Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
136/12.5TABCL.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: DIFAMAÇÃO
TEXTO DE OPINIÃO
LIBERDADE DE IMPRENSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – O direito à opinião goza de proteção independentemente da sua expressão ser valiosa ou sem interesse, certa ou errada, fundada ou sem fundamento, emocional ou racional.
II - Não integra o cometimento do crime de difamação a publicação dum escrito num jornal, em resposta a textos anteriores do assistente, publicados noutro jornal, no qual o arguido, referindo-se ao assistente, usou as expressões “do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”; “não é por se ter uma cabeça grande que se tem uma grande cabeça”, “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e frustrações”; “é a cretinice”; “a pobreza mental”.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
LUÍS C... veio interpor recurso da sentença que pela prática de um crime de difamação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 181º, nº1, 183º, nº2, do CP, 30º e 31º, nº1, da Lei 2/99, de 13.01, o condenou na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €8,50, no total de €1.530,00, e no pagamento ao assistente-demandante José Augusto dos S... Pereira Alves da indemnização de €1.000,00, acrescida de juros.
O arguido expressa as seguintes conclusões:
1- Deve ser modificada a factualidade assente na fundamentação de facto, decidindo-se por não provados os factos constantes dos itens h), i) e l) modificando, assim, a decisão sobre a matéria de facto.
2- Isto é, em face da decisão de não provado, quanto a tais itens, devia a douta sentença recorrida ter sido no sentido de que os factos de que o arguido vinha acusado não integram o tipo legal de crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º, n.º 1, 183º, nºs 1, al. a) e 2, ambos do CP e 30º e 31º, n.º1 da Lei de Imprensa, absolvendo-o da prática em autoria material, do crime e, ainda, absolvendo-o do pedido de indemnização cível formulado.
3- Tal modificação terá em conta as seguintes provas:
a) depoimento do arguido,
- depoimento do assistente,
- depoimento das testemunhas Zita F..., Mário L... e João L... – quanto a estas constam dos autos os depoimentos registados nas gravações em suporte digital, devidamente assinalados no lugar próprio
e os documentos juntos aos autos, a saber:
b) texto da autoria do arguido, ora em apreço publicado no “Jornal de B...” e
- doc.s n.ºs 1 a 15 juntos com a contestação do arguido á acusação particular.
4- Este conjunto de provas deve ser conjugado com a factualidade inserta nos itens m), e) e j) da factualidade assente constante da sentença recorrida.
5- O artigo publicado no “B... Popular” da autoria do assistente “Já chegamos á Madeira?” foi o facto provocador da reacção do arguido.
6- A reapreciação pelo Ex.mo Tribunal da Relação não pode cingir-se a um mero controle formal da motivação da decisão da 1ª instância, incumbindo-lhe também ponderar e valorar toda a prova produzida no processo em termos de formar a sua própria convicção.
7- Dispõe o artigo 180º, n.º1 do CP que incorre na prática do crime nele previsto, “quem, perante terceiros, imputar a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal afirmação ou juízo”.
8- “A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale. A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público” – Prof. Beleza S..., RLJ, n.º3152.
9- As expressões “do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”, “não é por se ter uma cabeça grande, que se tem uma grande cabeça”, “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e de frustrações”, “é a cretinice” e a “pobreza mental” não são aptas a produzir um efeito de ofensa na honra e consideração, pessoal e profissional do assistente.
10- Deve distinguir-se com precisão entre «factos» e «juízos de valor». Se a materialidade dos primeiros pode ser provada, os segundos não podem em nenhum caso prestar-se a uma demonstração da sua exactidão.
11- A exigência da prova da verdade das imputações, como causa da não punibilidade da conduta (cfr. art. 180 nº 2 al. b) do nosso Cod. Penal), conclui que “é evidente que para os juízos de valor esta exigência é irrealizável e, em consequência, atentatória da liberdade de expressão, elemento fundamental do direito garantido no artigo 10 da Convenção”
12- No caso ora em apreço, estamos perante juízos de valor indemonstráveis;
13- Tem sido dominante o entendimento da Jurisprudência de que “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros”.
14- “A liberdade de expressão é aplicável «não só a “informações” ou “ideias” que são recebidas favoravelmente ou vistas como inofensivas ou como um assunto indiferente, mas também àquelas que ofendem, chocam ou perturbam” – Teixeira da Mota, O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão – os casos portugueses, pags. 21 e ss.”
15- No confronto entre direitos constitucionalmente consagrados - o direito à liberdade de expressão e a defesa do bom nome - tem de definir-se em concreto, a medida do absoluto de cada um e a relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos.
16- O artigo 180º, n.º2 do CP enuncia causas de exclusão da punibilidade, que surgem como autênticas causas de justificação especial.
17- Uma dessas situações é sem dúvida a liberdade de expressão e de informação, que tem a sua consagração no artigo 37.º da Constituição.
18- E complementando esse direito constitucional surge o artigo 38.º da Constituição, que estabelece a liberdade de imprensa.
19- “Tais ingerências na liberdade de expressão devem ser “proporcionais aos fins legítimos perseguidos”, havendo até uma maior margem de crítica quando se tratam de figuras públicas.
20-Actualmente, “figura pública”, “personalidade pública” é todo aquele que de alguma forma tem visibilidade pública e é conhecido da generalidade de uma população, seja ela de dimensão local, regional ou nacional
21- O Assistente, conforme factualidade assente no item e) é pessoa conhecida na cidade de B..., por ser director do jornal “B... Popular”, periódico de maior tiragem no concelho e tem divulgação, pelo menos, regional e é exibido á venda em várias bancas e locais (item j).
22- Pelo que, sendo personalidade pública – pessoa conhecida do público – tem sobre si uma maior carga de crítica, estando mais exposto á mesma e a uma maior contundência e agressividade quando lhe é dirigida,
23- Há, no caso concreto, um confronto de interesses entre a liberdade de expressão e o direito á honra e consideração.
24- A crónica do arguido é toda ela direccionada para o texto escrito na semana anterior pelo Assistente.
25- O arguido não visou e não quis atingir o assistente, na sua honra e consideração e não o fez
26 – A conduta do arguido não é apta a atingir a honra, que essencialmente são os valores morais – o núcleo duro da honra,
27- E não causou alarido em terceiros e, por isso, não atingiu a consideração do assistente (n.º 3 da factualidade não demonstrada).
28- O conceito de ofensa não pode ser um conceito puramente subjectivo, isto é, não basta que alguém se considere difamado ou injuriado para que a ofensa exista.
29- Determinar se uma expressão é ou não injuriosa é uma questão que tem que ser aferida em função do contexto em que foi proferida bem como do meio social a que pertencem ofendido e arguido, a relação existente entre estes, os valores do meio social em que ambos se inserem, entre outros.
30- No caso concreto, o texto do Assistente faz uma conotação directa entre o Jornal da M..., integralmente subsidiado pelo poder regional e o “Jornal de B...”, o que magoou e ofendeu o arguido.
31- Há uma relação de conflitualidade e animosidade entre assistente e arguido há cerca de 12 anos;
32- Entre ambos estabeleceu-se durante cerca de 20 anos uma relação de amizade, tendo ambos colaborado com texto jornalísticos ou com crónicas no jornal “B... Popular”, onde se praticava um jornalismo livre;
32- O arguido saiu do “B... Popular” em conflito com o Assistente;
34- O arguido escreve semanalmente no “Jornal de B...”, sendo Presidente do Conselho de Administração da sociedade detentora do mesmo.
35- Há vários anos que arguido e assistente trocam referências mútuas nos respectivos jornais onde escrevem.
36- É conhecido o estilo de escrita do arguido, de que o texto em causa é exemplo.
37- São ambos conhecidos na cidade de B..., onde vivem e fazem a sua vida quotidiana.
38- Confrontado com o texto do arguido, no geral do mesmo e das expressões nele utilizadas, o assistente deixa claro que não considera – na sua maioria – as mesmas ofensivas, atentas as respostas dadas ás perguntas formuladas pelo Tribunal “a quo”.
39- Para o caso de assim não ser entendido e vir a considerar-se preenchido o tipo legal de crime de difamação, entende o arguido ser de lhe aplicar o preceituado no n.º2 do artigo 186º do CP;
40- E, assim, o Tribunal decidir dispensar de pena o agente, dada a ofensa ter sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do assistente,
41- Tal normativo é aplicável quer á situação de imputação de factos, quer á de formulação de juízos.
42- A indemnização deve, em qualquer das decisões possíveis, ser reduzida ao montante de €500,00.
43- Foi violado o disposto nos artigos 180º, n.ºs, 183º, n,ºs1, al a) e 2 e 186º, n.º2, todos do Código Penal, 30º e 31º, n.º1 da Lei de Imprensa, 483º do CC e artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa.
O Ministério Público respondeu, defendendo que a sentença deve ser mantida.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da declaração de nulidade da sentença, por “insuficiente fundamentação” no que tange a “um pertinente e completo exame crítico das provas produzidas em audiência”.

II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
As razões da discordância alvitrada reconduzem-se a:
1ª) impugnação da matéria de facto;
2ª) refutação do enquadramento jurídico;
3ª) aplicação do disposto no artº 186º, nº2, do CP;
4ª) pedido de indemnização civil.

