Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2137/08-1
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
MEDIDA DA PENA
INTERESSADO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO; CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Sumário: I – Mesmo considerando que o arguido sempre teve um comportamento digno, se encontra bem inserido no ambiente familiar onde é querido, acarinhado e apoiado, não tem antecedentes criminais e não tem hábitos de ingestão de bebidas alcoólicas em demasia, as penas – parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão e de 6 meses de prisão, aplicadas pela prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p., respectivamente, pelos art.º 172º, n.º 1, e 172º, n.º 3, al. b), ambos do C. Penal, e única de 2 anos e 3 meses de prisão, ainda que suspensa na sua execução, mediante regime de prova, aplicada em cúmulo jurídico – revelam-se demasiado benévolas.
II – Até porque o arguido não confessou a prática dos factos, não se mostra arrependido não se encontra a exercer qualquer profissão, auferindo o rendimento mínimo de inserção social, e sofre de deficiência mental (imputabilidade diminuída), o que até pode implicar uma maior exigência de punição, tendo em conta as exigências de prevenção especial (de risco de repetição de condutas idênticas).
III – A imputabilidade diminuída não acarreta necessariamente qualquer atenuação especial da pena, no âmbito do art.s 72º e 73º, ambos do C. Penal.
IV – Nos termos do art.º 72º, n.º 1, do C. Penal, a atenuação especial da pena requer sempre a existência de “circunstancias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, designadamente as que constam do n.º 2, do mesmo preceito.
V – Designadamente, face às necessidades de prevenção geral positiva muito relevantes (a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas e a efectiva tutela dos bens jurídicos cuja protecção se visa assegurar pela incriminação deste tipo de condutas – cada vez mais susceptíveis de causar alarme social, sobretudo numa época em que os processos de pedofilia têm relevância mediática e a sociedade está mais desperta para a questão – assim o impõe), mostram-se mais adequadas as penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão e de 8 meses de prisão, respectivamente, pela prática dos crimes dos art.º 172º, n.º 1, e 172º, n.º 3, al. b), ambos do C. Penal, e a pena única de 2 anos e 10 meses de prisão, embora suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 10 meses, com sujeição a regime de prova.
VI – O disposto no art.º412º, n.º 5, do C. P. Penal, também se destina a recorrente que não tenha intentado recurso da decisão que ponha termo à causa (isto é: que tenha a posição de recorrido em relação ao recurso da decisão que ponha termo à causa).
VII – Porquanto, o sujeito processual que figura como recorrido, em sede de recurso interposto da decisão final que ponha termo à causa, pode não ter razões para desta recorrer ou considerar tal não ser oportuno, mas tê-las para manter o recurso de decisão interlocutória (que interpôs, a seu tempo, sobre, v. g., a não admissão de um exame ou de uma perícia, que, a ter-se realizado, poderia ter alterado a resposta que veio a ser dada à matéria de facto e, consequentemente, poder vir a obter, para si, uma decisão mais favorável.
VIII – O requerimento do arguido – onde pede uma nova perícia sobre uma questão a que a (perícia) constante dos autos responde totalmente –, deve ser indeferido, por o nosso ordenamento proibir diligências inúteis para a descoberta da verdade – art.º 340º, n.º 4, al. c), do C. P. Penal.
IX – Havendo dois relatórios de exames – um médico-legal psiquiátrico e outro psicológico – deve analisar-se pormenorizadamente cada um e colher deles o que representa a essência da resposta comum às questões colocadas (portanto, desde que não haja antagonismos), sem prejuízo da necessária complementaridade de um, em relação a determinada questão que o outro não chegue a abordar, por, v. g., lhe não ter sido colocada.
Decisão Texto Integral: (P. Comum Colectivo n.º 1762/04.1TAGMR, 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães)

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

***
I – RELATÓRIO
O Ministério Público deduziu acusação em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, contra o arguido J…
Imputando-lhe a prática, em autoria material, e concurso efectivo, de um crime continuado de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 172º, nº1, do C. Penal e dois crimes continuados de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo artigo 172º, nº3, al. b), do Código Penal.
*
Realizada a audiência de julgamento, foi proferido douto acórdão que, além do mais, decidiu:

a) Condenar o arguido …, pela prática de um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelos artigos 172º, nº1, do C. Penal, na pena de dois anos de prisão.
b) Condenar o arguido … pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 172º, nº3, al. b), do Código Penal, na pena de seis meses de prisão. Em cúmulo jurídico vai o arguido condenado na pena de dois anos e três meses de prisão suspensa na sua execução com regime de prova.

*
Inconformado, recorreu o Ministério Público, pretendendo a revogação do douto acórdão recorrido e a sua substituição por outro que agrave as penas parcelares aplicadas ao arguido, bem como a pena única imposta.

