Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2010/12.6TBGMR-E.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO
CASO JULGADO
ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
CADUCIDADE
ACEITAÇÃO DE LEGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 274º do CPC - atual vigente art. 266º, n.º 2, al. a) – carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer ato ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse ato ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional.

2- O prazo de caducidade de dois anos a que alude o n.º 2 do art. 2308º do CC. para o interessado requerer a declaração de anulação de testamento ou de disposição deste, encontra-se sujeito à regra geral do n.º 2 do art. 287º do CC, pelo que enquanto o negócio testamentário não estiver cumprido, pode o interessado arguir a anulabilidade daquele testamento ou de sua disposição.

3- A aceitação dos legados pode ser feita pelo beneficiário através de declaração expressa ou tácita.

4- A declaração de aceitação do legado implica que o beneficiário entra no domínio e posse dos bens que lhe foram legados, independentemente da apreensão material desses bens e, bem assim que esse beneficiário aceita os encargos que lhe foram impostos pelo testador nos termos consignados nas cláusulas modais vertidas no testamento.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

António e mulher, Ana, residentes na Rua …, Guimarães, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra Sociedade MS, com sede na Rua …, Guimarães, e Associação X, com sede na Rua …, Lisboa, pedindo que:

a- se declare nulas ou anuladas e de nenhum efeito as disposições constantes do testamento outorgado em 16 de junho de 2005, no Notário Manuel, no que respeita ao legado instituído às Rés – Sociedade MS e Associação X – da totalidade dos prédios identificados nesse testamento e na petição inicial desta ação, pois que constituem uma liberalidade à non domino e de bens alheios, circunstâncias que eram do conhecimento do testador;

E da disposição que limita e cerceia de forma ilegal a liberdade dos legatários, proibindo-os de transmitir eventualmente tais prédios aos Autores – António e mulher e familiares, tudo com as consequências legais.

b- declare que os Autores – António e mulher Ana – como os únicos donos e proprietários de todos os prédios descritos no art. 1º desta petição, sendo que são exatamente os mesmos que são identificados no testamento em referência nesta ação e também da sentença proferida nos autos de ação ordinária n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, com todas as consequências legais.

Para tanto alegam, em síntese, serem os únicos proprietários dos seguintes prédios sitos na freguesia de …, Guimarães:

- prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a habitação, sito na Rua …, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória sob o n.º …;
- prédio urbano composto por edifício de cave, rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a comércio e habitação, sito na Alameda …, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória sob o n.º …; e
- prédio urbano composto por edifício de rés-do-chão, 1º, 2º e 3º andares, destinado a habitação, sito no Largo …, inscrito na matriz sob o art. … e descrito na Conservatória sob o n.º …;
A propriedade destes prédios encontra-se inscrita em nome dos Autores na Conservatória;
Por escritura pública de 27/12/2010, E. G. vendeu aos Autores 3/8 daqueles prédios;

Por escritura pública de 27/12/2010, Maria, por si e em representação da massa da herança de G. G., Judite e R. G., bem como Ricardo, M. N., esta por si e em representação da massa da herança de G. G., Judite e R. G. e, bem assim, João e E. G. venderam aos Autores 3/8 daqueles prédios;

Por escritura pública de 29/07/1993, R. G., vendeu aos Autores 2/8 daqueles prédios;

Os Autores por si e antepossuidores, há mais de vinte anos que estão na posse pública, pacífica, ininterrupta, de boa-fé e à vista de toda a gente dos identificados prédios, com animus de verdadeiros donos, tendo, durante todo esse lapso de tempo, usufruído de todos os seus frutos, dando-os de arrendamento, fazendo obras de restauro e de conservação, utilizando-os no seu comércio e habitação, pagando todos os impostos e taxas inerentes à condição de donos;
Há cerca de três anos os Autores tiveram conhecimento de um testamento outorgado por E. G., viúvo, falecido em 29/06/2005, em que este declarou ser proprietário de três prédios, que são exatamente os mesmos de que os Autores são proprietários, e declarou doar ¾ partes indivisas dos mesmos à Ré “Sociedade MS e ¼ parte indivisa dos mesmos à Ré “Associação X”;

Mais alegam que esses legados eram feitos com o encargo da Ré “Sociedade MS suportar as custas judiciais e demais encargos do processo e que “caso a sentença reconheça o direito a seu favor e os prédios venham a ser efetivamente propriedade da Sociedade MS e da Associação X, por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários, António, mulher ou seus familiares”;

Acontece que o falecido E. G. nunca foi dono da totalidade daqueles prédios e sempre soube que apenas era titular de uma muito pequena parte dos mesmos;

Acresce que ao impor que as legatárias nunca transmitissem esses prédios aos Réus e seus familiares, o falecido E. G. instituiu uma condição contrária à lei, porque violadora da liberdade individual das pessoas, a qual é consequentemente nula;

Por sentença proferida no processo 302/2002, da 2ª Vara Mista deste Tribunal, em que foi Autor o falecido E. G., e Réus os aqui Autores, transitada em julgado, foi julgado que aquele prédios pertenciam:

- na proporção de 3/8 e no regime de comunhão hereditária ao testador E. G., Emídio, Fernanda, Alexandra, e em regime de comunhão hereditária por herança aberta por morte de Augusta, Eurico e Eugénio;
- na proporção de 3/8 em regime de comunhão hereditária a Judite, Maria, João e M. N., por heranças abertas por morte de A. J. e G. G.; e
- os restantes 2/8 aos Autores, por compra a R. G., por escritura pública de compra e venda de 29/07/1993;

Desta sentença foi interposto recurso para a Relação e, posteriormente, para o STJ, que manteve o decidido quanto à titularidade da propriedade dos prédios, sendo que E. G. acompanhou estes processos e sabia que quando outorgou o testamento não era proprietário daqueles (cfr. fls. 121 a 125 deste apenso).

As Rés contestaram deduzindo incidente de intervenção principal provocada, na qualidade de comproprietários dos prédios, de:

1- E. G.;
2- Maria, por si e em nome e representação da massa da herança de G. G., Judite e de R. G., bem como o marido desta chamada, Ricardo;
3- M. N., por si e em nome e representação da massa da herança de G. G., Judite e de R. G.;
4- João, em nome e representação da massa da herança aberta por óbito do seu cônjuge G. G.;
5- R. G.;

Na qualidade de herdeiros legitimários do testador E. G.:

1- Em representação do filho pré-falecido do testador, Eurico, dos seguintes netos:
a- E. G.;
b- Rui, e
c- M. F.;

2- Em representação do filho pré-falecido do testador, Eugénio, do seguinte neto:
a- Alexandre;

E na qualidade de beneficiárias do Fundo constituído, a que a Ré “Sociedade MS, tem o encargo de administrar:

a) a bisneta do testador, Vanessa, e
b) a bisneta do testador, Lúcia:
c) a neta do testador, M. F.; e
d) o neto do testador, E. G..

Para tanto alegam, em síntese, que os prédios objeto dos autos eram propriedade exclusiva do testador E. G. e inserem-se num ato dispositivo deste que, como contrapartida dos legados a favor das Rés, impôs à Ré “Sociedade MS” o encargo de gerir um Fundo de 159.000,00 euros, destinado a duas bisnetas do testador e a dois netos destes, a cumprir no tempo e até ao ano de 2015;

Esses encargos impostos à Ré “Sociedade MS” como contrapartida da deixa testamentária dos três prédios que os Autores reivindicam, no caso de a ação vir a proceder, não poderão deixar também de ser considerados nulos, desonerando-se aquela Ré de os cumprir e com a consequência de ser indemnizada pela administração do Fundo já feita até à declaração da nulidade, com a consequente devolução pelos beneficiários ao Fundo das importâncias pagas;

Acresce que mercê do testador E. G. ter pago a todos os co-interessados nos referidos prédios o valor com estes combinados e de ter celebrado com eles um contrato-promessa de partilhas, assegurando a propriedade exclusiva dos prédios, o que garantiu às Rés, caso a ação proceda, terão estas o direito de serem indemnizadas;

A provar-se a realidade do negócio feito com os Autores pelos herdeiros legitimários do testador E. G. e que esse negócio integra os prédios postos em causa na ação, terão as Rés o direito a ser ressarcida na medida em que, nessa hipótese, terá sido desrespeitada a vontade do testador e os compromissos assumidos pelos seus herdeiros em relação à promessa de transmissão da propriedade dos prédios para o referido testador.

Deduziram incidente de valor, sustentando que as três compras que vêm invocadas pelos Autores somam o valor de 45.966,34 euros e que, consequentemente, é este o valor a ser atribuído à ação.

Impugnaram parte da factualidade alegada pelos Autores;

Alegaram que o testador E. G., recebeu 3/8 partes dos referidos prédios por força de partilha homologada por sentença de 02/07/1960, produzida nos autos de inventário por óbito de seus pais, M. O. e A. J.;

Em 03/11/1996, E. G. casou com M. A., no regime da comunhão geral de bens, casamento este que foi dissolvido por óbito da mulher em 12/02/2004;

Em 07/11/1986, E. G. fez partilhas verbais com os filhos, pagando-lhes as tornas entre eles convencionadas, e recebendo deles a competente quitação em relação à meação que à mãe caberia no património comum do casal;

Em 03/11/1986, por contrato-promessa de compra e venda, nunca reduzido a escritura pública, E. G. prometeu comprar a todos os demais interessados e comproprietários dos referidos prédios os restantes 5/8 que estes eram titulares, pagando a todos o preço convencionado e deles obtendo quitação;

A partir de 03/11/1986, o testador E. G. passou a agir e a comportar-se em relação a esses prédios como verdadeiro e único proprietário dos mesmos, contactando diretamente os arrendatários, entre os quais os Autores, pagando as contribuições devidas, usando-os, gozando-os e fruindo-os na sua totalidade, sendo considerado seu proprietário exclusiva por toda a gente, incluindo pelos Autores, e pelos serviços públicos, posse essa que sempre foi por ele exercida de modo ostensivo, mesmo perante as pessoas que lhe transmitiram as demais parcelas da propriedade em questão, sem violência, na convicção de quem não lesava direitos de outrem, de modo contínuo e ininterrupto, à vista de toda a gente e com ânimo de quem usa e frui coisas próprias e sem oposição de ninguém;

Os Autores têm perfeito conhecimento e consciência destes factos, não passando as escrituras públicas que invocam de documentos falsos, forjados, representando pretensas e fantasiosas transmissões que nunca ocorreram;

Os transmitentes, para além de saberem perfeitamente de que de nada eram donos, limitaram-se a subscrever os textos em causa, sem nunca terem recebido dos Autores qualquer quantia e sem quererem vender, e sem efetivamente nada venderem, e os Autores sem nada comprarem, sequer quererem comprar, nada pagando e sem nada quererem pagar, sendo essas transmissões nulas por simulação;

Os Autores não ignoram que em 03/11/1986, outorgaram com o testador E. G. um contrato-promessa de compra e venda dos prédios em causa e que nesse contrato o último se declarava dono exclusivo desses prédios e não ignoram que por conta desse contrato, que não cumpriram integralmente, porque não pagaram a totalidade do preço convencionado, chegaram a pagar ao testador E. G., a título de sinal, uma avultada quantia, que perderam por culpa própria, já que incumpriram esse contrato-promessa;

Os Autores, com vista a furtarem-se ao pagamento a E. G. do preço devido por força daquele contrato-promessa (6.500.000,00 euros), engendraram uma estratégia fraudatória, outorgando em 16/12/1998, no 1º Cartório Notarial, escritura de justificação, em que declararam que tinham comprado verbalmente, em meados de 1974, os prédios a R. G. e herdeiros de A. R. e que desde então, vinham possuindo aqueles prédios, à vista de todos e sem interrupção e sem a menor oposição de quem quer que fosse, pelo que teriam adquirido aqueles prédios por usucapião, o que era puramente inventado por eles;

Em 19/03/1999, os Autores requereram junto da Conservatória do Registo Predial o registo a seu favor daqueles prédios, instruindo a requisição com essa escritura de justificação e insistindo que os prédios não estavam inscritos naquela Conservatória, o que bem sabiam ser falso e foi, por isso, que foi inscrita a aquisição a favor daqueles;

Mercê daqueles factos, na ação n.º 302/2002, das Varas de Competência Mista deste Tribunal, foi proferida sentença, parcialmente alterada pela Relação de Guimarães, através da qual os aqui Autores, que haviam deduzido reconvenção, na qual pretendiam que fosse declarado que o tribunal produzisse decisão que implicasse a transmissão, por venda, dos prédios para eles, Autores, foram condenados a ver julgado o pedido reconvencional completamente improcedente e, na procedência parcial do recurso do Autor, E. G., foram os aí Réus, aqui Autores, condenados:

a) a reconhecer que foram falsas as suas declarações na escritura da justificação notarial;
b) a ver cancelada a inscrição da propriedade em seu nome;
c) a reconhecerem que do contrato-promessa em causa ainda deviam ao Prof. E. G. 6.500.000,00 euros;
d) a reconhecerem que não são donos e possuidores dos referidos prédios e nunca estiveram na sua posse;

Invocaram a exceção da caducidade do direito dos Autores a requerem a anulabilidade ou a nulidade da cláusula testamentária, por estarem decorridos mais de dois anos a contar da data em que aqueles tiveram conhecimento do testamento e da causa da anulabilidade que invocam.
Concluíram pedindo que a ação seja julgada improcedente.

Deduziram reconvenção pedindo que:

c- se condene os Autores a reconhecer que as Rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade MS e ¼ indivisos para a Associação X) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao Professor E. G., que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião;
d- se condene os Autores a reconhecerem que não adquiriram, nem podiam adquirir, os prédios reivindicados, nem pagaram qualquer preço por qualquer deles ou qualquer das suas frações;
e- se condene os Autores a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial;
f- se condene os Autores a reconhecerem que os negócios que invocam na inicial que pretensamente lhes teriam transmitido a propriedade dos prédios, são absolutamente nulos, por simulados, em prejuízo das contestantes, ou, a não se entender assim, por não consubstanciarem verdadeiros contratos de compra e venda;
g- se condene os Autores a reconhecerem, em qualquer dos casos, a nulidade das vendas que lhes foram feitas, por desrespeitarem a cláusula testamentária imposta pelo autor da herança, segundo a qual os prédios em questão jamais poderiam ser transmitidos aos Autores.