2. A SENTENÇA RECORRIDA.
Encontra-se provada a seguinte factualidade:
a) Na edição de 3 de Agosto de 2011, nº 31 – Ano LXI. III Série, do jornal semanário Jornal de B..., foi publicado, na última página, reservada à rubrica “Opinião – Sinais dos Tempos”, um escrito, da autoria do arguido, subordinado ao título “O “Mau” Feitio do sr. S…”.---
b) Do texto do artigo reportado em a) foi feito constar que:---
“Meus amigos, confesso-me um cronista com sorte. De que talvez não possam desfrutar os meus leitores, já que, o que vão ler, não será propriamente uma crónica. Passo a explicar. Desesperava eu por um tema que me permitisse preencher esta página quinzenal, quando me fizeram chegar à mão um texto da autoria de José S..., director do B... Popular, em que, servindo-se do que ouvira numa conversa privada, resolveu comentar publicamente o processo de constituição da sociedade detentora do Jornal de B.... Babando-se de gozo e assumindo galhardamente o seu “mau feitio”, escreveu o sr. S... um texto intitulado “Já Chegamos à Madeira?”, esquecendo-se de colocar o verbo no pretérito, coisa de somenos para quem, ainda há bem pouco tempo, reprovara num exame de português para maiores de 23 anos! Mas, adiante …
O texto em causa não passa de um mero pretexto. Rabo escondido com gato de fora. De que se serve apenas e só para atacar o presidente da Câmara de B.... E como? Fazendo gala de um chico-espertismo bacoco, procurou associar o Jornal de B... ao Jornal da M... e Costa G... a Alberto J..., usando, para isso, de uma pseudo-ironia canhestra, bem documentativa do seu provincianismo mental, para lhe não chamar indigência. Só lido! A tentativa é patética e o acto é confrangedoramente pateta. Mas não é estúpido. Se o fosse, teria sido praticado de forma absolutamente natural. E não foi. Só que a coragem do sr. S... deve ter-lhe ficado pelas amígdalas. E porquê? Vejamos: passo por cima da incapacidade manifesta de escrever o título Jornal de B..., a que se refere como “o outro jornal que se publica em B...”. Mesmo admitindo que o sr. S... possa receber ao “caracter”, que diabo! Por mais meia dúzia de cêntimos?! E também não relevo a tal pseudo-ironia flatulenta ao referir-se a um dos accionistas como um “conhecido comerciante que muito tem feito pela modernização urbanística da cidade”! Mais uns cêntimos a aconchegar as depauperadas algibeiras do S...?!
Mas há mais. Confesso não possuir conhecimentos psicológicos suficientes para explicar os escaninhos mentais do sr. S..., por mais básicos que possam ser. E só por isso me pergunto: Esperaria o sr. S..., eleito que foi Costa G... e sabendo-se das relações familiares existentes entre eles, arvorar-se uma espécie de guru da estratégia do novo poder? Pensaria porventura em alguém saído da redacção do B... Popular para um lugar de relevo na estrutura comunicacional do município? Teria expectativas no sentido do estabelecimento de relações privilegiadas com o novo executivo? Ter-se-ia sentido marginalizado e, consequentemente, frustrado por não se terem concretizado nenhuma destas eventuais expectativas? Não me compete, obviamente, responder. Mas não deixarei de registar aqui uma evidência empírica que se traduz na constatação de que não é por se ter uma cabeça grande que se tem uma grande cabeça. Por isso também é que, toda a gente, incluindo obviamente o sr. S..., deve ter, num momento ou noutro, um lampejo de lucidez. Ora, no caso vertente, não se lhe pedia mais do que isso. Veja bem: a constituição da sociedade que detém o Jornal de B... foi feita por escritura pública. Com clareza e com transparência. Pode ser conhecida por quem quer que seja. Não lhe agradou? Problema seu. Agora, lá porque não gosta deste presidente de Câmara, não se sirva do Jornal de B... como arma de arremesso para o atacar. Diga-lho. Escreva-o. Só precisa de um pequenino resquício de coragem. Já agora e a propósito, deixe-me que lhe recorde o que escreveu em Post Scriptum, a 4 de Fevereiro de 2010, num “balanço” com o título “90 dias de equívocos”, dirigindo-se a Costa G...: “Antes de escrever este texto, tentei chegar à fala com o Presidente de Câmara para ouvir a sua opinião sobre (…) outro assunto mais delicado que a seu tempo poderá chegar às páginas deste jornal. Infelizmente Costa G... não se mostrou disponível. A bola está agora do lado dele”. Passado cerca de um ano e meio após esta fanfarronice ridiculamente infantil, que aconteceu? Nada. Ou seja: ou o presidente exibe uma extraordinária capacidade de retenção da bola ou, muito simplesmente, não esteve para o aturar. Afinal, este homem que se julga temível, só corre atrás de quem foge. Não passa de um fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e de frustrações. Um tigre de papel.
E, se bem conheço o sr. S..., dizer-lhe isto, com clareza e frontalidade, deve doer-lhe a valer. Seja como for e bem vistas as coisas, o “mau feitio” do sr. S... não passará de um mero pecadilho de inveja, uma vulgaríssima “dor de cotovelo”. Provoca-lhe azia? E depois? Nada que um simples anti-ácido não consiga resolver. Agora, o que parece mais difícil de solucionar, quiçá mesmo impossível, é a cretinice. A pobreza mental. Mas isso já não é problema meu.” ---
c) A edição do jornal em referência chegou às bancas de venda de jornais e foi posto em circulação comercial no dia 03.08.2011, pelo menos em B....---
d) Nesse dias e nos que se seguiram, chegou a dezenas de assinantes.---
e) O assistente é pessoa conhecida na cidade de B..., por ser director do jornal “B... Popular”, periódico de maior tiragem no concelho.---
f) O texto foi publicado a ocupar metade da página referida em a), em local visível, de fácil e privilegiado acesso.---
g) Na sequência da ocorrida publicação, o assistente foi abordado por algumas pessoas.---
h) O arguido, ao fazer constar do escrito reportado em a) e b) as menções “ do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”, “não é por se ter uma cabeça grande que se tem uma grande cabeça”, “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e de frustrações”, “é a cretinice” e “a pobreza mental”, agiu de forma livre e deliberada, consciente de que as afirmações por si produzidas eram aptas a produzir um efeito de ofensa na honra e consideração, pessoal e profissional, do assistente.---
i) Sabia ser o seu comportamento proibido e punido por lei.---
j) O Jornal de B... tem divulgação, pelo menos, regional e é exibido à venda em várias bancas e locais.---
l) Em decorrência do que foi feito constar do escrito em referência, o assistente sentiu-se humilhado, bem como atingido na sua honra e consideração, pessoal e profissional, em particular quanto às respectivas credibilidade e capacidade.---
m) A anteceder a publicação do escrito mencionado em a) e b), o assistente fez publicar na edição de 28.07.2011 do B... Popular um artigo, na parte reservada à rubrica “Mau Feitio” e subordinado ao título “Já Chegamos à Madeira?”.---
n) Não são conhecidos ao arguido antecedentes criminais.---
o) O arguido encontra-se reformado, sendo, a esse título, beneficiário de pensão, no valor mensal de cerca de € 1.000,00.---
p) É colaborador do “Jornal de B...”, actividade pela qual não lhe é paga contrapartida monetária.---
q) Reside, em casa própria, na companhia da respectiva cônjuge, que se encontra, igualmente, reformada, sendo, a esse título, beneficiária de pensão, no valor mensal de cerca de € 1.800,00.---
r) Consigo residem, ainda, duas filhas maiores, uma delas profissionalmente activa.---
s) Encontra-se a amortizar o preço de aquisição de veículo automóvel, no valor mensal de cerca de € 416,00.---
t) Suporta, mensalmente, a importância de cerca de € 150,00 em medicamentos.---
Não se provou:
1 – A edição reportada em a) e b) haja chegado às bancas de venda e tenha sido posto em circulação comercial para além dos limites territoriais reportados em c), em particular no resto do país e no estrangeiro junto da comunidade emigrante.---
2 – O assistente seja pessoa conhecida para além dos limites referidos em e), designadamente, no resto do país e no estrangeiro.---
3 – As pessoas reportadas em g) hajam manifestado ao assistente solidariedade, dando-lhe a conhecer o seu repúdio pelo conteúdo do escrito da autoria do arguido.---
4 - O assistente, mercê do comportamento prosseguido pelo arguido, haja sofrido outros efeitos e vivenciado outros sentimentos para além dos mencionados em l), em especial que tenha sentido profundo abalo moral e mágoa, ficando afectado na sua probidade, rectidão, idoneidade, independência, honorabilidade e seriedade.---
A propósito da formação da sua convicção, escreveu a Mmª. Juiz:
O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como demonstrada e como não demonstrada, no seguinte:---
Análise crítica e conjugada da globalidade da prova produzida.---
Com efeito, o arguido, nas declarações que prestou, em sede de audiência de julgamento, afirmou ter sido um dos refundadores do “Jornal de B...”, após o que se manteve, ininterruptamente, na condição de colaborador dele, para além de ser, também, presidente do conselho de administração da sociedade sua proprietária. No desenvolvimento da colaboração que presta, e segundo mais disse, escreve, regularmente, crónicas.---
Assumindo, nesse condicionalismo, a autoria do texto que lhe vem atribuído, adiantou, porém, que o mesmo constituiu reacção a um escrito anterior da autoria do assistente, publicado no “B... Popular”, de que este é director, e subordinado ao título “Já Chegamos à Madeira”. A respeito deste escrito, afirmou que o assistente, usando de ironia, procurou, pela indicada via, estabelecer uma relação entre, por um lado, o “Jornal de B...” e, por outro, o “Jornal da M...”, periódico este, segundo acrescentou, conotado com o poder instituído nessa região autónoma e por ele financiado. Acrescentou, ainda, que, enquanto colaborador e presidente do conselho de administração da entidade detentora do “Jornal de B...”, se sentiu magoado e ofendido pelos dizeres insertos no texto da autoria do assistente. Frisando a isenção e independência com que sempre exerceu a sua actividade jornalística – por contraponto ao que sucederá, segundo disse, no arquipélago da Madeira -, adiantou que apenas visou, no texto de sua autoria, contraditar o que havia sido anteriormente escrito pelo assistente e não, propriamente, visar a pessoa deste, em quem, segundo mais adiantou, não pretendeu produzir qualquer tipo de ofensa. De resto, adiantou também, que, há largos anos, um e outro trocam, pontualmente, referências entre si nos textos que escrevem. A esse respeito, reportou, circunstanciadamente, que, outrora, foi amigo do assistente, tendo ambos fundado o “B... Popular”, sendo que, há cerca de 11 anos, as respectivas opiniões se extremaram, acabando por suceder um ruptura na relação que vinham mantendo até aí. Na sequência disso, o assistente manteve-se a colaborar com aquele periódico, do qual passou a director, sendo que ele, depoente, passou a colaborar e a participar na vida do “Jornal de B...”.---
