da instância ou do pedido, discute-se na doutrina e na jurisprudência se essa possibilidade existe.
Com efeito, podendo a empresa requerente desistir em qualquer altura das negociações encetadas com os seus credores, certo é que daí decorrem não pequenos inconvenientes para si: desencadeando a tramitação subsequente à conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano de recuperação, implica a mesma o encerramento deste (art. 17.º-G, n.º 6, do CIRE), a emissão de um parecer do administrador judicial provisório sobre a situação da empresa, com a eventual abertura de um processo de insolvência (art. 17.º-G, n.ºs 3 e 4, do CIRE), e, em qualquer caso, a impossibilidade de recorrer ao PER durante dois anos (art. 17.º-G,n.º 6, do CIRE).
Logo, a desistência das negociações será sempre mais gravosa para a empresa do que a desistência do pedido ou da instância.

Invoca-se, a propósito, o art. 21.º, do CIRE (28), segundo o qual, salvo «nos casos de apresentação à insolvência, o requerente da declaração de insolvência pode desistir do pedido ou da instância até ser proferida sentença, sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso couber».
Compreende-se que assim seja, já que: a apresentação à insolvência implica o reconhecimento dessa mesma situação (conforme art. 28.º, do CIRE); e, após ser proferida sentença (seja de declaração da insolvência, ou de indeferimento do pedido), e ainda que a mesma não tenha transitado em julgado, há que acautelar interesses de ordem geral (no desencadear de procedimentos adequados a ultrapassar e resolver a alegada insolvência, que se tenderá a agravar com o decurso do tempo), que não podem, nem devem, ser afastados por iniciativa exclusiva da requerente da declaração de insolvência (29).
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5.1.3.2. Admissão (da desistência do pedido ou da instância)
Enfatizando o carácter voluntário do PER, parte da doutrina e da jurisprudência entende que «não se vê, em princípio, motivos para recusar a possibilidade de desistência do pedido ou da instância em termos semelhantes» ao previsto no art. 21.º, do CIRE, embora com «algum cuidado na adaptação» respectiva: não é, pela própria natureza do PER, aplicável a limitação prevista na primeira parte do art. 21.º do CIRE (já que a apresentação ao PER não tem qualquer efeito cominatório, nomeadamente de reconhecimento da própria insolvência); mas, «dada a concentração de esforços que implica a abertura e o curso de um PER, faz sentido que a desistência do pedido ou da instância não possa ocorrer a todo o tempo, isto é, que exista um limite a partir do qual tal desistência não possa ter lugar», sendo «razoável sustentar» que «só possa ocorrer até ao termo do prazo previsto para o processo negocial», já que a partir desta fase «o processo deixa de estar na disponibilidade da empresa, sobrevindo interesses de carácter colectivo e público» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 423 e 424, com bold apócrifo) (30).

Reconhece-se, porém, «que, a ser assim, os casos de encerramento com fundamento na desistência das negociações não serão frequentes e que a empresa se submeterá voluntariamente às consequências do art. 17.ºG apenas quando seja excepcionalmente honesta ou desconhecedora da alternativa» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 426).
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Outros, enfatizando que a lei prevê expressamente a possibilidade da empresa desistir das negociações, e que a faculdade da devedora optar livremente por ela ou pela desistência do pedido ou da instância poderá ser exercida de forma abusiva, defendem a delimitação do uso de cada um dos instrumentos com base num critério temporal: a desistência do pedido ou da instância apenas seria possível até à abertura (e não ao encerramento) do processo negocial; e, após o início deste, a desistência das negociações seria o meio próprio e exclusivo para operar a desistência do processo (assim se dando alguma utilidade ao art. 17.º-G, n.º 5, do CIRE) (31).

