Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
236/13.4TCGMR-A.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
PERÍCIA COLEGIAL
INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: I - O exame médico efetuado no âmbito de um processo civil para determinar o grau de incapacidade e o seu rebate profissional, é um exame médico-legal.
II - O nº 3 do artº 21º do DL 45/2004 deve ser interpretado no sentido de se aplicar apenas nos casos em que a perícia colegial é imposta por normas imperativas.
III - Em regra as perícias médico-legais são efetuadas por um único perito.
IV - Serão efetuadas colegialmente, quando o julgador o determinar de forma fundamentada.
V - Quando realizadas com a intervenção de três peritos, não são efetuadas por peritos indicados ou nomeados nos termos do artº 468º do CPC, mas sim por peritos médicos do quadro do IML ou contratados e, ainda, por docentes e investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados.
Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Guimarães
1ª Secção Cível
Largo João Franco – 4810-269 Guimarães
Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt





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Acordam em conferência na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
J… na acção que instaurou contra G…, SPA, veio interpor recurso do despacho do Mmo Juiz a quo proferido em 30.04.2014, com o seguinte teor:
“Veio o Autor requerer a realização de uma segunda perícia.
A Ré opôs-se, pugnando pela desnecessidade de tal diligência.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no artº. 487º/1 do Código de Processo Civil qualquer das partes pode pedir a realização de segunda perícia alegando, fundadamente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
O Autor demonstrou profusamente as razões da sua discordância face ao relatório pericial apresentado, razões essas que não se me afiguram como sendo meramente dilatórias.
Assim sendo, defiro à realização da segunda perícia, com o mesmo objecto, nos termos do disposto no artº. 487º/3 do Código de Processo Civil, a qual, contudo, será realizada igualmente no G. M. Legal de Guimarães, por um único perito, que não aquele que elaborou o relatório que consta dos autos (cfr. artº. 488º/ b). do C. P. Civil e artº. 21º/1 e 4 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto; Ac. RP 4.2.2010, proc. 201/06.8TBMCD.P1, Ac. RP 9.06.2009, proc. 13492/05.2TBMAI.BP1, ambos em www.dge.mj.pt), indeferindo-se, por conseguinte, a requerida colegialidade.“

