Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
62/14.3TBPTL-B.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O justo impedimento da parte, nos termos e para efeitos do disposto no artº 140º, do CPC, para ser relevante e atendível, exige a alegação e prova de evento que não lhe seja imputável e do qual resulte e provoque a impossibilidade absoluta daquela de praticar o acto em causa .
II - A prova de que a parte foi acometida de uma doença, ainda que grave, por si só e desde que desacompanhada da prova de quaisquer outros elementos que demonstrem que em razão do referido evento e por causa dele ficou a parte impedida em absoluto, por si ou através de outra pessoa , de praticar o acto, não permite atender/deferir a invocação de justo impedimento.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
Citada, no âmbito de procedimento cautelar a correr termos, para deduzir oposição, atravessou nos autos a requerida R.., LDA. , com sede no concelho de Ponte de Lima, instrumento através do qual solicita a prática de acto processual fora de prazo, invocando para o efeito a existência de JUSTO IMPEDIMENTO.
Para tanto, alegou a requente R.. , designadamente, que :
- sendo representada pelo seu único gerente, C.., e tendo sido citada no passado dia 20 de Dezembro de 2013, para deduzir oposição nos presentes autos de procedimento cautelar de arresto no prazo de 10 dias, o certo é que o seu representante legal ficou subitamente doente, apresentando desde o dia 30 de Dezembro de 2013 uma grave patologia, com sintomatologia de hipertermia de 40. 3.° C, tosse com expectoração mucopurulenta com episódios de raios de sangue, com toracalgia na base do hemitõrax direito e da qual resultou uma incapacidade total que o obrigou a manter-se no leito desde aquele dia 30/12/2013 por um período de mais 22 dias;
- Ora, a referida e grave patologia de que o gerente da Requerida foi subitamente acometido no dia 30/12/2013 e que o incapacitou durante um período de mais 22 dias, ou seja, até o dia 21/01/2014, constitui para todos os efeitos justo impedimento, porquanto tratou-se de um evento não imputável à parte que obstou à prática atempada do acto por parte da Requerida, porquanto apenas aquele seu único gerente poderia representar a requerida e, nessa qualidade, procurar ajuda jurídica junto de advogado e passar-lhe procuração forense, que a representasse e, portanto, deduzisse oposição nos presentes autos até aquele dia 30/12/2013, como era sua intenção.
1.1. - Satisfeito o contraditório, veio a C.. ,Ldª, requerente da providência, opor-se ao deferimento do requeriedo por R.., LDA., no tocante ao invocado Justo Impedimento, aduzindo para tanto que a requerente não agiu com a diligência normal, pois que deixou para o último dia do prazo todo o expediente relacionado com a dedução de oposição, v.g. contratar com Advogado e tratar junto do mesmo pela apresentação na providência de competente articulado de oposição.
1.2.- Após inquirição das testemunhas arroladas pela requerente e requerida, fixados os factos provados e conclusos os autos para o efeito, proferiu então o Exmº Juiz titular dos autos a competente decisão, indeferindo o requerido, e julgando improcedente o incidente de justo impedimento invocado.
Em sede de fundamentação, considerou o Exmº Juiz a quo,, designadamente, que :
“ (…)
Feita a apreciação no seu conjunto o processado e a audição das testemunhas e documentos - atestado médico - o tribunal inferiu e conclui com um grau de certeza e segurança que a parte agiu com negligência quanto á Ocorrência do evento.
Na verdade a parte só no último dia da apresentação da oposição, ser acometido de doença, o que poderá ser possível, fazendo fé face ao atestado médico apresentado, entendemos que este fato de per si não poderá constituir motivo justificável para afastar os restantes dias em que a parte poderia diligenciar junto do seu mandatário a fim de preparar a sua defesa.