Para o efeito, apresenta as seguintes conclusões da motivação de recurso:
1ª. - As penas parcelares aplicadas ao arguido, bem como a pena única, são benevolentes.
2ª. - Tais penas concretamente aplicadas ao arguido não são aptas a comunicar à comunidade o necessário e adequado sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
3ª. - Em concreto, a pena aplicada ao arguido …, pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa criança, p. e p. pelo art.º 172º, n.º 1, do C. Penal, na pena de dois anos de prisão, não é suficiente para satisfazer as exigências de prevenção geral; tal pena situa-se abaixo do limite médio da respectiva pena abstracta.
4ª. - Requer a aplicação ao arguido de uma pena concreta de 5 anos, pela prática do crime, p. e p. pelo art.º 172º, n.º 1, do C. Penal.
5ª. - Afigura-se-nos que os preceitos apreciados e aplicados pelo Tribunal Colectivo e que se referem à punição destes crimes se mostram incorrectamente aplicados no que concerne à questão da medida concreta da pena.
6ª. - O arguido não confessou a prática dos factos nem se mostrou arrependido; acresce que o arguido sofre de deficiência mental (imputabilidade diminuída), o que pode implicar uma maior exigência de punição, tendo em conta as necessidades de prevenção especial (risco de repetição de condutas idênticas).
7ª. - Afigura-se-nos que o quantum das penas fixado é desproporcionado, atendendo não só às regras da experiência, como ao condicionalismo apurado com relevância para a determinação concreta da pena.
8ª. - É de realçar em sede de fixação da pena:
As circunstâncias concretas que modelaram a actuação do arguido;
A idade da vítima.
9ª. - É ainda de fazer notar a desadequação das penas à componente da prevenção geral positiva, filtrada através da sua relevância mediática (sem se desconhecer as distorções que uma tal abordagem do problema ocasiona).
10ª. - A natureza deste tipo de criminalidade é susceptível de causar alarme social, sobretudo numa época em que os processos de pedofilia têm relevância mediática e a sociedade está mais desperta para a questão.
11ª. - As necessidades de prevenção geral positiva são relevantes, pois que a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas e a efectiva tutela dos bens jurídicos cuja protecção se visa assegurar pela incriminação deste tipo de condutas assim o impõe.
12ª. - A decisão recorrida violou o art.º 172º, n.ºs 1 e 3, al. b), do C. Penal /1995, 171º, nºs 1 e 3, al. b), do C. Penal Revisto, 72º, n.º 2, 13º, 71º, n.º 2, do C. Penal, e fez incorrecta interpretação, logo, e salvo o devido respeito, incorrecto julgamento dos factos com relevo para a escolha da pena em conjugação com as normas penais pertinentes e com as máximas da experiência.
13ª. – O Douto Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que agrave as penas parcelares ao arguido, bem como a pena única imposta, pela argumentação apontada, o que se R.

Termos em que se deve dar provimento ao recurso.

V. as Ex. cias, no entanto, ao decidirem como decidirem, farão JUSTIÇA.

*

O arguido, em resposta ao recurso interposto pelo M.º P.º, pugna pelo improvimento do mesmo e pela manutenção integral da douta decisão recorrida e declara, nos termos do n.º 5, do art.º 412º, aplicável ex vi art.º 413º, n.º 4, ambos do C. P. Penal, que mantém interesse no recurso, por si interposto a fls. 387 a 389 vº, da decisão que indeferiu a perícia médico-legal de foro psiquiátrico à menor/ofendida M... Jesus.
*
No recurso por si interposto, a fls. 387 a 389 vº, o arguido, pretende que seja revogada a decisão que indeferiu a perícia médico-legal de for psiquiátrico à menor/ofendida …
Para o efeito, apresenta, as seguintes conclusões da respectiva motivação:
1ª – A douta decisão recorrida não está fundamentada de direito;
2ª – Viola, assim, o estatuído no art.º 668º, n.º1, al. b), ex vi art.º 666º, n.º 3, do C. P. C.;
3ª – O objecto da anterior perícia não é coincidente com o objecto da perícia ora requerida.
4ª – De qualquer modo, a existência de anterior perícia não é impeditivo da realização de nova perícia;
5ª – Pelo contrário, conforme o estatui o art.º 158º, al. b) do Código de Processo Penal, “ em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar (…) que seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outro ou outros peritos.”
6ª. A perícia deve ser realizada sempre que tal meio de prova se apresente como relevante na demanda da verdade material, o que é o caso;
7ª – A Douta decisão recorrida viola o estatuído nos artigos 151º e 152º do C. P. P..

Nestes termos e sempre com o Douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido inteiro provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a Douta decisão recorrida com todas as consequências legais, dessa forma se fazendo como sempre inteira JUSTIÇA.

*
Em resposta a este recurso do arguido, o M.º P.º junto da 1ª Instância, pugna pelo seu improvimento, já que, sendo uma diligência inútil para a descoberta da verdade, dado existir nos autos uma perícia com o mesmo âmbito, não se impunha a sua realização.
Consequentemente, o despacho recorrido não violou qualquer disposição legal, bem tendo andado o Tribunal ao indeferir a requerida perícia, pelo que deverá ser mantido.

*
Junto desta Relação, o Ex. mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, pugna pelo provimento do recurso do M.º P.º - não se tendo pronunciado sobre o recurso do despacho interlocutório proferido a fls. 348, interposto pelo arguido a fls. 387 a 389 vº -, tendo “como adequada a pena de 3 anos para o crime previsto no art.º 172º, n.º 1, do CP e de um ano para o crime previsto no art.º 172º, n.º 3, al. a), do CP, sendo que “a pena única deve ser fixada em 3 anos e seis meses de prisão suspensos na sua execução por igual período, mediante regime de prova.”

*
No âmbito do disposto no artº417º, n.º 2, do C. P. Penal, o arguido nada mais disse nos autos.
*
Corridos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
***

II – FUNDAMENTAÇÃO – OS FACTOS
Antes de mais, vejamos a factualidade assente e respectiva fundamentação.