Apresentou as seguintes conclusões:
.1. O A. por requerimento datado de 24.04.2014, com a referência 397923, requereu a realização de uma segunda perícia na forma colegial em sede de direito civil e em sede de direito de trabalho.
.2. O Tribunal a quo por douto despacho judicial objecto do presente recurso decidiu deferir a realização da segunda perícia, determinando, porém, que a mesma seja realizada em molde singular, ou seja, efectuada apenas por um único perito a indicar pelo IML.
.3. Salvaguardado o devido respeito, o Tribunal a quo não sopesou, ao tomar a sua decisão, a relevância da segunda perícia em moldes colegiais, pelo que o recurso é apresentado na firme convicção de que se impõe, necessariamente, uma decisão diferente.
.4. Sempre com o devido respeito por opinião contrária, a realização da segunda perícia em moldes colegiais, seria de toda a utilidade ao processo (permitia carrear para os autos prova mais eficaz, dotar a decisão de maior segurança contra os factos e, por conseguinte contribuiria para uma decisão mais justa).
.5. Certo é que a alínea b) do artº 488º do CPC não determina que se admita a realização da segunda perícia em moldes colegiais com base na complexidade do caso concreto, antes determina que a mesma será em regra colegial.
.6. Nesse sentido veja-se o recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.12.2013, processo 53/07.TBVL-C.P1-3ª Secção.
“(…) se o que está em causa nos autos é saber se a pessoa apresenta certas limitações de ordem física ou psíquica já médicos e especialistas vários poderão realizar a perícia, desde que as partes o requeiram e o juiz não conheça obstáculo para tanto (…).
(…) Nada obsta, nos termos da lei a que a segunda perícia seja colegial, com intervenção dos peritos indicados pelas partes e pelo Tribunal (…)”.
A realização da segunda perícia em moldes colegiais, salvo melhor opinião, reforça a descoberta da verdade material uma vez que é realizada com base na convicção/conhecimento de três peritos especialistas.
.7. Neste sentido veja-se também o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.10.2013, processo 9217/10.9TBVNG-A.P1:
.I. – Em princípio, a abordagem técnico-científica das questões (médico-legais) controvertidas, efectuada por três peritos médicos, tem a virtualidade de permitir uma mais segura aproximação à verdade material, desiderato primacial do Processo Civil, conduzindo a uma mais sólida formação da convicção do julgador.
.II. – A probabilidade de o resultado a que chegarão três peritos na 2ª perícia vir a ser distinto do 1º exame médico-legal não é descipienda, podendo merecer melhor crédito – artº 591º do Código de Processo Civil e 389º do Código Civil – porquanto se baseia em maior número de peritos e permitir melhor fundamentação.
.8. Em princípio, a abordagem técnico-científica das questões (médico-legais) controvertida, efectuada por três peritos médicos, tem a virtualidade de permitir uma mais segura aproximação à verdade material, desiderato primacial do Processo Civil, conduzindo a uma mais sólida formação da convicção do julgador.
.9. A probabilidade de o resultado a que chegarão 3 peritos na 2ª perícia vir a ser distinto do 1º exame médico-legal não é descipienda, podendo merecer melhor crédito – artº 489º do CPC e 389º do Código Civil – porquanto se baseia em maior número de peritos e permitir melhor fundamentação.
.10. Ao actuar como fez, o Tribunal a quo violou o disposto no artº 569º e 590º do CPC, pelo que, deverá o douto despacho proferido ser revogado e substituído por um outro que admita a realização de segunda perícia em moldes colegiais.
.11. Pelo exposto, deverá o Douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que nos termos do disposto nos artigos 488º, alínea b) do CPC, admita a realização de segunda perícia em moldes colegiais.
.12. Foram assim violados, entre outros, os artigos:
.a) 488º, alínea b) e 489º ambos do CPC,
.b) 389º do CC.

A parte contrária contra-alegou, tendo concluído pela manutenção do despacho recorrido.

II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
a questão a decidir é se a segunda perícia médica deve ser realizada em moldes colegiais, quando uma das partes o requeira.

III – Fundamentação
A situação factual é a supra descrita.
Estatui o nº 3 do artº 467º do CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013, de 26/6 (diploma a que se reportam todas as disposições legais citadas, sem indicação de outra fonte) que as perícias médico legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que os regulamenta.
O Código de Processo Civil na redacção introduzida pela Lei 41/2013 manteve quase inalteradas as disposições relativas à prova pericial – artigos 467º a 489º, procedendo quase sempre apenas à actualização das remissões, necessária por força da alteração do número de ordem dos artigos. No entanto, enquanto a alínea b) do artº 590º do CPC na redacção do DL 329-A/95 de 12/12, dispunha, quanto ao regime da segunda perícia, que esta seria em regra colegial, excedendo o número de peritos em dois o da primeira, cabendo ao juiz nomear apenas um deles, a actual alínea b) do artº 488º, disposição que actualmente rege sobre a segunda perícia, não contém disposição paralela.
Mesmo dispondo a lei, no domínio da redacção anterior, que a segunda perícia era em regra colegial, da citada norma, resultava, desde logo, que, apesar de se instituir como regra a perícia colegial (no que respeita à 2ª perícia), não era obrigatório que assim fosse e, portanto, a realização de uma 2ª perícia por um único perito foi admitida e consentida pelo legislador.
Não nos parece que o artº 488º do CPC, na redacção conferida pela L 41/2013, tenha restringido a perícia colegial apenas aos casos em que a 1ª perícia tenha sido colegial, pois que manda aplicar as disposições aplicáveis à primeira perícia e nesta está prevista a perícia colegial por determinação do Tribunal ou a requerimento de alguma das partes. O que assegura é que a segunda perícia será sempre colegial, quando a primeira o for.
Em que termos é possível a perícia colegial de acordo com a Lei 45/2004, de 19/8, lei que estabelece o regime jurídico das perícias médico legais, como é o caso da perícia em causa nestes?
Dispõe o artº 21º da Lei 45/2004:
.1. Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são realizados por um único médico perito.
.2. Os exames de vítimas de agressão sexual podem ser realizados sempre que necessário, por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem.
.3. O disposto no nº 1 não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente.
.4. Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, ficando as perícias colegiais previstas no CPC reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.