Por outro lado, e atento o valor dado à providência, era exigível que a parte diligencia-se lodo de seguida para estruturar a sua defesa. Deixar-se para o último dia e por azar seu ser acometido de doença súbita o tribunal terá de concluir que a parte negligenciou pela apresentação atempada da sua defesa.
Neste sentido pode ver-se Ac. STJ, 13.01.2000, proc. 99B859, www.dgsi.pt " Não tendo as alegações sido apresentadas em tempo e alegando o recorrente que tal se ficou a dever a doença do seu advogado ocorrida no último dia do prazo para alegar, não ocorre justo impedimento se tal situação de doença ultrapassou o "razoável", tendo-se em atenção a estrita ética dos interesses cm conflito".
No mesmo sentido veja-se AC. do TRP de 6.11.85 in BM], 351 p. 463 de onde resulta que os atrasos e omissões decorrentes de negligência simples ou grosseira do mandatário ou dos seus subordinados continuarão a não constituir justo impedimento.
Para além desta jurisprudência agora citada sufragamos também a jurisprudência invocada pela requerente da providência na sua oposição ao incidente.
Finalmente como se deu como provado o C.. no período em que esteve convalescente deslocou-se pelo menos duas vezes Arcos de Valdevez. “
1.3.- Notificada da decisão indicada em 1.2., e da mesma discordando, veio R.., LDA ,interpor a competente apelação, o que fez aduzindo as seguintes conclusões :
1. Foi considerada provado que “O representante legal da requerente durante o período referido no atestado médico deslocou-se pelo menos duas vezes a Arcos de Valdevez”, quando não o deveria ter sido, porquanto não foi produzida prova suficiente para dar esta matéria por provada.
2. O tribunal a quo fundamenta esta concreta matéria assente com base em dois depoimentos, mais concretamente na testemunha M.. e M.., referindo o tribunal a quo “que por conhecerem o C.. dos seus depoimentos valorados no seu conjunto resultou de que este foi visto no referido período em Arcos de Valdevez (inícios de Janeiro).”
3. O tribunal a quo refere, então, que estas duas testemunhas afirmam ter visto o legal representante da requerida nos Arcos de Valdevez, em INÍCIOS DE JANEIRO, quando este alega que de 30 de Dezembro de 2013 a 21 de Janeiro de 2014 se encontrava doente.
4. Porém, a verdade é que não resulta destes dois depoimentos a firme certeza ou mesmo a certeza se foi em inícios de Janeiro que viram o legal representante da requerida nos Arcos de Valdevez ou se foi em finais de Dezembro.
5. De facto, a testemunha M.. afirma que não pode dizer o dia em que viu o gerente da requerida. Refere que “Não lhe posso dizer o dia, posso dizer mais ou menos a altura, que eu não sabia o que se passava, aquilo foi fins de Janeiro, fins de Dezembro, princípios de Janeiro, mas eu não sei se foi na segunda se foi na terça, se foi na quarta.” Mais à frente esta mesma testemunha refere ainda “Não, fins de Dezembro, princípios de Janeiro”.
6. Ou seja, esta testemunha diz que tanto pode ter visto o legal representante da requerida em fins de Dezembro, como em inícios de Janeiro, o que claramente demonstra a incerteza qual o concreto período em que o viu, logo não pode o tribunal a quo dar como provado algo que nem a própria testemunha sabe ao certo.
7. O mesmo se diga da outra testemunha que o tribunal a quo relevou, a par da anterior, para dar por provado que o gerente da requerida foi visto nos Arcos de Valdevez em inícios de Janeiro. De facto, a testemunha M.., quando lhe perguntam se sabe dizer se foi no final do ano de 2013 ou se foi no início do ano de 1014, responde que “pelo final do ano, pelo princípio do ano, por essa época, que andávamos sempre atrás dele.”
8. Aliás, esta testemunha que é funcionária da requerente demonstra animosidade em relação ao gerente da requerida. Quando o mandatário da requerente lhe pergunta se está convencida que foi em inícios de 2014 que avistou o gerente da requerida, já diz que sim, mas claramente por ter sido conduzida pelo ilustre mandatário a dar essa resposta.