Foi, depois, o arguido discorrendo sobre o significado de algumas das expressões que empregou no texto de sua autoria – apoiado, pelo menos em parte e segundo acrescentou, em definições constantes de dicionário de língua portuguesa -, desvalorizando a amplitude delas – que, ainda assim, reconheceu integradas em texto de estilo acutilante e duro - e balizando-as no propósito que, alegadamente, o moveu de responder à sua mágoa pessoal.---
O assistente/demandante, nas declarações que prestou, em sede de audiência de julgamento, começou por dizer que o texto da autoria do arguido, eivado de ódio, mais não é do que o culminar de 12 anos de perseguição pessoal. Também disse que, por via do mencionado escrito, foi posta em causa a sua honorabilidade pessoal e da respectiva família, destacando a referência insinuada ao facto de ele, declarante, se encontrar falido – sendo que exerce actividade comercial [no ramo da informática] que, em nada, concita com a sua actividade jornalística -, bem como o facto de ter sido apodado de “cretino”.---
Assumiu o assistente/demandante que escreveu, de facto, um artigo jornalístico, publicado, em data anterior, no “B... Popular” e intitulado “Já Chegamos à Madeira”, por via do qual, porém e segundo mais acrescentou, se limitou a relatar o que lhe foi transmitido, na presença também de outras pessoas, por um dos administradores do “Jornal de B...”. Assumiu que no texto que elaborou se continham referências à promiscuidade entre o poder político e o “Jornal de B...”, cujos alegados problemas financeiros foram, também, por si reportados, tudo com base em relatos que lhe disse terem-lhe sido transmitidos. Instado a esclarecer em que medida se sentiu atingido com referência feita pelo arguido à sua alegada “falência”, se, antes, escreveu também sobre a alegada falência de outros, disse que, no seu caso, se limitou a reproduzir o que lhe foi dito, ao passo que o arguido produziu uma afirmação de facto.---
Afirmou, ainda, que o arguido, ao longo dos últimos 12 anos, se referiu a si, várias vezes, em artigos que fez publicar, adiantando não se recordar de, alguma vez, ter ocorrido o contrário. Se o fez, acrescentou, foi residualmente. Não reconheceu, no confronto a que foi sujeito com os artigos juntos aos autos com o articulado de contestação, a existência de qualquer referência, pelo menos directa, à pessoa do assistente, mais adiantando que, de resto, parte dos textos em causa não são, sequer, da sua autoria, embora seja, de facto, director do “B... Popular”. Acrescentou que, de todo o modo, não lê, antecipadamente e por tal ser impossível, a totalidade de tudo quanto nele é publicado. ---
Foi, igualmente, dizendo que o “B... Popular” é o periódico de maior tiragem no concelho de B..., em posição que se destaca, sobremaneira, do que sucede relativamente ao “Jornal de B...”.---
Declarou, ainda, a respeito das consequências que para si advieram do comportamento do arguido, que duas pessoas, das suas relações de amizade, lhe perguntaram se estava, efectivamente, com problemas de natureza financeira e se precisava de ajuda. Sentiu-se, igualmente, ferido com outras referências, em particular a de cretino. Vivenciou, igualmente e segundo mais disse, um misto de revolta e de pena pelo arguido. Afirmou, também, que, de facto, reprovou num exame de português, decisão que, porém e segundo acrescentou, se fundou em razões que não se prendiam com a qualidade do que fez, sendo que, por isso e, também, por não reconhecer capacidade científica a quem o avaliou nem sequer reclamou da ocorrida reprovação.---
A testemunha Francisco F... declarou, no essencial, que o texto da autoria do arguido produziu ofensa na pessoa do assistente, sendo que, em decorrência da actuação prosseguida, várias pessoas das suas relações lhe perguntaram a ele, depoente, se o mesmo estava ou não falido. Enquadrou os factos ocorridos, à semelhança do que fez assistente, na inimizade que os divide, desde há cerca de 12 anos. Expressou o depoente, ainda, a sua opinião, no sentido de que as expressões empregues pelo arguido tiveram o sentido de diminuição intelectual e pessoal do assistente, adiantando que, por vários dias, este se manifestou revoltado e aborrecido.---
A testemunha José C..., das relações de amizade do assistente, reputou de ofensivo o texto do arguido em alusão nos autos, adiantando que várias pessoas se dirigiram a ele, depoente, indagando sobre se o assistente estaria falido. Também disse que o assistente “ficou mal” em face dos factos ocorridos, sobretudo pela tentativa de destruição da sua vida financeira, sendo que os efeitos da acção do arguido ainda hoje perduram.---
A testemunha Rui F... reputou o texto da autoria do arguido como agressivo e no qual considera ter sido utilizado tom não aceitável, mesmo em casos em que se esteja na presença de artigos de opinião. Adiantou que, pese embora sejam recorrentes aquilo que designou por “ataques” do arguido ao assistente, este se sentiu, em face do artigo em causa nos autos, afectado.---
A testemunha Zita F..., jornalista profissional, a desenvolver a sua actividade no “Jornal de B...”, declarou ter lido o artigo da autoria do arguido, antes da respectiva publicação, tendo-o feito por ter essa obrigação e, ainda, porque apreciar os textos da autoria do mesmo. Adiantou que no artigo em causa, o arguido empregou aquele que é o seu estilo habitual – incisivo, directo, abrasivo e duro -, mas que o mesmo não escreve, nem nunca escreveu, com o propósito de denegrir ou de rebaixar os outros. Não obstante o assim declarado pela testemunha, acabou a mesma por revelar, no decurso do seu depoimento, não ter presente o exacto conteúdo do texto em causa nos autos. Mas, prosseguindo no seu relato, foi, igualmente, dizendo que o texto em causa mais não é do que resposta a um anterior, da autoria do assistente, e, do seu ponto de vista, “à altura”. A respeito do dito texto anterior, da autoria do assistente, afirmou que nele foi efectuado um paralelismo entre o “Jornal de B...” e o “Jornal da M...”, este assente em pressupostos de funcionamento totalmente diversos dos daquele, já que, segundo mais disse, é de distribuição gratuita, sendo totalmente subsidiado pelo Governo Regional M..., ao serviço do qual se encontra. Adiantou que, de resto, ela própria, depoente, ficou desagrada com o conteúdo do texto do assistente. Mais declarou que, de vez em quando, o arguido e o assistente trocam picardias entre si.---
A testemunha Vale L... declarou ter lido o texto em causa nos autos e que o mesmo, sendo resposta a um escrito anterior, não contém mais do que o estilo próprio do arguido – duro, contundente, forte e com impacto. Acrescentou que, de resto, o texto anterior da autoria do assistente é, ele próprio também, similarmente duro, pesado e incisivo e pessoalmente dirigido ao arguido. Não obstante o assim declarado, acabaria a testemunha por revelar, no decurso do seu depoimento, não conhecer o exacto conteúdo dos textos em presença. Mas prosseguindo o seu depoimento, foi dizendo que tem assistido, ao longo dos anos, a picardias entre o assistente e o arguido, “protagonistas literários” que, segundo mais disse, já habituaram, nesse sentido, os leitores.---
Finalmente, a testemunha João L..., das relações de amizade do arguido, declarou ter uma “ideia” do anterior texto da autoria do assistente e que nele se dizia que o arguido não tinha credibilidade. Já o texto da autoria do arguido, redigido num estilo que lhe é próprio, terá sido, segundo mais disse, uma mera réplica daquele.---
Pois bem. Tendo sido esta a prova que se produziu, nenhuma dúvida restou, a este Tribunal, a respeito da materialidade dada como demonstrada, nos exactos termos em que o foi.---
Com efeito, o arguido assumiu, desde logo, a autoria do escrito reportado em a) e b). Contextualizou, acrescidamente, a respectiva elaboração, alegando ter-se sentido pessoalmente ofendido e magoado por escrito anterior da autoria do assistente e por via do qual este estabelecia um paralelo entre o “Jornal de B...” – do qual é, desde há vários anos, colaborador, sendo, também, presidente do conselho de administração da sociedade a quem o mesmo pertence – e o “Jornal da M...”. Alegou, também, que não quis ofender pessoalmente o assistente, nem, tampouco, visá-lo, tendo sido seu exclusivo propósito posicionar-se relativamente ao que o mesmo havia, anteriormente, escrito.---
Ora, em face das razões assim alinhadas, não deixa de ser curioso notar que o arguido, no escrito de sua autoria, tivesse começado por esclarecer os seus destinatários que aquilo que iam ler não era, propriamente, uma crónica e que “desesperava”, até, por um tema que lhe permitisse preencher a sua página quinzenal, que acabaria por surgiu da oportunidade do texto que lhe fizeram “chegar à mão”. O mesmo texto, note-se, que, agora, diz ter-lhe provocado forte ofensa. Mais curioso, ainda, registar que no texto de sua autoria haja, reportando-se ao anterior da autoria do assistente, dito que este mais não fez, por via dele, senão “atacar” o presidente da Câmara Municipal de B.... De resto e mais adiante, no seguimento dessa afirmação, acrescentou, até, “(…) lá porque não gosta deste presidente da Câmara, não se sirva do Jornal de B... como arma de arremesso para o atacar. Diga-lho. Escreva-o.” É, assim, insustentável que, agora, na oportunidade da defesa que apresentou em julgamento, pretenda que se aceite que, na realidade, foi o estado de ofensa em si produzido que produziu a reacção consistente na elaboração do escrito em alusão nos autos.---