Subsidiariamente, para o caso de a ação ser julgada total ou parcialmente procedente, pedem que se declare “a nulidade integral de todo o clausulado do referido testamento, designadamente das cláusulas referentes à constituição e funcionamento do Fundo citado” (cfr. fls. 77 a 94 do presente apenso).

Os Autores-reconvindos, replicaram, impugnando a matéria de exceção invocada pelas Rés, designadamente que o falecido E. G. tivesse celebrado o contrato-promessa que vem invocado e tivesse pago aos alegados promitentes-vendedores o pretenso preço com eles combinado.

Sustentaram que a ter sido celebrado esse contrato-promessa, que este tem eficácia meramente obrigacional e, consequentemente, não transmitiu o direito de propriedade sobre os prédios para E. G.;

Invocaram que por decisão transitada em julgada, foi reconhecido que aquele E. G. nunca foi proprietários dos direitos hereditários, quotas-partes ou outros interesses que os co-interessados M. F., Rui, E. G., Fernanda, Alexandre, Augusto, Eurico, Eugénio, Judite, Maria, João, M. N., A. J. e G. G., tiveram e tinham nos identificados prédios, os quais lhes venderam esses seus direitos, sendo que os Autores já eram proprietários de 2/8 indivisos do direito de propriedade sobre os mesmos;

Sustentaram que os chamados nenhum interesse ou direito têm a intervir na causa, seja como associado dos Autores, seja como associados dos Réus.
Concluem no sentido de não ser admitido o incidente de intervenção daqueles terceiros, por falta de fundamento legal ou de facto;

Invocam a exceção da inadmissibilidade legal da reconvenção, sustentando que nela, os Réus-reconvintes, em completa ofensa ao caso julgado operado nos autos de ação ordinária n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal judicial de Guimarães, vêm fazer em reconvenção múltiplos e complexos pedidos, pelo que essa reconvenção não deve ser admitida.
Impugnaram parte da matéria alegada pelos Réus-reconvintes em sede de reconvenção e invocaram a exceção do caso julgado.

Concluem pedindo que:

- se indefira o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelos Réus-reconvintes;
- se julgue improcedente o incidente do valor da causa;
- subsidiariamente, para o caso de ser admitida a reconvenção, que se julgue o pedido reconvencional imediatamente improcedente por manifesta violação do caso julgado formal constituído na decisão proferida no âmbito da ação ordinária n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães (cfr. fls. 67 a76 do presente apenso).

Admitido o incidente da intervenção principal provocada, os intervenientes Maria, Ricardo, M. N. e João, replicaram, impugnando parte dos factos alegados pelos Réus na contestação;

Sustentaram que no próprio testamento o testador declara que os prédios legados são objeto de uma ação judicial contra os seus locatários, tratando-se, por isso, de um direito litigioso, incerto por natureza, que na data da outorga do testamento, o próprio testador não sabia se era ou não seu, pelo que, consequentemente, o legado só será válido se, ao tempo da morte do testador, os prédios já existiam no património deste.

Invocaram a exceção da inadmissibilidade legal do pedido reconvencional;
Invocaram a exceção dilatória da ineptidão do pedido reconvencional, com fundamento na ininteligibilidade da respetiva causa de pedir;

Invocaram a exceção da caducidade do direito das Rés-reconvintes a pedirem a anulação do testamento ou das disposições testamentárias, sustentando que estas sempre souberam da existência do testamento e do conteúdo deste; o testador faleceu em 26/06/2005; no entanto, as Rés-reconvintes só em 05/06/2012, invocaram, na reconvenção, a nulidade do testamento;

Invocaram a exceção da inoponibilidade a terceiros da nulidade e da anulação dos contratos de compra e venda, sustentando que os Autores reconvindos adquiriram os prédios que tinham sido legados às Rés-reconvintes em 17/09/2009 e 04/01/2011, de boa-fé e a título oneroso, e que sobre as datas dessas aquisições já decorreram mais de três anos;

Invocaram a falta de legitimidade ativa das Rés-reconvintes para invocarem a nulidade dos contratos que celebraram com os Autores-reconvindos, com fundamento em simulação, sustentando que este vício apenas pode ser invocado pelos simuladores e pelos herdeiros legitimários, em vida do autor da sucessão, contra negócios feitos simuladamente, com o intuito de os prejudicar

Impugnaram parte da matéria aduzida pelos Réus-reconvintes em sede de reconvenção.

Concluem pedindo que se julgue procedentes as exceções dilatórias respeitantes, quer quanto à contestação da ação principal, quer quanto ao pedido reconvencional e que se absolva aqueles da instância ou se anule o processado ou, quando assim se não entenda, se julgue a ação improcedente e se absolva aqueles do pedido (cfr. fls. 47 a 57 do presente apenso).

As Rés-reconvintes responderam, concluindo pela improcedência das exceções invocadas e concluindo como na contestação-reconvenção (cfr. fls. 39 verso a 46 do presente apenso).

Fixou-se o valor da causa a fls. 240 dos autos principais (cfr. fls. 18 verso).

Admitiu-se a reconvenção, constando esse despacho da seguinte parte dispositiva:

“Termos em que, nos termos do disposto no art. 266º/2 a) e d) do C.P.Civil, admito os pedidos reconvencionais deduzidos pelos RR.”

Dispensou-se a realização de audiência preliminar e proferiu-se despacho saneador em que se conheceu da exceção da ineptidão da reconvenção invocada pelos intervenientes, julgando-a improcedente.

Conheceu-se da exceção dilatória do caso julgado relativamente aos pedidos formulados em sede reconvencional, julgando-a parcialmente procedente, constando a parte dispositiva desta decisão do seguinte:

“Termos em que se julga parcialmente procedente a invocada exceção do caso julgado e se absolvem os Autores da instância reconvencional no que tange aos pedidos formulados nas alíneas d), e) e f), na parte em que se referem a contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 29 de julho de 1993”. (sublinhado nosso).

Conheceu-se da exceção da caducidade do direito dos Autores a pedirem a anulação das disposições testamentárias suscitada pelos Réus, julgando-a procedente, constando a decisão proferida da seguinte parte dispositiva:

“Termos em que se julga procedente a invocada caducidade e, em consequência, se absolvem as Rés do pedido de anulação das disposições constantes do testamento outorgado por E. G., em 26 de Junho de 2005 (prosseguindo os autos para apreciação do pedido de declaração de nulidade das mesmas)”.

Conheceu-se da exceção da caducidade dos Réus-reconvintes a invocarem a anulação do testamento ou de disposições testamentárias invocada pelos intervenientes, julgando-a improcedente.
Fixou-se o objeto do litígio, os factos já assentes e os temas da prova.

Inconformados com o assim decidido em sede de despacho saneador, vieram os Autores interpor o presente recurso de apelação quanto a esse despacho, quando nele não se julgou totalmente procedente a exceção do caso julgado que suscitaram, se admitiu a reconvenção e se julgou procedente a exceção da caducidade do direito dos mesmos a pedirem a anulação das disposições constantes do testamento outorgado por E. G., apresentando as seguintes conclusões:

A- Existe caso julgado formado na acção 302/2002 da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, junta a estes autos como documento de prova, que decidiu sobre o mérito da causa e ficou a ter força obrigatória dentro e fora do processo.
Na presente acção 2010/12.6TBGMR, as Rés, na sua reconvenção, alegam factos e fazem pedidos que repetem os já decididos na atrás referida acção 302/2002, transitada em julgado.
Nas duas acções (302/2002 e 2010/12) há identidade de sujeitos, pedidos e causa de pedir.
Estamos perante a excepção dilatória de caso julgado, que deveria levar à absolvição dos AA. da instância, quanto aos pedidos formulados nas alíneas c), d) e e) da reconvenção.
B- Não é admissível o pedido reconvencional deduzido pelas Rés, através do qual pedem ao tribunal, além do mais, que sejam reconhecidos como únicos donos e possuidores dos prédios dos autos, que teriam adquirido por posse, quando esse pedido é enxertado numa acção principal de “nulidade testamentárias”, nos termos dos arts. 2184 e sgs. do C. Civil, e em que os AA. pedem que o tribunal declare a nulidade de determinadas e identificadas disposições testamentárias.
Por incumprimento e falta de verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e c) do nº2 do art.º 274 do C. P. Civil, é de rejeitar e não admitir esse pedido reconvencional.
C- O falecido Prof. E. G., dispôs no testamento em referência e pela forma que entendeu, dos prédios dos autos.
As disposições testamentárias, todas elas, não estão cumpridas.
A anulabilidade das mesmas pode ser arguida a todo o tempo, e enquanto as mesmas não forem cumpridas – art.º 287 nº2 do C. Civil.
Não podia, por isso proceder a exceção de caducidade.
D- As decisões impugnadas, todas elas integrantes do despacho saneador violam, entre outros, os arts. 287 nº2 do C. Civil, 266 nº2, als. a) e c), 576 nº2, 577 al. i), 578, 619 nº1 e 621 do C. P. Civil.

Termos em que, com o douto suprimento de V.ªs Exªs, deve o despacho saneador ser alterado por forma a que decida pela não admissibilidade da reconvenção, conheça e defira na totalidade a exceção de caso julgado alegada e indefira a exceção de caducidade de anulabilidade das disposições testamentárias alegadas pelos AA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao admitir a reconvenção e se esta é legalmente inadmissível, impondo-se o seu indeferimento;
b- se aquele tribunal incorreu em erro de direito ao não julgar procedente a exceção dilatória do caso julgado invocada pelos Autores-reconvindos quanto aos pedidos reconvencionais formulados sob as c), d) e e) e se, consequentemente, estes devem ser absolvidos da instância quanto a esses pedidos reconvencionais; e
c- se esse tribunal incorreu em erro de direito ao julgar procedente a exceção da caducidade do direito dos Autores de requerem que se declare a anulabilidade das disposições testamentárias de E. G..
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos que relevam para o conhecimento do objeto da presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado, a que acrescem os seguintes factos, provados através da prova documental que infra se identifica:

A- E. G. instaurou ação declarativa, com processo comum na forma ordinária, contra António e Ana, que correu termos sob o n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista da Comarca de Guimarães, pedindo que:

a) seja reconhecido que são falsas as declarações prestadas pelos Réus e testemunhas na escritura de justificação outorgada em 16 de dezembro de 1998, no Cartório Notarial;
b) seja reconhecido que os Réus nunca estiveram na posse dos prédios identificados na mesma escritura, nomeadamente desde 1974, pelos que os não adquiriram por usucapião;
c) seja reconhecido que os Réus não são donos e legítimos possuidores dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs 00490, 00491, 00492, conforme consta das inscrições nele lavradas e efetuadas pela apresentação 05 de 15/03/99;
d) seja ordenado o cancelamento de todas as descrições e inscrições respeitantes aos prédios supra referidos;
e) seja reconhecido que os donos e legítimos possuidores dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs 91490, 2308 e 2307, respetivamente inscritos na matriz urbana sob ao artigos 294, 304 e 1559º são o autor, na proporção de 3/8 indivisos, R. G., na proporção de 2/8 indivisos, e Judite, na proporção de 3/8;
f) seja declarado resolvido por incumprimento dos Réus o contrato-promessa outorgado entre estes e o autor em Novembro de 1986 e que consta do doc. 36, junto com a petição inicial.

Para tanto alegou, em síntese, que em 16/12/98 os Réus outorgaram uma escritura de justificação, na qual declararam que, com exclusão de outrem, eram donos e legítimos possuidores dos imóveis inscritos na matriz sob os n.ºs 294, 304 e 295 e, bem assim que tais prédios se encontravam omissos na CRP e que foram por eles comprados verbalmente a R. G. e a herdeiro de A. R., em meados de 1974, e que nunca se chegou a realizar a escritura de compra e venda, dado que estes vendedores faleceram e que, apesar das inúmeras buscas, não lhes tinha sido possível identificar os seus herdeiros, pelo que estavam impossibilitados de proceder ao registo de tais prédios na competente Conservatória;

Acrescentaram que desde meados de 1974 possuem os identificados prédios, habitando-os, neles exercendo o comércio, dando-os de arrendamento, fruindo todas as suas utilidades, pagando os respetivos impostos e seguros, atos que viriam a efetuar em nome próprio, há mais de 20 anos, sem oposição de quem quer que fosse, à vista de todos e sem interrupção, pelo que tinham adquirido tais prédios por usucapião;

Os Réus lograram obter, previamente, na competente Conservatória certidão no sentido de que os referidos prédios não se encontravam aí descritos, para o que não os identificaram com os respetivos números de polícia, apesar de os conhecerem e requereram junto da Conservatória de Registo Predial a aquisição dos mesmos a seu favor;

As declarações prestadas pelos Réus e testemunhas na referida escritura de justificação notarial são falsas, pois que os possuidores dos referidos prédios são o Autor, R. G. e Judite, por os terem adquirido por partilha efetuada nos autos de inventário e ainda por usucapião;

Em novembro de 1986, Autor e Réus tinham celebrado entre si um contrato-promessa, pelo qual aquele prometeu vender a estes os prédios acima referidos, tendo o Autor prometido comprar aos demais consortes as respetivas quotas;
Os Réus incumpriram esse contrato já que não pagaram a segunda prestação no montante convencionado de 6.500.000$00, nem notificaram o Autor para a outorga da escritura de compra e venda – cfr. doc. de fls. 95 a 118.