Reconhece-se, porém, «que são configuráveis casos em que esta solução não é, em princípio, razoável. Pense-se nas situações em que a empresa quer desistir por causas que não lhe são imputáveis ou que não permitem duvidar da genuinidade das suas intenções. Imagine-se, por exemplo, que a empresa se apercebe, em pleno curso das negociações, que um credor com “poder de bloqueio” votará desfavoravelmente o plano de recuperação e que com isso ficará inviabilizada a aprovação deste. Imagine-se ainda, para outro exemplo, que, por um golpe de fortuna, a empresa deixou de estar em insolvência iminente ou em situação económica difícil» (Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 425).
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5.1.3.3. Não admissão (da desistência da instância)
Enfatizando, porém, o risco de actuações abusivas da devedora, parte da jurisprudência não admite a desistência da instância, já que, a permitir-se a mesma, a empresa ficaria subtraída ao escrutínio da sua situação de insolvência, nomeadamente quando esta resultasse já sobejamente evidenciada nos autos (sendo que sempre estaria na sua disponibilidade por fim às negociações nos termos previstos no n.º 5, do art. 17.º-G, do CIRE) (32).
De outro modo, e consagrando o art. 612.º, do CPC, o princípio de que as partes não podem servir-se do processo para conseguir um fim proibido por lei, estaria encontrada a forma ideal da empresa devedora paralisar indefinidamente todas as acções judiciais para a cobrança de dívidas (pendentes ou a instaurar), assim como os processos de insolvência anteriormente instaurados, atento o disposto no art. 17.º-E, n.ºs 1 e 6, do CIRE (que consagra o efeito standstill (33)) (34).

Há ainda jurisprudência que, não admitindo igualmente a desistência da instância em sede de processo de revitalização, encontra na própria natureza deste a justificação para essa recusa: na sua configuração essencial, as regras da instância pressuporiam um processo com um certo objecto litigioso (causa de pedir e pedido), relativamente ao qual, mediante certas condições e com as devidas consequências, se preveem diversas ocorrências; e não quadraria bem com tal estrutura formal e material o processo especial de revitalização, onde nem mesmo se poderia falar de instância, ou das respectivas vicissitudes desde o seu começo até à sua extinção (35).
*
5.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
5.2.1. Desistência da instância

Concretizando, verifica-se que, tendo-se a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) apresentado a um PER em 03 de Agosto de 2018, por vicissitudes várias o plano de recuperação respectivo seria apresentado em 12 de Maio de 2021, seguindo-se o processo negocial com vista à sua aprovação, decorrendo entre 26 de Maio de 2021 e 04 de Junho de 2021 o prazo para a respectiva votação.
Mais se verifica que, pronunciando-se a generalidade dos seus credores contra aquela aprovação, veio a Requerente (S. M. & Filhos, S.A.), em 04 de Junho de 2021, apresentar um requerimento escrito de desistência da instância, pedindo que se pusesse «termo imediato ao presente processo especial de revitalização».
Ora, e como a própria reconheceu expressamente nos autos, formalizou a sua desistência da instância quando já se encontrava encerrado o período de negociações (lendo-se, nas suas alegações de recurso, que «a recorrente apresentou desistência da instância já após a conclusão das negociações com os credores»).
Assim, e ainda que se admitisse a possibilidade da mesma ser validamente apresentada em sede de processo especial de revitalização, sempre o teria sido para além do limite temporal consensualmente admitido para o efeito, isto é, o termo do período negocial (por o dito processo perder nesse momento o seu cariz eminentemente voluntário e extrajudicial, sobrepondo-se a partir de então interesses de ordem geral, nomeadamente pertinentes à verificação e resolução de uma eventual situação de insolvência).