9. Não é verosímil o seu depoimento quando refere que procura saber do paradeiro do gerente da requerida para que ele cumpra o contrato promessa, como refere, quando há muito a sua entidade patronal, requerente nestes autos, tinha intentado acção judicial contra a ora requerida.
10. Deve o tribunal ad quem alterar a matéria de facto dada por provada pelo tribunal a quo, mais concretamente a matéria da alínea d), devendo ser dado por não provada o que consta da referida alínea d) dos factos provados do douto despacho, o que se requer.
11. Por outro lado, deveria ter sido dado por provado o demais alegado pela requerida, nomeadamente os pontos 5º a 8º dos factos alegados pela requerida, transcritos no início do douto despacho, ora em crise.
12. De facto, as testemunhas (A.. e A..) ouvidas a essa matéria são claras a confirmar a doença, o período da doença, o estado físico e a incapacidade de sair da cama nesse período por parte do gerente da requerida, o que a par do atestado médico junto aos autos demonstram o real estado de saúde do gerente da requerida.
13. Assim, a recorrente sustenta que efectivamente que os meios probatórios, nomeadamente, o atestado médico, a gravação dos diversos depoimentos, impõem outro apuramento da matéria de facto, havendo erro na apreciação do seu valor probatório, havendo elementos de prova nos autos inequívocos para apuramento da matéria de facto diversa da decisão recorrida, o que, quanto a nós, leva à total procedência do incidente de justo impedimento invocada pela requerida, ora recorrente.
14. Assim, entende a recorrente que a prova produzida impunha que o tribunal a quo considera-se não provado a matéria da alínea d) e por provados os factos dos pontos 5.º a 8º da matéria alegada pela recorrente.
15. Assim, fazendo, deve, em consequência, ser alterada a decisão do douto despacho, com a total procedência do incidente de justo impedimento.
16. Ao não considerar haver justo impedimento no caso sub judice, o tribunal a quo violou e fez errada interpretação do disposto no artigo 140.º n.º 1 do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando a decisão do tribunal da 1.º instância sobre a matéria de direito e de facto, nos pontos concretamente referidos, revogando-se, em consequência, o despacho recorrido, declarando-se procedente o incidente do justo impedimento, apresentado pela requerida, como será de JUSTIÇA.
1.4.- Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. - Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes :
I - Da almejada alteração da decisão proferia pelo a quo e relativa à matéria de facto ;
II - Se a decisão apelada que indeferiu a invocação - pela apelante - de Justo impedimento, deve ser mantida, ou , ao invés, merece ser revogada.
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2.- Motivação de facto
Considerou o tribunal a quo, como tendo ficado provada, em sede do incidente, a seguinte factualidade :
a) A requerida foi citada, na pessoa do seu legal representante, C.., no passado dia 20 de Dezembro de 2013 ;
b) O prazo para deduzir oposição terminou no passado dia 30 de Dezembro de 2013 ;
c) O C.. ficou doente, apresentando desde aquele dia 30 de Dezembro de 2013 uma grave patologia, com sintomatologia de hipertermia de 40, 3ºC, tosse com expectoração mucopurulenta com episódios de raios de sangue, com toracalgia na base do hemotórax direito, da qual resultou uma incapacidade total que o obrigou a manter-se no leito desde aquele dia 30/12/2013 e por um período de mais 22 dias ;
d) O representante legal da requerente durante o período referido no atestado médico deslocou-se pelo menos duas vezes a Arcos de Valdevez ;
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3. - Da impugnação da decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto.
Analisadas as alegações e conclusões da apelante, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que impugna a recorrente algumas respostas/julgamentos da primeira instância no tocante a vários/concretos pontos de facto da referida decisão, considerando para tanto terem que se um deles foi incorrectamente julgado, outros ainda não foram sequer objecto de julgamento.