B- Os ali Réus e aqui Autores, António e Ana, no âmbito da ação identificada em A), apresentaram contestação, arguindo a ilegitimidade ativa, afirmando que deveriam estar na ação os netos do Autor, não podendo ele, desacompanhado daqueles, pedir que seja reconhecido como possuidor e dono dos 3/8 dos prédios;

Em sede de impugnação esclareceram que há dezenas de anos que o Réu explorava um estabelecimento comercial de pastelaria num dos prédios, tendo-lhe sido sugerido pelo Autor, que se intitulava seu único dono, a venda dos mesmos, venda essa que viria a concretizar-se, ainda que verbalmente, em 1980, tendo as partes ajustado o preço de 7.500.000$00;

Apesar de formalmente os prédios continuarem inscritos em nome dos herdeiros de A. J., e os recibos de seguro e outros serem emitidos em nome dos titulares inscritos, facto é que eram os Réus que, a partir da referida venda, passaram a efetuar esses pagamentos, mediante a entrega das quantias correspondentes pelo Réu-marido a R. G.;
Os Réus vieram a saber, depois de setembro, que o Autor era tão só titular de 3/8 dos prédios;
Veio a ser outorgado contrato-promessa, em 3/11/1986, por via do qual ficaria formalizada a venda verbal efetuada antes de 1980;
Em cumprimento desse contrato, os Réus pagaram por conta do preço, em 03/11/1986, 1.000.000$00;
O restante, 6.500.000$00, consideraram os Réus que seria pago em prestações semestrais de 682.500$00, devendo a escritura efetuar-se quando o preço integral estivesse pago;
Em 10/10/1990 foi estabelecido um aditamento ao contrato-promessa, do qual passou a resultar que aquela quantia de 682.500$00, paga semestralmente, era entregue ao Autor a título de indemnização;
Tal informação, feitas as contas, corresponde a 21% ao ano do capital em dívida;
Os Réus pagaram ao Autor prestações semestrais no valor global de 8.775.000$00, considerando pago o preço da prometida compra;

Os Réus, que estavam na posse dos prédios desde a compra e venda verbal, não conseguiam ver formalizada a competente escritura e foi, por isso, que em 29/07/1993, um dos comproprietários dos prédios, R. G., compreendendo a situação em que os Réus se encontravam, declarou vender-lhes os 2/8 que formalmente lhe pertenciam nos referidos prédios, não tendo recebido qualquer quantia a título de preço, pois que há muitos anos os considerava donos dos mesmos;
Em 1997, o Autor reuniu com os Réus, tendo aí reconhecido a impossibilidade legal de outorga da referida escritura, pois que era necessária a intervenção de seus filhos, netos e alguns eram menores;
Foi então explicado ao Autor que a única possibilidade de dar saída legal à questão era justificar notarialmente a posse dos prédios pelos Réus e fazer advir-lhes o direito de propriedade sobre os mesmos por usucapião;
Foi com base nesse acordo que foi outorgada a escritura de justificação – cfr. doc. de fls. 95 a 118;

C- No âmbito da ação identificada em A), os ali Réus e aqui Autores, António e Ana, deduziram reconvenção, pedindo que:

a- o tribunal profira decisão que produza os efeitos do contrato-promessa e por isso declare que o Autor vendeu aos Réus descritos e alegados na escritura pública de justificação, outorgada em 16/11/1998, no 1º Cartório Notarial;
b- condene o Autor a reconhecer que os Réus são únicos donos e legítimos possuidores dos referidos prédios;

Subsidiariamente para o caso do Autor não poder cumprir o contrato-promessa por causa que lhe seja imputável e não possam proceder os pedidos anteriores, se:
c- condene o Réu a pagar-lhes a quantia global de 78.775.000$00 (392.928,04 euros) correspondente ao atual valor dos prédios;

Subsidiariamente e ainda, para o caso de não proceder o pedido subsidiário atrás referidos, se:

d- condene o Autor a pagar-lhes a quantia acima referida, a título de indemnização pelo negócio de bem alheio celebrado dolosamente pelo Autor (cfr. doc. de fls. 95 a 118).

D- Na réplica, o Autor na ação identificada em A), E. G., requereu a alteração da causa de pedir e do pedido por ele formulado sob a alínea e), solicitando que seja reconhecido que os donos e legítimos possuidores dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs 9140, 2308 e 2307, respetivamente inscritos na matriz urbana sob os n.ºs 294, 304 e 1195, são de R. G., na proporção de 2/8 indivisos; do Autor, M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária, por heranças abertas por morte de Augusta, Eurico e Eugénio; bem como de Judite, Maria, João e M. N., na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária por herança abertas por morte de A. J. e G. G. – cfr. doc. de fls. 95 a 118.

E- No âmbito da ação identificada em A), foi admitida a ampliação do pedido e da causa de pedir referida em D) e o ali Autor, E. G., foi convidado a fazer intervir os demais proprietários dos prédios – cfr. doc. de fls. 95 a 118.

F- O ali Autor, E. G. requereu a intervenção principal provocada de R. G., M. F., Rui, E. G., Fernanda, Alexandre, Judite, Maria, João e M. N., tendo este incidente sido admitido – cfr. doc. de fls. 95 a 118.

G- Os intervenientes ampliaram o pedido, requerendo que seja declarada falsa a escritura de compra e venda celebrado entre os Réus e R. G. e outorgada em 29/07/1993, no 2º Cartório Notarial, por tal negócio não se ter outorgado entre os outorgantes – cfr. doc. de fls. 95 a 118.

H- A ampliação do pedido identificada em G) foi admitida no âmbito do processo identificado em A) – cfr. doc. de fls. 95 a 118.

I- Por sentença proferida em 13/11/2004 no âmbito da ação identificada em A), essa ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência foi:

- declarado que são desconformes com a realidade as declarações prestadas pelos Réus na escritura de justificação outorgada em 16 de dezembro de 1998, no 1º Cartório Notarial, na parte atinente à morte do referido R. G. e quanto à omissão da descrição dos prédios na CRP;
- declarado que os Réus António e Ana, nunca estiveram na posse dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs 9140, 2308 e 2307, respetivamente inscritos na matriz urbana sob os n.ºs 294, 304 e 1159, pelo que os não adquiriram por usucapião;
- declarado que os mesmos Réus não são donos e legítimos possuidores dos referidos prédios;
- ordenado o cancelamento de todas as descrições e inscrições respeitantes aos prédios supra referidos;
- declarado que são donos e legítimos possuidores dos prédios descritos na CRP sob o n.º 9140 2308 e 2307, respetivamente inscritos na matriz urbana sob os n.ºs 294, 304 e 1159: o Autor, M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária por heranças abertas por morte de Augusta, Eurico e Eugénio; Judite, Maria, João e M. N., na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária por heranças abertas por morte de A. J. e G. G.;
- julgado abusivo o exercício, pelos Réus do direito de resolução do contrato-promessa, com fundamento na falta de pagamento da segunda prestação relativa ao preço, pois que este, ante a redução operada à cláusula penal fixada, se mostra integralmente pago;
- nos mais, os Réus foram absolvidos do pedido contra eles formulado;
- julgada a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, o Autor-reconvindo e os chamados foram absolvidos dos pedidos que contra eles foram formulados (cfr. doc. de fls. 146 a 175).

J- Por acórdão proferido em 06/07/2005, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito da ação identificada em A), foi decidido:

- julgar totalmente improcedente a apelação dos Réus, confirmando a sentença recorrida, no que lhe respeita;
- julgar parcialmente procedente a apelação do Autor e chamados e, em consequência do exposto,

a) declarar como sendo também falsas as declarações dos Réus e das testemunhas intervenientes na escritura de justificação notarial, no que respeita às afirmações de que os prédios foram comprados pelos Réus por contrato verbal realizado em meados de 1974 a R. G. e ao herdeiro de um tal A. R.; que esses vendedores faleceram e não foi possível aos Réus identificar os seus herdeiros, motivo pelo qual estavam impossibilitados de proceder ao registo do seu direito na Conservatória; e que, desde meados de 1974 que habitam os prédios, aí exercem o comércio, aí efetuaram obras, os deram de arrendamento e fruem todas as suas utilidades;
b) ordenar, no que respeita aos prédios em causa nos autos, inscritos nas respetivas matrizes sob os n.ºs 294º, 304º e 1159º, o cancelamento da inscrição da propriedade dos mesmos em nome dos Réus por usucapião, bem como das descrições da freguesia de … n.ºs 00490, 00491 e 00492, que daquela resultaram;
c) considerar que os Réus estão ainda obrigados, querendo, a cumprir o contrato-promessa, a pagarem a totalidade da 2ª prestação do preço nele convencionado, no valor de 6.500.000$00;
aspectos em que se revoga a sentença recorrida, mantendo a mesma no que respeita à decidida não declaração da resolução do contrato-promessa pelo Autor e chamados, e à validade do contrato de compra e venda celebrado por R. G. e os Réus, titulado pela escritura pública de 29/07/93 (cfr. doc. de fls. 95 a 118).

K- Por acórdão proferido pelo STJ em 14/06/2007, foram negadas ambas as revistas e foi confirmado o acórdão identificado em J) – cfr. doc. de fls. 187 a 202.

L- E. G. outorgou em 26/06/2005, o testamento que se encontra junto aos autos a fls. 142 a 144, onde além do mais declara o seguinte:

“Que é proprietário de três prédios urbanos sitos na freguesia de Guimarães (…), concelho de Guimarães, designadamente:

a) Prédio de cave, rés-do-chão, três andares e sótão, com uma frente para a Alameda …, números, (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo 295;
b) Prédio de rés-do-chão e três andares (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo 924;
c) Prédio de rés-do-chão e três andares (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo 304.
Que tais prédios são objeto de uma ação judicial contra os atuais locatários António e mulher, que atualmente corre termos em recurso no Tribunal da Relação de Guimarães.
Que lega em comum os três referidos prédios à Sociedade MS … e à Associação X, … na proporção de três quartos indivisos para a primeira e um quarto indiviso para a segunda.
Que os legados são efetuados com o encargo da Sociedade MS suportar as custas judiciais e demais encargos do processo, recorrendo de qualquer sentença eventualmente desfavorável.
Que pretende, caso a sentença reconheça o direito a seu favor e os prédios venham a ser efetivamente propriedade da Sociedade MS e da Associação X, por força do presente testamento, que tais prédios nunca venham a ser transmitidos aos referidos locatários António e mulher ou seus familiares.
Que à Sociedade MS será entregue após o seu falecimento a quantia de cento e cinquenta e nove mil euros, que se destinará ao pagamento de prestações mensais, nos seguintes termos: (…) – cfr. doc. de fls. 142 a 144, cujo restante teor aqui se dá por reproduzido.

M- Os prédios a que se reporta o testamento identificado em L) são os mesmos prédios a que se reporta a presente ação e, bem assim a ação a que se alude em A) a K).

N- E. G. faleceu no dia 29/06/2005 – cfr. doc. de fls. 209.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Já se enunciarem supra as concretas questões que se encontram submetidas pelos apelantes à apreciação desta Relação, cumprindo por uma questão lógico-jurídica apreciar, em primeiro lugar, a questão da admissibilidade legal da reconvenção, uma vez que apenas caso esta seja admissível se impõe apreciar a exceção do caso julgado invocada pelos apelantes quanto aos pedidos reconvencionais deduzidos pelas apeladas-reconvintes.

B.1- Da reconvenção.

Insurgem-se os apelantes contra a decisão recorrida, que admitiu o pedido reconvencional deduzido pelas Rés-reconvintes sob a alínea c) – em que estas pedem que se “condene os Autores a reconhecer que as Rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade MS e ¼ indiviso para a Associação X) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao Professor E. G., que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião” – com fundamento na al. d), do n.º 2, do art. 266º do CPC, e que admitiu os restantes pedidos reconvencionais por elas formulados com base na al. a), do n.º 2, daquele mesmo normativo, sustentando que aqueles pedidos violam, de forma patente e notória, a decisão proferida na ação n.º 302/2002, transitada em julgado, com força obrigatória naquele processo e fora dele, além de que numa ação de nulidade de disposições testamentárias, os Réus deduziram, por via reconvencional, um pedido de reconhecimento do direito de propriedade, por aquisição originária decorrente da posse sobre certos imóveis, quando, na perspetiva dos apelantes, tal não é legalmente admissível à luz do preceituado nas als. a) e c), do n.º 2 do art. 274º do CPC.

Vejamos se assiste razão aos apelantes.

Conforme se vê da decisão recorrida, o tribunal a quo apreciou a admissibilidade da reconvenção à luz do atual vigente art. 266º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06 e entrado em vigor em 01/09/2013 (cfr. art. 8º da citada Lei n.º 41/2013), quando, conforme se verifica do carimbo de entrada que se encontra aposto na contestação-reconvenção, esta entrou em juízo em 05/06/2012 (cfr. fls. 123 verso), pelo que urge indagar se a admissibilidade daquela reconvenção carece de ser apreciada à luz da atual versão do CPC ou se antes, ao abrigo da redação do CPC vigente à data da entrada em juízo da contestação-reconvenção.

Estabelece o art. 5º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26/06, que “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente Lei, é imediatamente aplicável às ações declarativas pendentes”.

Por sua vez, o n.º 3 daquele art. 5º preceitua que “as normas reguladoras dos atos processuais da fase dos articulados não são aplicáveis às ações pendentes na data da entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei” e o seu n.º 4 que “nas ações que, na data da entrada em vigor da presente lei, se encontrem na fase dos articulados, devem as partes, terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, seguindo-se os demais termos previstos no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei”.

Resulta claramente do cotejo do regime legal que se acaba de transcrever que quanto às ações que se encontravam pendentes à data da entrada em vigor, em 01/09/2013, do novo CPC, e que se encontrem na fase dos articulados, os atos praticados, nessas ações na fase dos respetivos articulados, isto é, petição inicial, contestação, réplica e tréplica, não se aplica o regime do novo CPC, mas sim o anteriormente vigente, sem prejuízo do disposto no n.º 4 daquele art. 5º, que determina que, uma vez terminada a fase dos articulados, se notifique as partes para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que já tinham apresentado, seguindo-se, a partir daí, o regime processual previsto no novo CPC (1).

O presente processo foi instaurado em 18/05/2012 (cfr. fls. 173 verso) e em 01/09/2013, data da entrada em vigor do CPC atualmente vigente, encontrava-se na fase dos articulados, tanto assim que a contestação-reconvenção deu entrada em juízo em 05/06/2012 (cfr. fls. 76 verso) e em 13/10/2014, deu entrada em juízo a réplica apresentada pelos intervenientes principais, Maria, Ricardo, M. N. e João (cfr. fls. 63 verso).

Resulta do que se vem dizendo ser indiscutível que contrariamente ao que foi propugnado pelo tribunal a quo, aos articulados apresentados pelas partes nos presentes autos é aplicável a redação do CPC, anterior à revisão operada pela Lei n.º 41/2013, pelo que a admissibilidade ou não da reconvenção carece de ser apreciada à luz dessa anterior redação do CPC.

Assente nesta premissa, na reconvenção, como se sabe, as Rés-reconvintes formulam um pedido autónomo contra os Autores-reconvindos, com o que deixa de haver uma só ação e passa a haver duas ações cruzadas dentro do mesmo processo.
Ao assim procederem, as Rés-reconvintes operam uma modificação do objeto do processo, ampliando-o, de modo que ao pedido formulado pelos Autores passa a acrescer o formulado pelas Rés em sede reconvencional (2).