Se entendermos que o nº 3 do artº 21º da Lei 45/2004 ressalva expressamente as situações previstas no Código do Processo Civil em que é possível a perícia médico-legal colegial, então fica sem sentido a norma do nº 4 do mesmo artº 21º que, referindo-se expressamente às perícias colegiais previstas no CPC, determina que as mesmas apenas sejam colegiais quando o juiz, na falta de alternativa, o justifique fundamentadamente.
Da conjugação do disposto no artº 467/1 e 3 do CPC com o artº 21º da L 45/2004 ter-se-á que concluir que, por lei especial relativa a perícias e exames médicos, são afastadas as regras gerais contidas no Código de Processo Civil, relativamente à realização das perícias médico legais, sendo em regra a primeira e a segunda perícias singulares. E, em face da redacção dada ao artº 21º, nº4, da Lei 45/2004, no âmbito das perícias médico-legais, não basta que uma das partes requeira a sua realização nesses termos para que a perícia seja efectuada em moldes colegiais[1].
O nº 3 do artº 21º do DL 45/2004 é para os casos em que a perícia colegial é fixada imperativamente, o que não é o caso.
As perícias médico legais, só excepcionalmente não serão efectuadas por um só perito quando:
a) – se trate de exames a vítimas de agressão sexual, e disso houver necessidade, podem ser realizados por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem;
b) – o juiz, em despacho fundamentado, determine que a mesma se faça em termos colegiais (nomeadamente nos casos em que a perícia exige um grau de especialização que os peritos médicos da respectiva delegação ou gabinete não possuem);
c) – finalmente, existam normas legais que preceituem, imperativamente, de forma diferente.
E, mesmo quando admissíveis, as perícias colegiais, no âmbito da clínica médico-legal e forense, não são efectuadas por peritos indicados ou nomeados, nos termos do artº 468º do CPC, já que tais perícias são efectuadas por médicos do quadro do Instituto ou contratados nos termos da referida lei (artº 27º, nº 1) ou, eventualmente, por docentes ou investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados pelo Instituto com instituições de ensino públicas ou privadas (nº2 do artº 27º).
No caso, não se vislumbram razões devidamente fundamentadas, nem o apelante as invoca para que seja determinada a realização de uma perícia colegial. O invocado pela apelante de que a abordagem técnico-científica das questões médico-legais controvertida, efectuada por três peritos médicos, tem a virtualidade de permitir uma mais segura aproximação à verdade material, desiderato primacial do Processo Civil, conduzindo a uma mais sólida formação da convicção do julgador, além de carecer de demonstração é um argumento que pode ser utilizado em qualquer situação, não justificando por si só que se determine a realização de uma perícia colegial, restrita a casos devidamente fundamentados.
Mantém-se assim o despacho recorrido.

Sumário:
. O exame médico efectuado no âmbito de um processo civil para determinar o grau de incapacidade e o seu rebate profissional, é um exame médico-legal.
. O nº 3 do artº 21º do DL 45/2004 deve ser interpretado no sentido de se aplicar apenas nos casos em que a perícia colegial é imposta por normas imperativas.
. Em regra as perícias médico-legais são efectuadas por um único perito.
. Serão efectuadas colegialmente, quando o julgador o determinar de forma fundamentada.
. Quando realizadas com a intervenção de três peritos, não são efectuadas por peritos indicados ou nomeados nos termos do artº 468º do CPC, mas sim por peritos médicos do quadro do IML ou contratados e, ainda, por docentes e investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Guimarães, 3 de Julho de 2014
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
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[1] cf. no mesmo sentido, o acórdão desta Relação, datado de 08.05.2012, proferido no proc. 944/10, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. se defende no acórdão da Relação do Porto de 13.12.2012, proferido no proc1518/11, disponível em www.dgsi.pt.