Insustentável, também, que pretenda que se acolha a visão de que não pretendeu visar, directamente, a pessoa do assistente, mas apenas o conteúdo do escrito anterior da autoria deste. É que, na realidade, quanto ao que se continha no escrito do assistente, a respeito da sociedade detentora do “Jornal de B...”, o arguido faz uma única alusão, para significar que essa sociedade foi constituída por escritura pública, com “clareza” e “transparência”. No mais, tudo são referências pessoalizadas ao assistente, nas quais não se reconhece o alegado fim exclusivo de resposta ao escrito anterior.---
No que concerne às referências recíprocas trocadas com o assistente, nos textos que um e outro escrevem - alusão feita pelo arguido e pelas testemunhas por si arroladas em defesa -, certo é que, percorridos os artigos jornalísticos juntos a acompanhar o articulado de contestação – incluindo o “Já Chegamos à Madeira” -, não se descortina, pelo menos de forma inequívoca, qualquer expressa alusão do assistente à pessoa do arguido e, menos ainda, em condições de atingir a honra e consideração deste. De resto, alguns dos textos em causa nem da autoria do assistente são.---
Analisadas criticamente, pela indicada via, as declarações do arguido – relativamente às quais de pouco ou nenhum arrimo serviram os depoimentos das testemunhas arroladas em defesa, sendo que, de um modo geral, todas elas revelaram desconhecer, pelo menos no tempo presente, os textos sobre os quais discorreram -, resultou, para o Tribunal, em conjugação com o sentido das declarações do assistente e das testemunhas arroladas pela acusação, o seguro convencimento a respeito da materialidade dada como assente, que não consente, qualquer que seja o seu enfoque, outra leitura senão a de que, na medida do que foi tido por relevante para os efeitos que nos ocupam, o arguido agiu com vontade intencionalmente direccionada e de forma consciente.---
No que, em especial, concerne às consequências para a pessoa do assistente da actuação prosseguida pelo arguido, atendeu-se às declarações pelo mesmo prestadas e, ainda, aos depoimentos das testemunhas para o efeito arroladas, filtrados, em termos de adequação, pela medida das afirmações e expressões às quais se atribuiu relevância.---
Foi, de resto, essa filtragem que justificou a indemonstração das demais consequências atribuídas, como efeito, à acção do arguido. O mais que quedou por demonstrar resultou da total ausência de prova ou de prova suficiente para o efeito.-
Finalmente, no que concerne às condições pessoais e de personalidade do arguido, atendeu-se ao teor das declarações pelo mesmo prestadas, que, com respeito à materialidade considerada, se mostraram merecedoras de credibilidade, sem que qualquer prova em contrário se haja produzido, e, bem assim, no teor do CRC junto aos autos.---
Finalmente, quanto à subsunção jurídica do crime de difamação:
Encontra-se, nestes autos, o arguido acusado da prática, em autoria material, de um crime de difamação, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 180º, nº 1, 183º, nºs 1, al. a) e 2, ambos do Cód. Penal, 30º e 31º, nº 1 da Lei de Imprensa.---
Vejamos, pois, o recorte típico do enunciado ilícito penal.---
Em conformidade com o que vai disposto no artº 180º, nº 1 do Cód. Penal, incorre na prática do crime nele previsto e punível, todo aquele que, perante terceiros, imputar a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal afirmação ou juízo.---
Isto posto, é entendimento pacífico que a honra se reporta, essencialmente, ao sentimento de auto-estima, de dignidade subjectiva ou, por outras palavras, à imagem que o indivíduo tem de si mesmo; enquanto que a consideração designa a reputação, a boa fama e a estima de que o indivíduo é merecedor por parte da comunidade na qual se insere [Nelson Hungria citado in Código Penal Anotado, Simas S... e Leal-Henriques, 2º Vol., 1996, Lisboa, Rei dos Livros, p. 317].---
A verificação dos elementos típicos do crime em análise, basta-se com o carácter objectivamente difamatório dos factos imputados, dos juízos formulados ou das expressões proferidas/reproduzidas pelo agente. Ou seja, é suficiente, para que tal crime se tenha por verificado, que os factos imputados, os juízos formulados ou as expressões proferidas/reproduzidas revistam carácter difamatório, nos termos acima delineados, atentas as regras de experiência comum e de normalidade social.-
Por isso mesmo, não se exige, para que a conduta seja punível, uma especial intenção de ofender – dolo específico -, bastando que o agente tenha a consciência de que a imputação feita, o juízo formulado ou as expressões proferidas/reproduzidas são objectivamente idóneos a produzir uma ofensa à honra ou à consideração alheias – vd., neste sentido, a título de exemplo, Ac. R.P. de 03/02/88, C.J., 1988, Tomo I, p. 233; Ac. do S.T.J. de 01.07.87, BMJ 369º-593.---
O referido ilícito penal reveste, pois, do ponto de vista subjectivo, natureza dolosa, compatível com qualquer das formas que o dolo pode revestir – directo, necessário ou eventual [Cfr. artº 14º do Cód. Penal].---
O que particulariza o crime de difamação, relativamente ao de injúria, é que a imputação dos factos ou a formulação dos juízos, lesivos da honra ou consideração, é cometida dirigindo-se o agente a terceiros, ou seja, o agente imputa os factos ou formula os juízos, dirigindo-se a terceiro que não o visado; já no crime de injúria, o agente imputa os factos ou dirige as palavras ofensivas ao próprio visado.---
Em conformidade com o disposto no artº 182º do Cód. Penal, à difamação verbal é equiparada a levada a efeito por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.---
No que respeita, ainda, ao tipo legal previsto pelo artº 180º do Cód. Penal, resulta da respectiva análise hermenêutica, encontrarem-se compreendidas duas realidades objectivas distintas, muito embora equiparadas quanto à punição que a lei lhes reserva. Assim e por um lado, temos a imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, e, por outro lado, a expressão de palavras ou a formulação de juízos, exigindo-se e pressupondo-se, para uma e outra situação, o carácter ofensivo inerente à correspondente actuação. A distinção quanto às situações compreendidas numa ou noutra realidade, assume particular revelo pelas incidências que produz quanto às qualificativas agravantes previstas pelo artº 183.---
Nalguns casos, a definição da fronteira entre aquilo que representa a imputação de factos, mesmo que sob a forma de suspeita, e a prolação de palavras ou juízos ofensivos não oferece grandes dúvidas. Noutros casos, porém, essa distinção não se afigura tão simples. Assim ocorre quando as palavras proferidas comportem ou possam comportar a atribuição de comportamentos desonrosos ou ofensivos. A qualificação, contudo, do comportamento, como pertinente à imputação de factos ou à prolação de palavras/juízos ofensivos, vai depender do contexto factual concretamente apurado.---
A responsabilidade do agente é agravada, nos termos do disposto no artº 183º do Cód. Penal, sempre que a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação – al. a); ou, tratando-se da imputação de factos, se se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação – al. b).---
Quanto às situações compreendidas na al. a) do nº 1 do artº 183º, temos como certo que os meios ou as circunstâncias aptas a aumentar o efeito propulsor ou de ressonância, pressupostos pela agravante em referência, não se confundem com os meios de comunicação social, pois que, na realidade, para estes a lei reserva a previsão do nº 2 do mesmo normativo legal. Neste mesmo sentido se posiciona Faria e Costa, “in”Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 640, local onde prossegue, referindo que “(…) a determinação normativa da facilitação da divulgação tem que ser levada a cabo com rigor, sob pena de ter de se aceitar por exemplo, que aquele que faz imputação de factos desonrosos a A, em um grupo constituído por duas ou três pessoas que para mais está reunido em casa de um dos intervenientes, evidentemente diferentes de A, veria a sua conduta cair nesta precisa alínea, enquanto, em nosso entender, este pequeno grupo não pode ser considerado como meio apto a facilitar a divulgação dos factos desonrosos. Já o mesmo não se pode dizer se a imputação tiver lugar em uma reunião alargada ou em um comício. Todavia, uma vez mais é a contextualização que vai determinar o sentido da ideia de facilitação e não propriamente o número de pessoas – o que torna claro que também aqui se não trata, porque estamos no domínio do normativo, de um problema de quantificação – que escuta ou “partilha a imputação ou a valoração desonrosa. Efectivamente, se tudo se passa em uma reunião restrita mas com uma carga de interesses que torna claro, para todos, que tudo o que ali for dito ganhará, para o bem ou para o mal, uma ressonância que ultrapassará, manifestamente e sem dúvida alguma, o conjunto das pessoas que circunstancialmente se reúnem, é evidente que qualquer insulto ali proferido adquire um eco - sabido de antemão como consequência necessária daquela reunião - que integrará a facilitação da divulgação”.---
A al. b) do nº 1 do artº 183º compreende a legalmente designada “calúnia”, que tem por pressuposto a actuação torpe daquele que, sabendo, embora, da falsidade dos factos que atribui a outrem, mesmo assim, e ainda que sob a forma de suspeita, age com o propósito de os propalar. O agente tem, assim, que ter a consciência de que está a assacar ao ofendido um conjunto de factos falsos ou, dizendo por outras palavras, é necessário que se demonstre que o agente sabia da falsidade das suas afirmações fácticas [neste sentido, Faria Costa, “in” Ob. Cit., p. 642].---
A concorrência da circunstância agravante prevista pela al. a) do nº 1 do artº 183º é passível de aplicação quer às situações em que a ofensa é produzida através da imputação de factos quer através da formulação de juízos; já a circunstância agravante prevista pela al. b) do citado normativo legal tem o seu campo de aplicação limitado à imputação de factos.---