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu a apelante, minimamente, as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente , indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pela apelante indicadas, procedeu a mesma, outrossim, à indicação e com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do acabado de expor, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas do a quo ao/s ponto/s de facto indicado/s.
3.1 - Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, e no tocante à alínea d) dos factos provados.
Tendo o tribunal a quo considerado provado que “ O representante legal da requerente durante o período referido no atestado médico deslocou-se pelo menos duas vezes a Arcos de Valdevez“, dissentindo do referido julgamento e ancorada sobretudo na prova testemunhal produzida, é porém entendimento da apelante que ao referido ponto de facto justificava-se que o tribunal a quo tivesse respondido de forma negativa, julgando-o como Não Provado.
Vejamos, de seguida, se a pretensão da apelante é de atender, justificando-se assim a crítica que dirige à primeira instância.
Ora, antes de mais, importa deixar claro que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens .(1)
É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível é, tão só , que (2) em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto , ou , dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida ) da sua verificação.
Dito de uma outra forma (3), devendo o convencimento do julgador basear-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, certo é que “ Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz, mas tem de ser suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade seria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso “.
Por outra banda, e a propósito da aferição/julgamento que a este tribunal da Relação incumbe fazer em sede de avaliação do mérito da impugnação deduzida pelo recorrente , importa deixar claro que, em sede de reapreciação da prova e no âmbito de um efectivo/real (4) segundo grau de jurisdição em matéria de facto, lícito é ao ad quem reflectir nos pontos de facto impugnados a sua própria convicção ( nos termos do artº 607º,nº5, do CPC), não existindo hoje quaisquer dúvidas de que a actividade da Relação, na referida matéria, não deverá circunscrever-se a um mero controlo formal da motivação efectuada em 1ª instância, procedendo à detecção e correcção de pontuais e excepcionais erros de julgamento” . (5)
Isto dito e começando por analisar o depoimento prestado pela testemunha M.., no essencial referiu a mesma que, tendo a firme convicção que no dia anterior a ter recebido um concreto telefonema ( da autoria de M..), podia afirmar com toda a segurança ter visto o legal representante ( o Sr. C.. ) da requerida R.., LDA , nas proximidades do seu estabelecimento, a verdade é que, não estava porém em condições de poder dizer qual a data/o dia exacto em que recebeu o supra indicado telefonema, tendo dúvidas se terá acontecido ele nos finais de Dezembro de 2003, ou , já em meados do início de Janeiro de 2004.
Com segurança, disse ainda a testemunha M.., que apenas podia garantir que o telefonema em causa [ através do qual uma pessoa conhecida pretendia saber se o representante legal da requerida se encontrava nas proximidades do prédio que havia construído ] ocorreu na altura das festas, para aí em meados de finais de Dezembro e/ou princípios de Janeiro de 2014, e por volta das 10.00 horas da manhã.
Em rigor, portanto, e por si só, não serve este depoimento e não coadjuvado por qualquer outro meio de prova, para alicerçar a factualidade vertida na alínea d), da motivação de facto do presente Ac.
Passando agora ao depoimento prestado por M.., e afirmando ( corroborando nesta parte o depoimento da testemunha M..), que foi a própria quem telefonou para a anterior testemunha, o que fez procurando obter concreta informação sobre a presença no local do representante legal da requerida, o Sr. C.., elucidou também a própria e ab initio que não tinha a exacta noção de qual o dia exacto em que efectuou o referido telefonema, apenas podendo dizer que terá ocorrido ele no final do ano e/ou princípios de Janeiro de 2014.
Porém, no decorrer do respectivo depoimento, e numa fase mais adiantada do mesmo ( minutos 7.22 e segs, e 20,37 m ), refere e concretiza a testemunha M.. ser seu convencimento que o telefonema referido terá sido efectuado pela própria por alturas do início do mês de Janeiro de 2014.