Factos Provados:
1-A menor …nasceu no dia 4-4-1997.
2- Frequentou o Jardim-de-infância de… , da comarca de Guimarães, dos 3 aos 6 anos, nos anos lectivos de 2000 a 2003.
3- A menor residia nesse período na Rua da …, Guimarães.
4- Nesse período, especialmente no ano de 2000, o arguido levou a … e a … a visionar filmes pornográficos na tv, sendo que a … esclareceu serem filmes “com gajas nuas”, o que ocorreu na Rua da… Guimarães.
5- A menor M… nasceu no dia 8-9-1991.
6- O arguido, em data não identificada, entre os anos de 2000 a 2004, mas antes de Novembro de 2004, na Rua da …, Guimarães, despiu a menor … e despiu-se também.
7- De seguida, o arguido colocou o seu corpo por cima do corpo da … e masturbou o seu pénis na região peri-anal, mas de modo a provocar lesões e dores nessa zona anal, bem como masturbou o pénis na zona da vagina da menor, simulando a cópula e o coito anal, mas sem penetrar, com o pénis, o ânus e a vagina.
8- O arguido ainda apalpou os seios da menor e introduzia os seus dedos na vagina desta, o que fez de forma repetida.
9- O arguido pretendeu ainda satisfazer e exprimir paixões lascivas, que ofenderam a honestidade, os sentimentos de modéstia, vergonha e castidade das ofendidas, despertando-lhes naturais reacções de repulsa, sendo que os actos por ele cometidos tiveram essa aptidão.
10- O arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas.
11- O arguido sofre de deficiência mental.
12- O arguido sempre teve um comportamento digno.
13- Encontra-se bem inserido no ambiente familiar onde é querido, acarinhado e apoiado.
14- Não tem antecedentes criminais.
15- Não tem hábitos de ingestão de bebidas alcoólicas em demasia.
16- Vive em casa do seu irmão recebendo o subsídio de desemprego.

Factos Não Provados:
Que praticou os factos descritos em 6 a 8 dos factos assentes, repetidas vezes, geralmente aos sábados, da parte da manhã.
Que os filmes pornográficos foram visionados em canal da tv cabo.
C- O arguido praticou nos períodos referidos, de forma repetida, num número indeterminado de vezes, condutas idênticas às descritas nos dois parágrafos antecedentes.
D- Que o arguido tentou levar a menor … para o seu quarto, o que não conseguiu, tanto mais que a menor reagiu com pontapés e com socos de forma a fugir.
E- Que o arguido era surpreendido pela entrada abrupta da menor que, desse modo, chegava a visionar conteúdos para adultos, enquanto o arguido se apressava a mudar de canal.
F- Que o arguido viva num anexo à casa onde habitava a menor constituído por um quarto e uma casa de banho, sendo que a porta do anexo raramente se encontrava trancada.
G- Sempre que era surpreendido pela menor repreendia-a severamente.
H- Que nem sempre se apercebeu da presença da menor que procurava o anexo para ver filmes de “bonecos”.
I- O arguido sempre teve um relacionamento normal e sadio com a menor, de quem é muito amigo e por quem nutre um grande afecto.
J- A menor agiu por instinto de vingança contra o arguido por este a repreender e a proibir de entrar no seu quarto.
K- A menor tem um comportamento e uma linguagem que vão muito para além do que seria de supor para uma criança da sua idade.
L- Tem um vocabulário avançado em relação à sua idade, falando em termos pouco próprios.
M- A menor sempre revelou uma enorme falta de educação, dizendo habitualmente asneiras, sempre foi uma criança irrequieta e desobediente, mostrando-se sempre pronta a responder torto às ordens que lhe davam.
N- Apesar de tais condutas e linguagem o arguido sempre a tratou com respeito e carinho.
O- Todas as pessoas que com ela conviveram ao longo do período referido nos autos referem que nunca ouviram a … falar de possíveis abusos de cariz sexual por parte do arguido, nem, que este alguma vez lhe tivesse mostrado os órgãos genitais.
P- Apesar da mútua amizade entre o arguido e a menor, as relações entre ambos nem sempre foram destituídas de conflito e de comportamentos menos adequados, considerando o respeito que era devido por esta àquele.