Mas retornando à previsão do nº 2 do artº 183º do Cód. Penal, tem o mesmo, como se disse já, o seu campo de aplicação restrito aos casos em que a ofensa – seja através da imputação de factos ou da formulação de juízos – é actuada através de meios de comunicação social. Sendo essa a hipótese a considerar, e conforme se disse já também, não tem aplicação a previsão da al. a) do nº 1 do mesmo normativo legal.---
Isto posto e com interesse, ainda, para o caso que nos ocupa, o artº 30º, nº 1 da L. nº 2/99, de 13.01 [Lei de Imprensa] – que foi objecto de Declaração de Rectificação nº 9/99, de 04.03, e de alteração por via da L. nº 18/2003, de 11.06 -, dispõe que a publicação de textos ou imagens através da imprensa que ofenda bens jurídicos penalmente protegidos é punida nos termos gerais, sem prejuízo do que especialmente se regula no diploma em alusão.---
Mas vejamos, mais de perto, das razões determinantes da incriminação dos comportamentos prosseguidos através dos meios de comunicação social.---
Ora, a Constituição da República Portuguesa [CRP] garante a todos o direito de exprimir e divulgar, livremente, o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar e de ser informado, não podendo o exercício de um tal direito ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. Assim é que aos jornalistas e colaboradores literários é garantida, justamente, a liberdade de expressão e criação [Cfr. artºs 37º, 38º da CRP, 1º e 2º, nº 1 da Lei de Imprensa].---
É absolutamente incontestável o papel que a imprensa, em geral, desempenha na sociedade hodierna, na construção e consolidação de um sistema democrático e pluralista. Pelo exercício do munus informativo e formativo, permite-se à comunicação social, designadamente, denunciar situações de injustiça, de abuso de poder e de incumprimento das leis estabelecidas, na perspectiva do confronto livre de ideias e com vista à formação de uma opinião pública adulta, exigente e informada, capaz de exercer, em plenitude, com conhecimento e em liberdade, os direitos inerentes à cidadania.---
O direito à liberdade de expressão e criação jornalísticas conhece, contudo, limites. Por um lado, aqueles que são intrínsecos ao seu próprio conteúdo, tal como ocorre com qualquer outro direito. E, por outro lado e fundamentalmente, os limites que decorrem do seu confronto com outros direitos, que são a expressão de bens ou interesses, igualmente, cobertos pela tutela constitucional e legal.---
A lei fundamental proclama o princípio da inviolabilidade da integridade, designadamente, moral dos cidadãos e reconhece a todos o direito ao bom nome e reputação, à imagem e, bem assim, à reserva da vida privada e familiar [Cfr. artºs 25º, nº 1, 26º, nº 1 da CRP].---
O artº 3º da Lei de Imprensa manda, em conjugação com os princípios supra mencionados, salvaguardar, no exercício do direito à liberdade de expressão e criação, a integridade moral dos cidadãos, a verdade e a objectividade, a par da ordem democrática e do interesse público.---
Pode afirmar-se que, considerando o quadro axiológico constitucional e legalmente delineado, a ordem jurídica nacional consagrou, nos mais amplos termos, a liberdade fundamental de expressão, informação e de imprensa, ao mesmo tempo que proporcionou as condições para o seu exercício pleno, erigindo uma ordem política e social estruturada sobre o respeito pela dignidade da pessoa humana, centralmente protegida nos seus corolários essenciais de direito ao bom nome, à reputação e à inviolabilidade da integridade moral.---
O direito à liberdade de expressão e criação, porque recortado nos termos supra expostos, contém, em si mesmo ou no exercício respectivo, uma potencialidade conflituante com os valores do direito ao nome, à imagem, à reputação e à reserva da vida privada e familiar.---
Pode dizer-se que não existe entre os referidos direitos uma qualquer relação hierárquica, que lhes atribua diferentes valências normativas. Por isso, só o critério da proporcionalidade e da concordância prática entre os bens ou valores em conflito, que passa por uma ponderação caso a caso, poderá permitir superar o conflito, de cuja resolução resultará, necessariamente, a compressão de um dos interesses em jogo.---
Mais: a resolução do conflito entre os supra mencionados direitos, de igual valência normativa, é assegurada, designada e fundamentalmente, pela figura normativa do crime [Cfr. artº 37º, nº 3 da CRP]. Nesse domínio, o legislador ordinário procedeu à construção de um sistema jurídico-penal de protecção da honra, estruturado na tipificação dos crimes de injúria e de difamação, mas prevendo, a par da incriminação, a exclusão da punibilidade da conduta quando a imputação for feita para realizar um interesse público legítimo e o agente provar a veracidade da imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reportar verdadeira [Cfr. artº 180º, nº 2 do Cód. Penal].---
Tendo as considerações expendidas como pano de fundo e prosseguindo-se na análise do regime legal decorrente da Lei de Imprensa, o nº 2 do artº 30º preceitua que, sempre que a lei não cominar agravação diversa, em razão do meio de comissão, os crimes cometidos através da imprensa são punidos com as penas previstas na respectiva norma incriminadora, elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. No que, em particular, concerne aos crimes contra a honra cometidos através de meio de comunicação social, não tem a norma vinda de referir aplicação prática, uma vez que, quanto a eles, a lei penal geral prevê agravações específicas, em particular no já citado nº 2 do artº 183º do Cód. Penal.---
No seguimento da previsão normativa do nº 1 do artº 30º, prevê o nº 1 do artº 31º do diploma em análise que, sem prejuízo do disposto na lei penal, a autoria dos crimes cometidos através da imprensa cabe a quem tiver criado o texto ou a imagem cuja publicação constitua ofensa dos bens jurídicos protegidos pelas disposições incriminadoras.---
Aqui chegados, preceitua o nº 2 do artº 180º do Cód. Penal – já acima enunciado - que a conduta não é punível quando, cumulativamente, se verificarem os seguintes requisitos:---
- a imputação for feita para realizar interesses legítimos – cfr. al. a);---
- o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa-fé, a reputar de verdadeira – cfr. al. b).---
Parece-nos, absolutamente, evidente que a incidência da apontada causa de exclusão da responsabilidade apenas pode ter lugar quando se esteja na presença de imputação de factos, mesmo que sob a forma de suspeita, e não já nas situações em que se esteja perante uma formulação de juízos.---
Dito isto e como nota Faria e Costa [“in” Ob. Cit., p. 615], a lei, na sua versão actual, não fala, ao contrário do que sucedia na redacção original do Código, em “interesse público legítimo ou qualquer outra justa causa”, mas, tão só, em “interesses legítimos”. Aquele autor prossegue, com inteiro acerto, observando que “este alargamento de interesses, enquanto uma das condições susceptíveis de preencher os pressupostos da causa de justificação, constitui, sem dúvida alguma, um ponto de particular relevo. É assim, hoje, indesmentível que um simples interesse privado preenche o conteúdo da al. a) do nº 2 do artigo 180º”, muito embora reconhecendo, à evidência, que a importância das situações passíveis de integrar o normativo em análise se situam, fundamentalmente, ao nível ou no contexto dos problemas suscitados pela comunicação social.---
A incidência da reportada causa de exclusão da ilicitude dos factos não depende apenas, como resulta do que acima se enunciou já, da circunstância de o agente agir no contexto da realização de interesses legítimos. Reclama, pois, a incidência daquela causa excludente, que o agente prove a verdade da imputação ou que haja tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar de verdadeira. A respeito desta matéria, sustenta Faria e Costa [“in” Ob. Cit., p. 622] que “(…) o dever de informação não tem que ser exaustivo, nem deve ser moldado ou apreciado por outras lógicas bem mais apertadas; nomeadamente a lógica e o sentido da comprovação judiciária ou sequer a metodologia da investigação histórica. Exige-se tão-só o conjunto de regras derivadas das (…) regras de cuidado”. Reconhece, no entanto e paralelamente, que “o que não pode valer é a entronização da subjectividade como critério último e definidor do cumprimento daquele dever de informação”.---
O legislador admite a possibilidade de exclusão da responsabilidade mesmo nos casos em que não se logre fazer a prova da verdade da imputação, bastando, para o efeito, que o agente haja tido fundamento sério para, em boa fé, reputar os factos como verdadeiros. Porém e como, mais uma vez, observa Faria e Costa [“in” Ob. Cit., p. 623], “(…) a boa fé não pode significar uma pura convicção subjectiva (…), mas antes tem que assentar numa imprescindível dimensão objectiva”. Aliás, a previsão do nº 4 do artº 180º é um reflexo disso mesmo, ao consagrar que a boa fé se tem por excluída quando o agente não tiver cumprido o dever de informação que as circunstâncias do caso impunham sobre a verdade da imputação” ---
Há, no entanto, uma limitação à prova da verdade dos factos, ainda que na prossecução de interesses legítimos. Tal sucede quando se trate da imputação de factos relativos à intimidade da vida privada e familiar, sem prejuízo, porém e ainda assim, da eventual incidência da previsão do artº 31º, nº 2, als. b) a d) – cfr. nº 3 do artº 180º.---
Prescreve, por seu turno, o artº 186º, nº 2 do Cód. Penal que o Tribunal pode dispensar de pena o agente se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido. Não realizando o normativo em referência qualquer distinção, nesse particular, é o mesmo passível de aplicação quer nos casos de imputação de factos quer de formulação de juízos. ---
Está-se, na circunstância, na presença do instituto da dispensa de pena na sua vertente facultativa – se contraposta, em particular, com a previsão do nº 1 – e que abrange e regulamenta as situações designadas por provocação. Almeida e Costa, seguindo de perto os ensinamentos de «Spasari e Garavelli [“in” Ob. Cit., p. 671], sufraga o entendimento de que a “provocação consiste em uma ofensa, consubstanciada em uma conduta ilícita ou repreensível, que determina um estado psicológico de ira ou descontrolo emotivo que se concentra, impulsivamente, em uma imediata reacção àquela precisa ofensa primitiva”.---