Ou seja, para a testemunha M.. e explicando/justificando as razões que a levaram a efectuar o telefonema em causa, e apesar de à data estar já pendente uma acção intentada contra a requerida na providência, estava em condições de afirmar que foi ele - o telefonema - efectuado no início de Janeiro de 2014.
Ora, em razão da conciliação de ambos os depoimentos acabados de escalpelizar, é essa a nossa convicção, não se descortina fundamento pertinente que justifique que o tribunal a quo tenha considerado provado que o representante legal da requerente durante o período referido no atestado médico deslocou-se pelo menos duas vezes a Arcos de Valdevez, e isto porque, em relação a tal matéria e da conjugação de ambos os depoimentos de M.. e de M.., apenas se descortina a alusão e a referência a uma deslocação.
Porém, já no que diz respeito a pelo menos uma deslocação do Sr. C.. a Arcos de Valdevez, e em meados do início de Janeiro de 2004, é convicção deste tribunal, de alguma forma em sintonia com a do tribunal a quo, que não existem razões atendíveis que justifiquem e obriguem a menosprezar os depoimentos - conjugados - de M.. e de M.., quer por afectarem a credibilidade e ou isenção de ambos os depoentes, quer a verosimilhança do que afirmaram, quer ainda e também a razoabilidade da versão que manifestaram, e em razão v.g. dos normais padrões comuns de comportamento e/ou da experiência comum.
Ou seja, tendo presente ambos os apontados depoimentos, e o modo ( com manifesta segurança de qualquer uma das testemunhas, não obstante ter sido v.g. a M.. interpelada com alguma persistência e vigor pela parte contraria ) como foram prestados, não se descortina de todo que exista fundamento pertinente que obrigue a considerar que a primeira instância incorreu em erro na apreciação das provas , tendo este último desencadeado o erro de julgamento subjacente à factualidade vertida na alínea d), da motivação de facto do presente Ac., impondo-se, quando muito, determinar uma diminuição do nº de deslocações do representante legal da requerente a Arcos de Valdevez.
Destarte, em razão de tudo o supra exposto, procedendo parcialmente a impugnação da decisão de facto do a quo, deve o concreto ponto de facto que consta da alínea d), do presente Ac. passar a ter a seguinte redacção : O representante legal da requerente , não obstante o provado em c), e durante o período referido no atestado médico , deslocou-se pelo menos uma vez a Arcos de Valdevez .
3.2.- Se in casu se impunha que o tribunal a quo tivesse julgado provado o alegado pela requerida nos pontos 5º a 8º do requerimento de invocação de Justo impedimento.
Nos artºs 5º a 8º do requerimento de invocação de Justo impedimento, alegou a requerida da providência que :
5.° - Ora, de facto, esta grave patologia de que o gerente da Requerida foi subitamente acometido naquele dia 30/12/2013 incapacitou-o durante um período de mais 22 dias, ou seja, até dia de ontem, 21/01/2014, constitui justo impedimento, porquanto tratou-se de um evento não imputável à parte que obstou à prática atempada do ato por parte da Requerida, porquanto apenas aquele seu único gerente poderia representar a requerida e, nessa qualidade, procurar ajuda jurídica junto de advogado e passar-lhe procuração forense, que a representasse e, portanto, deduzisse oposição nos presentes autos até aquele dia 30/12/2013, como era sua intenção, assim como reunir a necessária documentação.
6.° - E que só não foi possível, dada a súbita doença que o incapacitou desde aquele dia e o obrigou a manter-se no leito até ao dia de ontem, 21/01/2014.
7.° - De facto, aquele gerente da ora requerida, desde aquele dia 30 de Dezembro teve de permanecer deitado e estava em tal mal estado físico que o impossibilitou, por completo, de fazer o que quer que seja.