Dir-se-á ainda ser o caso dos autos um exemplo paradigmático da justificação da existência da referida limitação (temporal) à possibilidade de desistência da instância, face à pendência dos autos por cerca de três anos (tramitados em cerca de vinte volumes), à manifestação nos autos da reforçada convicção dos credores da Requerente de que é inviável a sua recuperação (por se encontrar já em situação de insolvência), e à formalização da dita desistência da instância apenas após ter sido conhecido aquele resultado da votação.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, mantendo-se o juízo de inadmissibilidade da desistência da instância apresentada nos autos pela Requerente (S. M. & Filhos, S.A.), no momento em que o foi; e, por isso, de recusa da respectiva homologação judicial.
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5.2.2. Requerimento de insolvência
Concretizando novamente, verifica-se que, tendo o processo negocial terminado sem a aprovação de qualquer medida de recuperação da Requerente (nomeadamente, a apresentada para aquele preciso efeito), veio o Administrador Judicial Provisório comunicá-lo aos autos, com vista ao seu encerramento; e apresentar depois o seu parecer, concluindo pela insolvência da Requerente (S. M. & Filhos, S.A.), após audição da mesma e dos respectivos credores, e requerendo a mesma.
Mais se verifica que, tendo-o conhecido, o Tribunal a quo não apreciou os ditos parecer e requerimento, ordenando antes a sua imediata remessa à distribuição.
Ora, e tal como melhor explicitado supra, não se convertendo (não se transmutando) o processo especial de revitalização em processo de insolvência, importa, por força da lei, que se dê início a este último, face ao concreto teor do parecer do Administrador Judicial Provisório e ao seu requerimento nesse sentido.
Caberá depois ao juiz a quem o dito parecer/requerimento seja distribuído apreciá-lo e tramitá-lo, nomeadamente com a prévia e imperativa audição da aqui Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) (ali então Requerida) e com a realização das diligências probatórias que entenda necessárias para o efeito; e, por fim, decidir pela insolvência, ou não insolvência, daquela.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, mantendo-se o juízo de remessa à distribuição do parecer/requerimento do Administrador Judicial Provisório, sem prévia apreciação e decisão do mesmo pelo Tribunal a quo.
*
Mostra-se, deste modo, totalmente improcedente o recurso de apelação da Requerente (S. M. & Filhos, S.A.).
*
VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por S. M. & Filhos, S.A. e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a decisão recorrida.
*
Custas da apelação pela Requerente recorrente (art. 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 04 de Novembro de 2021.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;

1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;

2.ª Adjunta - Rosália Margarida Rodrigues da Cunha.


1. Neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem.
2. Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
3. «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
4. Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
5. Neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704; e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
6. Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277.
7. É a própria Requerente quem reconhece, nas suas alegações de recurso, que «apresentou desistência da instância já após a conclusão das negociações com os credores».
8. No mesmo sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 693, quando se lê que «o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)».
9. Neste sentido, Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526, Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161, Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105, e Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira.
10. Recorda-se, «Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao não admitir a desistência da instância apresentada pela Requerente (S. M. & Filhos, S.A.) do processo de revitalização, concluídas as negociações sem aprovação de um plano de revitalização
11. O Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
12. Esta disciplina viria depois a ser pontualmente alterada pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, que introduziu outras relevantes alterações ao CIRE (nomeadamente, aditando-lhe os arts. 222.º-A a 222.º-J, pertinentes ao processo especial para acordo de pagamento, destinado exclusivamente a pessoas singulares não titulares de empresa ou comerciantes). De acordo com o seu Preâmbulo, apostou-se «na credibilização do processo especial de revitalização (PER) enquanto instrumento de recuperação», reforçando-se igualmente «a transparência e a credibilização do regime», desenhado definitivamente enquanto «dirigido às empresas», deixando então de haver qualquer dúvida quanto a ser o mesmo exclusivo destas.
13. O Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extra-Judicial - doravante SIREVE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012.
14. No mesmo sentido, Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2013 - 5.ª Edição, Almedina, onde a pág. 72 refere que a introdução deste novo processo especial «não vem só por si destruir a filosofia geral do Código, assente, como se referiu, no sistema de falência-liquidação, mas não há dúvida que a atenua em parte».
15. Enfatiza-se que, no «plano de insolvência regista-se do ponto de vista funcional uma grande diferença relativamente ao PER», já que, enquanto que naquele «a empresa pode passar para o domínio e direção de terceiros, no PER a empresa continua necessariamente sob o controlo do devedor» (Paulo Olavo Cunha, «A Recuperação de Sociedades no Contexto do PER e da Insolvência», Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Pamplona Corte Real, Almedina, 2016, pág. 841.
16. Contudo, e apesar de no PER os poderes do juiz serem limitados (mercê da atribuição, aos credores e ao administrador judicial provisório, de poderes de controlo do processo negocial e da actuação do devedor), certo é que não deixa de consubstanciar um processo judicial: a opção do legislador de não o desjudicializar por completo, atribuindo ao juiz o papel de garante da legalidade, compreende-se pelas implicações para os direitos dos credores da sua instauração do processo, e bem assim por ser a única forma de atribuir eficácia reforçada ao plano de recuperação.
17. Vejam-se a título de exemplo, o Ac. da RP, de 15.11.2012, Cardoso Amaral, Processo n.º 1457/12.2TJPRT-A.P1, o Ac. da RG, de 16.05.2013, Conceição Bucho, Processo n.º 284/13.4TBEPS-A.G1, o Ac. da RC, de 07.10.2013, Carlos Moreira, Processo n.º 754/13.4TBLRA.C1, o Ac. da RC, de 14.06.2016, Fonte Ramos, Processo n.º 4023/15.7T8LRA.C1, ou o Ac. da RE, de 16.09.2019, Manuel Bargado, Processo n.º 370/19.7T8STB.E1.
18. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015 - 8.ª Edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 72, onde se lê que a «apresentação indevida de um processo de revitalização pode inclusivamente justificar a responsabilização do devedor que recorreu abusivamente a esse processo». Ainda, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2015 - 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, págs.146 e 147; Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O processo especial de revitalização - Comentário aos artigos 17.ºA a 17.º-I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 17; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2016, págs. 512 e 513; Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, 2015, Almedina, pág. 23; e João Aveiro Pereira, O Direito, 145 (2013) I-II, pág. 36.
19. Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2015 - 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág.172. Na jurisprudência, para a hipótese ainda mais lata de aprovação do plano mas não homologação pelo juiz, Ac. do STJ, de 30.05.2017, de José Rainho, Processo n.º 6427/16.9T8FNC.L1.S1.
20. Contudo, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O processo especial de revitalização - Comentário aos artigos 17.ºA a 17.º-I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 169, defendem que, por interpretação extensiva, esta norma deve igualmente aplicar-se aos casos em que o acordo é aprovado mas não homologado pelo tribunal.
21. Aparentemente neste sentido, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O processo especial de revitalização - Comentário aos artigos 17.ºA a 17.º-I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, págs. 165 e 166; e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2015 - 8.ª Edição, Almedina, Julho de 2015, pág. 79. Na jurisprudência, Ac. da RG, de 24.10.2013, Manuel Bargado, Processo n.º 1368/12.1TBESP-A.G1; ou Ac. da RC, de 10.03.2015, Fonte Ramos, Processo n.º 5204/13.3TBLRA-C.C1.