Prossegue aquele autor que “A ilicitude da conduta, é óbvio, não tem que ser uma ilicitude penal e o sentido de repreensibilidade deve ser visto em termos de um mínimo de objectividade. (…) É também claro que a ofensa provocadora pode ser alcançada – e não poucas vezes o é – por meio de insinuações, meias palavras, afirmações oblíquas, formas dubitativas, etc. O que importa é ter presente que a valoração sobre essa mesma realidade deve sempre ter como referente o sentido objectivo que o homem normal, comum, lhe atribuiria. (…) Como se viu, a ofensa ilícita ou repreensível tem que desencadear um estado psicológico de ira ou de descontrolo emocional. Sustenta-se, desse jeito, o carácter inequívoco da existência de um nexo causal entre a agressão e o estado de ira ou furor. Estado esse que faz desencadear o contra-ataque. Daí que se deva defender um duplo nexo de causalidade entre a ofensa repreensível e a conduta penalmente relevante de violação do bem jurídico da honra. Daí também que tenha de existir, pela própria natureza das coisas, um lapso de tempo estreitíssimo entre aquela ofensa repreensível e a ofensa penalmente relevante. E porquê? Pela razão bem simples, já o vimos, de que é partir do estado de ira que tudo se tem de aferir. E, como nos ensina a psicologia, tais estados, têm forte intensidade, fortíssima intensidade, mas são normalmente de curta duração. Por outro lado, a imediatividade que se pressupõe tem, seguramente, uma certa elasticidade. Mas o raptus irae – que desencadeia, justamente, a impulsividade – não pode ultrapassar tempos côngruos, sob pena de a ira se transformar em obstinado desejo de vingança, o qual já não poderá beneficiar do regime favorável que a dispensa de pena constitui”. ---
A dispensa de pena opera ao nível das consequências jurídicas do crime, porquanto apesar da sua condenação, ao arguido não é imposta qualquer pena [Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral II, Penas e Medidas de Segurança, Verbo, 1984, p. 142; Figueiredo Dias “in” Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Ed. Notícias, 1993, p. 314 e ss. e “in” R.L.J., nº 123, p. 196; Simas S... e Leal Henriques, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, Lisboa, Vol. I, pp. 592 e ss. e Vol. II, pp. 135 e ss.].---
A aplicação do instituto referido está, todavia, condicionada pela verificação cumulativa - para além dos requisitos a que se fez alusão e que constam especificamente do nº 2 do artº 186º- dos pressupostos formais vertidos nas alíneas do nº 1 do artº 74º [Cfr. nº 3 deste último preceito, já que se está na presença, no caso previsto pelo nº 2 do artº 186º, de dispensa de pena facultativa]. Ou seja, é necessário que:---
1. A ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas;---
2. O dano tenha sido reparado;---
3. À dispensa da pena se não oponham razões de prevenção.---
Isto posto e ultrapassados os pertinentes aspectos de análise hermenêutica, cabe descer à apreciação do caso sob judice.---
Ora, com relevância, logrou demonstrar-se que o arguido fez publicar, na edição de 3 de Agosto de 2011 do “Jornal de B...”, texto jornalístico, de sua autoria, com o conteúdo reportado na al. b) dos factos assentes.---
Não tendo o assistente delimitado as passagens por si tidas como integradoras do crime sob análise, ficou o Tribunal reconduzido à necessidade de realizar a correspondente tarefa.---
Isto posto, verifica-se, a partir do teor do texto em consideração, que o arguido começou por afirmar, em reporte à falta de pontuação no título de texto anterior que o assistente escrevera, que este, pouco antes, reprovou em exame de português para maiores de 23 anos. Pois bem. Quanto à matéria reportada, está-se na presença da afirmação de um dado histórico – por sinal e como, de resto, reconheceu o assistente, verdadeiro -, que não traz implícita a imputação ao assistente [como autor] de qualquer facto de natureza desonrosa e que, pela sua linearidade, não autoriza se conclua ter subjacente a formulação sobre de juízo daquela natureza. Está-se, assim, na presença de afirmação axiologicamente neutra, para os efeitos que nos ocupam.---
No texto em presença, o arguido utilizou, ainda, as expressões “chico-espertismo bacoco”, “pseudo-ironia canhestra” e “pseudo-ironia flatulenta”. Ocorre, porém, que tais expressões foram empregues em claro reporte ao conteúdo do texto anterior escrito pelo assistente, não representando mais do que uma opinião, legitimamente permitida ao arguido, a respeito da qualidade daquele escrito. Outro tanto se diga, relativamente às expressões “tentativa patética” e “acto confrangedoramente pateta”, reportadas, também, ao conteúdo do texto da autoria do assistente e ao que nele se interpretou como associação do “Jornal de B...” ao “Jornal da M...”. No mesmo sentido se situa, mutatis mutandis, a expressão “fanfarronice ridiculamente infantil”, reportada a Post Scriptum da autoria do assistente.---
Mais se contém, ainda, naquele escrito alusão às “depauperadas algibeiras” do assistente. Lido, porém, o texto sob análise, resulta que o arguido, a anteceder essa afirmação, se reporta ao facto de o assistente trocar expressões singelas – como o nome do “Jornal de B...” ou o nome de pessoas a quem atribuiu certos comportamentos – por outras de igual sentido – ou, pelo menos, perceptíveis para os destinatários – mas de maior extensão. Sendo manifesta a ironia empregue pelo arguido de que tal procedimento poderá ter na sua base a intenção de o assistente receber mais por aquilo que escreve, pelo facto de poder ser pago ao caracter, foi, nesse mesmo enquadramento, que concluiu, dizendo “Mais uns cêntimos a aconchegar as depauperadas algibeiras do S...?!”. Esta afirmação, porém, não pode ser interpretada, no contexto de ironia em que foi produzida, como declaração séria. Para além disso, não se vislumbra na afirmação em causa a imputação de qualquer facto ao assistente nem, tampouco, a formulação sobre ele de um juízo, pressupostos de que, a montante, depende a incursão na prática do crime sob análise.---
O arguido fez constar, também, do texto de sua autoria referência aos “(…) escaninhos mentais do sr. S..., por mais básicos que possam ser”. Ora, a afirmação assim produzida reporta-se, porém e no contexto das afirmações que a antecedem, à incapacidade, declarada pelo arguido, para compreender, devido à ausência de conhecimentos na matéria, os recantos do pensamento do assistente, ainda que estes possam ser lineares. É o pensamento do assistente que está em causa e não qualquer categorização deste. De resto, qualquer pessoa – o assistente incluído – pode, em alguns momentos, ter pensamentos básicos, designadamente por não se justificar que sejam mais elaborados, sem que isso represente a formulação necessária de juízo desonroso.---
Aqui chegados, resulta, igualmente, do texto sob análise que o arguido, a pretexto de escrito anterior da autoria do assistente, disse ser o mesmo documentativo “do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”. Está-se, na circunstância e, quanto a nós, muito claramente, na presença da formulação de juízo sobre o assistente, apta a atingi-lo na sua honra e consideração. Com efeito, atenta a literalidade expressa naqueles dizeres, pretendeu o arguido, por via deles, significar a pobreza e depauperamento mental que, como característica genérica, atribui à pessoa do assistente. Mais adiante, de resto e a finalizar o texto que escreveu, disse o arguido, com o mesmo alcance, ser difícil, ou impossível até, solucionar a “cretinice” e a “pobreza mental” do assistente, pela primeira expressão se entendendo pessoa de pouca inteligência e/ou debilidade mental. ---
No mesmo enquadramento, de reporte às qualidades intelectuais do assistente, afirmou, ainda, que “não é por se ter uma cabeça grande que se tem uma grande cabeça”, querendo, com isso, significar, manifestamente, a falta de inteligência daquele. Também aqui se está na presença de formulação de juízo apta a atingir o visado na sua honra e consideração.---
No mesmo patamar axiológico se situa a afirmação do arguido de que o assistente é um “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e de frustrações”, afirmação esta de categorização do visado e apta a atingi-lo na sua honra e consideração – e que não se confunde com expressão anteriormente analisada [“fanfarronice ridiculamente infantil”] e reportada concretamente ao conteúdo do escrito de sua autoria. ---
A par da factualidade que assim se apurou, demonstrou-se, também, que o arguido, ao fazer constar do escrito em causa as supra aludidas menções - “do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”, “não é por se ter uma grande cabeça que se tem uma grande cabeça”, “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e de frustrações”, “é a cretinice” e “a pobreza mental”-, agiu de forma livre e deliberada, consciente de que as afirmações por si produzidas eram aptas a produzir um efeito de ofensa na honra e consideração, pessoal e profissional, do assistente.—
Temos, assim, que, por via do seu apurado comportamento e nos limites do que se expôs, o arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivo típicos – o último deles, na modalidade de dolo directo, nos termos previstos pelo artº 14º, nº 1 do Cód. Penal – do ilícito penal cuja prática lhe vem imputada.---
Na circunstância, não concorre a circunstância excludente da responsabilidade prevista pelo nº 2 do artº 180º do Cód. Penal – de resto e como se disse acima, aplicável, unicamente, à imputação de factos e não já à formulação de juízos – não se estando, tampouco, perante situação a merecer tratamento no quadro normativo previsto pelos nºs 2 e 3 do artº 186º do mesmo diploma, na medida em que não se demonstrou a ocorrência de conduta ilícita ou repreensível anterior do assistente ou de ofensa levada a efeito por este.---

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. A nulidade da sentença
Invoca o Sr. Procurador-Geral Adjunto a nulidade da sentença, por “insuficiente fundamentação” no que tange a “um pertinente e completo exame crítico das provas produzidas em audiência”.