8.0 - Só no dia de hoje, 22/01/2014, aquele gerente da ora requerente está fisicamente capaz de procurar ajuda jurídica junto de mandatário e dessa feita mandatar advogado para deduzir oposição e igualmente transmitir os dados (factos) necessários a mandatário, bem como reunir a necessária documentação, de forma a ser redigida e apresentado em juízo a respectiva oposição.
Considerando que o vertido nos artºs 5º a 8º acabados de reproduzir foi - no entender da recorrente - , de alguma forma, corroborado pelos depoimentos das testemunhas A.. e A.., respectivamente esposa e genro do representante legal - C.. - da apelante, impetra a recorrente, em sede de impugnação da decisão de facto do a quo, que seja o conteúdo vertido nos supra indicados artºs 5º a 8º conduzido à factualidade provada.
Ora Bem.
Antes de mais, importa não olvidar que a instrução de qualquer causa e/ou incidente, apenas deve ter por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta, os factos necessitados de prova ( positivos e concretos - cfr. artºs 5º e 410º, ambos do CPC ), estando por consequência excluídos da tarefa instrutória quaisquer meros “juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos “, pois que, todos eles importam uma actividade que é de todo “estranha e superior à simples actividade instrutória. (6)
É que, se um qualquer e pretenso ponto de facto se mostrasse impregnado de meros factos jurídicos, que não factos materiais, ou , como bem nota Temudo Machado (7), integrasse “ (…) a conclusão , em vez de conter os silogismos primários de que ela deriva, as testemunhas viriam a ser interrogadas, não a respeito de factos susceptíveis de ser captados pelos sentidos, mas a respeito de juízos de valor formados sobre aqueles factos. “.
De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC ( o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito ), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o thema decidendum.
Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica.
Isto dito, e analisando o teor/conteúdo dos pretensos pontos de facto que constam dos artºs 5º a 8º do requerimento inicial de alegação de justo impedimento, é para nós manifesto que, em rigor, de efectiva e concreta factualidade material pouco têm, antes se mostram todos os referidos itens impregnados de abundantes juízos conclusivos, de valor, e de direito , o que desde logo não obrigava de todo o tribunal a quo a conferir-lhes uma qualquer resposta.
Depois, e no que concerne a efectiva factualidade que em tais nºs se mostra vertida, mostra-se já parte da mesma incluída na alínea c) da motivação de facto, razão porque de manifesto processado inútil se revela a pretensão da impugnante de voltar a reproduzi-la num qualquer outro ponto de facto autónomo.
Por fim, recorda-se, apontando todos os referidos pontos de facto , nos poucos factos que integram, para a conclusão de que, em razão da doença sofrida, ficou o legal representante da recorrente, e em absoluto, impossibilitado de procurar ajuda jurídica junto de advogado, v.g. porque o estado físico o impossibilitou, por completo, de fazer o que quer que seja, a verdade é que, em consonância com o facto vertido na alínea d) do presente Ac., ainda que com as alterações introduzidas por este tribunal, e tendo igualmente presente o depoimento prestado pela esposa e genro do legal representante da requerida ( os quais, não excluíram e afastaram a possibilidade de o C.., apesar de doente, poder comunicar, não afastando outrossim poder o C.. contar com a ajuda de familiares, se tem sido ela solicitada ) , nada justifica determinar nesta parte a modificação da decisão de facto proferida pelo a quo.
Em suma, e finalizando, temos assim que a impugnação da decisão de facto proferida pelo a quo, no essencial, procede apenas parcialmente , obrigando a mera alteração da redacção de concreto ponto de facto.
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4. - Motivação de Direito.
Como decorre do relatório do presente Ac., e , sobretudo , das conclusões recursórias da Apelante dirigidas para a decisão recorrida, manifesto é que a pretendida alteração do julgado [ ser a decisão da primeira instância substituída por uma outra que reconheça existir o justo impedimento invocado pela requerida da providência ] assentava e exigia, como de “pão para a boca”, a modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo a quo, pois que e em rigor, não suscitou a apelante quaisquer questões relacionadas v.g. com uma qualquer e errada interpretação e aplicação por parte do tribunal a quo das regras de direito à matéria de facto fixada.