Fundamentação:
A matéria de facto provada resulta das declarações da menor em audiência de julgamento, agora com 11 anos de idade, que declarou que “na casa velha ia ver tv para o quarto do Zequinha” e aí via “filmes de gajas nuas a ter relações”. Mais relatou que o arguido também apalpava o cu à … e à …, amigas da ofendida, e, quando perguntada se podia desenhar o pénis do arguido, fez em audiência de julgamento desenho com o formato de um pénis, tendo referido que o pénis do arguido “ tinha menos pêlos” que o do filme.
Resulta ainda das declarações da amiga da menor, …, hoje com 16 anos, que relatou ter visto uma vez filmes pornográficos no quarto do arguido (mulheres nuas a beijarem-se), bem como que o arguido vinha em direcção a si e passava a mão pelos seios da testemunha, por fora da roupa.
Foram ainda consideradas as declarações da psicóloga da escola que a ofendida frequenta, tendo sinalizado a situação ao ter ouvido a menor em entrevista, em Novembro ou Dezembro de 2004, contar-lhe que na casa de …, antes de Setembro de 2003, na altura em que frequentava o jardim de infância, o “tio” a levava para o quarto dele para ver filmes de gajas nuas em que as meninas davam beijinhos na pilinha aos meninos. Relatou dores no rabinho, e a madrinha pôs-lhe creme por causa das dores, sendo que a psicóloga … considerou as suas declarações credíveis e coerentes.
A testemunha …, psicóloga junto da Comissão de Protecção de Menores declarou ter-se deslocado à casa de … e falado com a responsável pelo acolhimento, tendo ficado assustada com as informações que obteve, já que a D…., a quem a menor estava confiada lhe teria declarado que já tinha ameaçado o arguido com a Segurança Social e que “aquilo” tinha acabado. Mais declarou que a família onde a menor … se encontra acolhida recebe subsídio de acolhimento familiar para cuidar da menor e a proteger, como é de lei.
A Dra. …, médica que realizou o exame à menor, declarou não ter a menor lesões físicas nem de cópula nem de acto sexual consumado, pelo que admite terem tido lugar as carícias e aliciamento para a prática de actividade sexual, mas não existirem sequelas físicas, o que facilmente se compreende dada a distância temporal entre a prática dos factos e o exame médico.
Acrescentou que a menor apresentou uma infecção na zona genital, mas o agente infeccioso não é sexualmente transmissível, pelo que não prova só por si a existência de qualquer acto directo sobre o corpo da menor.
A testemunha …, irmão do arguido, declarou estar o seu irmão inscrito no Fundo de Desemprego e estar ali por casa a ver televisão. E que quando a sua esposa lhe contou que o arguido teria tentado “pôr a coisa à beira” da menor, foi “passar uma teoria” ao seu irmão. Depois, por ordens da Segurança Social, cortou ao corredor da casa e construiu uma parede para separar o resto da casa do quarto e casa de banho que ficaram privativos do seu irmão.
A testemunha …, a quem a menor chama “mãe” e que a acolheu desde os três meses, declarou ter pedido ao arguido para não ver pornografia de dia porque a menor disse um dia em casa de um cunhado da testemunha que “às vezes” via gajas nuas no quarto do ….
Mais declarou que um dia a menor disse-lhe que lhe doía o rabinho, queixando-se do “reguinho” e a testemunha pôs-lhe creme porque viu que estava “um bocado inflamado”. Nesse dia a menor pediu-lhe umas cuecas porque as outras que trazia estavam no quarto do “Zequinha”, atrás da porta, tendo a testemunha encontrado a menor na casa de banho nua da cintura para baixo.
As testemunhas …, sobrinho e cunhado do arguido, declararam saber que a menor ia ver televisão para o quarto do arguido, mas nunca desconfiaram de nada, mostrando a menor uma personalidade independente e às vezes usa palavrões que aprende na escola. Esta última testemunha declarou ainda que o arguido recebe o rendimento social de inserção e tem o processo de reforma em curso.
Foram, ainda, apreciados os relatórios periciais psiquiátricos e psicológico dos autos à menor e ao arguido.
Quanto à matéria de facto não provada resulta de nenhuma prova digna de crédito ter sido produzida a seu respeito.

***
III – FUNDAMENTAÇÃO – OS FACTOS E O DIREITO
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
Relativamente ao recurso interposto pelo arguido:
Saber se o douto despacho de fls. 348, que indeferiu a perícia médico-legal de foro psiquiátrico à menor/ofendida …, deve ser revogado, por violação do estatuído nos artigos 151º e 152º do C. P. P., e substituído por outro que ordene a mesma, nos termos do art.º 158º, al. b) do Código de Processo Penal.
Relativamente ao recurso interposto pelo M.º P.º:
Saber se, não tendo sido atendida a pretensão formulada pelo arguido no recurso por si intentado, a que se reporta a questão anterior, devem as penas parcelares e única ser alteradas de modo a que, o arguido seja condenado, nas penas parcelares de 3 anos para o crime previsto no art.º 173º, n.º 1, do C. Penal e de 1 ano para o crime previsto no art.º 172º, n.º 3, alínea a), do C. Penal, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova.

*
1 - Relativamente à primeira questão, que é colocada pelo arguido (Saber se o douto despacho de fls. 348, que indeferiu a perícia médico-legal de foro psiquiátrico à menor/ofendida…, deve ser revogado, por violação do estatuído nos artigos 151º e 152º do C. P. P., e substituído por outro que ordene a mesma, nos termos do art.º 158º, al. b) do Código de Processo Penal.), entendemos que não assiste a razão ao arguido recorrente.
No recurso por si interposto, a fls. 387 a 389 vº, do despacho de fls. 348, o arguido, pretende que seja revogada a decisão que indeferiu a perícia médico-legal de foro psiquiátrico à menor/ofendida ….
Ora, conclui, neste âmbito, o recorrente:
1ª – A douta decisão recorrida não está fundamentada de direito;
2ª – Viola, assim, o estatuído no art.º 668º, n.º1, al. b), ex vi art.º 666º, n.º 3, do C. P. C.;
3ª – O objecto da anterior perícia não é coincidente com o objecto da perícia ora requerida.
4ª – De qualquer modo, a existência de anterior perícia não é impeditivo da realização de nova perícia;
5ª – Pelo contrário, conforme o estatui o art.º 158º, al. b) do Código de Processo Penal, “ em qualquer altura do processo pode a autoridade judiciária competente determinar (…) que seja realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior a cargo de outro ou outros peritos.”
6ª. A perícia deve ser realizada sempre que tal meio de prova se apresente como relevante na demanda da verdade material, o que é o caso;
7ª – A Douta decisão recorrida viola o estatuído nos artigos 151º e 152º do C. P. P..