Estatui o artº 379º do CPP:
1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
Por sua vez, dispõe o artº 374º, nº2, do mesmo Cód.:
374º
Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Desde logo, parece-nos que o citado artº 379º, nº1, al. a), do CPP só comina de “nulidade” a falta ou ausência de fundamentação e não a mera “insuficiência” ou deficiência.
Depois e fundamentalmente, pensamos que a decisão recorrida contém a “resposta” às interrogações do Sr. Procurador-Geral Adjunto: a leitura conjugada dos respectivos “Motivação” e “Enquadramento Jurídico-Penal” (mormente, a parte finalNão tendo o assistente delimitado as passagens por si tidas como integradoras do crime sob análise, ficou o Tribunal reconduzido à necessidade de realizar a correspondente tarefa. (…)” - v. fls. 152-153.) permite compreender as razões que levaram a Mmª Juiz a quo a escolher as expressões consignadas na al. h) da “Factualidade Assente” como ofensivas da honra e consideração do Assistente.
Assim, improcede a arguição da “nulidade” da decisão recorrida.
3.2. A impugnação de facto
O Recorrente impugna a matéria de facto dada como provada nas als. h), i) e l) da sentença (que entende dever ter sido dada como não provada), invocando, para tal, as declarações do arguido, do assistente, os depoimentos das testemunhas Zita F..., Mário L... e João L..., a “crónica da autoria do arguido publicada no «Jornal de B...» Junta a fls. 8. e os demais documentos juntos com a contestação sob os nºs 1 a 15 Juntos a fls. 83-97..
Antes de mais, cumpre explanar algumas (breves) considerações de ordem geral comummente definidas na nossa jurisprudência em matéria de impugnação da decisão sobre matéria de facto e da respectiva modificabilidade pela Relação.
Primeiramente, exige-se que, para além da especificação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, sejam indicados os concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artº 412º, nºs 3, e 4, do CPP).
E só se esses meios de prova determinarem e forçarem decisão diversa da proferida se pode concluir ter a 1ª Instância incorrido em erro de apreciação das provas legitimador da respectiva correcção pelo Tribunal Superior.
Não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal, documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª Instância na apreciação dessas provas.
O que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na 1ª instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados – mas tão só que no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigue – examinando a decisão da 1ª instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, sem deixar de ter presentes as limitações inerentes à ausência de imediação e da oralidade no tribunal de recurso – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido se apresenta com o mínimo de razoabilidade face às provas produzidas Ac. do STJ de 21/05/2008, www.dgsi.pt..
O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum, seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.
Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que alude o artº 412º, nº3, al. b), do CPP, terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.
Portanto, impugnada a matéria de facto controvertida e julgada com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la desde que os elementos de prova produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados imponham forçosamente outra decisão.
Se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão diversa da proferida mas sem excluir, logicamente, a razoabilidade desta, neste caso, pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior.
Vejamos o caso concreto.
Ao longo “Da impugnação da fundamentação de facto”, o Recorrente transcreveu excertos das declarações do arguido, do assistente, dos depoimentos das testemunhas Zita F..., Mário L... e João L... Fls. 177-194., assinalou segmentos do documento de fls. 83, e chamou a atenção para os factos provados sob as als. m), e) e j), para concluir: “o documento/crónica da autoria do arguido ora em apreço mais não é do que resposta pronta e de impacto… ao texto da autoria do assistente” (“personalidade pública – pessoa conhecida do público – tem sobre si uma maior carga de crítica, a qual se reflecte, nomeadamente, numa maior liberdade de expressão quando o mesmo é visado”), “pretendeu ser uma réplica a este e ao seu teor”, “não pode ser analisado, descontextualizando expressões retiradas do mesmo”, “antes deverá ser visto e lido como um todo, pois só assim poderá ser interpretado e apreender-se o sentido e alcance que o arguido pretendeu dar ao mesmo e o sentido em que o direccionou”.
Semelhante “análise” poderá ter pertinência em sede de enquadramento jurídico mas é inócua no tema que agora nos ocupa, da impugnação ampla da matéria de facto.
Certo é que os concretos elementos probatórios invocados pelo Recorrente são insusceptíveis de forçar uma outra decisão sobre a matéria de facto, no sentido de – como pretende – este Tribunal vir a considerar já indemonstrados os factos das als. h), i) e l).
Não se vê (nem o Recorrente explica), sequer, a respectiva aptidão para infirmar que o arguido “agiu de forma livre e deliberada Nem o arguido o negou, em audiência de julgamento. (tal como descrito em h) ou que “o assistente sentiu-se humilhado, bem como atingido na sua honra e consideração, pessoal e profissional” (nos termos narrados em l).
O que transparece da motivação de recurso é que, sob a capa da impugnação de facto, o Recorrente, efectivamente, pugna pelo “erro” na apreciação jurídica dos factos julgados provados E tanto que assim é que repete parte desta argumentação sob o título “Da impugnação da fundamentação de direito” – v.g. fls. 405-406..
E os meios de prova que especificou não evidenciam a irrazoabilidade do veredicto sobre os factos a que chegou a 1ª instância, dentro da liberdade de julgamento consentida pela livre apreciação da prova (artº 127º do CPP).
3.3. O direito
Defende o Recorrente, em suma, que as expressões salientadas na al. h) da sentença constituem “juízos de valor indemonstráveis” a que deve ser “retirada qualquer censura penal”, “considerando-as criminalmente atípicas”.
O “Enquadramento Jurídico-Penal” da sentença recorrida é extenso, contendo argumentário teórico – de cariz legal, doutrinal e jurisprudencial - sobre o crime de difamação, os conceitos de honra e consideração, os elementos típicos, as circunstâncias agravantes da “publicidade” e “calúnia”, as causas de justificação, o regime específico da Lei de Imprensa, as liberdades constitucionalmente garantidas de expressão, informação e de imprensa, os direitos fundamentais ao bom nome e reputação, a respectiva potencialidade conflitual, os pressupostos da “dispensa de pena”.
Grande parte das considerações ali produzidas merece a nossa adesão, até porque suportada em abalizada doutrina e jurisprudência; mas já não secundamos a solução encontrada, na operação de aplicação da teoria à prática.
O cerne dos factos apurados: o Arguido escreveu o texto intitulado “O «Mau Feitio» do sr. S...”, publicado na edição de 03/08/2011 do Jornal de B..., sob a rubrica “Opinião – Sinais dos Tempos”; na edição de 28/07/2011 do B... Popular, sob a rubrica Mau Feitio”, o Assistente havia feito publicar o artigo, por si assinado, subordinado ao título “Já Chegamos à Madeira?”; o Arguido é colaborador, a título gratuito, do Jornal de B...; o Assistente é director do B... Popular, o jornal de maior tiragem no concelho.
Do referido texto, constam – inequivocamente - as expressões “do seu provincianismo mental, para não lhe chamar indigência”, “não é por se ter uma cabeça grande que se tem uma grande cabeça”, “fanfarrãozeco ressabiado, prenhe de complexos e de frustrações”, “é a cretinice”, “a pobreza mental”.
Goste-se, ou não, do estilo do autor Não é essa a tarefa do julgador., decorre com clareza do dito escrito elaborado pelo Arguido o objectivo de “resposta” a textos anteriores do Assistente (não só ao identificado na al. m) dos Factos Provados mas também a um “Post Scriptum” de 04/02/2010 Cujo teor se desconhece.), não se afigurando legítimo destacar algumas, dentre mais de 800 palavras, para lhes atribuir o fito único do enxovalho e rebaixamento do Assistente.
“(…) o que define as opiniões (…) é o elemento da tomada de posição, do ser a favor ou contra, isto é, do opinar. Elas gozam da protecção do direito fundamental independentemente de a sua expressão ser valiosa ou sem interesse, certa ou errada, fundada ou sem fundamento, emocional ou racional. Reprodução de um trecho de aresto do Tribunal Constitucional Alemão por Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, 1996, p. 273.
