Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
123/17.7T8MLG-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: DANOS CAUSADOS PELA RUPTURA DE UM TUBO DE ÁGUA
MUNICÍPIO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (elaborado pelo relator):

I - É da competência dos tribunais administrativos e não dos tribunais comuns conhecer e julgar a acção em que o demandante pede o pagamento de uma indemnização, com base em responsabilidade extracontratual por danos a si causados, por via da ruptura de um tubo de água, cuja manutenção e conservação imputa, mesmo que disjuntivamente, ao interveniente Município.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório;
*****
Pedido:

O autor José intentou acção de condenação sob a forma de processo comum contra Manuel e Maria, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 2.231,24€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, com base em responsabilidade civil por facto ilícito.

Causa de pedir:

Os réus causaram danos ao autor, mais propriamente num terreno e prédio urbano deste, provocados pela inundação por água proveniente de um tubo em plástico pertencente aos réus.

Na sua contestação, os réus impugnaram a versão do autor, nomeadamente que tenham sido os agentes causadores do sinistro, por ter sido doada tal água ao Município X.

De seguida, o autor requereu a intervenção provocada passiva do Município X, a fim de acautelar a responsabilização deste com base na dita responsabilidade civil extracontratual.

De seguida, a Mmº Juiz a quo declarou a incompetência em razão da matéria do Juízo de Competência Genérica de Melgaço para conhecer e julgar a presente causa, relativamente ao Município X, por ser competente o tribunal administrativo, com o fundamento de que o litígio, quanto àquele, emergirá de uma responsabilidade civil extracontratual de pessoa colectiva de direito público.

Inconformada com tal decisão, o A. dela interpôs o presente recurso, em cujas alegações formula, em súmula, as seguintes conclusões:

1. Nos termos do art. 212º, nº 3, da CRP, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
2. Nos presentes autos não está apenas patente responsabilidade civil extracontratual como também apurar a quem compete a manutenção do tubo das condutas da água.
3. Dos articulados apresentados resigna-se para segundo plano os danos, sendo objecto fulcral da acção apurar a quem pertence o tubo, a água, e como tal a quem compete a responsabilidade, portanto estamos perante uma questão obrigacional e também de direitos reais.
4. Se é certo que é o autor que determina o objecto do processo, também é certo que, para determinação da competência do Tribunal ter-se-á que apreciar o decorrer do processo.
5. Desde logo porque pela petição inicial nunca estaria o objecto susceptível de ser apreciado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, só tendo sido chamado o Réu Município posteriormente.
6. Assim, somos de corroborar que, em causa existe também uma relação obrigacional e de direitos reais, relação essa que o Autor descreve na própria petição inicial quando relata que o Réu Manuel informou ser da responsabilidade do Município o tubo de água, ao passo que o Réu Município entende ser da responsabilidade do Réu Manuel.

Pede que seja revogada a decisão de absolvição da instância do Réu Município.

Não houve contra alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

A única questão a apreciar é esta:

A competência para a presente acção cabe ao Tribunal “ a quo “ ou é da competência dos tribunais administrativos?

Colhidos os vistos, cumpre decidir:

III – Fundamentos;

Quanto à factualidade em causa e que releva em sede do presente recurso, remetemos para o que é descrito na parte inicial do relatório supra (I).

A competência do tribunal deve ser apreciada em face dos termos em que a acção é proposta, ou seja, atendendo ao pedido formulado e à respectiva causa de pedir que emergem da petição inicial.

No caso, o apelante/autor peticiona a condenação dos réus e do interveniente/recorrido Município X no pagamento da quantia de € 2.231,24€, pelos danos a si causados, em consequência do rompimento de um tubo de água, pertencente aos réus ou ao interveniente.

A questão a apreciar é a de saber se o tribunal judicial carece ou não, no confronto do tribunal administrativo, de competência material para conhecer desta pretensão do demandante.

O tribunal recorrido - tribunal civil - entendeu que essa competência cabia aos Tribunais Administrativos, por considerar que se está perante um caso de responsabilidade civil extracontratual de ente público.

Sufraga-se o entendimento perfilhado na decisão recorrida.

A competência em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal qual o autor a apresenta na petição inicial, ou seja, em função dos concretos factos que servem de fundamento à sua pretensão (causa petendi), independentemente do seu mérito ou êxito.