Quid Juris?
1) Antes de procedermos à análise propriamente dita desta questão, diremos o seguinte:
Dispõe o art.º 407º, n.º 3, do C. P. Penal:
“Quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.”
Por seu turno, o art.º 412º, n.º 5, do mesmo diploma, refere:
“Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.”
Ora, in casu, o douto despacho de fls. 395, admitiu – e bem – o recurso interposto pelo arguido a fls. 387 a 389 vº, do douto despacho de fls. 348, “subir e a ser instruído com recurso posterior que seja interposto da decisão que venha a pôr termo à causa, com efeito meramente devolutivo – artigos 399º, 401º, n.º 1, al. b), 411º, n.º 1, 407º, n.º 3 e 408, nºs 1 e 2 “a contrario sensu”, todos do C. P. P.”
Poderia pensar-se que o art.º 412º, n.º 5, do C. P. Penal, se destina apenas ao recorrente da decisão final, que ponha termo à causa.
Porém, assim não é.
Com efeito, tal preceito também se destina a recorrente que não tenha recorrido da decisão que ponha termo à causa, isto é, que tenha a posição de recorrido em relação ao recurso da decisão que ponha termo à causa.
Desde logo, resulta tal entendimento, da letra do referido art.º407º, n.º 3, do C. P. Penal, que não restringe os recursos, digamos, de despachos interlocutórios, aos instaurados pelo recorrente da decisão que ponha termo à causa (fala apenas “quando não deverem subir imediatamente, os recursos sobem e são instruídos e julgados com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.”).
Depois, porque o próprio Tribunal Constitucional – Ac. n.º 476/2006, DR., II Série, de 20 de Outubro – se debruçou sobre a questão da imposição do ónus de especificação ao recorrido no recurso dominante, e não ao recorrente neste último recurso.
Acresce que, é o próprio n.º 4, do art.º 413º, do mesmo diploma, que refere que, à resposta dos sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso, “é correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 412.º”
Finalmente, porque o bom senso assim nos ensina: o sujeito processual que figura como recorrido, em sede de recurso da decisão que ponha termo à causa, pode não ter razões para desta recorrer, mas tê-las para manter o recurso de decisão interlocutória – que interpôs, a seu tempo, sobre a não admissão, v. g., de um exame ou de uma perícia, que, a fazer-se, poderia ter alterado a matéria de facto a dar como provada e, consequentemente, poder vir a obter uma decisão mais favorável para si.
Por conseguinte, mantém interesse para o arguido a apreciação do recurso por si interposto do douto despacho de fls. 348 dos autos.
2) Debruçando-nos, agora, sobre o recurso do arguido, como dissemos supra, entendemos que não assiste a razão ao recorrente.
Essencialmente, pelos seguintes motivos:
O douto despacho recorrido é do seguinte teor:
“Indefiro a perícia psiquiátrica `à menor, uma vez que já foi efectuada à menor perícia psicológica que consta dos autos.”
Ora refere o art.º97º, do C. P. Penal:
“1 - Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória…”
5 – Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”
Ora, no despacho recorrido, a Sr.ª Juiz esclarece o motivo do indeferimento, invocando o facto de já ter sido feita uma anterior perícia, pelo que não poderia ordenar a repetição da já existente nos autos.
É certo que não invocou qualquer preceito para o referido indeferimento: certamente, porque um motivo tão óbvio para o indeferimento, não justificava a indicação de qualquer normativo legal.
De qualquer modo, tal omissão/vício (falta de fundamentação de direito), deverá ser considerado sanado, já que, não se referindo a lei a ele como constituindo uma nulidade, apenas poderá ser tido como mera irregularidade, com o regime previsto no art.º 123º do C. P. Penal.
Ou seja: a referida irregularidade deveria ter sido suscitada pelo interessado nos 3 dias imediatos à sua notificação para qualquer termo do processo, sob pena de ficar sanada.
Ora, o despacho foi notificado ao recorrente por carta de 05.02.2007 – cfr. fls. 349 dos autos – e o vício apenas foi invocado no presente recurso interposto em 26.02.1997.
Por conseguinte, mostra-se sanada a referida irregularidade.
Por outro lado, também não tem razão, o recorrente, quando invoca pedir agora uma perícia diferente daquela antes feita nos autos.
O recorrente, no seu requerimento, pede, além do mais, “perícia médico-legal do foro psiquiátrico à M…, para definir o carácter, índole e personalidade…”
O pedido do arguido é feito no âmbito da contestação e, lendo esta, como peça processual, é evidente que o que se pretende com a diligência pedida é saber se a menor merece ou não credibilidade nos seus depoimentos.
Mas a essa questão responde totalmente a perícia constante de fls. 195 e sgs. – perícia psicológica da Unidade de Consulta de Psicologia da Justiça e Reinserção Social, da Universidade do Minho - quando expressamente refere e conclui:
“… a … demonstra capacidade para compreender e formular respostas às questões que lhe são colocadas, revelando idoneidade para produzir testemunhos sobre os alegados factos.”
“De acordo com a avaliação efectuada, resulta um parecer positivo quanto à credibilidade do relato da menor, relato que apresenta características semelhantes às de um relato verdadeiro.”
Face ao exposto, e concluindo: A perícia pedida não é mais que uma repetição daquela que já consta dos autos, pelo que, para evitar repetição de diligências inúteis (ou com finalidade meramente dilatória, cfr. art.º 340º, n.º 4, al. c), do C. P. Penal) para a descoberta da verdade, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir a mesma, nos termos em que o fez.

Improcede, pois, a conclusão da motivação do recurso instaurado pelo arguido/recorrente, devendo manter-se o douto despacho recorrido, por não se mostrar terem sido violados os art.s 97º, nºs 1, al. b) e 5, 151º, 152º e 158º, al. b), todos do C. P. Penal.