22. Neste sentido, Nuno Gundar da Cruz, Processo Especial de Revitalização - Estudo sobre os poderes do juiz, Petrony Editora, 2016, pág. 69; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2016, págs. 548-550, que inclusivamente defende que entendimento contrário (de declaração imediata da insolvência) seria inconstitucional, por violação dos arts. 20.º, n.ºs 1 e 4, e 202.º, n.ºs. 1 e 2, da CRP; e Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 432 a 435. Na jurisprudência, Ac. da RP, de 26.03.2015, Leonel Serôdio, Processo n.º 89/15.8T8AMT-C.P1, Ac. da RC, de 08.07.2015, António Magalhães, Processo n.º 801/14.2TBPL-C.C1, Ac. da RE, de 15.07.2015, Rui Machado e Moura, Processo n.º 529/14.3T8STB-E.E, Ac. da RL, de 03.11.2015, Rosário Gonçalves, Processo n.º 1161/15.0T8VFX-E.L1-1, Ac. do STJ, de 17.11.2015, José Raínho, Processo n.º 801/14.2TBPBL-C.C1.S1, ou Ac. da RL, de 09.12.2015, Maria de Deus Correia, Processo n.º 16770/15.9T8SNT-B.L1-6.
23. Ressalva-se apenas a hipótese de a empresa, ouvida pelo administrador judicial provisório, se pronunciar, ela própria, no sentido da sua insolvência, já que então se tem por confessada, nos termos do art. 28.º do CIRE; e justificando-se assim, neste caso, a respectiva declaração imediata e automática (face à posterior apresentação do conforme parecer do administrador judicial provisório). Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 433; e Rita Fabiana da Mota Soares, «As consequências da não aprovação do plano de recuperação», I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Coordenação de Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 99-106.
24. O Tribunal Constitucional fê-lo, nomeadamente: no seu Acórdão n.º 401/2017, de 12 de Julho, Maria José Rangel de Mesquita; no seu Acórdão n.º 771/2017, de 16 de Novembro, Fátima Mata-Mouros; e no seu Acórdão n.º 55/2018, de 31 de Janeiro, Catarina Sarmento e Castro.
25. O dito Acórdão n.º 675/2018, de 18 de Dezembro (Maria José Rangel de Mesquita) foi publicado no Diário da República n.º 16/2019, Série I, de 23 de Janeiro de 2019.
26. Neste sentido, Ac. da RC, de 12.03.2013, Albertina Pedroso, Processo n.º 6070/12.1TBLRA-A.C1.
27. Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª Edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 435; Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2015 - 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 176; Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2016, págs. 551 e 552; e Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização - Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, pág. 73.
28. Estando o processo especial de revitalização integrado no CIRE, defende-se que se deverá privilegiar primeiro a aplicação deste Código, e só depois do CPC, para o qual o art. 17.º, n.º 1, do CIRE remete, ressalvando porém que «em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código». Neste sentido, Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria Rosa Tching, Processo n.º 84/13.1TBGMR.G1.
29. Neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2011, pág. 144; e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2015 - 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 208.
30. No mesmo sentido, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização - Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, págs. 21 e 22; Rita Fabiana da Mota Soares, «As consequências da não aprovação do plano de recuperação», I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Coordenação de Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 114 e 115; e Isabel Alexandre, «Efeitos processuais da Abertura do processo de revitalização», II Colóquio de Direito da Insolvência, Coordenação de Catarina Serra, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 250 e 251. Contudo, e ainda mais latamente, defendendo que o poder da empresa devedora pôr termo ao PER cessa apenas a partir do momento em que o plano de recuperação é remetido para homologação do Tribunal, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, O processo especial de revitalização – Comentário aos artigos 17.ºA a 17.º-I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 126. Na jurisprudência, Ac. da RG, de 01.10.2013, Maria Rosa Tching, Processo n.º 84/13.1TBGMR.G1, embora balize o termo da possibilidade de apresentação da desistência - do pedido ou da instância - na prolação da decisão declaratória de encerramento do processo (o que, salvo o devido respeito, não salvaguarda a possibilidade de tardia comunicação do administrador judicial provisório).
31. Neste sentido, E-Book CEJ, Dezembro de 2015, O PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO. Prontuário de Decisões Judiciais, páginas 182 a 184 (sem data, nem identificação de Tribunal e de juiz), in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_PER_Prontuario_decisoes_judiciais.pdf, consultado em Outubro de 2021.
32. Neste sentido, Ac. da RG, de 07.04.2016, Carvalho Guerra, Processo n.º 4570/15.4T8VNF.G1.
33. Pronunciando-se desenvolvidamente sobre o efeito standstill, Adelaide Menezes Leitão, «O efeito standstill do Processo Especial de Revitalização e do Processo Especial para Acordo de Pagamentos», RFDUL/LLR, LX (2019.1), 77-90, in https://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2019/11/O-efeito.pdf, consultado em Outubro de 2021.
34. Neste sentido, Ac. da RL, de 26.02.2015, Anabela Calafate, Processo n.º 1807/14.7TYLSB-A.L1-6; e Ac. da RG, de 25.06.2015, Heitor Gonçalves, Processo n.º 1315/14.6TBGMR.G1.
35. Neste sentido, Ac. da RG, de 30.03.2017, José Amaral, Processo n.º 5106/16.1T8GMR.G1.