Na sua apreciação, o enfoque está, pois, na petição e não na contestação.

Além disso, importa considerar os fundamentos invocados para a suscitada intervenção principal provocada, do lado passivo, do aqui recorrido.

O recorrente insurge-se contra a decisão recorrida com o argumento de que nos presentes autos está em causa, além de uma relação obrigacional, uma questão real.

Ora, se atentarmos na causa de pedir (e no pedido), seja em relação aos réus, seja no que concerne ao dito Município, a mesma funda-se na alegação de que foram aqueles ou então foi este, enquanto responsáveis pela manutenção e conservação da aludida tubagem que rompeu, quem deu causa aos prejuízos advindo para o autor, pretendendo imputar-lhes uma responsabilidade por facto ilícito (violação da propriedade do autor).

Não se discute, pois, o reconhecimento de qualquer direito real do autor.

A intervenção do Município X prende-se unicamente com a determinação do agente causador do facto ilícito que serve de suporte à indemnização peticionada com base em responsabilidade civil extracontratual.
Estamos, assim, no tocante ao Município X, perante uma situação de eventual responsabilidade civil extracontratual de pessoa colectiva de direito público, como é o referido Município.
Logo, da competência do tribunal administrativo, por se tratar de litígio que tem por objecto a apontada responsabilidade extracontratual de ente público, por força do estatuído no artº 4º, nº1, al. f) da Lei nº 13/2002, de 19.02 (ETAF).

Em suma, é inquestionável que a relação material controvertida invocada na petição inicial e no requerimento de intervenção provocada tem como fonte uma alegada responsabilidade por facto ilícito (extracontratual) emergente de ruptura de uma tubagem de água, a qual serve de fundamento ao chamamento e pedido formulado também contra o interveniente Município.

Ou seja, está em causa na acção o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor em consequência de violação do seu direito de propriedade com base na invocada responsabilidade civil por facto ilícito do interveniente Município.

Neste contexto, é entendimento jurisprudencial constante e recente de que basta a natureza pública da entidade demandada em sede de efectivação de responsabilidade civil extracontratual para a determinação da jurisdição competente.

Veja-se o decidido no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 23.01.2008: «Temos, assim, que, com a entrada em vigor do actual ETAF, de acordo com a regra geral do art. 4°/1/g) e salvo as excepções subtractivas contidas no n° 3 do mesmo preceito legal, passou a ser da competência do juiz administrativo apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer relativas a relações jurídicas administrativas, quer referentes a relações extra-administrativas, independentemente de serem regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.

Ou dito de outro modo, nas palavras de Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, pg. 714, o ETAF “privilegiou um factor de incidência subjectiva. Independentemente da natureza jurídica pública ou privada da situação de responsabilidade, esta cabe no âmbito da jurisdição exercida pelos tribunais administrativos só porque é pública a personalidade da entidade alegadamente responsável ou da entidade em que se integram os titulares de órgãos ou servidores públicos”.

No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 04.05.2017, Processo: 035/16: «Significa isto que a qualificação entre actos de gestão pública e actos de gestão privada que, à luz do art. 51°/1/h) do anterior ETAF, aprovado pelo DL n° 129/84, de 27/04, era critério operativo da repartição de competências entre os tribunais da jurisdição administrativa e os tribunais da ordem comum, nas acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos passou a ser irrelevante para este efeito. O interesse nessa distinção passou a estar confinado, apenas, ao direito material».

Posição semelhante foi acolhida no Acórdão do TRC de 12.09.2017, onde sumariou de forma elucidativa que «É inquestionável que o legislador do novo ETAF cometeu à jurisdição administrativa a apreciação de responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, independentemente da questão de saber se esta responsabilidade emerge de uma actuação de gestão pública ou de uma actuação de gestão privada.

Todos os litígios emergentes de actuação da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos.

O novo regime alargou o âmbito de jurisdição administrativa a todas as questões de responsabilidade civil envolvente de pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se as mesmas são regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado».
Pelo que se deixa aduzido, improcede, pois, a apelação.

IV – Decisão;

Em face do exposto, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.
Guimarães, 31.10.2018

ANTÓNIO SOBRINHO
JORGE TEIXEIRA
JOSÉ AMARAL