*
Relativamente à segunda questão, esta relativa ao recurso interposto pelo M.º P º(Saber se, não tendo sido atendida a pretensão formulada pelo arguido no recurso por si intentado, a que se reporta a questão anterior, devem as penas parcelares e única ser alteradas de modo a que, o arguido seja condenado, nas penas parcelares de 3 anos para o crime previsto no art.º 173º, n.º 1, do C. Penal e de 1 ano para o crime previsto no art.º 172º, n.º 3, alínea a), do C. Penal, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova.), entendemos que, em parte, assiste a razão ao Digno recorrente.
Com efeito, conclui, neste âmbito, o Digno recorrente:
As penas parcelares aplicadas ao arguido, bem como a pena única, são benevolentes.
Tais penas concretamente aplicadas ao arguido não são aptas a comunicar à comunidade o necessário e adequado sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Em concreto, a pena aplicada ao arguido …, pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 172º, n.º 1, do C. Penal, na pena de dois anos de prisão, não é suficiente para satisfazer as exigências de prevenção geral; tal pena situa-se abaixo do limite médio da respectiva pena abstracta.
Requer a aplicação ao arguido de uma pena concreta de 5 anos, pela prática do crime, p. e p. pelo art.º 172º, n.º 1, do C. Penal.
Afigura-se-nos que os preceitos apreciados e aplicados pelo Tribunal Colectivo e que se referem à punição destes crimes se mostram incorrectamente aplicados no que concerne à questão da medida concreta da pena.
O arguido não confessou a prática dos factos nem se mostrou arrependido; acresce que o arguido sofre de deficiência mental (imputabilidade diminuída), o que pode implicar uma maior exigência de punição, tendo em conta as necessidades de prevenção especial (risco de repetição de condutas idênticas).
Afigura-se-nos que o quantum das penas fixado é desproporcionado, atendendo não só às regras da experiência, como ao condicionalismo apurado com relevância para a determinação concreta da pena.
É de realçar em sede de fixação da pena:
As circunstâncias concretas que modelaram a actuação do arguido;
A idade da vítima.
É ainda de fazer notar a desadequação das penas à componente da prevenção geral positiva, filtrada através da sua relevância mediática (sem se desconhecer as distorções que uma tal abordagem do problema ocasiona).
A natureza deste tipo de criminalidade é susceptível de causar alarme social, sobretudo numa época em que os processos de pedofilia têm relevância mediática e a sociedade está mais desperta para a questão.
As necessidades de prevenção geral positiva são relevantes, pois que a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas e a efectiva tutela dos bens jurídicos cuja protecção se visa assegurar pela incriminação deste tipo de condutas assim o impõe.
A decisão recorrida violou o art.º 172º, n.ºs 1 e 3, al. b), do C. Penal /1995, 171º, nºs 1 e 3, al. b), do C. Penal Revisto, 72º, n.º 2, 13º, 71º, n.º 2, do C. Penal, e fez incorrecta interpretação, logo, e salvo o devido respeito, incorrecto julgamento dos factos com relevo para a escolha da pena em conjugação com as normas penais pertinentes e com as máximas da experiência.
O Douto Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que agrave as penas parcelares ao arguido, bem como a pena única imposta, pela argumentação apontada, o que se requer.
Por sua vez, o M.º P.º junto desta Relação, pelo douto parecer do Ex. mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, defendendo o recurso, refere que as penas parcelares devem ser alteradas tendo “como adequada a pena de 3 anos para o crime previsto no art.º 172º, n.º 1, do CP e de um ano para o crime previsto no art.º 172º, n.º 3, al. a), do CP ”, sendo que “a pena única deve ser fixada em 3 anos e seis meses de prisão suspensos na sua execução por igual período, mediante regime de prova.”