Compreende-se que implicando a reconvenção a formulação de um pedido autónomo por parte das reconvintes, que transcende pura e simplesmente a sua defesa, mas que antes se perfila como uma pretensão formal e substancialmente distinta do pedido principal deduzido nos autos pelos Autores, a lei condicione o exercício do direito de reconvir à verificação de certos requisitos de ordem processual e outros de natureza substantiva, sob pena de se subverter totalmente o processo e daí redundarem graves perturbações para o seu regular andamento e tramitação.

No caso, não estão em causa os requisitos processuais, mas sim os substantivos, sendo aqui que os Autores-apelantes radicam o seu inconformismo em relação à decisão recorrida, propugnando que, no caso, não se verificam os fatores de conexão entre a ação que instauraram e o pedido reconvencional deduzido pelas Rés/apeladas, que torne legalmente admissível o enxerto dessa contra-ação instaurada pelas últimas, ao deduzirem a reconvenção, na ação que propuseram, pelo que importa chamar à colação os enunciados requisitos com vista a aquilatar da razão ou da ausência dela por parte dos apelantes.

Os requisitos substantivos ou objetivos da reconvenção encontravam-se enunciados, na versão do CPC aplicável à fase dos articulados nestes autos - redação, reafirma-se, anterior à revisão operada pela Lei n.º 41/2013 -, no art. 274º do CPC, na versão do DL n.º180/96, de 25/09.
Mediante a verificação desses requisitos substantivos ou objetivos, antecipe-se desde já, que se exige que o pedido principal formulado pelos Autores-apelantes e o pedido reconvencional exista uma certa conexão.

Deste modo é que o art. 274º, n.º 2 do CPC, estabelece ser admissível a reconvenção: a) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

No caso, não está manifestamente em causa a aplicação ao caso da al. b), do n.º 2 do enunciado art. 274º, uma vez que mediante a dedução da reconvenção as Rés-apeladas não pretendem exercer qualquer compensação contra os Autores-apelantes, sequer tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas a bem cuja entrega os últimos deles peticionem nos presentes autos.
Neste contexto importa determinar o alcance jurídico dos requisitos de conexão enunciadas nas als. a) e b) daquele preceito legal.

Como se disse, nos termos do art. 274º, n.º 2, al. a) do CPC é admissível a reconvenção quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa.

É pacifico na doutrina e na jurisprudência que a expressão “quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa” é o mesmo que causa de pedir, isto é, de acordo com a primeira parte da enunciada previsão legal, admite-se a reconvenção quando o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir da ação, isto é, o mesmo facto jurídico (real, concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca. Já a segunda parte desse normativo tem o sentido de que ela só é admissível quando o réu invoque como meio de defesa, qualquer ato ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, ou seja, embora o pedido reconvencional não se enquadre estritamente na causa de pedir da ação, aquele emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta dos factos com os quais indiretamente se impugna os alegados na petição inicial (3).

Com efeito, tratando-se de uma contra-pretensão, embora dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou no qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo.

Emergindo da causa de pedir da ação, pode figurar-se a mesma causa de pedir nos pedidos principal e cruzado. Se, porém, emerge do facto jurídico em que se estriba a defesa, a situação é buscar uma redução, modificação ou extinção do pedido principal. Isto é, o requisito substantivo da admissibilidade da al. a) do n.º 2 do art. 274º do CPC implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até se contenha nela ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito – regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor) (4).

Resulta do que se vem dizendo que para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da al. a), do n.º 2 do art. 274º, é necessário que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da ação ou emirja do ato ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse ato ou facto jurídico se pretenda obter um efeito diferente.

Neste sentido se pronuncia Alberto dos Reis, ao sustentar que “todos os pedidos reconvencionais devem ser conexos com o pedido do autor, porque seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar na ação pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma. A questão é de grau ou de natureza da conexão: nuns casos o nexo é mais estreito, noutros é mais remoto ….” e quando conclui que a frase “quando o pedido emerge” deve ser entendido no sentido de que o pedido do réu há-de ter por fundamento o ato ou facto, base da ação ou da defesa, uma vez que “um pedido só pode, em verdade, considerar-se emergente de determinado ato ou facto jurídico quando tem o seu fundamento nesse ato ou facto”, e continua “hoje o réu, quando queira defender-se atacando o próprio ato jurídico que serve de fundamento à ação, pode fazê-lo por um de dois meios: ou recorrendo à exceção perentória da nulidade (entenda-se: nulidade de direito substantivo, ou à reconvenção (…) só há reconvenção quando o pedido do réu não é mera consequência necessária da defesa por ele deduzida. Por outras palavras, quando o pedido, fundado na defesa, é um pedido substancial e não um pedido meramente formal, isto é, um pedido que nada acrescenta à matéria alegada como defesa (5).

Exemplificando o seu raciocínio e parafraseando Manuel Andrade, aquele autor indica como exemplos de reconvenção baseado no ato jurídico que serve de fundamento à ação, os seguintes casos: 1) propôs-se uma ação de simples apreciação negativa, tendente a declarar a não existência dum direito do réu por ser simulado o contrato de que esse direito aparenta derivar; o réu pode pedir não só que se declare existente o seu direito (o que não é reconvenção), mas ainda, que o autor seja condenado a determinada prestação por força do pretenso contrato simulado (o que já é reconvenção); 2) o autor pede o pagamento do preço, com fundamento em contrato de compra e venda; o réu pede, com base no mesmo contrato, a entrega da coisa vendida; 3) o autor pede indemnização de perdas e danos por determinado acidente de viação; o réu, que também sofreu prejuízos, pede, por sua vez, indemnização, fundado no mesmo acidente.

Já como exemplos em que o pedido reconvencional emerge do ato ou facto que serve de fundamento à defesa, apresenta os seguintes exemplos: 1) propõe-se ação de despejo; o réu defende-se, alegando que é proprietário e pedindo que lhe seja reconhecido o seu direito de propriedade; 2) A demanda B, pedindo-lhe a entrega de coisa móvel determinada; o réu defende-se alegando que a coisa que lhe foi confiada a título de penhor de certo crédito e pede o pagamento deste; c) A, herdeiro legítimo de B, e que está na posse de certos bens da herança, propõe contra C a pedir a entrega dos outros bens da mesma herança; o réu alega que é herdeiro testamentário de B e pede, em reconvenção, que o autor seja condenado a largar mão dos bens em seu poder (6).

Ainda no mesmo sentido pronuncia-se Lebre de Freitas, ao sustentar que naquela alínea a), do n.º 2 do art. 274º do CPC, “o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte da mesma causa de pedir – que o pedido do autor. Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento do preço da compra e venda, o réu pede a condenação do autor na entrega da coisa: o mesmo contrato é causa do pedido do autor e do pedido do réu. Em segundo lugar, pela mesma alínea a), o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma exceção perentória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial. Pedida, por exemplo, a sua condenação no pagamento do remanescente do preço duma empreitada, o réu exceciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização: os factos que fundam, respetivamente, a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor constituem a causa de pedir da reconvenção” (7).

Nos termos da al. c), do n.º 2, do enunciado art. 274º do CPC, a reconvenção é ainda admissível quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.

Neste caso admite-se a reconvenção quando o reconvinte, à causa de pedir invocada pelo autor, alega novos factos ou causas tendentes a combater, direta ou indiretamente, o pedido formulado pelo autor e capazes de obter o mesmo efeito jurídico que pretende o autor, mas em benefício dele, reconvinte. É o caso de “autor e réu pretenderem, por exemplo a declaração de propriedade sobre o mesmo bem, a anulação do mesmo contrato ou a obtenção do divórcio entre si. A exigência da identidade do efeito não impede que um dos pedidos vise a sua constituição no processo, enquanto no outro se afirme que ele pré-existia, podendo, por exemplo, reconvir-se, em ação de reivindicação, com o pedido de execução específica do contrato-promessa de venda ao réu do bem reivindicado. A identidade do efeito pode ser meramente parcial: o réu pede a declaração de propriedade sobre uma parte do bem reivindicado ou o reconhecimento dum usufruto sobre ele, a anulação parcial do contratou ou a separação de pessoas e bens” (8).

Assentes nestas premissas, no caso presente, os Autores-apelantes pedem que:

a- se declare nulas ou anuladas e de nenhum efeito as disposições constantes do testamento outorgado em 16 de junho de 2005, no notário Manuel, no que respeita ao legado instituído às Rés – Sociedade MS e Associação X – da totalidade dos prédios identificados nesse testamento e na petição inicial desta ação, pois que constituem uma liberalidade à non domino e de bens alheios, circunstâncias que eram do conhecimento do testador;
E da disposição que limita e cerceia de forma ilegal a liberdade dos legatários, proibindo-os de transmitir eventualmente tais prédios aos Autores – António e mulher e familiares, tudo com as consequências legais.
b- declare que os Autores – António e mulher Ana – como os únicos donos e proprietários de todos os prédios descritos no art. 1º desta petição, sendo que são exatamente os mesmos que são identificados no testamento em referência nesta ação e também da sentença proferida nos autos de ação ordinária n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, com todas as consequências legais.

Tal como flui da petição inicial, para ancorarem estas pretensões, os Autores-apelantes alegam o direito de propriedade sobre os prédios que identificam no art. 1º da p.i., direito de propriedade esse de que se arrogam titulares por via translativa, sustentando que os adquiriram por escrituras públicas de 27/12/2010, 27/12/2010 e 29/07/1993 (cfr. arts. 3º a 8º da p.i.), quer por via originária (cfr. arts. 11º e 12º da p.i.).

Mais invocam o testamento outorgado por E. G. em que este arrogando-se proprietário exclusivo daqueles prédios, legou-os às Rés, com o que terá disposto de bens de que não era proprietária, mas que antes eram propriedade dos Autores-apelantes, além de que, nesse testamento, impôs que esses prédios nunca fossem vendidos aos Autores-apelantes ou aos familiares destes, cláusula testamentária essa que os últimos sustentam ser nula, por contrária à lei, na medida em que cerceia a liberdade individual das pessoas.

Por sua vez, as apeladas-reconvintes deduziram reconvenção pedindo que:

c- se condene os Autores a reconhecer que as Rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade MS e ¼ indivisos para a Associação X) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao Professor E. G., que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião;
d- se condene os Autores a reconhecerem que não adquiriram, nem podiam adquirir, os prédios reivindicados, nem pagaram qualquer preço por qualquer deles ou qualquer das suas frações;
e- se condene os Autores a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial;
f- se condene os Autores a reconhecerem que os negócios que invocam na inicial que pretensamente lhes teriam transmitido a propriedade dos prédios, são absolutamente nulos, por simulados, em prejuízo das contestantes, ou, a não se entender assim, por não consubstanciarem verdadeiros contratos de compra e venda;
g- se condene os Autores a reconhecerem, em qualquer dos casos, a nulidade das vendas que lhes foram feitas, por desrespeitarem a cláusula testamentária imposta pelo autor da herança, segundo a qual os prédios em questão jamais poderiam ser transmitidos aos Autores.

Subsidiariamente, para o caso de a ação ser julgada total ou parcialmente procedente, pedem que se declare “a nulidade integral de todo o clausulado do referido testamento, designadamente das cláusulas referentes à constituição e funcionamento do Fundo citado”.

Para ancorarem os pedidos reconvencionais acima identificados em c) e e) as apeladas-reconvintes, alegam a aquisição originária do direito de propriedade sobre esses prédios pelo testador E. G., por via do funcionamento do instituto da usucapião (arts. 36º a 48º da contestação reconvenção).

Entendeu-se na decisão recorrida que o pedido reconvencional formulado sob a enunciada al. c) era admissível, nos termos da al. d), do n.º 2 do art. 266º do CPC, uma vez que através dele as Rés-reconvintes pretendem obter, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico reclamado pelos Autores, decisão esta com a qual os apelantes não se conformam por duas ordens de razões, a saber: 1º) com a dedução daquele pedido reconvencional, as reconvintes violam, de forma patente e notória, a decisão proferida no ação n.º 302/2002, transitada em julgado, com força obrigatória geral; e 2º) numa ação de nulidade testamentária não é admissível ser enxertado pedido reconvencional em que as reconvintes pedem o reconhecimento com únicos donos e possuidores dos prédios.

No que respeita ao primeiro argumento aduzido pelos apelantes, incumbe referir que em sede de apreciação sobre a admissibilidade legal ou não da reconvenção, não há que se entrar em consideração sobre se os pedidos reconvencionais deduzidos consubstanciam violação ou não do caso julgado material de decisão anteriormente proferida no processo n.º 302/2002, transitada em julgado, uma vez que essa matéria contende única e exclusivamente com a exceção dilatória do caso julgado, exceção essa que apenas terá (e poderá) ser apreciada, uma vez concluído que seja que se encontram preenchidos os requisitos processuais e substantivos que permitem admitir os pedidos reconvencional. Isto é, em sede de apreciação da admissibilidade da reconvenção apenas se impõe verificar se se encontram ou não preenchidos os pressupostos processuais e substantivos legalmente prescritos para a respetiva admissão. Caso se conclua negativamente, impõe-se rejeitar a reconvenção, pelo que a questão da eventual violação do caso julgado pelos pedidos reconvencionais deduzidos pelas apeladas-reconvintes nem sequer se coloca. Ao invés, caso se conclua pela admissibilidade legal da reconvenção, então aí sim, uma vez admitida esta, é que se poderá suscitar a questão de se verificar se todos ou parte dos pedidos reconvencionais deduzidos pelas apeladas-reconvintes postergam o caso julgado operado por uma eventual anterior decisão judicial proferida e transitada em julgado, designadamente no âmbito do processo n.º 302/2002.

Por outro lado, como se referiu, a apreciação da admissibilidade legal da reconvenção, em sede de verificação dos respetivos requisitos objetivos, tem de ser aferida por referência à causa de pedir invocada pelos apelantes-Autores para ancorar os pedidos que deduzem por forma a verificar da existência ou inexistência dos fatores de conexão prescritos no n.º 2 do art. 274º entre esta e os pedidos reconvencionais formulados pelas apeladas-reconvintes.

Precise-se que contrariamente ao pretendido pelos apelantes-Autores, a presente ação que instauraram não é uma simples ação de anulação de disposição testamentária, posto que para além da anulação do testamento de E. G., aqueles pedem que se reconheça serem proprietários exclusivos dos prédios identificados no art. 1º da petição inicial – pedido formulado sob a alínea B) do petitório.