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Juízos de valor abrangem “opiniões, crenças, sentimentos, convicções morais e convencimentos pessoais, inclusive sobre situações de facto. Apesar de o legislador penal proceder à sua equiparação, do ponto de vista da realização do tipo de ilícito, de um modo geral tende a reservar-se uma maior margem de manobra para os segundos, na medida em que os mesmos decorrem de uma apreciação subjectiva ineliminável, de um elemento de tomada de posição, de reacção ideológica, emocional, moral ou estética, ao passo que as imputações de facto ou são verdadeiras ou falsas, surgindo naturalmente como carecidas de prova. Num contexto de confronto de ideias e opiniões em plena autonomia, a expressão de juízos de valor é justamente um dos objectivos pretendidos, assumindo o maior relevo, quer como elemento essencial do livre desenvolvimento da personalidade, quer do ponto de vista da dinamização comunicativa dos diferentes subsistemas de acção social, que não apenas do sistema político-democrático. Nestes casos, não haverá, em princípio, lugar à averiguação da sua verdade ou falsidade, ou do seu escoramento racional ou emocional. Jónatas E. M. Machado, «Liberdade de Expressão», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2002, pp. 786-787.
É claro que o Arguido teceu uma apreciação dura acerca de escritos do Assistente, reflexamente, sobre a sua pessoa, expressando uma opinião cáustica, usando palavras que o diminuem na consideração que lhe é devida e contrariando imperativos de civilidade, mas ainda assim, no exercício de um direito de crítica que não pode (nem deve) ser tido como ilícito.
Não podemos olvidar que o Assistente é director de um periódico, por sinal, o mais lido do concelho de B..., e por isso, uma personalidade pública Neste sentido, o ac. citado pelo Recorrente, da RP de 08/05/2013, relatado pelo Desemb. Joaquim Gomes no proc. 6947/10.9TDPRT.P1, www.dgsi.pt. local, a quem é exigível uma maior tolerância e compreensão dos limites do exercício da crítica (e do opinar) Cuja liberdade, aliás, o Assistente advoga expressamente: “ousamos pensar diferente” – cf. o “editorial” a fls. 88..
(….) o exercício do direito de crítica, intimamente associado à liberdade de imprensa, tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra e cuja relevância está à partida excluída por razões de atipicidade.
Tal vale designadamente para os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc. ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo. Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva – isto é : enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores - aqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a Difamação. Já porque não atingem a honra pessoal do cientista, artista ou desportista, etc., já porque não a atingem com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Num caso e noutro, a atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do crítico, não havendo, por isso, lugar à busca da cobertura de uma qualquer derimente da ilicitude.
Para uma melhor clarificação das questões coenvolvidas (…), três observações complementares.
Desde logo, (…) a tese da atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da «verdade» das apreciações subscritas. Que persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem-fundado ou justeza material ou, inversamente, a sua impertinência. O regime jurídico-penal da crítica objectiva será, em qualquer caso, idêntico: quer resulte da apreciação cuidada e certeira de um perito e conhecedor, quer traduza a mais indisfarçável manifestação de diletantismo ou, mesmo, de ignorância. (…)
Em segundo lugar, o direito de crítica com este sentido e alcance não conhece limites quanto ao seu teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas. (…) O seu exercício legitima, por isso, o recurso às expressões mais agressivas e virulentas, mais carregadas (mesmo desproporcionadas) de ironia e com efeitos mais demolidores sobre a obra ou prestação em apreço. (…)
Em terceiro lugar, (…) é hoje igualmente pacífico o entendimento que submete a actuação das instâncias públicas ao escrutínio do direito de crítica (objectiva) com o sentido, alcance e estatuto jurídico-penal que ficam consignados. (…)
São ainda de levar à conta da atipicidade os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do autor da obra ou prestação em exame. (…) Nesta linha, o crítico que estigmatizar uma acusação como «persecutória» ou «iníqua», pode igualmente assumir que o seu agente, normalmente um magistrado do Ministério Público teve, naquele processo, uma conduta «persecutória» ou «iníqua» ou que ele foi, em concreto «persecutório» ou «iníquo». Também o crítico desportivo que considera a actuação de um desportista como «desnorteada» pode asseverar que o mesmo desportista esteve «desnorteado». Nestas constelações típicas está já presente uma irredutível afronta à exigência de consideração e respeito da pessoa, vale dizer uma ofensa à honra. Trata-se, em qualquer caso, de sacrifícios ainda cobertos pela liberdade de crítica objectiva, não devendo ser levados à conta de lesões típicas.
(…) hoje não faria sentido levar a crítica objectiva (sc., que recai sobre uma obra ou prestação) à conta de ofensa típica à honra. O mesmo podendo sustentar-se para as críticas que, em via reflexa e indirecta, acabam por atingir os autores das obras ou prestações sob escrutínio. E será assim independentemente do teor mais ou menos carregado, mais ou menos chocante das expressões utilizadas. Costa Andrade, ob. cit., pp. 232-239, 300.
No caso sub judice, de ofensa à honra do Assistente perpetrada pelo Arguido, poderemos dizer, como o Prof. Costa Andrade, que “trata-se de sacrifício ainda coberto pela liberdade de crítica objectiva, não devendo ser levado à conta de lesão típica.
Importará, por último, citar acórdão desta Relação Datado de 30/10/2006, relatado pelo Desemb. Cruz Bucho no proc. 1347/06-1, www.dgsi.pt., onde se dá conta da evolução da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre esta matéria:
(…) o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem reiteradamente sublinhado, desde o seu acórdão de 7 de Dezembro de 1976 (caso Handsyde), o carácter essencial da liberdade de expressão numa sociedade democrática, que vale também para as informações e ideias que ferem, chocam ou inquietam já que além da substância das ideias e informações expressas, o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem também protege o seu modo de difusão pois assim o querem a tolerância e o espírito de abertura sem os quais não há sociedade democrática, e que os limites da crítica admissível são mais latos relativamente a um homem político do que para um simples cidadão. Embora o primeiro também beneficie da protecção do n.º 2 do artigo 10º, as exigências da sua reputação devem ser sopesadas com os interesses da discussão das questões políticas [cfr. Vincent Berger, Jurisprudence de la Cour Européenne Des Droits de L’Homme, 6ª ed, Sirey, 1998, págs.419-467, Convention Européenne des Droits de L’Homme, sob a dir. de Pettiti, Decaux e Imbert, Paris, Económica, 1995, págs.365-418, Drooghenbroeck, La Convention Européenne des Droits de L’Homme-Trois annés de jurisprudence (1999-2001), Bruxelas, Larcier, 2003, págs. 163-179, Jean Loup Charrier, Code de la Convention européenne des droits de l’Homme, ed. 2003-2004, Paris Litec, págs. 155-162; entre nós, Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 1995, págs. 142-148 e Manuel António Lopes Rocha A liberdade de expressão como direito do homem (princípios e limites) in Sub Judice, n.º 15/16, Junho/Dezembro 1999, págs. 7-22].
Quer no caso Oberschlick contra a Áustria em que o conhecido político alemão e chefe do Land da Caríntia Jörg Haider se queixou de um jornalista que num artigo o apelidara de “imbecil” (Trottel), quer no caso Lopes Gomes da Silva contra Portugal (pode ver-se o respectivo acórdão e a anotação de Francisco Teixeira da Mota in Sub Judice, n.º 15/16, Junho/Dezembro 1999, págs. 85-92), em que o conhecido jornalista Vicente Jorge Silva fora condenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa por ter utilizado expressões relativas ao político Dr. Silva Resende, candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, tais como “grotesco”, “boçal” e “grosseiro” os quais foram considerados insultos que ultrapassavam os limites da liberdade de expressão, o TEDH concluiu pela violação do artigo 10º da Convenção pelas autoridades austríacas e pelas autoridades portuguesas, respectivamente, considerando nomeadamente que:
«O homem político expõe-se inevitavelmente e conscientemente a um controlo atento dos seus dizeres e gestos, tanto pelos jornalistas como pela massa dos cidadãos e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando faz declarações públicas que se prestam à crítica. Certamente tem direito a ver protegida a sua reputação, mesmo fora do quadro da sua vida privada, mas os imperativos desta protecção devem ser ponderados com o interesse da livre discussão das questões políticas, e as excepções à liberdade de expressão convidam a uma interpretação estreita.»
Dir-se-á que o Assistente não é político; mas dirige um jornal, onde também escreve (com a inerente responsabilidade de paladino das liberdades fundamentais de expressão e imprensa e a acrescida exposição pública das suas ideias e opiniões); não é, pois, um “simples cidadão”.
Consequentemente, não se pode considerar provado que o Arguido “sabia ser o seu comportamento proibido e punido por lei” (como consta da al. i) da Factualidade Assente); e há que concluir que a elaboração pelo Arguido do escrito publicado na edição de 03/08/2011 do Jornal de B... não integra o cometimento do crime de difamação imputado.
Por isso, não pode manter-se a subsunção dos factos ao direito levada a cabo pela Mmª Juiz a quo, impondo-se a absolvição do Recorrente.
3.4. A dispensa de pena
Trata-se de questão cuja apreciação ficou, naturalmente, prejudicada.
3.5. A indemnização
O fundamento da pretensão cível formulada contra o arguido-demandado foi a prática do facto ilícito; indemonstrada a ilicitude do respectivo comportamento, improcede o pedido de indemnização civil.

Em conclusão: há fundamentos para a propugnada absolvição quer do crime quer do pedido cível.
III - DECISÃO
1. Concede-se provimento ao recurso interposto e absolve-se o arguido LUÍS C... da prática do crime de difamação e do pedido de indemnização civil, assim se revogando a sentença recorrida.
2. Sem custas.
30 de Junho de 2014