Porém, e em razão dos fundamentos aduzidos em 3.1. e 3.2., considerou este tribunal não existirem motivos pertinentes e relevantes para modificar [ e com ganhos relevantes para a recorrente ] as respostas que foram dadas pela primeira instância aos concretos pontos de facto impugnados .
Destarte, e não olvidando o disposto no artº 608º,nº2, do CPC, ex vi do nº2, do artº 663º, do mesmo diploma legal, não se nos impondo tecer quaisquer considerações atinentes à bondade e acerto da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, maxime em sede de indagação, selecção, interpretação e aplicação, temos assim que a apelação improcede inevitavelmente, não se impondo a revogação da sentença recorrida, que assim merece manter-se.
Seja como for, porque toda e qualquer decisão judicial não pode descurar a vertente pedagógica que a mesma também encerra, e a qual em sede de elaboração deve estar presente, sempre se acrescenta que, porque o justo impedimento configura manifestamente algo de excepcional, visando - qual válvula de escape à rigidez estabelecida na lei (8) para a prática de certos actos - , dar realização a situações anormais relacionadas com ocorrências estranhas e imprevisíveis ao obrigado à prática do acto, dificilmente poderia a factualidade provada sustentar uma decisão diversa da que foi proferida pelo Exmº Juiz a quo.
É que, importando [ neste conspecto, recorda-se que logo em sede de preâmbulo do Decreto Lei n.º 329.º-A/95,de 12 de Dezembro, explica o legislador que com a nova redacção do artº 146º do Código de Processo Civil “ flexibiliza-se a definição conceitual de justo impedimento em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia da culpa, que se afastou da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam”] para a verificação/reconhecimento do justo impedimento que não exista culpa da parte, seu representante ou mandatário , no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório (9), é nossa convicção que a ainda que escassa factualidade provada, por si só, e ao invés do entendimento da recorrente , como que permite concluir que a parte contribuiu in casu culposamente com o seu comportamento [ tipicamente Português, mas manifestamente temerário ] e inacção para o excedimento ou ultrapassagem do prazo .
Na verdade, e como bem nota a primeira instância, não deixa desde logo de se revelar algo “despreocupada e descuidada”, para não dizer negligente e de certa forma imprudente, e designadamente em conhecida época de festividades, pontes e feriados ( facto este que é público e notório ), que uma parte relegue precisamente para o último dia de um prazo processual peremptório em curso a tarefa de diligenciar, junto de Advogado, pela prática de um acto processual.
Depois, a admitir-se que o evento provado na alínea c) da motivação de facto do presente consubstancia efectivamente uma doença grave, a verdade é que , para efeitos de reconhecimento de justo impedimento, e porque pressupõe este último que o mandatário, ou a parte, fiquem impossibilitados em absoluto de praticar acto em causa, o certo é que não decorre de todo outrossim da factualidade provada que, em razão do supra apontado evento, tenha a parte ficado de todo impossibilitada, e usando a diligência normal, de praticar o acto - por si , e v.g. através de um mero telefonema, ou até por intermédio de um terceiro - , designadamente de alertar e/ou de actuar junto de um Advogado e em tempo ( e ainda que com o pagamento de uma multa, porque praticado eventualmente dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao temo do prazo ) pela elaboração de competente articulado de oposição a providência.
É que, importa não olvidar, o acto a praticar pela parte, necessariamente, teria de ser levado a cabo através de advogado, ainda que eventualmente carecido este último de instruções e informações da própria parte.