Como referido, o pedido de anulação da disposição testamentária que deduzem, funda-se, e é esta a específica causa de pedir em que os apelantes ancoram esse pedido, no direito de propriedade que se arrogam titulares sobre os prédios que identificam no art. 1º da petição inicial e na disposição testamentária em que o testador E. G. terá disposto daqueles prédios, que eram alegadamente alheios, por serem pretensamente propriedade dos apelantes, por os terem adquirido por via derivada e originária.

Já o pedido formulado pelos mesmos apelantes-Autores sob a enunciada al. B) funda-se inquestionavelmente no invocado direito de propriedade de que se arrogam titulares por os terem adquirido por via derivada e originária.

É indiscutível que mediante a dedução do pedido formulado pelas apeladas- reconvindas sob a alínea c) da reconvenção, tal como ponderou o tribunal a quo, os apelantes pretendem obter o mesmo efeito jurídico que é visado pelos apelantes ao deduzirem aquele pedido B) do petitório vertido na petição inicial, na medida em que apelantes e apelados-reconvindos pretendem ser reconhecidos como proprietários daqueles prédios, que são os mesmos.

Os apelados-reconvindos fundam esse seu pedido reconvencional na circunstância desse direito de propriedade sobre os identificados prédios ter sido adquirido por via originária pelo testador E. G., ainda antes dos apelantes os terem comprado mediante as escrituras que identificam na petição inicial e no testamento mediante o qual o identificado testador lhes terá legado o direito de propriedade sobre os identificados prédios.

Da mesma forma que se entende que “a exigência da identidade do efeito não impede que um dos pedidos vise a sua constituição no processo, enquanto no outro se afirma que ele pré-existia, podendo, por exemplo, reconvir-se, em ação de reivindicação, com o pedido de execução específica do contrato-promessa de venda ao réu do bem reivindicado”, também, na nossa perspetiva, nada obsta, que, como acontece no caso, numa ação em que os apelantes-Autores pedem que se julgue que os mesmos são os únicos donos e proprietários de determinados prédios, por os terem adquirido por via translativa, mediante a celebração das escrituras outorgadas em 27/12/2010 e 29/07/1993, identificadas nos arts. 3º a 8º da p.i., e por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, conforme alegado vem nos arts. 10º a 12º da mesma p.i., os apelados-reconvintes deduzam pedido reconvencional pretendendo serem reconhecidos proprietários desses mesmos prédios, por os terem adquirido por via originária, ainda antes dos apelantes os terem comprado.

Com efeito, como se decidiu no Ac. RC. de 29/11/2011 (9), “a estreita conexão da pretensão reconvencional com a pretensão reivindicatória dos Autores, ainda que de sinal diametralmente oposto, e o efeito jurídico pretendido pelos reconvintes similar ao visado pelos Autores, mas a favor dos reconvintes, integra a previsão da al. c) do n.º 2 do art. 274º”.

É que pretendendo os apelantes-Autores, mediante a instauração da presente ação, que se reconheça o seu direito de propriedade sobre os prédios que identificam no art. 1º da p.i., e visando os apelados-reconvintes obter o reconhecimento desse mesmo direito, isto é o mesmo efeito jurídico daqueles, embora de sinal contrário, em seu benefício, é indiscutível que se verifica o requisito de conexão enunciado na al. c), do n.º 2 do art. 274º do CPC, entre o pedido principal formulado pelos apelantes e o reconvencional formulado pelos apelados sob a enunciada al. c) da reconvenção.

Resulta do que se vem dizendo que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando conclui que entre o pedido formulado pelos apelantes sob a alínea B) da petição inicial e o pedido deduzido pelos apelados-reconvintes sob a alínea c) intercede o identificado requisito de conexão a que alude a al. c), do n.º 2 do art. 274º e admitiu esse pedido reconvencional.

Na decisão recorrida conclui-se que quanto aos restantes pedidos reconvencionais deduzidos pelos apelados-reconvintes nas alíneas d), e), f) e g) e, bem assim o pedido subsidiário que formulam na reconvenção, os mesmos emergem do facto jurídico que serve de fundamento à ação instaurada pelos apelantes-reconvindos.

Como referido, os apelantes fundam os seus pedidos originários (causas de pedir), na aquisição do direito de propriedade sobre os prédios que identificam no art. 1º da petição inicial, por via de terem adquirido esse direito de propriedade por via derivada e originária e no testamento em que o testador terá disposto a favor das apeladas daqueles prédios, pretensamente à non domino e, bem assim na pretensa nulidade da disposição testamentária que proíbe a transmissão desses prédios a favor daqueles apelantes e dos respetivos familiares.

O pedido reconvencional deduzido pelas reconvindas sob a alínea e), em que estas pedem que “se condene os Autores a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial”, funda-se na aquisição originária do direito de propriedade sobre esses prédios pelo testador E. G., antes dos apelantes os terem adquirido mediante as escrituras públicas de compra e venda que identificam na petição inicial.

Consequentemente, ao direito de propriedade que vem invocado pelos apelantes em sede de petição inicial, as reconvintes opõem-lhes a exceção perentória da nulidade daquelas escrituras públicas de compra e venda mediante as quais terão adquirido o direito de propriedade que invocam, por essas escrituras terem por objeto alegadamente bens alheios, na medida em que o direito de propriedade sobre esses bens já não integrava a esfera jurídica dos aí vendedores, outorgantes nessas escrituras públicas de compra e venda, mas sim do testador E. G..

Deste modo, em face das considerações jurídicas que acima se explanaram a propósito da al. a), do n.º 2 do art. 274º do CPC, é incontroverso e incontrovertível que este pedido reconvencional deduzido pelas apeladas-reconvintes emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa que deduziram em sede de contestação-reconvenção contra a causa de pedir que vem invocada, em termos de p.i., pelos apelantes-reconvindos para ancorarem o pedido originário que deduzem nessa p.i., posto que funda-se em exceção perentória mediante a qual as apeladas-reconvintes pretendem extinguir o pedido principal deduzido pelos apelantes em que pretendem que se declare que os mesmos são os únicos donos e proprietários desses prédios identificados no art. 1º da p.i..

Igualmente os pedidos reconvencionais deduzidos sob a alínea d) - em que os apelados-reconvintes pedem que se condene os Autores a reconhecerem que não adquiriram, nem podiam adquirir, os prédios reivindicados, nem pagaram qualquer preço por qualquer deles ou qualquer das suas frações –, na alínea f) – em que pedem se condene os Autores a reconhecerem que os negócios que invocam na inicial que pretensamente lhes teriam transmitido a propriedade dos prédios, são absolutamente nulos, por simulados, em prejuízo das contestantes, ou, a não se entender assim, por não consubstanciarem verdadeiros contratos de compra e venda – e na alínea g) – em que pedem se condene os Autores a reconhecerem, em qualquer dos casos, a nulidade das vendas que lhes foram feitas, por desrespeitarem a cláusula testamentária imposta pelo autor da herança, segundo a qual os prédios em questão jamais poderiam ser transmitidos aos Autores – emergem do facto jurídico que serve de fundamento à defesa.

Na verdade, arrogando-se os Autores-apelantes proprietários dos prédios que identificam no art. 1º da petição inicial por os terem adquirido através das escrituras públicas que identificam nesse articulado e por via originário, as apeladas-reconvintes opõem-lhes a nulidade dessas escrituras públicas de compra e venda com fundamento em simulação e, bem assim por violarem a disposição testamentária do autor da herança, E. G., segundo a qual os prédios em questão jamais poderiam ser transmitidos àqueles ou aos seus familiares, visando, consequentemente, as apeladas-reconvintes, com essa sua defesa, claramente fazer extinguir os pedidos principais deduzidos pelos Autores-apelantes na petição inicial e, com fundamento nessa sua defesa por exceção perentória, formulam os enunciados pedidos reconvencionais.
Trata-se de um dos casos típicos acima identificados, apontados por Lebre de Freitas, em que é admitida a reconvenção com fundamento na al. a), do n.º 2 do art. 274º do CPC.

Finalmente, tendo os apelantes instaurado a presente ação invocando a invalidade do testamento de E. G. por este testamento ter por objeto legados de coisa alheia (prédios alegadamente propriedade dos apelantes), os apelados-reconvindos, pedem, a título subsidiário, que se declare a nulidade integral de todo o clausulado desse mesmo testamento.

Neste caso é indiscutível que a causa do pedido dos apelantes e do enunciado pedido reconvencional subsidiário é a invalidade do mesmo testamento. Logo, o pedido reconvencional subsidiário em apreço emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação.

Aqui chegados, embora por motivos não totalmente coincidente dos sufragados na decisão recorrida, outra solução não restava ao tribunal a quo que não fosse admitir a reconvenção, uma vez que se verificam preenchidos os requisitos processuais e objetivos, estes previstos nas als. a) e d), do n.º 2 do art. 274º do CPC, que impunham a admissão da reconvenção.

Termos em que na improcedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes, confirma-se a decisão recorrida quando admitiu os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus.

B.2- Da exceção dilatória do caso julgado.

Na decisão recorrida julgou-se parcialmente procedente a exceção dilatória do caso julgado invocada pelos apelantes quanto aos pedidos reconvencionais e absolveu-se aqueles da instância reconvencional no que tange aos pedidos formulados nas alíneas d), e) e f), na parte em que se referem ao contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 29 de julho de 1993.

Sustentam os apelantes que aquela decisão padece de erro de direito ao não ter julgado procedente essa exceção quanto aos pedidos formulados nas alíneas c), d) e e) da reconveção, na medida em que por sentença transitado em julgado, proferido nos autos de processo 302/2002, da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães, ficou definitivamente assente que o aí Autor (o testador E. G.), M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, são proprietários dos prédios objeto dos presentes autos na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária por heranças abertas por morte de Augusta, Eurico e Eugénio, pelo que ao formularem aqueles pedidos reconvencionais os apelados-reconvintes pretendem que este tribunal produza sentença contrária ao que naquela outra ficou, em definitivo, decidido, postergando o caso julgado nela produzido.

Vejamos se assiste razão aos apelantes.

Conforme é entendimento doutrinário e jurisprudencial consensual e resulta do expresso no art. 580º, n.º 1 do CPC, o caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admita recurso ordinário.

Trata-se de uma exceção que no ordenamento jurídico processual atualmente vigente vem qualificada de exceção dilatória (art. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. i) do CPC.) e que “exerce duas funções: i) uma função positiva e ii) uma função negativa. Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal” (10).

A exceção do caso julgado tem como fundamento teleológico o prestígio dos tribunais, o qual seria altamente comprometido caso a mesma situação concreta, uma vez definida, pudesse posteriormente vir a ser decidida em sentido diverso pelos tribunais, mas assenta, sobretudo, e é este o mais importante e essencial dos seus fundamentos, em razões de certeza e segurança jurídicas, as quais seriam fortemente abaladas, com a inerente instabilidade no tráfego jurídico, caso, uma vez decidida determinada questão, o tribunal pudesse rever essa decisão, alterando-a.

Deste modo, decidida determinada questão e transitada em julgado a decisão, isto é, não admitindo aquela já recurso ordinário, torna-se inatacável, promovendo-se, assim, a justiça, a segurança jurídica, a paz social e o prestígio dos tribunais.

Essa inatacabilidade ou incontestabilidade das decisões judiciais pode projetar-se apenas intra processualmente ou, ainda, extra processualmente e daí que se imponha distinguir entre caso julgado formal e caso julgado material.

O caso julgado formal, também designado de externo ou de simples preclusão, significa que a decisão, uma vez tomada e transitada em julgado, tem força obrigatória, mas apenas dentro do processo, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas não impede que numa outra ação, em que a mesma questão processual seja suscitada, esse tribunal ou outro tome decisão distinta da anteriormente tomada no precedente processo.

Constituindo o processo um encadeamento de atos e de decisões que vão sendo tomadas ao longo do iter processual até à decisão final, à medida que se vai percorrendo esse iter processual e que nele vão sendo proferidas decisões que recaiam apenas sobre a relação processual ou, inclusivamente, tomada nele uma decisão final que apenas verse sobre essa relação processual, não definindo a concreta relação controvertida entre as partes, ou seja, não decidindo de mérito, essas decisões que, reafirma-se, apenas versam sobre a relação processual, logo que transitem em julgado, não admitindo recurso ordinário, tornam-se incontestáveis e imodificáveis mas tão-somente dentro do processo, ficando o tribunal e as partes submetidas ao que aí ficou decidido, de modo que, posteriormente, não podem naquele processo ter um comportamento processual contrário ao decidido, sequer o tribunal pode decidir de forma diversa ao anteriormente decidido.

No entanto, porque essas decisões apenas recaíram sobre a relação processual, deixando intocada e por definir a relação controvertida, isto é, o mérito da causa, em posterior ação que venha a ser proposta, o mesmo tribunal ou outro que venha a ser convocado a decidir essa segunda ação, não está subordinado à decisão anteriormente proferida.

Não provendo essas decisões, como é o caso daquelas que conheçam de exceções dilatórias, sobre “os bens litigados, pensou-se não haver inconveniente de maior na possibilidade de serem desrespeitadas noutro processo” (11), sendo isto que resulta do comando ínsito no art. 620º do CPC, onde se estatui que, com exceção dos despachos que não admitem recurso por se tratar de despachos de mero expediente ou proferidos no uso legal de um poder discricionário, “as sentenças e os despachos que recaiam sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.

Diversamente do caso julgado formal, o caso julgado material, ou interno, tem como pressuposto a prolação de uma sentença ou despacho saneador que decidam sobre o mérito da causa, isto é, que versem “sobre os bens discutidos no processo; definam a relação ou situação jurídica deduzida em juízo; estatuam sobre a pretensão do Autor”.

Tais decisões de mérito, logo que transitem em julgado, por não admitirem recurso ordinário, impõem-se a todos os tribunais e às partes (mas não só, conforme infra se verá), intra e extra processualmente, de modo que quando seja submetida aos tribunais “a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação), todos “têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão”. “Quanto a estas o caso julgado material acresce ao formal” (12).

Na sua dimensão de “efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda ação (proibição de repetição)”, o caso julgado material funciona como bloqueio ao direito de acesso aos tribunais, e na sua “dimensão de efeito positivo da constituição da decisão proferida constitui pressuposto indiscutível para outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)”, impedindo a suscitação de solução para uma controvérsia jurídica já decidida.
Dados os efeitos severos do caso julgado material, o mesmo encontra-se sujeito a contornos rígidos e rigorosos que se reconduzem ao requisito da denominada “tripla identidade”, segundo a qual para que estejamos perante a mesma questão jurídica é necessário que ocorra identidades de partes, causas de pedir e de pedidos.

Assim é que o art. 619º, n.º 1 do CPC., estatui que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º”, acrescentando o art. 621º que “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga”.

B.2.1- Dos limites objetivos do caso julgado.

O caso julgado só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se sem detrimento de alguma delas, visando evitar a contradição prática de decisões e já não a sua colisão teórica ou lógica.

Nessa medida, quanto aos limites objetivos do caso julgado, é maioritário o entendimento segundo o qual o caso julgado abrange a parte decisória e já não os seus fundamentos de facto ou de direito, confinando-se os limites objetivos do caso julgado à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma (13).

No entanto, outros sustentam que “toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor do caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (14).

Por último, uma posição intermédia sufraga o entendimento segundo o qual, embora o caso julgado se restrinja à parte dispositiva do julgamento, a sua força obrigatória deve ser estendida à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada, estendendo a força do caso julgado a todas as questões que forem antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da decisão em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e à estabilidade e certeza das relações jurídicas (15).

Ponderando nas diversas soluções que se acabam de expor, cientes que atualmente a jurisprudência maioritária se insere no primeiro dos apontados entendimentos, restringido os efeitos objetivos do caso julgado à parte decisória da sentença, aderimos à posição intermédia uma vez que a parte dispositiva da sentença não é algo que surge desgarrado, mas assenta em determinadas pressupostos que lhe serviram de antecedente lógico e jurídico, do qual, sob pena de incerteza e insegurança jurídicas e se atentar contra a economia processual e o prestígio dos tribunais, não se pode abstrair.

Deste modo, embora se restrinja os limites objetivos do caso julgado à parte dispositiva da sentença, estende-se que é de estender a sua eficácia à resolução de questões preliminares que a sentença teve necessidade de resolver, como premissa da conclusão retirada.

B.2.2- Dos elementos subjetivos do caso julgado.

O caso julgado apenas vincula, em regra, as partes da ação, não podendo, também, por norma, afetar terceiros, daqui derivando que o caso julgado, regra geral, só tem eficácia relativa.

Trata-se de um reflexo do princípio do contraditório ou do direito de defesa a todos reconhecido, enunciado no art. 3º do CPC, no sentido de que quem não pôde defender os seus interesses num determinado processo judicial, não pode ser afetado pela decisão nele proferida.

Precise-se que a identidade dos sujeitos relevante para efeitos de caso julgado não é a simples identidade física, mas a identidade jurídica, tanto assim que de acordo com o n.º 2 do art. 581º do CPC, “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, deixando claro que o caso julgado se forma em relação a todos aqueles que por sucessão mortis causa ou por transmissão inter vivos, assumiram a posição jurídica de quem foi parte no processo, quer a substituição se tenha operado no decurso da ação, quer se tenha verificado já depois da sentença proferida.

Acresce que o caso julgado aproveita a ambas as partes do processo, quer à parte vencedora, quer à parte vencida e a sua força impõe-se independentemente da posição que as partes ocupem (como autor ou como réu) nas duas acções (16).

O princípio da eficácia relativa do caso julgado carece no entanto de sofrer restrições e desvios, pela eficácia reflexa do caso julgado em relação a terceiros, os quais não podem ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes ações, agindo como se elas não existissem na esfera das realidades jurídicas, sabendo-se que numa vida de relação, com interações sociais cada vez mais intensas, as sentenças judiciais ao definirem determinada relação jurídica entre os pleiteantes, são suscetíveis de afetaram os direitos de terceiros, designadamente, por terem relações conexas com aqueles.

No seguimento dos ensinamentos de Alberto dos Reis, a propósito da eficácia reflexa do caso julgado em relação a terceiros, impõe-se distinguir “os terceiros juridicamente indiferentes”, dos “terceiros juridicamente interessados” e dentre estes, os “terceiros titulares de relações ou posições jurídicas independentes e incompatíveis com a das partes” e “terceiros que são sujeitos duma relação paralela ou concorrente, ou duma relação subordinada”.

São “terceiros juridicamente indiferentes” aqueles em relação aos quais a sentença transitada em julgado não lhes causa prejuízo jurídico, deixando íntegra a consistência do seu direito, embora lhes possa causar um prejuízo de facto ou económico. É o caso dos credores de determinado devedor, demandado em determinada ação por um outro credor, que nela obtém vencimento. O caso julgado operado nessa ação deixa incólume o direito dos demais credores, mas pode afetar a consistência prática dos seus direitos, ao reduzir o património do devedor e, consequentemente, a sua solvabilidade. Esses “terceiros juridicamente indiferentes” têm de acatar a sentença proferida entre as partes em ação em que aqueles não foram parte, sendo-lhes plenamente oponível a eficácia do caso julgado.

São “terceiros juridicamente interessados” todos aqueles em relação aos quais a sentença transitada em julgado causa prejuízo jurídico, inviabilizando a existência ou reduzido o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática.

De entre os referidos “terceiros juridicamente interessados”, distinguem-se os “terceiros que são sujeitos duma relação jurídica independente e incompatível com a das partes”, em relação aos quais a sentença proferida e transitada em julgado em processo em que esses terceiros não foram partes, nunca os pode atingir e, consequentemente, não lhes é oponível o respetivo caso julgado. É o caso da sentença transitada em julgado em ação de reivindicação, em que o reconhecimento do direito de propriedade ao autor não faz precludir a propriedade que um terceiro se arrogue sobre o prédio reivindicado.

Os “terceiros juridicamente interessados” que são titulares de “relações paralelas”, estas entendidas como relações de conteúdo semelhantes (obrigações conjuntas) à objeto da ação transitada em julgado. A sentença transitada em julgado não estende a sua eficácia a esses terceiros que não foram parte nessa ação, embora fossem titulares de relações paralelas com o demandante ou o demandado.

Já em relação aos “terceiros juridicamente interessados” titulares de “relações concorrentes”, estas entendidas como relações de conteúdo único, também não lhes é oponível o caso julgado, dado que não tendo sido partes no processo e não sendo possível cindir-se a relação nele julgada, o caso julgado operado nunca lhes pode ser oposto.

Finalmente, os terceiros juridicamente interessados titulares de relações subordinadas ou dependentes de outra, que não podem existir nem subsistir sem ela, como é o caso da fiança ou da hipoteca constituída por um terceiro, “a sentença favorável proferida sobre a relação principal aproveita … ao terceiro, porque a relação de que este é sujeito não pode existir ou manter-se sem a relação litigada e definida entre as partes. Ex: julgada improcedente a ação proposta contra o devedor, pode o fiador defender-se com a respetiva sentença (…). Mas já não é forçoso que tenha de prejudicar o terceiro sentença desfavorável, porque a existência da relação principal não implica a da subordinada” (17).

B.2.3- Da autoridade do caso julgado.

Embora a exceção do caso julgado e a autoridade de caso julgado sejam efeitos distintos da mesma realidade jurídica, a exceção do caso julgado, enquanto exceção dilatória, tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto dessa mesma relação já ter sido anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão transitada em julgado.

A verificação da exceção dilatória do caso julgado material pressupõe a verificação da tripla identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, embora entendidos nos termos acima enunciados. Aqui atua a dimensão negativa do caso julgado, impedindo que essa mesma relação jurídica seja julgada segunda vez.

Já a autoridade do caso julgado relaciona-se com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre os objetos processuais, de modo que julgada, em termos definitivos, certa matéria numa ação que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objeto desta primeira ação impõe-se necessariamente em todas as posteriores ações que venham a correr, entre as mesmas partes, incidindo sobre um objeto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objeto previamente julgado, perspetivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda ação.

Deste modo, enquanto “a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”, já “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição de decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior” (18).

Sintetizando, a exceção dilatória de caso julgado pressupõe o confronto de duas ações (uma delas contendo uma decisão já transitada em julgado), e a tríplice identidade entre ambas de sujeitos, de causa de pedir e de pedido. Consequentemente, visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, por forma a evitar a repetição de causas.

Por sua vez, a força e autoridade de caso julgado decorre de uma anterior decisão que tenha sido proferida e em que ficara decidido, com força de caso julgado, uma determinada questão de mérito, impondo que essa questão não mais possa ser apreciada numa ação subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente a título prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu. Prende-se com a força vinculativa da primeira decisão e do inerente caso julgado e visa o efeito positivo de impor essa primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, e pode funcionar independentemente da tríplice identidade exigida pela exceção, pressupondo apenas “a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida” (19).

Na dimensão de força e autoridade de caso julgado, como afirma Teixeira de Sousa, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressuposto da decisão (20).

Deste modo, se numa determinada ação se reconheceu que o réu se encontra na posse de um prédio por força de um contrato de arrendamento, não pode este, em posterior ação, alegar ou, fazendo-o, o tribunal decidir, que esse contrato fora revogado por acordo escrito celebrado em data anterior ao encerramento da discussão em audiência final realizada na primeira ação.

Da mesma forma, se numa ação de reivindicação se condenar o Réu a reconhecer a propriedade do Autor sobre determinado imóvel e a restituí-lo àquele, não pode o primeiro, em posterior ação, vir invocar justo título (ex: contrato de arrendamento) que já detinha antes do encerramento da discussão daquela audiência final e que legitimava-o a deter o imóvel reivindicado, justo título esse que, no entanto, não cuidou em invocar naquela primeira ação ou que tendo invocado, não logrou provar.

A semelhante resultado também se chega pelo princípio da preclusão dos meios de defesa do Réu. Embora o conhecimento das exceções não adquira, em regra, força de caso julgado material (cfr. art. 91º, n.º 2 do CPC), o trânsito em julgado de sentença de mérito que reconheceu, em todo ou em parte, o direito do autor, faz precludir todos os meios de defesa do réu, mesmo os que não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu, impedindo-o de, em posterior ação, vir exercer esses direitos. Trata-se de uma consequência do princípio da concentração, expressamente definido no art. 573º do CPC. Nesse sentido, “vale a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível” (21).

Esta preclusão da invocação num processo posterior de questões não suscitadas num processo findo reporta-se, necessariamente, àquelas que sejam anteriores ao encerramento da discussão na fase da audiência final e que, consequentemente, não puderam ali ser suscitadas, mediante a apresentação de articulado superveniente, pelo que, “…para efeitos do caso julgado, apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir numa ação posterior” (22).

Em síntese, “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (…) Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida” (23).

B.2.4- Do caso concreto.

Como referido, no caso concreto coloca-se a questão de saber se ocorre a exceção do caso julgado entre a sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito dos autos de processo n.º 302/2002, que correu termos na extinta 2ª Vara Mista da Comarca de Guimarães, em que ficou definitivamente decidido que o aí Autor (o testador E. G.), M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, são proprietários dos prédios objeto dos presentes autos na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária por heranças abertas por morte de Augusta, Eurico e Eugénio, e os pedidos reconvencionais formulados pelas apeladas reconvintes nos presentes autos sob as alíneas c), d) e e).

Conforme se pondera na decisão recorrida, não obstantes as reconvintes não tenham tido intervenção nessa primeira ação que correu termos sob o n.º 302/2002, existe entre a presente ação e aquela anterior ação n.º 302/2002 identidade de sujeitos do “ponto de vista jurídico”, na medida em que as reconvintes adquiriram o direito de propriedade a que se arrogam titulares nas enunciadas alíneas c), d) e e) do pedido reconvencional que deduzem, por sucessão mortis causa, mais concretamente, através da deixa testamentária em que o falecido E. G., Autor e reconvindo naqueles autos n.º 302/2002, lhes outorgou, pelo que aquelas assumem nestes autos em relação àquele processo n.º 302/2002, a posição jurídica de E. G. que nele figurava como autor e reconvindo.

Por outro lado, os apelantes (Autores e reconvindos na presente ação), figuraram naquele processo n.º 302/2002 como Réus e reconvintes.

B.2.4.1- Da exceção do caso julgado quanto aos pedido reconvencionais formulados sob as alíneas c) e e).

Naquele ação n.º 302/2002, o ali Autor, E. G., pediu, além do mais, que seja reconhecido que os donos e legítimos possuidores dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs 91490, 2308 e 2307, respetivamente, inscritos na matriz urbana sob os artigos 294º, 304º e 1559º são o Autor, isto é, o testador, na proporção de 3/8 indivisos, bem como R. G., este na proporção de 2/8 indivisos e, bem assim Judite, esta na proporção de 3/8 (cfr. alínea A dos factos apurados).

Para fundamentar este pedido, aquele Autor E. G., alegou que o mesmo e, bem assim R. G. e Judite adquiriram aqueles direitos indivisos sobre os identificados prédios por partilha e por usucapião.

Nessa ação n.º 302/2002, em sede de réplica, o ali Autor e reconvindo E. G., alterou o pedido e a causa de pedir que originariamente tinha formulado em sede de petição inicial, solicitando que seja reconhecido que os donos e legítimos possuidores dos prédios descritos na CRP sob os n.ºs 9140, 2308 e 2307, respetivamente, inscritos na matriz urbana sob os n.ºs 294, 304 e 1195, são R. G., na proporção de 2/8 indivisos; o Autor, M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária, por herança abertas por morte de Augusta, Eurico e Eugénio; além de Judite, Maria, João e M. N., estes na proporção de 3/8 e em regime de comunhão hereditária por herança abertas por morte de A. J. e G. G. (cfr. alínea C da matéria apurada).
Os prédios a que se reportam a ação n.º 302/2002, são os mesmos que são objeto do legado testamentário deixado por o nela Autor e reconvindo, E. G., às aqui Rés-reconvintes e a que, consequentemente, se referem aqueles pedidos reconvencionais (alínea M da matéria apurada).

Nos presentes autos, em sede de reconvenção, as Rés-reconvintes formulam os seguintes pedidos reconvencionais:

c- se condene os Autores a reconhecer que as Rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade MS e ¼ indivisos para a Associação X) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao Professor E. G., que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião;
e- se condene os Autores a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial”

Para fundamentar estes pedidos, as Rés-reconvintes alegam a aquisição derivada pelo testador E. G. de 3/8 indivisos sobre aqueles prédios, por partilha efetuada por óbito dos pais deste, M. O. e marido, A. J., por inventário orfanológico a que se procedeu por óbito destes (cfr. art. 36º da contestação-reconvenção) e a aquisição originária desses prédios por parte daquele testador, mediante o funcionamento do instituto da usucapião (arts. 37º a 49º desse mesmo articulado), sustentando que em 03/11/1986, E. G. inverteu o título de posse sobre esses prédios, pelo que quando os Autores reconvindos adquiriram a propriedade sobre os mesmos mediante as escrituras que identificam na petição inicial, os aí vendedores já não eram proprietários dos identificados prédios.

Acontece que suscitada pelo próprio E. G. nos autos de ação n.º 302/2002, da 2ª Vara Mista de Guimarães, a questão da propriedade sobre esses prédios, o qual, inicialmente, se arrogava proprietário apenas de uma quota indivisa de 3/8 sobre esses prédios, sendo os outros 2/8 indivisos propriedade de R. G., e os restantes 3/8 indivisos propriedade de Judite, e que, inclusivamente, em sede de réplica, veio alterar esse pedido e causa de pedir iniciais, arrogando-se, juntamente com M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, proprietário, na proporção de 3/8 indivisos sobre os mesmos, e em regime de comunhão hereditária, por heranças abertas por morte de Augusta, Eurico e Eugénio, por ter adquirido, juntamente com aqueles indivíduos, o enunciado direito indiviso sobre os enunciados prédios, por partilha e usucapião, veio a ser definitivamente decidido, por sentença proferida em 13/11/2004, transitada em julgado, que E. G., M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, apenas são proprietários do direito de 3/8 dos enunciados prédios, em regime de comunhão hereditária por herança abertas por óbito de Augusta, Eurico e Eugénio, sendo os restantes 3/8 propriedade dos indivíduos identificados nessa sentença, a fls. 174 verso.

Resulta do que se vem dizendo que não obstante entre os pedidos reconvencionais formulados sob as alíneas c) e e) e a respetiva causa de pedir não exista total coincidência de pedido e de causa de pedir com aquela outra ação, o objeto desses pedidos reconvencionais já está contido naquela ação n.º 302/2002, onde E. G. também alegou a aquisição derivada, por partilha, e por usucapião, como modo de aquisição daqueles direitos indivisos pelo próprio e pelos demais titulares dos direitos que aí identifica e nela já se encontra definido, por sentença transitada em julgado, no sentido de que E. G. não é proprietário pleno dos identificados prédios, mas apenas de uma quota-parte destes, pelo que não pode essa questão ser novamente discutida nos presentes autos, sob pena de se postergar a autoridade do caso julgado ou, na perspetiva de Domingues Andrade, a exceção do caso julgado (24).

É que não obstante a causa de pedir, por força do pedido da substanciação que anima o processo civil nacional em sede de ações reais (art. 581º, n.º4 do CPC), seja o facto jurídico concreto de que derivada o direito, estando, consequentemente, o autor dessas ações reais obrigado a alegar o facto concreto de onde deriva o direito de propriedade (a compra, a doação ou a deixa testamentária, associadas à titularidade do direito do transmitente, ou a ocupação, a acessão, a usucapião, etc.) que serve de base ao pedido, não o impedindo que instaure nova ação real com fundamento noutro título de aquisição do direito real, não invocado na anterior ação julgada e decidida por sentença transitada em julgado (25), é apodíctico que a causa de pedir que vem invocada nestes autos pelas reconvintes-apeladas para suportar os pedidos reconvencionais deduzidos na als. c) e e), qual seja, a aquisição derivada de 3/8 desses prédios, e a aquisição originária da propriedade plena sobre esses prédios por parte do testador, já está contida pela causa de pedir invocada pelo próprio testador naquela ação n.º 302/2002 e aí discutida e decidida, sendo, de resto incompatível, a causa de pedir invocada nestes autos pelas reconvintes com aquela que foi alegada pelo testador nessa ação n.º 302/2002.

Ora, tendo naquela ação n.º 302/2002, sido conhecido dessa causa de pedir (aquisição derivada e por usucapião do direito de propriedade de que E. G. se arrogava proprietário sobre os identificados prédios) e tendo a sentença proferida nesses autos apreciado esse objeto (causa de pedir) e decidido que o mesmo era apenas titular de uma quota-parte (3/8 indivisos) do direito de propriedade sobre os referidos prédios, juntamente com outros herdeiros de Augusta, Eurico e Eugénio, sendo os restantes 3/8 indivisos propriedade de Judite, Maria, João e M. N.s, em regime de comunhão hereditária por heranças abertas por morte de A. J. e G. G., não pode o tribunal reapreciar essas causas de pedir, conforme indiscutivelmente pretendem as apeladas reconvintes que aconteça ao deduzirem os pedidos reconvencionais que formulam sob as enunciadas alíneas c) e e) da reconvenção, sob pena de, na perspetiva de Manuel Andrade, se violar o caso julgado operado por aquela ação n.º 302/2002.

Noutra perspetiva, que é a que perfilhamos, ainda que se sufrague o entendimento que não existe identidade de causas de pedir entre a ação n.º 302/2002 e a causa de pedir em que as apeladas estribam aqueles pedidos reconvencionais deduzidos sob as enunciadas alíneas c) e e), é indiscutível que dependendo a apreciação da causa de pedir invocada pelas últimas para ancorar esses pedidos nos presentes autos da causa de pedir invocada por E. G. naquela ação n.º 302/2002, em que se arrogava (e viu definitivamente reconhecido, por sentença transitada em julgado), juntamente com M. F., Rui, E. G., Fernanda e Alexandre, proprietário, na proporção de 3/8 sobre os mesmos, e em regime de comunhão hereditária, por heranças abertas por morte de Augusta, Eurico e Eugénio, por ter adquirido, juntamente com aqueles indivíduos, o enunciado direito indiviso sobre os enunciados prédios, por partilha e usucapião, como verdadeira causa prejudicial da relação material controvertida no pedido reconvencional formulado nestes autos sob as alíneas c) e e), tanto mais que entre o assim decidido nessa ação n.º 302/2002 e a dedução dos referidos pedidos reconvencionais não decorreu o prazo necessário à aquisição por E. G. e as respetivas sucessoras, aqui reconvintes e apeladas, do direito de propriedade pleno sobre aqueles prédios, por via originária, sempre se impunha concluir que a dedução pelas reconvintes e apeladas do pedido reconvencional formulado sob as referidas alíneas c) e e) da reconvenção posterga o caso julgado operado pelo trânsito em julgado da sentença proferida nos autos n.º 302/2002, na sua dimensão positiva de autoridade de caso julgado, posto que destruiria os pressupostos em que essa outra decisão se ancorou.

Aqui chegados, quer se enquadre a situação em análise na sua dimensão negativa da exceção do caso julgado, quer na sua dimensão positiva, de violação de autoridade do caso julgado, é apodítico que os pedidos reconvencionais deduzidos pelas reconvintes-apeladas sob a alínea c) da reconvenção, em que pedem a condenação dos Autores a reconhecerem que as Rés são donas e possuidoras nas proporções indicadas (3/4 indivisos para a Sociedade MS e ¼ indiviso para a Associação X) dos prédios supra referidos, que pertenceram em propriedade exclusiva ao Professor E. G., que como tais os adquiriu por aquisição derivada e por usucapião e, bem assim sob a alínea e) em que pedem a condenação dos Autores a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos pretensos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial, postergam o decidido na sentença, transitada em julgado, proferida nos autos de ação n.º 302/2002, da extinta 2ª Vara Mista de Guimarães, o que, nos termos do disposto nos arts. 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, al. f), 580º e 581º do CPC, configura exceção dilatória, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da reconvenção quanto a esses concretos pedidos e dá lugar à absolvição da instância reconvencional dos apelantes-reconvintes quanto aos mesmos.

Termos em que, na procedência dos fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes-reconvindos, impõe-se absolver os mesmos da instância reconvencional quanto aos pedidos reconvencionais formulados pelas apeladas-reconvintes sob as alíneas c) e e) da reconvenção.

B.2.4.2- Da exceção do caso julgado quanto ao pedido reconvencional formulado sob a alínea d).

Sustentam os apelantes que a decisão recorrida padece de erro de direito ao não ter julgado procedente a exceção do caso julgado em relação ao pedido reconvencional formulados pelas Rés-reconvintes sob a alínea d) da reconvenção, mas, antecipe-se desde já, sem manifesta razão.

Vejamos.

Na enunciada alínea d) da reconvenção as Rés-reconvintes pedem que se condene os Autores-reconvindos a: “d- reconhecerem que não adquiriram, nem podiam adquirir os prédios reivindicados, nem pagaram qualquer preço por qualquer deles ou por qualquer das suas frações”.

Como referido, os pedidos formulados pelos Autores fundam-se na aquisição do direito de propriedade sobre os prédios que identificam no artigo 1º da petição inicial, por os terem adquirido, por via derivada, sendo:

- 3/8 indivisos sobre esses prédios adquiridos a E. G., por escritura pública de compra e venda de 27/12/2010;
- 3/8 indivisos sobre os mesmos a Maria, Ricardo, M. N., João e E. G., por os terem adquirido por escritura de compra e venda de 27/12/2010; e
- 2/8 indivisos sobre esses prédios, por os terem adquirido a R. G., por escritura pública de 29/07/1993 (cfr. arts. 3º a 8º da p.i.), e por aquisição derivada, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.

A esses pedidos dos Autores, as Rés opuseram a exceção da nulidade dos negócios explanados nessas escrituras públicas, alegando tratar-se de negócios nulos, por simulados, e deduziram o enunciado pedido reconvencional sob a al. d).
Nos autos que correram termos sob o n.º 302/2002, da extinta 2ª Vara Mista de Guimarães, intentada pelo testador E. G., os aqui Autores, ali Réus, deduziram reconvenção em que já alegam a celebração da escritura pública outorgada em 29/07/1993, mediante a qual adquiriram a propriedade sobre 2/8 indivisos desses prédios a R. G..
Ao ser notificado daquela contestação-reconvenção apresentada no âmbito da ação n.º 302/2002, é indiscutível que o ali Autor-reconvindo, o testador E. G., ficou conhecedor da existência da celebração deste concreto negócio jurídico outorgado em 29/07/1993 entre Autores e R. G..

Consequentemente, nos termos do disposto no art. 573º, n.º 2 do CPC, o testador e ali Autor-reconvindo, E. G., encontrava-se obrigado a invocar, nessa ação n.º 302/2002, a exceção da nulidade desse negócio, com fundamento em simulação, sob pena de se precludir o seu direito a invocá-la posteriormente.

Tal significa que independentemente de E. G. ter ou não invocado no âmbito da ação n.º 302/2002, a exceção da nulidade, por simulação, da escritura pública outorgada em 29/07/1993, entre os aqui Autores/apelantes e R. G., mediante a qual o último declarou vender aos primeiros 2/8 indivisos daqueles prédios, nos termos do disposto no art. 573º, n.º 2 do CPC, encontra-se precludido o direito das aqui apeladas-reconvintes a arguirem essa exceção, pelo que bem andou o tribunal a quo ao julgar procedente a exceção dilatória do caso julgado quanto ao enunciado pedido reconvencional formulado sob a alínea d), na parte em que se refere ao contrato de compra e venda formalizado por escritura pública de 29/07/1993.

De resto, como bem se pondera na decisão recorrida, a questão da simulação do contrato de compra e venda celebrado entre R. G. e os aqui Autores por escritura outorgada em 29/07/1993, foi apreciada e decidida naqueles autos de ação n.º 302/2002, onde se concluiu pela improcedência dessa exceção.

Deste modo, nenhuma crítica nos merece a decisão recorrida quando conclui que a autoridade do caso julgado operado pela decisão definitiva proferida nos autos de ação n.º 302/2002, impede que se torne a reapreciar essa exceção no âmbito dos presentes autos e, consequentemente, julgou procedente a exceção do caso julgado em relação ao pedido reconvencional formulado pelas Rés-reconvintes sob a alínea d) na parte em que se refere ao contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 29/07/1993.

Do mesmo modo, é de subscrever integralmente a decisão recorrida quando conclui pela improcedência dessa exceção dilatória quanto às compras e vendas que os apelantes alegam terem celebrado através das duas escritura públicas outorgadas em 27/12/2010, mediante os quais terão adquirido 3/8 indivisos sobre os referidos prédios a E. G. e outros 3/8 indivisos a Maria e outros, já atrás identificados.

É que tendo estas duas escrituras sido celebradas em data posterior ao encerramento da discussão da audiência final que teve lugar no âmbito da ação n.º 302/2002, na esteira do que já anteriormente se explanou, trata-se de factos novos, não abrangidos pelo princípio da preclusão a que se reporta o n.º 2 do art. 573º do CPC, em relação aos quais, por razões óbvias, E. G. não teve oportunidade de se defender no âmbito dessa ação n.º 302/2002, pelo que o caso julgado operado pela sentença proferida nessa ação não abrange estes factos novos, ocorridos em momento ulterior.

Resulta do que se vem dizendo que nenhuma crítica nos merece a decisão recorrida quando nela se conclui pela improcedência da exceção dilatória do caso julgado suscitada pelos apelantes quanto ao pedido reconvencional formulado pelas apeladas sob a alínea d) em relação às compras e vendas outorgadas por escrituras públicas de 27 de dezembro de 2010, concluindo apenas pela procedência dessa exceção, em relação a esse pedido d) na parte em que se refere ao contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 29 de julho de 1993.

Termos em que na improcedência deste fundamento de recurso, confirma-se a decisão recorrida quando, em relação ao pedido reconvencional formulado sob a alínea d) da reconvenção, julgou parcialmente procedente a invocada exceção do caso julgado e absolveu os Autores-reconvindos da instância reconvencional apenas na parte em que se refere ao contrato de compra e venda formalizado pela escritura pública de 29 de julho de 1993, julgando improcedente essa exceção quanto a esse pedido em relação aos contratos de compra e venda formalizados por escrituras públicas de 27 de dezembro de 2010.

B.3- Da exceção da caducidade do direito dos Autores a requerer a anulabilidade das disposições testamentárias de E. G..

Na decisão recorrida julgou-se procedente a exceção da caducidade do direito dos apelantes a requerer a anulação do testamento outorgado por E. G. a 26 de junho de 2005, e absolveu-se as Rés desse pedido, ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de declaração da nulidade desse testamento.
Insurgem-se os apelantes contra o assim decidido, sustentando que as disposições testamentárias ainda não se encontram integralmente cumpridas, pelo que a anulabilidade desse testamento pode ser arguida a todo o tempo, nos termos do n.º 2 do art. 287º do CC.

Está em causa o testamento outorgado em 29/06/2005, em que E. G. legou às Rés Sociedade MS e Associação X, respetivamente, ¾ indivisos para a primeira e ¼ indiviso para a segunda dos prédios de que os apelantes se arrogam proprietários.

Esses legados foram efetuados pelo testador com o encargo da Sociedade MS suportar as custas judiciais e demais encargos do processo n.º 302/2002, que então se encontrava em curso, e de recorrer de qualquer sentença eventualmente desfavorável que viesse a ser proferida nessa ação e, bem assim de administrar o fundo que o testador instituiu a favor das suas bisnetas, Vanessa e Lúcia, e dos seus netos, M. F. e E. G., nos termos fixados no testamento de fls. 142 a 144.

Mais impôs aquele testador às duas legatárias a obrigação de nunca transmitirem aqueles prédios que lhes legou aos apelantes, sequer aos respetivos herdeiros.

Os apelantes instauraram a presente ação, requerendo, além do mais, que se julgue nulo ou anulados e de nenhum efeito as disposições constantes daquele testamento, no que respeita aos legados instituídos a favor das Rés da totalidade daqueles prédios, com fundamento em tratar-se de liberalidades a non domino e de bens alheios e, bem assim da disposição que proíbe a transmissão desses prédios aos apelantes e respetivos familiares ser nula, por cercear a liberdade das legatárias.

As Rés-apeladas invocaram a exceção do direito dos apelantes a invocarem a anulação daquele testamento ou de qualquer uma das suas disposições testamentárias com fundamento nas razões aduzidas pelos apelantes.

Estabelece o art. 2308º, n.º 2 do CC, que sendo anulável o testamento ou a disposição, a ação caduca ao fim de dois anos a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa de anulabilidade.

Esse prazo de caducidade encontra-se sujeito à regra do n.º 2 do art. 287º do CC, da qual resulta que a anulabilidade pode ser arguida a todo o tempo, enquanto o negócio testamentário não estiver cumprido, isto é, enquanto o contemplado não exigir a sucessão.

É que como faz notar Oliveira Ascensão, a caducidade das ações de invalidação só têm sentido se as disposições testamentárias estiverem cumpridas (26).

No caso, conforme se escreve na decisão recorrida, são os próprios apelantes que no art. 14º da petição inicial alegam terem tomado conhecimento do testamento outorgado por E. G. a favor das apeladas há cerca de três anos por referência à data em que instauraram a presente ação e em que, consequentemente, tomaram conhecimento das pretensas causas de anulabilidade que afetam esse testamento e com fundamento nas quais pretendem que seja declarada a respetiva anulabilidade.

Por outro lado, é extensivo aos legados, no que lhes for aplicável, e com as necessárias adaptações, o disposto sobre a aceitação e repúdio da herança (art. 2249º do CC).

A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita (art. 2056º, n.º 1), sendo expressa quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir (n.º 2 do art. 2056º) e é tácita quando aquele pratica algum facto de que necessariamente se deduz a sua intenção de a aceitar, ou de tal natureza, que ele não poderia praticá-lo senão na qualidade de herdeiro (27).

Por último, o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material (n.º 1 do art. 2050º), retrotraindo-se os efeitos da aceitação ao momento da abertura da sucessão (n.º 2 do mesmo normativo).

Resulta dos normativos acabados de transcrever que o direito de aceitação dos legados instituídos a favor das apeladas configura um direito potestativo destas, que as mesmas podem exercer ou não, aceitando ou repudiando os legados instituídos a seu favor por E. G..
Essa aceitação pode ser expressa ou tácita e caso as apeladas optem pela aceitação adquirem os imóveis que lhes foram legados pela aceitação, independentemente da sua posse efetiva.

Os encargos impostos pelo testador à apelada Sociedade MS de suportar as custas judiciais e demais encargos com o processo n.º 302/2002 e de recorrer de qualquer sentença eventualmente desfavorável proferida nesses autos e, bem assim de administrar o fundo que instituiu a favor das suas bisnetas e netos, bem como o encargo que impôs a ambas as sociedades apeladas, proibindo-as de nunca venderem ou transmitirem esses prédios aos apelantes ao respetivos familiares, têm natureza modal e insere-se no art. 2244º do CC., no qual se dispõe que tanto a instituição de herdeiro como a nomeação de legatário podem ser sujeitas a encargos.

Na verdade, ao impor aqueles encargos às apeladas o testador E. G. sujeitou a liberalidade que lhes fez à obrigação daquelas de adotarem as enunciadas condutas, traduzidas no cumprimento de tais encargos, os quais produzem os seus efeitos, mal as apelantes aceitassem os legados, sem que, consequentemente, esses legados que lhes fez ficassem condicionados ao cumprimento desse encargos por parte das apeladas, sequer sem que o incumprimento dos mesmos por parte destas tenham a virtualidade de operar a resolução automática dos legados que lhes fez (28).

De resto, conforme realça Mota Pinto, na dúvida sobre se os encargos impostos pelo testador devem ser qualificados como condição ou como modo, “em nome do princípio da conservação dos negócios jurídicos é sustentada pela doutrina a solução, segundo a qual, em caso de dúvida, a estipulação deve ser qualificada antes como modo do que como condição” (29).

A aceitação dos legados que lhes foram feitas pelo testador Manuel G., aceitação essa, reafirma-se, que pode ser expressa ou tácita, para além de importar que as apeladas entrem no domínio e posse dos bens legados, independentemente da apreensão material dos mesmos (art. 2050º), importa igualmente a assunção dos encargos impostos pelo testador às apeladas nos termos consignados nas enunciadas cláusulas modais (30).

Resulta do que se vem dizendo que caso as apeladas tenham aceitado o legado testamentário mediante o qual o testador E. G., lhes legou os prédios de que os apelantes se arrogam proprietários, essa aceitação implica automaticamente a aceitação por parte daquelas apeladas dos encargos testamentários impostos pelo testador, os quais, atento o seu caráter modal, porque em nada contendem com o domínio e posse daquelas apeladas sobre os bens que lhes foram legados, não condicionando a transmissão desse domínio e posse para as apeladas, impera concluir que os legados estão cumpridos.

Ora, conforme alegam os próprios apelantes, no art. 24º da petição inicial, “as Rés não repudiaram os legados, e aliás, já os aceitarem por documentos escritos, que produziram”.

Deste modo, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, são os próprios a sustentar que as apeladas aceitarem os legados testamentários que lhes foram feitos pelo testador E. G. e, por conseguinte, afastam a tese que ora sustentam em sede de recurso, onde pretendem que as disposições testamentárias não se encontram cumpridas e que, nos termos do n.º 2 do art. 287º do CC., podiam invocar a anulabilidade daqueles disposições testamentários a todo o tempo.

Consequentemente, perante os fundamentos fácticos e jurídicos que se acabam de explanar, em que são as próprias apelantes a alegar terem tomado conhecimento do testamento há cerca de três anos e que os legados instituídos pelo testador E. G. foram aceites pelas Rés, encontrando-se, consequentemente, aquele negócio cumprido, outra solução não restava ao tribunal a quo que não fosse declarar extinto, por caducidade, o direito dos apelantes em obterem a declaração da anulação das disposições constantes desse testamento outorgado em 26 de junho de 2005, absolvendo as apeladas desse pedido e ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido de declaração da nulidades do mesmo.

Termos em que na improcedência dos fundamentos de recurso, improcede a apelação nesta parte, impondo-se confirmar a sentença recorrida quando julgou procedente a invocada caducidade e, em consequência, absolveu as Rés do pedido de anulação das disposições constantes do testamento outorgado por E. G. em 26 de junho de 2005, prosseguindo os autos para apreciação do pedido de declaração de nulidades das mesmas.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em que nela não se julgou procedente a exceção dilatória do caso julgado em relação ao pedido reconvencional deduzido na alínea c) e apenas se julgou parcialmente procedente essa exceção quanto ao pedido reconvencional deduzido sob a alínea e) e, substituem essa decisão nos seguintes termos:

- julgam procedente a exceção do caso julgado quanto aos pedidos reconvencionais formulados sob as enunciadas alíneas c) e e) e, em consequência, absolvem os apelantes, António e mulher, Ana, dos pedidos reconvencionais deduzidos pelas apeladas-reconvintes, Sociedade MS e Associação X sob:

a- a alínea c) da reconvenção, em que estas pedem a condenação daqueles a reconhecerem-nos “como donas e possuidores nas proporções de ¾ indivisos para a Sociedade MS e ¼ indivisos para a Associação X dos prédios” identificados no art. 1º da petição inicial, por alegadamente terem pertencido em propriedade exclusiva ao Professor E. G., por os ter adquirido por aquisição derivada e por usucapião; e sob
b- a alínea e) da reconvenção, em que estas pedem a condenação daqueles a reconhecerem que esses prédios já não pertenciam aos alienantes, na data das respetivas escrituras referidas na petição inicial;
- no mais, confirmam a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 75% (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC), não se condenando as apeladas em custas na proporção do seu depoimento dada a isenção de que beneficiam (art. 4º, n.º 1, al. f) do RCP).
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Guimarães, 28 de junho de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha


1. Neste sentido, Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro/2014, Ediforum, págs. 10 e 11, nota 2 ao art. 5º da Lei n.º 2013.
2. Neste sentido Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs.322 e 325; Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º; Coimbra Editora, 1946, págs. 96 e 97, onde escreve que na reconvenção há “… uma modificação no objeto da ação. Esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa a ter também por objeto um pedido formulado pelo réu. Não se dá, neste caso, modificação ao pedido do autor; o que sucede é que ao pedido enunciado por este acresce um pedido da iniciativa do réu. No fundo, há um cruzamento de ações: com a ação proposta pelo autos contra o réu cruza-se uma outra proposta por este contra aquele. É realmente este o verdadeiro significado da reconvenção: ação proposta pelo réu contra o autor, a qual se enxerta na que o autor propusera contra o réu”. Ainda Manuel Andrade,.. “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 146: “A reconvenção tem lugar quando o Réu formula contra o Autor qualquer pedido que não seja pura consequência da sua defesa, nada acrescentando à matéria desta última: um pedido substancial, portanto, e não apenas formal; um pedido que não seja como que o reverso do já formulado pelo Autor (…). Na reconvenção, portanto, o Réu não se limita a sustentar o mal fundado da pretensão do Autor, pedindo que isso mesmo seja reconhecido na decisão final, mas deduz contra o Autor uma pretensão autónoma (hoc sensu). Trata-se duma espécie de contra-ação (…), passando a haver no processo um cruzamento de ações”.
3. Acs. STJ. de 5/03/1996, BMJ. 455º, pág. 399; RP. de 25/06/2007, Proc. 0752896; 05/07/2011, Proc. 7830/10.3TBVNG-A.P1; 27/07/2011, Proc. 3324/10.5TBSTS-E.P1; RL. de 02/04/2009, Proc. 9303/08-2, in base de dados da DGSI.
4. Rodrigo Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 3ª ed., pág. 32.
5. Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 98 a 102.
6. Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 103 e 104.
7. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, Coimbra Editora, pág. 488.
8. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 489.
9. Ac. RC. de 29/11/2011, CJ, 2011, t. 5º, pág. 305.
10. Ac. STJ. de 28/11/2013, Proc. 106/11.0TBCPV.P1.S1, relatado por Serra Baptista, in base de dados da DGSI.
11. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 304.
12. Manuel Andrade, ob. cit., pág. 305.
13. Manuel de Andrade, ob. cit., págs. 333 a 336; Antunes Varela, Miguel Bezerra a Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª ed., pág.712; Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, 3º vol., 1980, págs. 282 e 283; Acs. STJ. 01/06/2010, Proc. n.º 556/06.4TBRMR-B.L1.S1; de 28/11/2013, Proc. 106/11.0TBCPV.P1.S1, ambos in base de dados da DGSI.
14. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2º ed., 1997, Lex, págs. 578 e 578.
15. Vaz Serra, in “RLJ, ano 110º, pág. 232; Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, III, págs. 200 a 201; Acs. STJ. 15/01/2013, Proc. 816/09.2TBAGD.C1.S1, R.G. 21/05/2013, Proc. 1152/10.7TBVVD.G1, ambos in base de dados da DGSI.
16. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., págs.721 a 724; Manuel Andrade, ob. cit., págs. 309 a 311.
17. Manuel Andrade, ob. cit., págs. 312 a 315; Antunes Varela, in ob. cit., págs. 724 a 729.
18. Miguel Teixeira de Sousa, “O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ, 325, págs.49 e segs..
19. Ac. STJ, de 21/03/2012, Proc. n.º 3210/07.6TCLRS.L1, S1, in base de dados de dados da DGSI. No mesmo sentido Acs. STJ. de 13/12/2007, Proc. 07A3739; 15/01/2013, Proc. 816/09.2TBAGD.C1.S1, base de dados DGSI.
20. Miguel Teixeira de Sousa, in ob. cit., págs. 578 e 579.
21. Manuel Andrade, in ob. cit., pág. 324; Ac. STJ. de 08/04/2010, Proc. 2294/06.9TVPRT.S1, in base de dados da DGSI.
22. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 584.
23. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 354.
24. Domingues de Andrade, ob. cit., pág. 320, onde sustenta que com a tríplice identidade, “o que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença”.
25. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 711.
26. Oliveira de Ascensão, in “Direito das Sucessões”, pág. 335. No mesmo sentido, Ac. RP. de 21/09/2004, Proc. 04314100, in base de dados da DGSI.
27. Lopes Cardoso, in “Partilhas Judiciais”, 4ª ed., Coimbra Editora, vol. I, pág.17, nota 35.
28. Sobre a distinção entre condição e modo, vide Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 579 a 581. No mesmo sentido Vaz Serra, in RLJ, 112º, pág. 75, onde se lê: “se a condição é suspensiva ela não obriga e o negócio só produz os seus efeitos com a verificação da condição, enquanto o modo produz desde logo e obriga; se a condição é resolutiva e se se verifica, os efeitos do negócio são, ipso iure, retrotativamente suprimidos, seja entre as partes, seja em relação a terceiros, enquanto o não cumprimento do modo apenas autoriza o disponente – ou quem lhe suceda – a fazer cessar os efeitos do negócio para o futuro”.
29. Mota Pinto, ob. cit., pág. 381.
30. Mota Ponto, ob. cit., pág. 583.