Quid Juris?
Como dissemos, o Ex. mo Senhor Procurador-Geral Adjunto defende, no seu douto parecer, que as penas parcelares devem ser alteradas tendo “como adequada a pena de 3 anos para o crime previsto no art.º 172º, n.º 1, do CP e de um ano para o crime previsto no art.º 172º, n.º 3, al. a), do CP ”, sendo que “a pena única deve ser fixada em 3 anos e seis meses de prisão suspensos na sua execução por igual período, mediante regime de prova.”
E cremos que, pelo menos em parte – quando refere que as penas são demasiado benevolentes - lhe assiste a razão.
De facto, sobre a relevância e a importância do art.º 172º, do C. Penal, refere Maia Gonçalves, in Código Penal Português, Anotado e Comentado-Legislação Complementar, Almedina, 15ª Edição, 2002, págs. 581 e 582:
“Neste artigo protegem-se pessoas que presumivelmente ainda não têm o discernimento necessário para, no que concerne ao sexo, se exprimirem com liberdade e autenticidade, defendendo-se tais pessoas contra a prática da cópula, coito anal, coito oral ou de outros actos sexuais de relevo, de actos de carácter exibicionista e de condutas censuráveis obscenas ou pornográficas.
Como observou o Prof. Figueiredo Dias na discussão dos crimes desta subsecção no seio da Comissão Revisora do Código Penal, a especificidade destes crimes reside como que numa obrigação de castidade e virgindade, por estarem em causa menores, seja de que sexo forem. Estes menores até à idade de 14 anos, segundo o pensamento legislativo, podem ser prejudicados no seu saudável desenvolvimento fisiológico ou psíquico com a prática dos referidos actos e não têm ainda a capacidade e o discernimento necessários para uma livre e esclarecida decisão no que concerne ao relacionamento sexual.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, pelo que pode verificar-se mesmo que não haja lugar a perigo concreto para o correcto desenvolvimento fisiológico ou psíquico do menor.”
Por outro lado, a Jurisprudência, também afirma:
“O bem jurídico protegido no crime de abuso sexual de crianças do artigo 172º do CP é o da autodeterminação sexual, mas num particular prisma qual seja o de evitar que certas condutas de natureza sexual, em consideração da pouca idade da vítima, mesmo sem coacção, possam prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade dentro do bem jurídico mais amplo da auto-conformação da vida e da prática sexual da pessoa.” – Ac. do STJ, de 07.12.1999, Proc.º 530/99-3ª, SASTJ, n.º 36, pág. 59.
“Aos 14 anos, a lei fornece uma protecção absoluta aos menores no que concerne ao seu desenvolvimento e crescimento sexuais. A lei protege-os, inclusivamente deles próprios, considerando irrelevante o eventual consentimento que prestem para a prática de actos sexuais.” – Ac. do STJ, de 19.10.2000, Proc.º n.º 2546/2000-5ª, SASTJ, n.º 44, pag. 86.
Por outro lado, face à actualidade desta temática – sendo cada vez maior o número das situações similares que vão chegando ao conhecimento dos tribunais –, e sem quaisquer fundamentalismos e com a devida serenidade, mostra-se evidenciada e fortalecida a premente necessidade de aplicação de penas com alguma ou um mínimo de severidade, como forma de prossecução também da prevenção geral.
Assim, importa, por uma lado, ter em conta, os fins das penas, previstos no art. 40º, do CP vigente, são a “protecção dos bens jurídicos” - resultante da preocupação em operar uma prevenção geral positiva de integração - e a “reintegração do agente na sociedade” - corolário da intenção de prevenção especial de reintegração e, por outro lado, para a determinação da moldura penal abstracta aplicável, averiguar da existência de circunstâncias modificativas comuns agravantes ou atenuantes, designadamente, das descritas nas als. do n.º 2, do art.º 72º, do CP.
Dentro da sub-moldura encontrada actuará, depois, o princípio da culpa consagrado no art.º 13º, do C. Penal, fixando o limite máximo da medida concreta da pena.
Assim, atendendo aos factores descritos no n.º 2, do art.º 71º, do C. Penal, actuando em ambivalência no sentido de, entre os diversos elementos que constituem um factor poderem alguns relevar, não só para a culpa, como também para a prevenção, assim como, de o mesmo elemento, quando duplamente relevante, poder assumir significado antinómico, importa referir que:
A favor do arguido releva a conduta anterior e posterior aos factos já que não há conhecimento que tenha praticado qualquer ilícito criminal antes nem após os factos sub judice e o facto de sofrer de deficiência mental, o que lhe atenua a imputabilidade (imputabilidade diminuída).
Em desfavor do arguido releva o facto de ter agido com dolo directo, o grau de ilicitude dos factos que é muito elevado/elevadíssimo, e o modo de execução do seu plano, que se estendeu por vários dias.
Por outro lado, ainda, consideramos que, dada a deficiência mental de que o arguido padece, pode existir um perigo de repetição da conduta criminosa, o que tem também de ser ponderado, como o foi na douta decisão recorrida.
E, afirmamos supra que o arguido, sendo portador de deficiência mental, é também portador de imputabilidade diminuída, porquê?
Para responder a esta questão – que não está devidamente exposta na decisão recorrida – temos de analisar, ao pormenor, os relatórios de exame médico-legal psiquiátrico de fls. 439 a 440 e de exame psicológico de fls. 441.
Assim:
Refere o relatório de exame médico –legal psiquiátrico, de fls. 439 a 440, designadamente o seguinte:
“ESTADO ACTUAL (à data do exame, em 23.05.2007):
O juízo crítico encontra-se diminuído tal como a capacidade de autocrítica.
EXAMES COMPLEMENTARES:
O examinado foi submetido a exame psicológico da área intelectual tendo-se apurado o seguinte resultado:
Q. I. verbal: 56
Q. I. perfomance: 53
Q. I. global: 52
CONCLUSÕES:
Assim a perita é de parecer que … sofre de deficiência mental.
Deve ser considerado imputável para o crime de que é acusado, mas com uma franca atenuação da sua imputabilidade.”
Por seu turno, refere o relatório do exame psicológico, de fls. 441 a 442, designadamente o seguinte:
“Análise dos resultados obtidos – Conclusão:
O sujeito apresenta um potencial cognitivo global inserido entre o nível da deficiência mental moderada e o nível da deficiência mental ligeira (de acordo com o DSM-IV), registando a obtenção dos seguintes resultados na WAIS: Q. I. verbal: 56; Q. I. perfomance: 53;Q. I. global: 52). Não regista deterioração significativa da função cognitiva global.
Em termos estruturais, revela a presença de dificuldades específicas nas capacidades de raciocínio lógico, da abstracção, da estabilidade da atenção selectiva e da capacidade mnésica a curto prazo. Regista igualmente dificuldades quanto à estruturação espacial e quanto à sequencialização lógico-temporal.
Quanto às suas autonomias quotidianas, o sujeito situa-se adequadamente no tempo e no espaço, sabe ver as horas e identifica o dinheiro, dizendo, no entanto, não conseguir efectuar compras, tendo de ser, para isso, ajudado por familiares. Desempenhava a actividade de carpinteiro, estando na actualidade desempregado. Apesar de referir não saber a razão do presente processo em Tribunal, acaba por considerar estar a ser vítima de “mentiras” (sic).
Salienta-se que o sujeito demonstrou alguma resistência passiva na colaboração das tarefas propostas.
Em conclusão, o sujeito apresenta um potencial intelectual global inserido entre o nível da deficiência mental moderada e o nível da deficiência mental ligeira, o qual aparentemente tem condicionado de certa forma o seu funcionamento adaptativo global. Evidencia, apesar disso, potencial para compreensão e interiorização minimamente adequadas das regras e dos valores sociais, conseguindo uma consciência crítica dos seus actos.”

Quer dizer:
O arguido sofre de deficiência mental, situada entre o nível moderado e o nível ligeiro, evidenciando potencial para a compreensão e interiorização minimamente adequadas das regras e dos valores sociais, conseguindo desenvolver uma consciência crítica dos seus actos.
Isto é: Deve ser considerado imputável para o crime de que é acusado, mas com uma franca atenuação da sua imputabilidade.
Por conseguinte: revela-se uma clara atenuação da sua imputabilidade, ou seja, uma imputabilidade algo diminuída.
O que, a nosso ver, determina se tenha em conta como atenuante geral – que não especial, dado não haver “diminuição por forma acentuada da ilicitude, da culpa do agente ou da necessidade da pena”, no âmbito dos art.s 72º e 73º, do C. Penal – no âmbito da determinação da medida concreta das penas, o que aliás foi feito, de alguma forma, na douta decisão recorrida, ao considerar que o arguido sofre de deficiência mental (chegado mesmo a usar os termos “imputabilidade diminuída” – cfr. fls. 9, quando fundamenta a suspensão da execução da pena.)
Assim, a moldura abstracta da pena prevista na lei para o crime do artigo 172º, nº1 CP, é de 1 a 8 anos de prisão e para o crime do n.º 3, al. b), do mesmo normativo legal, a mesma moldura é de prisão de um mês (mínimo) a três anos.
Assim, face ao exposto, alterando as penas parcelares fixadas pelo Tribunal a quo, entendemos adequadas, justas e proporcionadas as seguintes penas:
- 2 anos e 06 meses de prisão para o crime previsto no art.º 172º, n.º 1, do C. Penal;
- 08 meses de prisão para o crime previsto no art.º 172º, n.º 3, al. a), do C. Penal.
Por outro lado, relativamente ao cúmulo jurídico, das duas penas de prisão aplicadas ao arguido, nos termos do artigo 77º do Código Penal, importa referir que a moldura de cúmulo terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas ao arguido, 03 anos e 02 meses de prisão.
E, como limite mínimo terá a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, que no caso concreto é de 02 anos e 06 meses de prisão.
Cumpre agora apreciar os factos e a personalidade do agente de modo a determinar a pena única de cúmulo.
Ora, tendo em conta que o arguido praticou dois crimes de abuso sexual de menor, um previsto no artigo 172º, nº1 e outro previsto no artigo 172º, n.º 3, al. b), do C. Penal, não se encontrando devidamente inserido na sociedade, uma vez que passa os seus dias em casa a ver televisão, não exercendo qualquer profissão, sofrendo de deficiência mental, e tendo o arguido praticado os factos sub judice, apesar de não ter antecedentes criminais, entendemos ser de aplicar a pena única de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Por outro lado, deve manter-se a suspensão da execução da pena, agora pelo prazo de 02 anos e 10 meses, pelo que bem andou o Tribunal a quo, quando, ponderando o certificado de registo criminal do arguido, sem antecedentes criminais, e a sua imputabilidade diminuída, entendeu que a simples censura do facto e a ameaça de prisão são, por ora, suficientes para realizar de forma adequada as finalidades das penas, e, verificando-se os pressupostos da suspensão previstos no artigo 50º do C. Penal, lhe suspendeu a pena – n.º 5, do referido artigo 50º, do Código Penal - embora com sujeição ao regime de prova - artigo 53º, n.º 1 e 2º do CP.

Face ao exposto, andou bem o Tribunal a quo, ao condenar o arguido recorrido, pela prática de dois crimes de abuso sexual de menor, p. e p. pelo art.º 172º, n.ºs 1 e 3, al. a), do C. Penal, mas, mostrando-se demasiado benévolas as penas parcelares e única, deve proceder parcialmente esta conclusão da motivação do recurso do Ministério Público e, em consequência, deve ser alterada a douta decisão recorrida, fixando-se, agora as penas nos seguintes termos:
a) Pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 172º, n.º 1, do C. Penal, 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de prisão.
b) Pela prática do crime previsto no art.º 172º, n.º 3, al. a), do C. Penal, 08 (oito) meses de prisão.
c) Em cúmulo jurídico, 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
E mantendo-se a suspensão da execução da mesma, agora pelo período de 02 (dois) anos e 10 (dez) meses, com a sujeição a regime de prova.
Procede, pois, parcialmente, esta conclusão da motivação do recurso do Digno recorrente, mostrando-se violados, em parte, designadamente, nos art.ºs 13º, 71º, nºs 1 e 2, 50º, n.º 5, 77º, 172º, n.ºs 1 e 3, al. b), todos do C. Penal.

***

Concluindo:
Improcede, assim, a questão colocada pelo arguido no seu recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais, designadamente, os invocados art.s 668º, n.º 1, al. b) ex vi art.º 666º, n.º 3, do C. P. Civil, 97º, n.ºs 1, al. b) e 4, 151º, 152 e 158º, todos do C. Penal, e procede, assim, parcialmente, a conclusão da motivação do recurso do Digno recorrente, por se mostrarem violados, em parte, designadamente, os art.s 13º, 71º, nºs 1 e 2, 50º, n.º 5, 77º, 172º, n.ºs 1 e 3, al. b), todos do C. Penal.
***

IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes, na Secção Criminal deste Tribunal da Relação, em:
- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido.
- Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.
-Alterar, em consequência, a decisão recorrida, no que tange às penas aplicadas ao arguido, condenando-o nos seguintes termos:
a) Pela prática do crime previsto no art.º 172º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 06 (seis) meses de prisão.
b) Pela prática do crime previsto no art.º 172º, n.º 3, al. a), do C. Penal, na pena de 08 (oito) meses de prisão.
c) Em cúmulo jurídico, na pena única de 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, mantendo-se a suspensão da execução da mesma, agora pelo período de 02 (dois) anos e 10 (dez) meses, com a sujeição a regime de prova.
Custas pelo arguido/recorrente e recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 7 ucs.