Em todo o caso, a afastar inelutavelmente a natureza de impedimento absoluto do evento ocorrido, temos a prova do facto que se mostra vertido na alínea d), da motivação de facto do presente Ac. ( ainda que com as alterações introduzidas por este tribunal )
De resto e bem a propósito, e com total pertinência relativamente à questão ora em análise, decidiu já o nosso mais Alto Tribunal, designadamente, que :
“ I - O justo impedimento do mandatário, ou da parte, consiste na impossibilidade absoluta destes de praticarem o acto em causa .
II - O atestado de doença que atesta a impossibilidade de exercício dos deveres profissionais, sem esclarecer a gravidade do mal, ou desacompanhado de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento, uma vez que não indicia que não pudesse ser encarregada outra pessoa de praticar o acto.” (10)
De igual modo, e ainda que há já algumas décadas, o mesmo STJ (11) , em matéria também algo semelhante à dos presentes autos, considerou que “ Citado o réu pessoalmente e com a legal advertência, em Lisboa, não se verifica justo impedimento, nos termos do artigo 146º do Código de Processo Civil, se, entretanto o réu se desloca à Madeira, onde adoece quando se preparava para regressar "uns dias antes do termo do prazo, e poder contactar o seu advogado", ficando impossibilitado de sair de casa, mas não de com ele comunicar”.
Isto dito e nada mais se justificando acrescentar, porque em suma permite a factualidade provada concluir que a requerida na providência, e em sede de dedução de competente oposição, contribuiu de alguma forma - porque não se acautelou e foi imprevidente - para que o acto processual não fosse praticado dentro do prazo legal , a que acresce, concomitantemente, do evento alegado e provado não decorre por si só a impossibilidade em absoluto da prática do acto pela parte , impedida está ela de poder invocar o justo impedimento.
Destarte, e em conclusão, a apelação só pode improceder, como efectivamente improcede.
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4- Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do Cód. de Proc. Civil ).
I - O justo impedimento da parte, nos termos e para efeitos do disposto no artº 140º, do CPC, para ser relevante e atendível, exige a alegação e prova de evento que não lhe seja imputável e do qual resulte e provoque a impossibilidade absoluta daquela de praticar o acto em causa .
II - A prova de que a parte foi acometida de uma doença, ainda que grave, por si só e desde que desacompanhada da prova de quaisquer outros elementos que demonstrem que em razão do referido evento e por causa dele ficou a parte impedida em absoluto, por si ou através de outra pessoa , de praticar o acto, não permite atender/deferir a invocação de justo impedimento.
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5.-Decisão.
Por tudo o exposto supra,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães , em , não concedendo provimento ao recurso de apelação interposto, manter a decisão recorrida .
Custas da Apelação pela apelante.
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(1) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.
(2) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, ibidem.
(3) Cfr. Tomé Gomes, in Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158.
(4) Não fazem hoje qualquer sentido as correntes minimalistas – e de certo modo cómodas - que, em sede de segundo grau de jurisdição de matéria de facto, apenas reconheciam ao tribunal da Relação a legitimidade para alterar a decisão de facto da primeira instância quando descortinassem a ocorrência de manifestos erros - grosseiros - de apreciação de prova, ou seja, só excepcionalmente poderia a Relação alterar a matéria de facto.
(5 Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 28/2/2012, proc. nº 824/07.8TBLMG.P1.S1, in www.dgsi.pt .
(6) Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. III, 3 ª Edição, 1981, pág. 212.
(7) Citado por José Alberto dos Reis, ibidem, pág. 209.
(8) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil” , Livraria Almedina, Coimbra, 1997, págs. 76 e 77.
(9) Cfr. Lopes do Rego - in Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Vol. I, Almedina, pág. 125 - o qual defende de forma incisiva que “ o que deverá relevar decisivamente para a verificação do justo impedimento – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do C. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas “
(10) Cfr. Ac. do STJ de 27/5/2010, Proc. nº 07B4184, e in www.dgsi.pt.
(11) Cfr. Ac. do STJ de 21/4/1980, Proc. nº 068678 e in www.dgsi.pt.
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Guimarães, 17/12/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte